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BrBRHUHu0101-33002009000200003

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variedadeBr
ano2009
fonteScielo

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A dificuldade da tolerância

O QUE É TOLERÂNCIA? A tolerância requer de nós aceitar as pessoas e consentir suas práticas mesmo quando as desaprovamos fortemente. Tolerância então envolve uma atitude intermediária entre a absoluta aceitação e a oposição imoderada1. Esse status intermediário faz da tolerância uma atitude complexa. certas coisas, como um assassinato, que não devem ser toleradas. Existem limites para o que podemos fazer a fim de prevenir que essas coisas aconteçam, mas não necessidade de que nos controlemos por conta de tolerância para com essas ações, como se elas fossem uma expressão dos valores dos criminosos. Em outros casos, em que nossos sentimentos de contrariedade ou desaprovação devem ser propriamente coibidos, seria melhor se nos livrássemos completamente deles. Caso estejamos movidos por preconceito racial ou étnico, por exemplo, a melhor solução não é simplesmente tolerar aqueles que execramos, mas deixar de execrar as pessoas porque parecem diferentes ou provêm de uma origem diferente.

É possível que todos os casos se encaixem, idealmente, em uma ou outra dessas duas classes. Exceto onde a total desaprovação e oposição são apropriadas, como no caso do assassinato, o melhor seria se os sentimentos que geram conflito e desentendimento pudessem ser eliminados por completo. A tolerância, como uma atitude que requer de nós a contenção de certos sentimentos de contrariedade e de desaprovação, tornar-se-ia então apenas a segunda melhor opção - uma maneira de lidar com condutas sem as quais estaríamos em uma melhor situação, mas que não são, infelizmente, elimináveis. Afirmar isso não significa condenar a tolerância. Mesmo que ela seja, nesse sentido, uma segunda opção, uma adoção disseminada de atitudes tolerantes representaria uma vasta melhora com relação à matança facciosa de que se tem notícia diariamente, em várias partes do globo. Estancar essa violência não seria uma façanha modesta.

Ainda assim, parece-me que existem casos puros de tolerância, nos quais ela não é um mero expediente para se lidar com as imperfeições da natureza humana. Tais seriam os casos em que o conflito e o desentendimento persistentes devem ser esperados e são, diferentemente do preconceito racial, totalmente compatíveis com o pleno respeito por aqueles de quem discordamos. Ao passo que o respeito de uns aos outros não requer que abandonemos nossa discordância, ele certamente impõe limites na forma como esse conflito pode ser tratado. No presente artigo, pretendo investigar a possibilidade desse tipo de tolerância pura, com o objetivo de melhor compreender nossa idéia de tolerância e a dificuldade de alcançá-la. Uma vez que desejo particularmente entender com mais clareza por que ela é uma atitude e uma prática difíceis de se cultivar, procurarei me concentrar nos casos em que eu mesmo considero a tolerância difícil. Começo com o conhecido exemplo da tolerância religiosa, o qual fornece o modelo para a maior parte de nossas reflexões sobre os outros tipos de tolerância.

A ampla aceitação da idéia de tolerância religiosa é, ao menos na América do Norte e na Europa, um legado histórico das guerras religiosas européias. Hoje a tolerância religiosa é largamente reconhecida como um ideal, ainda que haja muitos lugares no mundo em que, neste exato instante, sangue está sendo derramado em função de divisões que são, ao menos em parte, religiosas.

Como alguém para quem a religião não é matéria de qualquer relevância em termos pessoais, parece fácil para mim, ao menos a princípio, endossar a tolerância religiosa. É assim, pelo menos, nos casos em que a tolerância é entendida nos termos dos dois princípios da Primeira Emenda da Constituição dos Estados Unidos: "Não poderá o Congresso legislar no que diz respeito à oficialização de uma religião, ou proibir a livre prática religiosa". A aceitação desses princípios, de meu ponto de vista, parece trazer apenas benefícios e nenhum custo. Por que razão eu pretenderia interferir na prática religiosa das outras pessoas, uma vez que elas não podem impor essa prática a mim? Tenderia a afirmar que, se a tolerância religiosa tem custos, eles oneram a outros, não a mim.

Parece assim que, à primeira vista (embora argumente mais tarde que isso é um equívoco), a tolerância religiosa não envolve, para mim, a tensão que acabei de descrever: eu não sinto a contrariedade que ela me pede para controlar. Por que eu desejaria dizer aos outros qual a religião a seguir, ou ter alguma instituída como nosso credo oficial? Por outro lado, para aqueles que desejam essas coisas, a tolerância religiosa parece exigir bastante: se eu achasse extremamente importante que todos cultuassem da forma correta, como poderia aceitar a tolerância a não ser como uma trégua, aceitável na condição de alternativa a uma matança interminável, mas ainda assim uma necessidade a ser lamentada? A tolerância pura parece ter-nos escapado.

Pretendo argumentar que essa forma de ver as coisas está errada. A tolerância envolve custos e riscos para todos, mas é, contudo, uma atitude que temos todos razão para valorizar.

