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BrBRHUHu0101-546X2002000100005

BrBRHUHu0101-546X2002000100005

variedadeBr
Country of publicationBR
colégioHumanities
Great areaHuman Sciences
ISSN0101-546X
ano2002
Issue0001
Article number00005

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Passos em falso da razão antiimperialista: Bourdieu, Wacquant, e o Orfeu e o Poder de Hanchard

São os estudos afro-americanos, como definidos e praticados nos Estados Unidos, um instrumento do imperialismo cultural dos EUA? Devem as discussões de raça, desigualdade racial, ou opressão racial em outras sociedades, quando conduzidas por norte-americanos, serem vistas como "intrusões etnográficas brutais"? São os termos "raça" e "racismo" conceitos perniciosos "que os EUA exportam e impõem" aos países "dominados" pelo imperialismo cultural americano? E devem os estudos abertamente anti-racistas, levados a cabo nos EUA sobre outros países, serem vistos como prova da infiltração de "perspectivas racistóides" norte- americanas em todos campos intelectuais nacionais? Estas estão entre as teses centrais de uma vigorosa polêmica ocorrida em 1998 e protagonizada por dois sociólogos franceses, Pierre Bourdieu e Loïc Wacquant, em um artigo traduzido para o inglês em 1999 com o título "Sobre as Artimanhas da Razão Imperialista" (Bourdieu & Wacquant, 1999:44, 46, 48).1 Como prova, Bourdieu e Wacquant chamam a atenção para o recente diálogo acadêmico transnacional acerca da raça no Brasil, o país no hemisfério ocidental com a maior população de descendentes de africanos. Eles denunciam a "imposição" de uma "tradição americana [sic]",2 "modelo" e "dicotomia de raça" ao Brasil, através da pesquisa levada a cabo "por [norte-] americanos e latino-americanos formados nos EUA" (ibidem:44). Mais amplamente, sugerem que as recentes publicações lidando com raça, desigualdade racial, e mobilização racial no Brasil representam a transposição de um problema estrangeiro (dos EUA) para uma sociedade em que a noção de "raça" não faz sentido. Para estes estudiosos franceses ' nenhum dos dois especialistas em Brasil ' as comparações entre as realidades brasileira e norte-americana em termos de suas diásporas é, por definição, uma "intrusão etnocêntrica" por parte da nação mais poderosa. Em particular, atacam como um "veneno etnocêntrico" uma monografia de 1994, escrita por Michael Hanchard a respeito dos movimentos brasileiros de "consciência negra", Orfeu e o Poder: O Movimento Negro do Rio de Janeiro e São Paulo, Brasil, 1945-1988(ibidem; Hanchard, 1994a).

Como um historiador com vinte anos de pesquisa no e sobre o Brasil, pretendo dissecar a caracterização errônea de Bourdieu e Wacquant do presente diálogo entre EUA e Brasil acerca da diáspora africana no Novo Mundo. Ainda que tenha simpatia pela retórica antiimperialista destes autores, identificarei passos em falso fundamentais e erros de julgamento que comprometem o projeto intelectual e político que pretendem defender. Depois de caracterizar brevemente seu modelo esquemático de circulação intelectual transnacional, apresentarei sua representação radicalmente equivocada de Orfeu e o Poder de Michael Hanchard, e situarei a contribuição deste último dentro da literatura mais ampla sobre a dinâmica de raça e cor no Brasil. Terminarei com uma breve discussão a respeito do atual boom das publicações acadêmicas, escritas tanto por brasileiros quanto norte-americanos, que abordam questões da raça, cor e nação no Brasil dentro de uma perspectiva mais ampla da diáspora no Novo Mundo.

Circulação Intelectual, a "Mcdonaldização do Pensamento" e Raça Ao evitar eufemismos, Bourdieu e Wacquant quebraram um tabu contemporâneo contra a menção aberta do imperialismo dos EUA e suas manifestações ideológicas que se seguem a ele. Rejeitam devidamente o termo globalização, que "tem o efeito, se não a função, de fazer submergir os efeitos do imperialismo em um ecumenismo cultural, ou fatalismo econômico, e de fazer as relações transnacionais de poder parecerem uma neutra necessidade". Esta "crença [norte] americanocêntrica na 'globalização'", continuam, é "compreendida, pura e simplesmente como a [norte-] americanização do mundo ocidental e [...] do universo inteiro". A habilidade dos arquitetos da globalização de evitar a investigação e a crítica intelectuais sérias ' sugerem ' não deixa de forma alguma de ser relacionada ao "remodelamento das relações sociais e práticas culturais nas sociedades avançadas de acordo com o padrão dos EUA" que é "hoje em dia aceito com resignação," se não com "um entusiasmo envergonhado" (Bourdieu e Wacquant, 1999: 42,46, 43).

Em seu tom mais cuidadoso, Bourdieu e Wacquant criticam a "difusão do 'pensamento dos EUA' nas ciências sociais" e, mais particularmente, "a hegemonia da produção dos EUA" no mercado intelectual mundial. Em seu tom mais histérico, descrevem a exportação de idéias e conceitos, "freqüentemente corrompidos e apagados", como a "mcdonaldização proliferante do pensamento". A "doxa intelectual com pretensões planetárias" dos Estados Unidos está se tornando rapidamente "o lugar-comum da grande nova vulgata global, que uma repetição infinita na mídia paulatinamente transforma em bom senso universal". Materializadas em uma série de termos "indefinidos e vagos" estas tendências nocivas são exprimidas "em um jargão extraordinário, uma terrível (e aterrorizante) língua franca internacional", que tem crescentemente "atravessado o Atlântico em plena luz do dia ou... tem sido contrabandeada". Desta maneira, "as noções do senso comum acadêmico [norte] americano [chegaram] a penetrar" o campo intelectual de países-alvo na forma "insidiosa" de "termos isolados aparentemente técnicos" que funcionam "como verdadeiros motes e palavras políticas codificadas" (entre os exemplos dados estão tais ortodoxias neoliberais como "flexibilidade do trabalho", "guetificação" e "subclasse urbana"). Estas tendências do pensamento americano ' os autores notam de forma acertada ' são marcadas pela negação da idéia de classe e por "um tipo de despolitização, por princípio, de problemas sociais e políticos", que ficam "desprovidos de qualquer referência a qualquer tipo de dominação" (ibidem: 50, 52, 46, 47, 52, 42, 53-4, 54, 43, 42, 49).