O QUE A TOLERÂNCIA REQUER? Essa é uma questão difícil de responder, em parte porque mais de uma resposta, todas igualmente boas, em parte porque qualquer boa resposta será vaga em importantes aspectos. Uma parte de qualquer resposta é legal e política. A tolerância requer que às pessoas situadas do lado "errado" das diferenças a que fiz menção não sejam por tal razão negados direitos civis e políticos: o direito de voto, de ocupar cargos públicos, de se beneficiar de bens públicos essenciais que são de outro modo abertos a todos, tais como educação, segurança pública, garantias jurídicas, tratamento médico e acesso a "programas sociais". Além disso, requer que o Estado não privilegie um grupo em detrimento de outro na distribuição das prerrogativas e benefícios.

É essa a parte da resposta que me parece admitir mais de uma versão. Nos Estados Unidos, por exemplo, a exigência de que todo grupo religioso tenha direito igual às proteções e benefícios providos pelo Estado é interpretada no sentido de que o Estado não pode apoiar, financeiramente ou de qualquer outro modo, nenhuma organização religiosa. A principal exceção, nada insignificante, é a de que qualquer organização religiosa pode requerer imunidade tributária.

Portanto, mesmo nossa idéia de "não-oficialização" corresponde a uma estratégia mista: algumas formas de apoio não são permitidas a nenhuma religião, outras são facultadas desde que estejam disponíveis para todas as religiões. Essa mescla soa a mim mais como um compromisso político específico do que como uma solução requerida unicamente pela idéia de tolerância religiosa. Uma sociedade na qual houvesse uma qualificação religiosa para se ocupar cargos públicos não poderia ser considerada tolerante ou justa. Mas eu não diria o mesmo com respeito a qualquer forma de suporte estatal para a prática religiosa. Na Grã- Bretanha, por exemplo, existe uma Igreja oficial e o Estado suporte tanto aos colégios confessionais como aos laicos. A meu ver, o conjunto dessas escolas é muito estreito para refletir a diversidade religiosa da Inglaterra contemporânea, mas não vejo como qualquer sistema desse tipo possa ser acusado de pouco tolerante. Mesmo que conceder a uma religião certas formas específicas de apoio fosse intolerante, existem múltiplas combinações aceitáveis do que se denegar a toda religião e do que disponibilizar a todas elas. A particular combinação atualmente aceita nos Estados Unidos não é a única solução justa.

Essa indeterminação estende-se inclusive para o campo da liberdade de expressão, que será particularmente importante no que se segue. Qualquer sociedade justa e tolerante deve proteger a liberdade de expressão. Isso não significa somente que a censura é vedada, mas requer igualmente que os indivíduos e grupos disponham de meios efetivos para levar suas visões a público. Existem, contudo, várias maneiras de levar isso a cabo2. , por exemplo, muitas formas de se definir e regular um "fórum público", e nenhuma delas é especificamente requerida. Os modos de expressão permitidos e protegidos não precisam ser os mesmos em todo lugar.

Deixe-me passar agora dos aspectos institucionais mais claros da tolerância para os mais atitudinais e menos institucionais, deslocando-me, desse modo, do indeterminado para o vago. Havia dito que a tolerância envolve "aceitar como iguais" aqueles que diferem de nós. No que disse até o momento, essa igualdade significou a igual posse de direitos civis e políticos fundamentais, mas o ideal de igualdade envolvido na tolerância vai além desses direitos em específico. Pode-se colocar do seguinte modo: todos os membros da sociedade têm direito igual a serem levados em consideração na definição do que seja nossa sociedade e direito igual a participarem na determinação daquilo que ela virá a ser no futuro. Essa idéia é inevitavelmente vaga e difícil de se aceitar. Ela é difícil de aceitar na medida em que se aplica àqueles que diferem ou discordam de nós, e que tornariam nossa sociedade algo diverso daquilo que desejamos que seja. Ela é vaga por conta da dificuldade de se dizer exatamente o que esse "direito igual" envolve. Uma forma de participação é, evidentemente, através da política formal do voto, da disputa por cargos, da busca por angariar votos para as leis e políticas que defendemos. Mas o que pretendo destacar no momento é o modo como os requisitos da tolerância vão além desse ramo da política formal, em direção ao que pode ser chamado de política informal da vida social.

A disputa entre grupos religiosos é um exemplo claro dessa política informal, mas é apenas um. Outros grupos e indivíduos envolvemse no mesmo tipo de luta política a todo tempo: nós damos e seguimos exemplos, procuramos ser reconhecidos ou ver nossos ícones reconhecidos em todo aspecto da vida cultural e social. Uma sociedade tolerante - quero sustentar - é aquela cuja política informal é democrática. Essa democracia é uma questão de direito e de instituições (uma questão, por exemplo, de regulação da expressão). Mas é também, de forma relevante e irredutível, uma questão de atitude. Esse último tipo de tolerância não é de fácil aceitação - ela envolve riscos e receios - e não é de fácil realização, mesmo em nossas próprias atitudes, quando mais na sociedade como um todo.

Para explicar o que tenho em mente, é mais fácil começar por controvérsias comuns a respeito da liberdade de expressão e da "imposição da moral". O desejo de se evitar que aqueles dos quais discordamos influenciem a evolução de nossa sociedade tem sido um dos principais motivos para a restrição da expressão - por exemplo, para a restrição do proselitismo religioso e para a restrição da venda de publicações que tratem de sexo, mesmo quando elas não são vendidas ou utilizadas de forma a forçar os outros a vê-las. Essa motivação sustenta não apenas a censura, mas também um tipo de regulação do agir privado que levanta a questão da "imposição da moral". As relações sexuais consentidas entre adultos na intimidade de seus quartos não são "expressão", mas não é raro ver tentativas de se regular tais condutas, bem como expressões a elas relacionadas. Em ambos os casos, o que o impositor deseja é impedir a disseminação de certas formas de comportamento e de postura, tanto ao desencorajá-las como - tão importante quanto - ao fazer uso do direito penal para conseguir uma declaração oficial de desaprovação social.

Uma forma de resposta liberal tem sido negar legitimidade a qualquer interesse em se "proteger a sociedade" de certas formas de mudança (o análogo a se declarar que a religião é um assunto exclusivamente privado). Tal resposta me parece equivocada3. Todos nós temos profundo interesse em como os costumes e práticas prevalecentes evoluem. Eu mesmo, por certo, possuo tal interesse e não o considero ilegítimo. Não me importo se as outras pessoas, individualmente, costumam nadar nuas ou não, mas não quero que a sociedade em que vivo venha a ser uma na qual banhar-se nu torne-se regra a tal ponto que eu não possa vestir um calção sem atrair olhares e ficar embaraçado. Não desejo ditar o que os outros, individualmente, em pares ou em grupos, fazem em suas camas, mas realmente preferiria viver em uma sociedade na qual fosse dada menos importância à sexualidade e à atração sexual, qualquer que sejam suas formas, do que ocorre hoje em nossa sociedade. Não me importo com o que os outros lêem e ouvem, mas gostaria que a sociedade em que vivo fosse uma na qual houvesse ao menos um número significativo de pessoas que conhecessem e admirassem as mesmas literatura e música do que eu, de modo a que tal música estivesse acessível a todos e, dessa forma, existissem outros com quem compartilhar minha apreciação de seu valor.

Vista desse prisma, a tolerância religiosa oferece riscos muito maiores para mim do que sugeri no início deste artigo: estou de acordo em deixar os outros com as práticas religiosas de sua escolha na condição de que eles me deixem livre para não ter nenhuma. Mas me sentirei bastante incomodado se, com o tempo, isso fizer com que a sociedade em que vivo se torne uma na qual quase todos sejam, de um modo ou de outro, profundamente religiosos, e na qual a religião ocupe um papel central em todo discurso público. Além do mais, sentir- me-ia da mesma forma mesmo se continuasse a dispor da proteção assegurada pela Primeira Emenda. Receio não somente pela imposição legal de uma religião, mas também por sua predominância social.

Logo, não vejo nada de errado ou de ilegítimo com relação, ao menos, a algumas das preocupações que têm movido aqueles que advogam a imposição legal da moral ou que buscam restringir a expressão no intuito de impedir o que vêem como uma deterioração da sociedade em que vivem. Posso discordar deles no mérito, mas não diria que preocupações desse tipo sejam algo que todos deveriam ou poderiam evitar. O que é objetável quanto à "imposição legal da moral" é a tentativa de se restringir a vida particular dos indivíduos como forma de controlar a evolução dos costumes. O moralismo legal é um modo de intolerância, por exemplo, quando se vale do direito penal para negar que os homossexuais sejam participantes legítimos da política informal da sociedade.

Minha intenção até aqui não foi dizer como essa política informal pode ser regulada. Foi, em vez disso, ilustrar o que entendo por política informal, demonstrar o que nela considero de grande importância para todos nós e sugerir que, por tal razão, a tolerância é para todos nós matéria de risco, uma prática com altos valores em jogo.

O VALOR DA TOLERÂNCIA Por que, então, dar valor à tolerância? A resposta encontra-se, acredito, na relação entre os concidadãos que a tolerância torna possível. É fácil perceber que uma pessoa tolerante e uma intolerante têm atitudes diferentes com relação àqueles na sociedade de quem eles discordam. A atitude da pessoa tolerante é essa: "Ainda que discordemos, eles são membros plenos da sociedade, assim como eu. Têm o mesmo direito que eu tenho às garantias da lei, o mesmo direito que eu de viver da forma que escolherem. Além disso (e essa é a parte difícil) nem a forma de vida deles nem a minha é a forma de vida singular de nossa sociedade. Elas são apenas duas dentre as perspectivas potencialmente muito diversas que nossa sociedade pode incluir, cada qual com igual direito de ser expressa ativamente como um modo de vida que outros podem adotar. Se nosso ponto de vista for, em algum momento, numérica ou culturalmente predominante, isso deve ser determinado pelas e dependente das escolhas somadas dos membros individuais da sociedade como um todo".

Os indivíduos intolerantes recusam isso. Eles reivindicam uma posição especial para seus próprios valores e forma de vida. Aqueles que vivem de forma diferente - turcos na Alemanha, muçulmanos na Índia e homossexuais em algumas partes dos Estados Unidos, por exemplo - não são, segundo sua visão, membros plenos de sua sociedade, e os intolerantes reivindicam o direito de suprimir essas outras formas de vida em nome da proteção à sociedade e aos valores "dela". Procuram fazê-lo tanto pela força do direito penal como pela rejeição a formas de incentivo público disponibilizadas aos demais grupos, tais como o subsídio público às artes.