No entanto, a apressada descrição oferecida por Bourdieu e Wacquant os deixa com uma questão não resolvida: como devemos explicar "a extraordinária força da imposição" do "imperialismo cultural dos EUA?" Como uma resposta parcial, citam o "papel fundamental exercido pelas mais importantes fundações filantrópicas e de pesquisa americanas" e a "internacionalização das publicações acadêmicas". Todavia, admitem que esses fatores, mesmo quando "somados [,] não podem explicar de forma completa a hegemonia da produção dos EUA" no "mercado intelectual mundial". Ao explicar a predominância dos EUA, Bourdieu e Wacquant selecionam colaboradores não-norte-americanos para sua crítica: aqueles "passeurs semi-acadêmicos, 'carreiristas' e importadores de produtos culturais fajutos ou pré-fabricados" nos "países-alvo" que são atraídos pelos "lucros materiais e simbólicos" a serem obtidos de "uma aderência mais ou menos assumida ou envergonhada ao modelo derivado dos Estados Unidos" (idem:54, 46-7).

A dinâmica da exportação intelectual do imperialismo dos EUA ' argumentam Bourdieu e Wacquant ' obedece à mesma lógica de outros produtos de exportação "da grande indústria cultural [norte] americana como o jazz ou o rap" ou os jeans: eles "devem parte da sedução quase universal que exercem sobre os jovens ao fato de serem produzidos e usados por minorias subordinadas". Por analogia, os "falsos universalismos" intelectuais promovidos pelos EUA adquirem um "chamativo de mensagens de libertação" por causa de sua associação com "disciplinas tidas como marginais ou subversivas, tais como os Estudos Culturais, Estudos de Minoria, Estudos Gay, ou Estudos Feministas". De fato, "'intelectuais progressistas' dos EUA, ou 'intelectuais de cor' no caso de desigualdade racial" desempenham um papel especial, justamente porque "pareceriam estar acima de qualquer suspeita para promover os interesses hegemônicos" dos EUA. Desta forma, "tais mistificadores mistificados [...] transportam sem saber a parte oculta ' e freqüentemente maldita ' dos produtos culturais [norte-americanos] que são postos em circulação" pelo mundo inteiro (idem: 50-1).

Impacientes e excessivamente críticos, Bourdieu e Wacquant sofrem de uma visão afunilada em sua caricatura geral e indiferenciada das tendências intelectuais "americanas" e sua difusão internacional. Demonstram a mais acentuada e impressionante cegueira, intelectual e política, quando descrevem movimentos e tendências intelectuais anti-racistas como um exemplo-chave do imperialismo cultural dos EUA em ação. Em seu ponto de vista, um dos mais perturbadores desdobramentos tem sido a habilidade desta "sociodice racial (ou racista)" norte-americana "de se globalizar recentemente", que apresentam como "uma das provas mais marcantes da dominação simbólica exercida pelos EUA sobre qualquer tipo de produção acadêmica ou semi- acadêmica". Para estes intelectuais franceses, os presentes esforços por parte de norte-americanos em abordar questões de opressão racial e étnica no exterior inevitavelmente refletem a tendência geral da "visão de mundo [norte] americana [...] de se impor como um ponto de vista universal, especialmente quando se depara com questões como de 'raça'" (idem: 45-6) Para Bourdieu e Wacquant, o apelo internacional deste discurso racial dos Estados Unidos advém, em grande parte, do seu anti-racismo ostensivo; na realidade, os autores misturam discursos norte-americanos, tanto racistas quanto anti-racistas, e apresentam o processo como "a quase universalização do conceito popularizado de 'raça' nos EUA, como um resultado da exportação pelo mundo inteiro de categorias acadêmicas dos Estados Unidos". "'Teorias' de 'relações raciais' norte-americanas não são mais do que "transfigurações fracamente conceitualizadas, infinitamente renovadas e atualizadas... dos estereótipos raciais mais comumente usados" que servem para justificar a "dominação dos brancos sobre os negros" na sociedade norte-americana. Depois de notar o grande peso da opressão racial na história dos Estados Unidos, asseveram os autores que os discursos "raciais" derivados dos EUA servem, antes de mais nada, para "ocultar" a "divisão de casta" dentro da sociedade norte- americana "ao submergi-la no universo de visões diferenciadoras 'revistas' através de lentes dos EUA por meio da 'globalização'" (idem: 42).

Para provar seu argumento, Bourdieu e Wacquant voltam-se para o papel dos EUA no debate "em torno da 'raça e identidade'" no Brasil, marcado por "uma intrusão etnocêntrica similar, ainda que mais brutal" do que aquelas criticadas no caso europeu, "uma que é ainda mais ameaçadora, que toca em um domínio mais próximo à realidade política". Os últimos vinte anos de pesquisa sobre a desigualdade racial no Brasil são apresentados como uma imposição unilateral dos Estados Unidos em uma sociedade substancialmente sem racismo. O processo que descrevem é aquele no qual [...] uma representação histórica, oriunda do fato de que a tradição [norte] americana sobrepõe a uma realidade social infinitamente mais complexa uma dicotomia rígida entre brancos e negros [...] impõe-se a países onde os princípios operativos de visão e divisão das diferenças étnicas, codificadas ou práticas, são bem diferentes e que, como o Brasil, eram até recentemente considerados como contra- exemplos ao "modelo [norte] americano". (idem: 44, 53, 44- 5) As iniciativas dos Estados Unidos a respeito da questão racial no Brasil ' insistem ' são elaboradas "para encorajar os líderes do Movimento Negro [...] a denunciarem a categoria do pardo (um intermediário entre o branco e o preto, que se refere a pessoas de aparência física mista)" de forma a "mobilizar todos os brasileiros de origem africana sobre a base de uma oposição dicotômica entre 'afro-brasileiros' e 'brancos'". Além disso, estes estudiosos seguem "o mito [norte-americano] segundo o qual todas as sociedades são 'racistas'", mesmo aquelas nas quais "as relações 'raciais' parecem ser, à primeira vista, menos distantes e hostis" do que nos Estados Unidos (idem: 47, 44). "A difusão da doxa racial dos EUA dentro do campo acadêmico brasileiro" ' Bourdieu e Wacquant sugerem ' "tem sido incentivada por financiamentos das fundações norte-americanas para programas de pesquisa e intercâmbio acadêmico sobre questões raciais em instituições brasileiras", iniciativas governadas ' notam com irritação ' por "critérios de ação afirmativa dos EUA", que, acreditam, geram "problemas insuperáveis" no Brasil, dada a ausência da dicotomia branco/negro.