O que acabo de oferecer é uma descrição, não um argumento. Mas o primeiro modo de se argumentar em prol da tolerância é simplesmente indicar, com base nessa descrição, que a tolerância envolve uma relação mais interessante e atraente entre os grupos opostos em uma sociedade. Qualquer sociedade, não importa o quão homogênea, incluirá pessoas que discordam em relação a como viver e a como querem que seja a sociedade em que vivem (e as discordâncias em uma cultura relativamente homogênea podem ser mais intensas do que aquelas em uma sociedade fundada na diversidade, como os Estados Unidos). Dado que deve haver desentendimentos e que aqueles que discordam precisam de algum modo viver juntos, não seria melhor, se possível, manter essas discordâncias contidas em uma estrutura de respeito mútuo? Parece que a alternativa é estar sempre em conflito, mesmo no mais profundo nível, com um número elevado de nossos concidadãos. A qualificação "mesmo no mais profundo nível" é aqui crucial.

Estou assumindo que em qualquer sociedade existirão ao longo do tempo conflitos, desentendimentos sérios, quanto à natureza e à direção da sociedade.

O que a tolerância expressa é o reconhecimento de uma filiação comum que é mais profunda do que esses conflitos, o reconhecimento dos demais como dotados do mesmo direito que nós de contribuir para a definição de nossa sociedade. Sem isso, somos apenas grupos rivais em disputa sobre o mesmo território. O fato de que cada um de nós, por boas razões históricas e pessoais, considere-o como nosso território e nossa tradição somente torna o conflito ainda mais profundo.

Aceite-se isso como justificação suficiente para a tolerância ou não, é fácil de ver a diferença que a tolerância faz em nossa relação com aqueles que são "diferentes". O que é menos óbvio, mas tão importante quanto, é a diferença que faz a tolerância em nossa relação com aqueles de quem somos próximos. Nossos filhos fornecem o exemplo mais claro. Na condição de meus filhos, eles são membros plenos de nossa sociedade tanto quanto eu. É a sociedade deles o tanto quanto é minha. O que se aprende como um pai, entretanto, é que não garantia de que a sociedade que eles irão querer seja a mesma que eu quero. Intolerância implica que o direito deles de viver como escolherem e de influenciar os outros a fazer o mesmo seja condicionado a concordarem comigo quanto ao modo correto de se viver. Se acredito que os outros, na medida em que discordam de mim, não têm o mesmo direito que eu de moldar os costumes de nossa sociedade comum, então devo pensar o mesmo com relação a meus filhos, caso eles aderissem a essa oposição. É possível que eu sustente que o simples fato de serem meus filhos a eles uma posição política privilegiada. Mas isso me parece questionável.

Menos questionável, acredito, é que esse exemplo revela o dado de que a intolerância envolve uma negação da plena filiação aos "outros". O que de particular em relação a nossos filhos, no caso, é apenas que a filiação deles é impossível de se negar. Mas a intolerância nos força a negá-la, por torná-la condicionada à concordância substantiva com nossos próprios valores.

Meu argumento até aqui foi o de que a justificação para a tolerância está no fato de que rejeitá-la envolve uma forma de alienação em relação a nossos concidadãos. É importante reconhecer, contudo, que a força desse argumento depende de que estejamos falando da filiação a uma "sociedade" como unidade política. Isso pode ser demonstrado ao se considerar de que modo o argumento em prol da tolerância se aplicaria em uma sociedade privada, tais como uma igreja ou uma organização política4. Desentendimentos devem surgir dentro de qualquer grupo desse tipo, com relação à forma de se interpretar seus valores compartilhados. Seria então intolerante pretender excluir do grupo aqueles com visões divergentes, negar a eles o direito de participar nas convenções e concorrer com a legenda do partido, negar a eles os sacramentos ou deixar de convidá-los para as reuniões? pode-se dizer que isso também envolve a espécie de alienação que descrevi, ao tornar a condição de membros dos demais dependente da concordância com nossos valores. Mas certamente os grupos desse tipo possuem boas razões para excluir aqueles que discordam. Os grupos religiosos e as organizações políticas perderiam o sentido caso tivessem que incluir qualquer um.

Em ao menos um sentido as idéias de tolerância e intolerância que descrevi se aplicam, de fato, às associações privadas. Como disse, desacordos devem surgir em tais grupos e, quando surgirem, é intolerante tentar negar àqueles de quem se discorda a oportunidade de persuadir os demais a adotar sua interpretação dos valores e da missão do grupo. Uma tolerância desse tipo é necessária em função da idéia mesmade uma associação fundada no compromisso com "valores compartilhados". Em que sentido poderiam tais valores ser "compartilhados" a menos que haja algum processo - como a política formal e a informal às quais me referi - por meio do qual eles se desenvolvam e um acordo quanto aos mesmos possa ser sustentado5? Existem, contudo, limites. O próprio significado dos bens em questão - os sacramentos, a legenda partidária-requer que eles sejam condicionados a certas crenças. Logo, não é intolerante que o grupo como um todo, após devida deliberação, negue esses bens àqueles que claramente não adotam tais crenças.