3 "A corrente intelectual neste intercâmbio", insistem, "flui apenas em uma direção" com os brasileiros, especialmente nos movimentos negros, sendo incentivados a retraduzir "problemas sociais de relevo atuais em um vocabulário importado dos EUA (etnicidade, identidade, minoria, comunidade, fragmentação etc.)" (idem: 46, 50).

É curioso, dadas as suas posições indiferentes à cor, que Bourdieu e Wacquant decidam chamar a atenção em especial à "raça" de um pesquisador, Michael Hanchard, descrito como um "cientista político afro- americano", apesar de não apresentarem autores norte-americanos com quem concordam, como Carl Degler, como "historiadores euro-americanos".

Bourdieu e Wacquant julgam a monografia de 1994 de Michael Hanchard, Orfeu e o Poder, como sendo o epítome do imperialismo cultural dos EUA nesta área. Este texto é "um veneno etnocêntrico", insistem, para o qual antídotos devem ser buscados e divulgados (como um recente livro escrito por outro autor norte-americano, Anthony Marx, que não é identificado como um "cientista político euro-americano", e cujos argumentos, de fato, não são comparados aos de Hanchard) (idem: 44).

A acusação a Hanchard é simples e direta. Hanchard ' sugerem Bourdieu e Wacquant ' se esquece que as conceitualizações raciais norte-americanas [...] têm suas raízes na realidade complexa e controversa dos [Estados Unidos como] uma sociedade histórica particular, agora tacitamente constituída como um modelo para todas as outras e uma unidade de medida para todas as coisas. [Assim, ele] traz consigo todas as particularidades e os particularismos [do caso norte- americano] sem nunca levá-los em consideração conscientemente.

Em particular, ele aplica categorias raciais norte-americanas à situação brasileira, com o seu contínuo de cor, e ao mesmo tempo faz "da história, particular, do Movimento dos Direitos Civis dos Estados Unidos, o padrão universal para todos os grupos oprimidos pela cor (ou casta)". O estudo de Hanchard ' defendem ' é ainda mais minado pela sua recusa dogmática em expor suas idéias ou desejos "ao menor teste empírico" em temos da realidade brasileira" (idem).

Para Bourdieu e Wacquant o problema com Orfeu e o Podervai ainda mais longe.

Como outros norte-americanos, Hanchard procura "[...] provar que, contrariamente à imagem que os brasileiros têm de sua própria nação, o país das 'três tristes raças' [...] não é menos 'racista' do que outros e que os 'brancos' brasileiros não têm nada a invejar dos seus primos norte-americanos neste sentido". Com efeito, dizem que Hanchard acredita que "o que é pior, o racismo mascarado brasileiro deveria ser visto como o mais perverso, justamente por ser dissimulado e negar-se a si próprio" (idem).

Em vista desta linguagem desdenhosa e altamente derrogatória, o leitor poderia, com razão, esperar que os autores oferecessem uma crítica enfática e cuidadosamente articulada do livro de Hanchard. Se seus argumentos fossem precisos, seria relativamente fácil citar capítulos e páginas para demonstrar a natureza flagrante dos erros de Hanchard. Porém, para nossa surpresa, os autores não oferecem uma única citação ou referência direta às páginas de Orfeu e o Poder. Ainda que prejudicados por um conhecimento superficial da literatura relevante nas Ciências Sociais sobre a questão racial, eles oferecem uma representação escandalosamente errônea das proposições centrais desta recente e significante contribuição para o debate em torno de raça, cor e nação no Brasil. Com efeito, os leitores familiarizados com o livro de Hanchard podem imediatamente reconhecer a natureza falsa dos argumentos de Bourdieu e Wacquant sobre o uso da comparação entre Brasil e Estados Unidos em Orfeu e o Poder.

"Raça", "Racismo" e "Mobilização Racial" em Orfeu e o Poder: 4 Uma Perspectiva Norte-Americana a Respeito do "Quebra-Cabeça" ou da "Charada" Brasileira Bourdieu e Wacquant acusam Hanchard de mobilizar três "idéias fora do lugar" que definem como sendo essencialmente norte-americanas. Contudo, estão simplesmente errados quando asseveram que Hanchard utiliza categorias raciais oriundas de uma conceitualização norte-americana de "raça" definida por descendência. De fato, Hanchard rejeita, tanto em um nível teórico quanto prático, um conceito essencialista (quanto mais biológico) de raça.

"Raças" e diferenças raciais, insiste, são construídas socialmente (Hanchard, 1994a:14; 1991:86-7) e rejeita enfaticamente a noção de que a "raça" seja uma quantidade conhecida ou que possa ser lida ou entendida automaticamente devido à sua ligação a um fenótipo (aparência).

A abordagem construcionista de Hanchard à raça, que não é ponto pacífico entre as comunidades afro e euro-norte-americanas, permite que ele admita francamente que [...] em um país como o Brasil [...] qualquer abordagem que automaticamente pressuponha a existência de duas ou mais 'raças' fenotipicamente distintas limitaria severamente os esforços do pesquisador para explicar empírica e teoricamente a 'raça' em questão [...]. Não 'dados' para as filiações étnicas ou raciais [e seus] significado e interpretação estão sempre sujeitos a revisão, mudança [e] negociação. (idem, 1994a:15) A peculiaridade brasileira, conclui, reside no fato de que "a ausência de 'dados' raciais e étnicos é mais profunda [no Brasil] do que em outros países" (idem).

Desta maneira, Hanchard está longe de oferecer uma versão reciclada do "conceito popular" norte-americano de raça. "O termo raça utilizado neste estudo", escreve Hanchard, "refere-se ao emprego de diferenças fenotípicas como símbolos de distinção social [...]. Estes símbolos, significados e práticas materiais diferenciam sujeitos dominadores e subordinados de acordo com suas categorizações raciais". Diferentemente de Bourdieu e Wacquant, todavia, ele de fato insiste que a "raça," neste caso, é não apenas um marcador de diferenças fenotípicas, mas também de status, classe e poder político. Neste sentido, "as relações raciais são relações de poder",5 através das quais emergem "modos de consciência racial", definidos mais geralmente como "o resultado dialético do antagonismo entre dois ou mais grupos definidos como 'raças' em uma dada sociedade" (ibidem:14; 1991:86-7). Discordando de uma posição puramente racial, ele caracteriza como problemática "a própria noção de uma consciência singular e unitária que possa mobilizar um grupo social inteiro [...] tendo em vista o grande número de variáveis divisoras (sexo e classe entre elas) que complicam as formas de identificação". Finalmente, ele também adverte que "um esforço não-crítico de enfatizar a autonomia relativa da dominação racial e étnica vis-à-vis relações de classe" corre o "risco de um reducionismo determinista" (ibidem:97).

A adoção por parte de Hanchard do conceito de "raça social" (um termo cunhado por Charles Wagley, 1959) traz consigo o reconhecimento de que a dinâmica da subordinação de povos descendentes de africanos no Brasil e nos EUA, e as estruturas discursivas que as envolvem, diferem de forma significativa. Diferentemente de seus críticos franceses, Hanchard reconhece que racismos e não simplesmente um racismo em jogo na diáspora africana: a existência, não de um "racismo no singular", mas, ao invés, no plural, para usar as palavras de Paul Gilroy (ibidem:17). Negando que existam racismos melhores ou piores, Hanchard reconhece claramente que os sistemas de dominação racial variam não apenas em sua lógica intelectual, modos de operação e de manifestação, mas em seu impacto nas subjetividades dos grupos tanto super quanto subordinados. Assim, Hanchard junta-se a outros estudiosos que recentemente têm chamado a atenção para a variação nas formas e termos da opressão racial e, conseqüentemente, nas formas de resistência (Butler, 1997; Segato, 1998).

Assim como em seus outros argumentos, Bourdieu e Wacquant estão enganados na forma como situam Orfeu e Poder dentro do contexto de setenta anos de pesquisa e discussão contínuas das relações de raça nas Américas, com uma ênfase especial na experiência negra no Brasil.6 Desde os anos 30, várias gerações de estudiosos ' brasileiros, norte-americanos, europeus e africanos ' têm lidado com a dificuldade de se incorporar o Brasil no mesmo quadro conceitual que o caso específico dos EUA. As posições teóricas têm mudado com o tempo, dependendo da conjuntura política dentro das respectivas sociedades, mas a discussão tendeu a girar em torno da questão de onde colocar a ênfase ' se nas diferenças ou nas semelhanças entre a experiência histórica da escravidão racial e suas repercussões nos EUA e Brasil (Hellwig, 1992; Guimarães, 1995a, 1995b). Em nenhum caso, no entanto, os estudiosos negam que se possa encontrar tanto semelhanças quanto especificidades nas histórias dos povos descendentes de africanos nestas duas sociedades do Novo Mundo.7 As críticas de Bourdieu e Wacquant sobre Hanchard teriam sido, com efeito, bem mais apropriadas se fossem dirigidas contra a tendência dominante da pesquisa sobre raça e cor nos anos 80. Foi durante o final dos anos 70 que uma nova militância a respeito de raça e racismo emergiu tanto no Brasil, com a fundação do pequeno mas bem visível Movimento Negro Unificado ' MNU, quanto entre estudiosos brasileiros e estrangeiros. Com uma natureza denunciadora, esta onda de pesquisa radicalizou a crítica revisionista das décadas de 50 e 60, que foi a primeira a atacar o argumento de que o Brasil não seria racista. Operando em solidariedade com os protestos negros no Brasil, a geração de estudiosos depois de 1978 tendeu a adotar uma abordagem quantitativa com vistas a provar, de uma vez por todas, a falsidade do mito da democracia racial. Ao fazer isso, esperava fortalecer os movimentos negros incipientes dando-lhes apoio intelectual por meio do argumento de que o sistema racial brasileiro seria melhor entendido como fundamentalmente birracial, em vez de multirracial, e que as desigualdades que afetam os povos descendentes de africanos estariam relacionadas a padrões abrangentes de preconceito e discriminação.

Em sua forma mais enfática, a pesquisa realizada depois de 1978 asseverava que branco e negro deveriam ser consideradas as categorias raciais fundamentais no Brasil, em vez de negro, pardo e branco, ou branco e não-branco (para a argumentação mais extensiva a este respeito, ver Andrews, 1991a; 1998). Ao fazer isso, pode-se dizer que se adotava a tática política do MNU como a base intelectual para a sua análise.8 Ao mesmo tempo, o objetivo era claro: expor a falsidade da prolongada defesa do Brasil como uma sociedade racialmente livre por meio da mobilização de dados estatísticos (especialmente a PNAD, recentemente disponível) de forma a revelar, em oposição à crença comum a brasileiros de todas as cores, que havia desigualdades raciais, independentemente de como fossem medidas. No mínimo, estudiosos como Nelson do Valle Silva (1978, 1985), Carlos A. Hasenbalg (1979a, 1979b, 1985), Charles Wood e José de Magno Carvalho (1988) obtiveram resultados surpreendentes que se punham em contradição à forte opinião nacional de que não haveria impedimentos raciais para a ascensão social ou o sucesso.9 Além disso, eles tendiam a refutar com dados estatísticos a suposição de que os brasileiros de raça mista ocupavam uma posição "média" entre negros e brancos, a hipótese da existência de "uma porta de escape mulata", como foi batizada por Carl Degler (1986).

Fazendo uma retrospectiva, a ênfase provocadora destas obras com relação à semelhança entre os EUA e o Brasil poderia ser vista como oriunda de um entendimento errôneo, ainda que louvável, a respeito do que constitui a solidariedade anti-racista. Quando vulgarizada e convertida em discursos de comício, no entanto, esta postura iconoclástica chega quase a postular um dogma racial essencialista ou primordialista (ou seja, a opinião de que, nas palavras de Michael Hanchard, os [...] negros têm uma posição unilateral em relação à sua própria negritude (identidade e experiência) [ou seja,] a pressuposição de que todos os negros são os mesmos, oprimidos da mesma maneira em todos os lugares e que devem reagir de uma forma absoluta [e idêntica]. (Hanchard, 1991:91-2)10 Hanchard reconhece corretamente as limitações de tal homogeneização e dos "discursos totalizadores dentro da experiência [da] diáspora africana", e francamente admite que a esperança em torno de "uma afinidade universal e absoluta para e entre os povos da diáspora africana tem sido tão ilusória quanto a formação de um proletariado internacional" (ibidem:92).