A tolerância no nível da sociedade política é uma questão diferente. Os bens em jogo nesse caso, tais como o direito de voto, de ocupar cargos públicos e de participar no fórum público, não perdem seu significado se forem estendidos a pessoas de quem discordamos com relação ao tipo de sociedade que gostaríamos de ter, ou mesmo àqueles que rejeitam seus princípios mais básicos. É possível tornar-se um membro da sociedade, e assim ter direito a esses bens, apenas por se ter nela nascido (assim como de outras formas) e exige-se a obediência às suas leis e instituições enquanto se permanecer em seu território. O argumento em prol da tolerância que estou delineando é baseado nessa idéia de sociedade e na idéia de que a relação de "concidadania" nela envolvida é algo que temos razão para valorizar. A forma de alienação que mencionei ocorre quando os termos dessa relação são violados: quando negamos aos outros, que são tão membros da sociedade em que vivemos quanto nós, o direito a ter seu papel na definição e na formação dessa última6.

Como havia dito, algo semelhante pode ocorrer quando negamos a consociados de uma associação privada sua parcela legítima na formação da mesma. Mas a relação de "consociação" que é violada é diferente da relação de "concidadania" e deve ser valorizada por razões diferentes. As razões para se dar valor a tal relação em específico impõem com freqüência limites ao seu espectro de aplicação. Seria absurdo, por exemplo, que os presbiterianos considerassem todos aqueles nascidos nos cinqüenta Estados Unidos como membros de sua igreja, e não seria, portanto, intolerante negar a alguns deles o direito de participar no desenvolvimento dessa instituição. Mas a relação de "concidadania" deve necessariamente coligar ao menos todos os nascidos em uma sociedade e manter-se dentro de suas fronteiras. Logo, ela não impõe - e, na verdade, é incompatível com - quaisquer limites mais estreitos.

A DIFICULDADE DA TOLERÂNCIA Os exemplos de intolerância estão todos à nossa volta. Para citar uns poucos exemplos recentes nos Estados Unidos, temos os referendos contrários aos direitos dos gays no Oregon e no Colorado, as tentativas do senador Jesse Helms e outros de impedir que o Fundo Nacional para as Artes e o Fundo Nacional para as Humanidades financiassem projetos que eles desaprovam, as recentes declarações do governador do Mississipi de que "a América é uma nação cristã" e declarações similares nos discursos da Convenção Nacional Republicana de 1992, provindas de representantes da direita cristã.

É fácil, contudo, ver intolerância em nossos oponentes, porém mais difícil evitá-la em nós mesmos. Penso aqui, por exemplo, em minha reação à disputa, recorrente nos Estados Unidos, entre o ensino do evolucionismo e da "ciência criacionista" nas escolas públicas, e na proposta de se emendar a Constituição, se necessário, de forma a permitir a prática institucionalizada de orações nessas escolas. Acredito piamente que a "ciência criacionista" é um engodo e que as aulas de ciências não devam apresentar uma teoria científica e uma doutrina religiosa como alternativas com um mesmo e análogo direito a uma aceitação de mesma ordem. Não creio, portanto, que seja intolerante per se opor-se aos criacionistas. Mas confesso me dar conta de uma certa sensação de partidarismo nesses casos, uma sensação de superioridade em relação àqueles que propõe tais coisas e um desejo de não deixá-los vencer uma querela, mesmo que isso não representasse muito custo a ninguém. No caso do ensino de ciências, existe um custo, do mesmo modo que no das orações nas escolas. Mas também me inclino a defender a remoção de "In God We Trust"** de nossa moeda e a apoiar o fim da prática de orações em eventos públicos.

Essas alterações fazem sentido para mim porque tornariam a simbologia oficial de meu país mais completamente secular, logo, mais de acordo com minha visão pessoal, e posso ainda alegar que representam uma adesão mais consistente ao princípio constitucional de "não-oficialização" da religião. Alguns entendem essas duas razões como inconsistentes. Na visão deles, não estou apenas removendo um posicionamento particularista de nossa simbologia oficial, mas ao mesmo tempo substituindo-o por outro; não estou tornando nossa atividade pública neutra com relação ao secularismo e à religiosidade, mas demandando uma medida oficial que entronizaria ainda mais o secularismo (que é "oficialmente endossado" de várias outras formas, eles diriam) como nossa visão nacional. Tenho de admitir que, qualquer que possa ser a resposta apropriada para o dilema constitucional (e ela pode ser indeterminada), essa objeção traz consigo um tanto de verdade quando colocada como uma representação de minhas motivações, as quais são fortemente partidárias.

Mas por que razão elas não deveriam ser partidárias? Deve parecer que eu esteja, nesse caso, passando dos limites, fazendo alguns malabarismos à moda genuinamente liberal. Afinal, o argumento de que, ao requisitar a remoção daquele slogan de nosso dinheiro, estaria requisitando um endosso oficial à irreligiosidade é, na melhor hipótese, esquivo e não muito persuasivo. Ao passo que o slogan, por seu turno, tem de fato aquele agressivamente inclusivo (logo, potencialmente excludente) "nós" (we): "In God We Trust".

Significaria isso que em uma sociedade verdadeiramente tolerante não possa haver manifestações públicas dessa ordem, nenhuma defesa ou ordenação, pelo Estado, de qualquer doutrina em particular? Nem mesmo a da tolerância ela própria? Isso parece absurdo. Deixe-me considerar o problema por partes.