Desta forma, Hanchard recusa-se a adotar uma solidariedade retórica baseada em uma visão romântica de traços comuns. Sua análise também não depende da esperança, momentaneamente defendida nos anos 80, de que as resistências euro e afro-brasileira à mobilização racial evaporariam sob o impacto combinado de uma nova geração de militância afro-brasileira e de estudos engajados. Este tipo de resposta solidária mais simples é melhor exemplificado pelos escritos do sociólogo norte-americano Howard Winant, que defendia, por exemplo, que em 1988 "um consenso substancial existia entre os negros [brasileiros] [e até mesmo entre a maioria dos brancos] de que a 'democracia racial' era uma farsa e uma fraude e que o racismo continuava a dominar a sociedade brasileira" (Winant, 1996:86-87). Em contraste, especialistas em Brasil, incluindo os recentes trabalhos de Twine (1997) e Sheriff (1997), são bem mais realistas a respeito da profundidade e da extensão deste desmascaramento, altamente desejado, do racismo brasileiro. Como nota Richard Graham, o mito da democracia racial brasileira "foi completamente demolido no meio acadêmico nos últimos trinta anos, mas permanece profundamente entrincheirado na opinião popular e da elite, até mesmo entre os negros" (Graham, 1995). Mitchell também nota a "insistente persistência da credibilidade deste mito" e seu entrincheiramento na cultura brasileira. "Diferentemente de pesquisadores anteriores, [que] estavam preocupados com a denúncia direta do mito da democracia racial" ' continua ' "Hanchard aponta o poder continuado do mito ao incorporá-lo numa análise sistemática do protesto negro [, num esforço para] explicar as persistentes questões que se seguiram à erosão do mito da democracia racial nos círculos acadêmicos" (Mitchell 1995).

Apesar de crítico em relação ao mito brasileiro da harmonia racial, Hanchard insiste em que as diferenças entre o Brasil e os Estados Unidos devem ser confrontadas e não apenas varridas para debaixo do tapete em nome da solidariedade. O reconhecimento de tais diferenças não leva Hanchard, no entanto, a asseverar que a experiência negra no Brasil seja totalmente diferente da dos EUA (esta é a posição defendida por Bourdieu e Wacquant). Em vez disso, ele insiste, com acerto, que as características distintivas da dinâmica racial e étnica brasileiras não impossibilitam análises comparativas com outras sociedades, até mesmo os EUA (Hanchard, 1994a:78). Hanchard propõe, de forma sensata, trazer o Brasil para a discussão do Atlântico Norte através de uma abordagem sólida que leva em consideração o diferente à luz do similar.

Ainda que reconheça divergências fundamentais no escopo, escala e intensidade da "mobilização racial" no Brasil, Hanchard, no entanto, lembra a seus leitores que "a ausência de solidariedade afro-brasileira não é total", nem mesmo se "a sua presença não tenha foco ou direção" quando comparada aos exemplos norte-americano ou sul-africano (ibidem:80).

O enfoque explícito e restrito de Hanchard na mobilização política baseada na raça o leva a ignorar questões "não-políticas" da cultura ou identidade afro-brasileiras.11 Isto o faz capaz, todavia, de formular, da forma mais persuasiva, o desafio que comparativistas têm diante de si: "Por que não houve nenhum movimento social afro-brasileiro continuado no Brasil e que pudesse ser comparado ao movimento dos direitos civis nos EUA ou às rebeliões nacionalistas na África do sub-Saara e em partes do Novo Mundo depois da Segunda Guerra?" (ibidem:5). Como é possível, continua, que o "Brasil, o país com a maior população negra no Novo Mundo, tenha uma população negra com um dos mais baixos níveis de conscientização racial nas Américas?" (ibidem:95).12 Graham (1995) observa que o estudo de Hanchard abriu novos caminhos de pesquisa, justamente por causa da nitidez com a qual ele abordou a questão da razão do protesto negro, que existe e acontece no Brasil, e dos "[...] movimentos de solidariedade negra, que têm sido tão poucos e esporádicos, com vida curta, e que até agora não geraram resultados. Por que o mito da democracia racial persiste? Como a dominação racial é construída e mantida? Onde estão seus limites? Como é posta em questão e contestada?" Estas são precisamente as "questões [que] incomodam aqueles que estudam a subordinação racial no Brasil", notou a brasileira Denise Ferreira da Silva, assim como aqueles que estudam relações de raça comparativamente, e, ainda mais importante (de um ponto de vista de auto-interesse) [...] aqueles entre nós envolvidos no projeto de incentivar a emancipação racial no Brasil [...]. Como pode a exclusão racial ser possível sem a discriminação aberta, e sem mecanismos mais ou menos explícitos de segregação racial? Por que níveis tão altos de exclusão racial não conduzem à emergência de uma consciência de raça, e às conseqüentes mobilizações políticas entre brasileiros negros? Por que os negros brasileiros não possuem uma identidade (racial) separada? (Silva, D., 1998:222, 204) Hanchard aborda estas difíceis questões ' que não são nem mesmo compreendidas por Bourdieu e Wacquant ' através de uma estratégia de pesquisa qualitativa bem específica. Tendo em vista seus interesses altamente delineados, ele não estuda os brasileiros descendentes de africanos como um todo, mas apenas a minoria de militantes negros que de fatoconstruíram uma "identidade afro-brasileira consciente de si mesma" baseada na politização da diferença racial.

"Com pôde emergir tal forma de consciência racial politicamente conseqüente", Hanchard pergunta, "em uma sociedade tão avessa ao conceito de 'raça' e tão hostil à mobilização de 'diferenças raciais'?" (Hanchard, 1994a:79). Como e por que os brasileiros de ascendência africana obtêm uma consciência de "raça", "assumem sua negritude",13 e decidem-se a agir com ela de forma política? As reflexões de Hanchard a respeito destes assuntos são derivadas de entrevistas feitas com sessenta líderes de movimentos, em um esforço para entender "como, baseado em incidentes de suas vidas privadas, eles alcançaram" sua posição de militância negra.

14 Em sua preocupação com a identidade racial, Orfeu e o Poder representou uma mudança significativa na literatura acadêmica em 1994, haja vista a ligação entre a ênfase ainda predominante em dados raciais quantitativos e os objetivos anti-racistas comuns. As estatísticas a respeito da desigualdade racial, afinal de contas, pareciam oferecer evidências objetivas para serem usadas em denúncias e na conscientização, em contraste com as obscuras discussões sobre a identidade "racial" de brasileiros de origem africana, que pareciam minar a luta ao introduzir uma "confusão" subjetivista. Nadando contra a corrente, Hanchard re-introduziu uma ênfase "antropológica" mais antiga sobre a "raça", entendida como um fenômeno discursivo, e fez isso precisamente quando um proeminente estudioso, Thomas Skidmore, havia declarado que os dias para tal tipo de pesquisa tinham passado, que dados "duros" sobre raça estavam agora disponíveis (para o potencial pleno de uma rica abordagem atropológica, cf. as etnografias imensamente estimulantes de Burdick, 1998, e Sheriff, 1997a). No mesmo artigo de 1992, Skidmore também dividia a opinião, então prevalente, de que o Brasil estaria se dirigindo para a birracialidade, enquanto os EUA, em contraste, estariam se tornando mais multirraciais (Skidmore, 1992, 1993).

Orfeu e o Poder não foi único em seu exame dos movimentos da "consciência negra" que surgiram durante as intensas revoltas populares e trabalhistas que marcaram a luta contra o regime militar brasileiro no final dos anos 70.15 Contudo, a abordagem de Hanchard é original, até mesmo controversa, precisamente porque, como salienta Fry (1995), Hanchard é bem "diferente dos autores que escreveram sobre os movimentos negros brasileiros antes dele, que, de uma forma ou de outra, estavam ligados a eles, e tendiam a repetir a retórica dos comícios". Seu distanciamento da forma simples de solidariedade é baseado em sua posição como um afro-norte-americano com uma visão diaspórica que procura entender melhor a base e os obstáculos para a criação de uma política negra no Brasil. Sua preocupação é, nas palavras de Mitchell, com "as possibilidades e limitações da militância negra" dentro da parte brasileira da população do Novo Mundo que é descendente de africanos (Mitchell, 1995).

Hanchard oferece comentários mais sugestivos em relação às dificuldades de se mobilizar a identificação racial no Brasil, em um capítulo intitulado "A Formação da Consciência Negra". Da mesma forma que os estudiosos anteriores, reconhece que a variabilidade na autodesignação no Brasil e a falta de categorias raciais dicotômicas fazem do fenótipo "uma base ainda mais precária para a mobilização coletiva do que em outras sociedades".

Todavia, utiliza as experiências de vida de vários militantes para demonstrar que a experiência afro-brasileira é marcada por uma relativa, mas de forma alguma absoluta, "falta de identificação racial". Sugere que, para apreender esta distinção, o fenômeno deve ser descrito pela distinção entre semelhanças fracas ("uma questão de disposição, atitude) e semelhanças fortes, bem menos comuns, que surgem e "operam em momentos históricos específicos" de polarização e conflito ("o momento histórico") (Hanchard, 1994a: 78, 80).

Fiel a uma abordagem construcionista da questão da raça, Hanchard enfatiza assim a trajetória distinta do Brasil, quando comparada à de outros países, de uma forma similar, mas menos sistemática do que no recente livro de Anthony Marx (1998), que é elogiado por Bourdieu e Wacquant como um antídoto a Hanchard. Diferentemente dos EUA ou da África do Sul, "a ausência de ameaças externas e de uma sociedade dicotomicamente segregada [no Brasil] impediram a necessidade de semelhanças fortes em termos absolutos e unidimensionais" que se combinam à ausência do tipo "de instituições e projetos coletivos [negros] auto-suficientes" no Brasil, que constituíram, por assim dizer, "o prêmio de consolação" no caso dos EUA. Usando a idéia de uma família de semelhanças, fortes e fracas, Hanchard sugere que o objetivo dos movimentos de consciência negra é tornar as "semelhanças fracas em fortes". Esta identidade oposicionista afro- brasileira, admite, ainda não está "difundida o suficiente para catalisar a massa dos afro-brasileiros" e, assim, está [...] altamente em funcionamento [somente] entre os militantes afro- brasileiros e seus [pequenos] círculos [...] [naqueles lugares] onde o movimento negro tem uma força relativa [...]. Até mesmo [os militantes negros], que estariam livres para pôr em prática uma versão mais contundente da identidade afro-brasileira entre as massas, hesitam [em fazer isso], [...] por medo de se alienarem em uma sociedade onde semelhanças fortes não são mutuamente reforçadas [...]. [, desta maneira,] dificuldades práticas para se estender semelhanças afro-brasileiras fortes para um público de massa.

(Hanchard, 1994a:78-80, 82) Orfeu e o Poderdemonstra, de forma convincente, que o surgimento de uma agenda racial de oposição entre alguns afro-brasileiros ajuda a iluminar a dinâmica da subordinação e resistência raciais no Brasil, não importa quão limitado o seu apelo popular até agora. O livro oferece um contribuição ao ajudar os norte- americanos a entender não apenas "porque afro-brasileiros não são afro- norte-americanos" (título da excelente palestra de Anani Dzidzienyo, um brasilianista da Brown University, nascido em Gana, e por muito tempo um estudioso da raça e cor no Brasil), mas também porque "o Brasil não é (como) os Estados Unidos" em termos de negritude (o subtítulo de um recente e extraordinário artigo da socióloga brasileira e militante negra Denise Ferreira da Silva, 1998).

"Raça" e Mitologias Sociais no Brasil, França e Estados Unidos: Dois Pesos, Duas Medidas e Má-Fé A indignação com a qual Bourdieu e Wacquant condenam Orfeu e o Poder, sem um compromisso ou argumentação sérios, pode apenas advir de uma confiança de que, de fato, eles conhecem algo sobre a raça e cor no "país 'das três raças tristes'" (um clichêensaístico ultrapassado e condenscendente sobre o "caráter nacional" brasileiro). Apesar do fato de que "as relações raciais [no Brasil] aparentam à primeira vista ser menos distantes e hostis" do que nos Estados Unidos ' declaram ' o imperialismo cultural dos EUA está intensificando seus esforços em "impor" seu peculiar e venenoso entendimento da raça na visão particular que o Brasil tem a respeito da diferença étnica. A existência no Brasil de um contínuo de cor do negro ao branco, com centenas de "categorais intermediárias e parcialmente em intersessão", combinadas com a ausência de hipodescendência ' argumentam ' está em contraste flagrante com as categorias raciais rígidas e dicotômicas dos EUA. Estes autores apontam para a ironia de que, no mesmo instante em que agentes dos EUA pregam uma luta racial de "'afro-brasileiros' contra 'brancos', pessoas de origem mista [nos EUA], incluindo os chamados 'negros', estão tentando obter reconhecimento como uma categoria [norte] americana de raça mista, em vez de serem 'forçadamente' classificados sob o rótulo único de 'negros'" (Bourdieu & Wacquant, 1999:44-5, 47).