Primeiramente, seria intolerante impor o comportamento tolerante e impedir que o intolerante aja conforme suas crenças? Certamente não. Os direitos dos discriminados exigem essa proteção e a demanda por tolerância não pode se tornar uma demanda por se fazer tudo aquilo que se acredita correto.

Em segundo lugar, é intolerante adotar a tolerância como doutrina oficial? Poderíamos colocar em nossa moeda: "Acreditamos na Tolerância" (Nada mal para um slogan, acredito, muito embora deves-se ser enunciado com cuidado). É intolerante se ensinar a tolerância nas escolas públicas e promovê-la em campanhas de conscientização patrocinadas pelo Estado? Certamente não e, novamente, pelas mesmas razões. A defesa da tolerância não nega a ninguém o seu lugar legítimo na sociedade. Ela confere a cada pessoa ou grupo um status na medida de sua reivindicação, ao mesmo tempo em que concede o mesmo aos demais.

Por último, é contrário à tolerância negar aos intolerantes a oportunidade que outros possuem de enunciar seus pontos de vista? Isso parceria negar-lhes um status concedido aos demais. Contudo, exigir que toleremos os intolerantes até desse modo parece exigir uma conduta quase irrealizável. Se um grupo sustentar que eu e as pessoas como eu simplesmente não têm lugar em nossa sociedade, que devemos deixá-la ou ser eliminados, de que modo posso considerar esse ponto de vista como um entre outros, igualmente autorizado a se fazer ouvir e a ser levado em conta em nossa política informal (ou mesmo formal)? Parece que exigir tal conduta é exigir demais.

Para que a tolerância faça sentido, portanto, devemos distinguir entre nossa atitude com relação ao que é defendido por nossos oponentes e nossa atitude com relação aos próprios oponentes: não é que seus pontos de vista tenham o direito de ser representados, mas são eles (como concidadãos, não como detentores daquele ponto de vista) quem têm o direito de ser ouvidos. Esforcei-me, assim, para chegar à afirmação recorrentemente atribuída a Voltaire7, ou seja, a uma platitude. No contexto de nossa discussão, contudo, acredito que isso não seja somente uma platitude, mas também a identificação de uma dificuldade, ou de múltiplas dificuldades.

O que a afirmação de Voltaire nos recorda é que a atitude requerida pela tolerância com relação aos outros deve ser entendida nos termos de diretos e proteções específicos. Ele menciona o direito à fala, mas esse é apenas um exemplo. A forma vaga do reconhecimento dos outros como detentores de direito igual a contribuir para a política informal, bem como para a mais formal, pode ser mais bem definida por meio da enumeração dos direitos específicos de discursar, de dar um exemplo mediante a própria conduta, de ter sua particular forma de vida reconhecida por meio de formas específicas de apoio oficial. A isso precisamos acrescentar a especificação dos tipos de apoio que nenhuma forma de vida pode requerer, tais como a proibição do comportamento alheio simplesmente por se desaprová-lo. Essas especificações dão à atitude da tolerância um conteúdo mais definido e a tornam mais defensável. É possível exigir de nós (ou assim acredito) que reconheçamos possuírem os demais esses direitos específicos, não importa o quanto façamos objeção ao que eles dizem.

Tal passo reduz o que antes chamei de vagueza da atitude de tolerância, mas nos deixa com o que havia denominado de indeterminação dos direitos mais formais.

Essa indeterminação residual envolve dois problemas.

O primeiro é conceitual. Embora alguma especificação de direitos e os limites de uma exemplificação e da aplicação sejam necessários para se dar conteúdo à idéia de tolerância e torná-la sustentável, a idéia de tolerância não pode jamais ser plenamente identificada com qualquer sistema particular de tais direitos e limites, como o sistema de direitos à livre expressão e associação, direito à privacidade e direito ao livre exercício (mas sem a oficialização) da religião, que são atualmente aceitos nos Estados Unidos. Vários sistemas diferentes de direitos são aceitáveis, nenhum deles é ideal. Cada um está, portanto, permanentemente aberto à contestação e à revisão. Aquilo a que chamarei de espírito da tolerância é parte do que nos leva a aceitar tal sistema e nos guia ao revisá-lo. É difícil afirmar com mais exatidão em que consiste esse espírito, mas eu o descreveria de certa forma como um espírito de conciliação, um desejo de encontrar um sistema de direitos cuja aceitação pelos demais (todos aqueles no amplo espectro alcançado pela relação de "concidadania") possa também ser exigida. Suspeito que seja esse o espírito que pode estar faltando em minha própria atitude com relação às orações públicas e à impressão em nossa moeda. É necessário que eu pergunte a mim mesmo a questão da conciliação: a recusa estrita de qualquer referência à religião é mesmo a única política que posso considerar aceitável ou existe algum outro compromisso entre o secularismo e as muitas variações de convicção religiosa que eu estaria disposto a levar em conta? O segundo problema, intimamente relacionado, é político. pouco incentivo atualmente na política para se propor essa questão da conciliação, e geralmente existem muitas razões mais fortes, tanto boas como más, para se deixar de fazê- lo. Uma vez que as fronteiras da tolerância são indeterminadas e as formas aceitáveis de se demarcá-las podem ser retratadas de modo a conferir legitimidade a nossos oponentes, a acusação de intolerância é uma poderosa moeda política.