Ainda que criticando os EUA por sua inflexível insistência no mito do que seria uma sociedade excepcionalmente fluida, aberta e sem classes, Bourdieu e Wacquant denunciam que os norte-americanos estão envolvidos em uma agressão imperialista brutal, através de uma falsa acusação de racismo, na "imagem que os brasileiros têm de sua própria nação". Até recentemente ' enfatizam ' o Brasil era considerado um contra-exemplo do "'modelo' [racial] [norte] americano (de acordo com o clássico estudo do [historiador norte-americano] Carl Degler)"16 e continuam, citando um outro artigo "clássico" agora do antropólogo norte-americano Charles Wagley, visando mostrar que o conceito de "raça" varia nas Américas (ibidem:44-5). No entanto, a leitura de Degler da literatura brasileira levou-o a concluir que "o preconceito e discriminação de cor [realmente] existem no Brasil, como ainda existem nos Estados Unidos" (Degler, 1986:268). E o ciclo de pesquisas patrocinado pela Unesco nos anos 50 sobre relações raciais, no qual Wagley foi uma figura-chave, foi "unânime ao detectar o preconceito racial", ainda que alguns, como Wagley, "fossem tímidos ao interpretar o preconceito observado" (Guimarães, 1999:77; Fontaine, 1980:123-4).17 Como recentemente escreveu John Burdick, desde 1945 "três gerações de estudiosos produziram uma prateleira de obras que revelam a realidade da discriminação brasileira baseada na cor [...] a questão não é mais se, mas como, a cor de um brasileiro influencia a sua vida" (Burdick, 1998:1).

Com todas as suas peculiaridades, o sistem brasileiro de raça e cor ainda é, por sinal, baseado em uma hierarquia racial clara na qual a branquidão/ europeidade é valorizada e a negritude/africanidade é estigmatizada. Estas normas e práticas estão socialmente ligadas a estereótipos racistas e imagens normativas, somáticas e derrogatórias, que degradam a negritude (Blanco, 1978).

Neste sentido, "o racismo no estilo brasileiro" difere do racismo nos EUA fundamentalmente em seu foco: no Brasil, o preconceito contra a aparência (preconceito de marca ou fenótipo) versus o preconceito contra origem ou descendência (preconceito de origem ou genótipo) de acordo com a formulação clássica do sociólogo brasileiro Oracy Nogueira (1959, 1985; cf. também Cavalcanti, 1999).

Bourdieu e Wacquant tentam minimizar a realidade do preconceito e da discriminação no Brasil, contrastando a situação brasileira com a "ostracização racial ou estigmatização sem direito a recurso ou reparação" à qual acreditam que os negros nos Estados Unidos estão submetidos. Depois de descrever a condição americana como se pouco tivesse mudado desde a década de 50, procedem a caracterizar a relação entre negros e brancos nos EUA como "mais próxima daquela entre castas definitivamente definidas e delimitadas" (uma declaração particularmente controversa, que é simplesmente jogada, sem muita elaboração ou justificativa).

Contudo, o contraste que Bourdieu e Wacquant fazem entre Brasil e EUA, grosseiro e exagerado, era anacrônico em 1971, quando Degler publicou Nem Preto Nem Branco. Degler chegou à conclusão que os acadêmicos e jornalistas durante o período pré-Direitos Civis nos EUA comparavam as relações raciais no Brasil e Estados Unidos de forma bem rotineira, "normalmente para o descrédito do último". Tais estudos inevitavelmente eram "muito bem recebidos por norte-americanos que desejavam salientar a natureza racista das relações de raça nos EUA", observa, e tiveram uma forte aprovação no Brasil "por parte daqueles que desejavam enfatizar a democracia racial em seu país". Todavia, muitos estudiosos brasileiros, mesmo naquela época, rejeitaram esta comparação entre EUA e Brasil, justamente porque ela servia para "obscurecer, se não negar", a existência de preconceito e discriminação no Brasil: "tudo vai bem [racialmente] porque no Brasil a situação não é tão ruim quanto no interior do sul [dos EUA]" (nas palavras de Luiz Costa Pinto em 1952 [Degler, 1986:286]).18 Tendo lido o "clássico" livro de Degler com a mesma falta de cuidado que Orfeu e o Poder, Bourdieu e Wacquant não percebem que Degler chega, na realidade, à mesma conclusão "imperialista" que rejeitam: que, depois de 1960, os dois países são mais similares do que diferentes em termos de raça.

que as práticas segregacionistas "que outrora distinguiam os EUA do Brasil em sua maior parte não mais existem", escreve Degler, "talvez tenha chegado a hora de reconhecer que hoje a comparação das relações de raça nos dois países não é sempre favorável ao Brasil"; ele chega mesmo a prever "a possibilidade de uma discriminação crescente" e uma ampliação da "tensão racial e preconceito de cor no Brasil" (Degler, 1986: 268; cf., também, Andrews, 1991b:4, 24-44)! Contudo, Bourdieu e Wacquant ainda poderiam defender-se aqui. Afinal de contas, declaram com um floreio, o Brasil é marcado pela "ausência virtual" (uma expressão estranhamente obscura) de "duas formas típicas de violência etno-racial dos EUA: o linchamento e os distúrbios urbanos" (Bourdieu & Wacquant, 1999:45). Tal ingenuidade é tocante, como Kim Butler recentemente observou: Apesar de ser verdade que os horrores do terrorismo racial que ocorreram nos Estados Unidos, tal como o linchamento, não terem acontecido no Brasil, isto não nega o impacto social das ideologias do racismo e racialismo. Tal raciocínio confunde racismo com animosidade, violência e preconceito, nenhum dos quais tem necessariamente que estar presente em uma ideologia racista. (Butler, 1998:49) A lógica por detrás dos comentários de Bourdieu e Wacquant a respeito dos linchamentos por raça é também surpreendentemente limitada. Uma das observações mais importantes de Wagley, em seu artigo de 1959, foi chamar a atenção para a natureza racializada das classes sociais em países da América Latina como o Brasil, onde ser mais claro ou escuro na aparência é fortemente correlacionadao com os extremos altos e baixos da estrutura social. Não é fora de propósito relacionar estas realidades aos altos níveis de violência no Brasil, não apenas à violência estrutural, mas também aos linchamentos, esquadrões da morte e assassinatos promovidos por policiais (dentre os quais o massacre de crianças de rua recebe a maior atenção). As vítimas tendem a ser, bem mais, negras do que aqueles "que contam" e, apesar de não serem mortos explicitamente por causa de sua "raça" (que éimportante), com certeza a sua cor faz com que as classes média e alta, que são em sua grande maioria brancas ou claras, ignorem e se distanciem do destino de tais "marginais" ou "favelados".