Quando alguém faz uma afirmação que vejo como uma ameaça à reputação de meu grupo, tendo a sentir um forte desejo, talvez mesmo a obrigação, de não deixá- la sem resposta. Como havia dito, sinto tal desejo mesmo nos casos relativamente sem importância. Mas com freqüência, sobretudo nos casos importantes, uma forma particularmente eficaz de resposta (de "contradiscurso") é contestar os limites do sistema de política informal, por meio da alegação de que não se pode requerer de nós a aceitação de um sistema que permite o que os outros fizeram e, desse modo, exigir a mudança do sistema em nome da própria tolerância, de maneira a que ele proíba tais ações.

A fórmula é bastante comum. No início da década de 1970, por exemplo, universidades nos Estados Unidos foram tumultuadas por manifestantes exigindo que as palestras de estudiosos do QI, tais como Richard Herrnstein e William Schockley, fossem canceladas. O argumento oferecido era o de que permitir que eles discursassem contribuía para a difusão de suas idéias e, assim, para a promoção da adoção de políticas educacionais prejudiciais às minorias entre as crianças. À primeira vista, isso se mostrou irracional, pois os próprios protestos deram aos palestrantes uma audiência muito maior do que eles poderiam esperar de início. Mas o debate gerado por tais protestos também recebeu uma visibilidade muito maior, em benefício dos contendores. Uma vez que a "liberdade de expressão" estava sendo contestada, defensores das liberdades civis, alguns dos quais normalmente simpáticos à causa dos manifestantes, outros nem tanto, entraram na disputa. O resultado, transcorrido em vários campi, foi um episódio dramático e emocionante, que despertou cobertura midiática e editoriais chorosos e coléricos em diversos jornais. Quer a contestação às regras prevalecentes da tolerância tenha feito algum sentido teórico ou não, ela fez bastante sentido como uma estratégia política.

Uma análise muito semelhante me parece aplicável a controvérsias mais recentes, tais como aquelas geradas pela regulamentação de "discursos de ódio"*** no campus e pelos estatutos antipornografia de Indianápolis e Minneapolis. Acho difícil acreditar que a adoção dessas regulamentações faria muito pela proteção dos grupos em questão. Mas sua proposição, apenas por contestar princípios da livre expressão aceitos e valorados, tem sido uma forma muito eficaz de trazer as questões do racismo e do sexismo às mentes do restante da comunidade (mesmo que isso tenha também implicado em custos, ao oferecer a seus adversários uma arma no formato de reclamações quanto ao "politicamente correto").

A contestação às regras de tolerância aceitas é ainda um modo eficiente de se mobilizar apoio dentro dos grupos afetados. Como havia afirmado, não se pode esperar das vítimas de ataques racistas e antisemitas que os considerem expressões de "apenas mais um ponto de vista" que mereça ser levado em conta no julgamento pela opinião pública. Mesmo nos casos menos significativos, nos quais não somos de forma alguma ameaçados, freqüentemente não conseguimos distinguir (como havia dito acontecer comigo) entre a oposição ao que é dito e a convicção de que permitir que isso seja dito é uma forma de partidarismo por parte do Estado. É, portanto, natural que as vítimas dos discursos de ódio estejam determinadas a banir tais discursos como prova de fogo para o respeito a que fazem jus8. Mesmo que essa não seja uma exigência razoável, como acredito ser o caso com freqüência, a indeterminação dos referenciais de tolerância e a influência política por eles sofrida a tornam politicamente irresistível.

Por conta da indeterminação de tais referenciais - uma vez que a forma exata que deve assumir nosso sistema de tolerância é sempre, em alguma medida, uma questão aberta - não parecerá fora de propósito, mesmo para muitos defensores da tolerância, requisitar que uma forma específica de conduta seja proibida para que se proteja um grupo vitimado. Isso pode acontecer mesmo quando a modificação proposta seja, na prática, inviável, por não poder um sistema efetivo de tolerância oferecer essa forma de apoio a todo grupo. Por outro lado, por causa dessa mesma indeterminação, um sistema de tolerância não funcionará a menos que seja altamente valorizado e cuidadosamente protegido contra a erosão. Isso significa que qualquer modificação proposta será sensível à política, provocará uma forte oposição e, logo, uma valiosa publicidade para o grupo em questão.

Além do mais, uma vez que essa proteção tenha sido reivindicada por aqueles que falam pelo grupo - uma vez que se tenha feito dela uma prova de fogo para o respeito - tornase muito difícil para os membros individuais do grupo não apoiarem tal reivindicação9. O resultado é uma espécie de impasse político no qual a idéia de tolerância é uma poderosa força motivadora em duas frentes: de um lado, na forma do desejo de se proteger os grupos potencialmente excluídos; de outro, na forma do desejo de se proteger um sistema efetivo de tolerância.

Não tenho uma solução para tais problemas. Na realidade, parte de meu argumento é de que a natureza da tolerância os torna inevitáveis. A estratégia sugerida pelo que disse é procurar, o tanto quanto possível, evitar medidas hostis ao sistema de tolerância, para que não se torne uma "prova de fogo" para o respeito. Defensores das liberdades civis, como eu, que acorrem em defesa desse sistema, não deveriam somente gritar "Você não pode fazer isso!", mas deveriam também formular a questão da conciliação: "Existiriam outras formas, não prejudiciais ao sistema de tolerância, mediante as quais o respeito pelos grupos ameaçados pudesse ser demonstrado10?".

CONCLUSÃO Avaliei, de início, o caso paradigmático da tolerância religiosa, uma doutrina que parecia à primeira vista oferecer reduzidos custos ou riscos, quando vista da perspectiva de um liberal laico com uma proteção constitucional assegurada contra a "oficialização" de uma religião. Prossegui explicando por que a tolerância em geral - e a tolerância religiosa em particular - é uma política que implica em riscos e altos valores em jogo, mesmo dentro da moldura de uma democracia constitucional estável. Os riscos envolvidos encontram-se nem tanto na política formal das leis e constituições (ainda que possa haver nela riscos também), mas, em vez disso, na política informal, por meio da qual a natureza da sociedade é constantemente redefinida. Acredito na tolerância a despeito desses riscos, porque me parece que qualquer alternativa me colocaria em uma relação antagônica e alienada com meus concidadãos, tanto amigos como inimigos.

A atitude de tolerância é, todavia, difícil de se cultivar. se pode atribuir conteúdo à mesma por meio de alguma especificação dos direitos dos cidadãos enquanto participantes da política formal e da informal. Mas qualquer sistema de direitos do tipo será convencional e indeterminado, e está sujeito a ser vítima freqüente de ataques. Para se cultivar e interpretar tal sistema, necessitamos de uma maior atitude de tolerância e de conciliação, uma atitude que é, ela própria, difícil de se manter.

[*] Agradeço a Joshua Cohen e a Will Kymlicka por seus valorosos comentários a versões iniciais deste artigo. [N. do Ed.: Texto publicado originalmente em Heyd, David (ed.). Toleration: an elusive virtue. Princeton: Princeton University Press, 1996. ] [**] "Acreditamos em Deus" (N. do T.).

[***] Hate speech (N. do T.).

[1] Como aponta Horton, John. "Toleration as a virtue". In: Heyd, David (ed.).

Toleration: an elusive virtue. Princeton: Princeton University Press, 1996.

[2] Para ser mais exato, várias maneiras de tentá-lo. Acredito que nossas idéias de liberdade de expressão devam ser entendidas nos termos de um compromisso tanto com certos fins quanto com a concepção de determinados arranjos institucionais como meios cruciais para aqueles fins. Mas os meios nunca são plenamente adequados aos fins, o que leva à constante evolução dos mesmos. Para uma discussão sobre essa "instabilidade criativa", ver Scanlon, T.

M. "Content regulation reconsidered". In: Lichtenberg, J. (ed.). Democracy and the mass media. Nova York: Cambridge University Press, 1991.

[3] Valho-me aqui dos argumentos apresentados na seção 5 de meu artigo "Freedom of expression and categories of expression". University of Pittsburgh Law Review, vol. 40, 1979, pp. 479-520.

[4] Sou aqui tributário dos questionamentos muito úteis feitos por Will Kymlicka. Não sei se ele concordaria com a forma como os respondo.

[5] Conforme escreveu Michael Walzer, ao tratar de questão semelhante: "Quando as pessoas discordam quanto ao significado dos bens sociais, quando interpretações são controversas, a justiça requer que a sociedade seja respeitosa com as discordâncias, promovendo canais institucionais para sua expressão, mecanismos de ajuizamento e distribuições alternativas" (Spheres of justice. Nova York: Basic Books, 1984, p. 313).

[6] A intolerância também pode se manifestar quando negamos aos outros a oportunidade de se tornarem membros com base em fatores raciais ou culturais.

Mas eu me desviaria muito do tema ao discutir aqui os limites das políticas de justa imigração e naturalização.

[7] Diz-se que ele teria afirmado: "Discordo do que dizes, mas defenderei até a morte o direito de dizê-lo".

[8] Ver, por exemplo, Matsuda, Mari. "Public response to racist speech: considering the victim's story". Michigan Law Review, vol. 87, 1989. Matsuda enfatiza que a proibição legal é buscada porque representa uma condenação pública da postura racista.

[9] Penso aqui particularmente no caso de Salman Rushdie. A determinação do Aiatolá Khomeini de que Os versos satânicos fossem banidos não era razoável.

Contudo, muitos muçulmanos que viviam na Inglaterra sentiam-se tratados com falta de respeito por seus concidadãos. Mesmo que pudessem entender que a determinação do Aiatolá não era razoável, seria difícil que não a apoiassem logo que fosse lançada. A situação, no caso, foi ainda mais complicada (e a referência à "inviabilidade", problemática) devido à existência de uma lei britânica de punição da blasfêmia que protegia o cristianismo, mas não o islamismo. O resultado foi um impasse da espécie descrita no texto.

[10] Não pretendo sugerir que isso seja sempre requerido. Depende do caso e do grupo. Mas os casos difíceis serão aqueles em que a tolerância fala em favor da proteção de um grupo e, a um tempo, contrariamente à medida por eles reivindicada.


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