ainda uma ironia final em relação à combinação que Bourdieu e Wacquant fazem de uma caracterização peculiar e indevidamente negativa da dinâmica racial dos EUA e uma leitura generosa e positiva demais do panorama racial brasileiro. Ao realizarem isto, eles não fazem mais do que ocupar o último lugar em uma longa lista de observadores e cientistas sociais estrangeiros e ingênuos, que têm sido iludidos pela "ambigüidade e a natureza evasiva da ideologia racial latino-americana, especialmente na sua forma brasileira", como notou Pierre Fontaine em 1980, sendo levados à conclusão errônea "de que não haveria problemas raciais [no Brasil] (apesar de esta posição não ser mais mantida entre os estudiosos sérios)" (Fontaine, 1980:111).19 De fato, nas últimas décadas, não houve uma única tentativa, por parte de brasileiros nos meios acadêmicos, de defender a hipótese, sustentada por evidências em oposição a ideais ou mitos, de que o Brasil é uma sociedade sem racismo (para uma bela seleção da pesquisa sobre a desigualdade racial levada a cabo por cientistas sociais brasileiros, cf. Reichmann, 1999). Afirmações simples sobre a democracia racial brasileira são encontradas apenas na crença popular de brasileiros que não pesquisam o assunto.

O mito da democracia racial brasileira é, neste sentido, similar em suas linhas gerais ao mito dos Estados Unidos como sendo uma sociedade única em sua meritocracia e abertura, com oportunidades para todos que se esforçam. No entanto, Bourdieu e Wacquant atacam enfaticamente esta doce imagem que os EUA gostariam de ter de si mesmo. "Estudos comparativos rigorosos" baseados em pesquisas estatísticas ' dizem ' desmascararam a noção norte- americana de que os EUA seriam uma sociedade excepcionalmente fluida, com um alto grau de mobilidade social, em contraste às rígidas estruturas sociais do Velho Mundo (Bourdieu & Wacquant 1999:51). Todavia, esta tática de crítica (os EUA são como a Europa), assim como o tipo de provas utilizadas, também caracterizavam o estudo brasileiro sobre a raça depois de 1978, que é justamente atacado por Bourdieu e Wacquant. Uma contribuição magnífica neste sentido foi o excelente artigo, de 1992, de George Reid Andrews, intitulado "Desigualdade Racial no Brasil e Estados Unidos: Uma Comparação Estatística," que reverteu a convicção brasileira de que os negros obviamenteestariam em uma melhor condição no Brasil do que nos EUA.

Bourdieu e Wacquant claramente lidam com dois pesos e duas medidas quando comparam os EUA e o Brasil, pois oferecem uma descrição excessivamente dura e negativa da situação racial nos EUA e são intolerantes em relação à sua mitologia nacional; em oposição a isso, oferecem uma descrição excessivamente tolerante e positiva da situação racial no Brazil, ao mesmo tempo que acolhem sua mitologia nacional sem crítica. Como chegaram a ter esta postura de defensor da honra nacional brasileira contra os norte-americanos? E o que levaria pensadores críticos franceses, oponentes proeminentes do neoliberalismo, a desculpar a desigualdade racial no Brasil e partir com quatro pedras em cada mão contra críticos nacionais e estrangeiros de uma democracia racial que está longe de ser perfeita? Por que são tão impiedosos para com as ilusões dos EUA e tão conciliatórios com as brasileiras? A resposta pode talvez ser encontrada em sua discussão sobre os esforços dos EUA para "substituir completamente o mito nacional da 'democracia racial' [...] pelo mito [norte-americano] segundo o qual todas as sociedades são 'racistas'". Para os autores, este procedimento faz do "conceito de racismo", não uma "ferramenta analítica", mas um "mero instrumento de acusação" dentro de uma lógica, não de pesquisa científica, mas de um julgamento. É apenas a partir de uma numa nota de rodapé que se começa a perceber o que realmente está em jogo para Bourdieu e Wacquant (1999: 44, 53): Quanto tempo teremos que esperar para ver surgir um livro intitulado Brasil Racista, modelado segundo o cientificamente escandaloso França Racista de um sociólogo francês mais preocupado com as expectativas do campo do jornalismo do que com as complexidades da realidade social? Estariam eles invocando o Brasil, talvez, como parte de um esforço para defender a honra da França? Poderiam estar desmascarando, por antecipação, aqueles que estariam usando o exemplo dos EUA, através de retórica ou metodologia acadêmica, para ameaçar a autoconstrução mítica de seu próprio país como universalista e, por definição, a- ou anti-racista?20 Não poderiam eles estar usando o Brasil de forma oportunista para atacar intelectuais, especialmente esquerdistas nos EUA ou afro-norte-americanos (ou, quiçá, mais perto de casa, cidadãos franceses ou residentes de origem árabe ou norte- africana), que estariam pondo em risco a sua querida noção de francesidade? Ao adotar uma postura de vitimização junto com o Brasil nas mãos do imperialismo norte-americano, Bourdieu e Wacquant parecem exibir o mesmo "nacionalismo vangloriante" que os brasileiros defendem quando impedem a autocrítica ao julgar seu país apenas, e positivamente, contra os EUA em termos de raça (Cunha, 1998:247). Se o racismo é, por definição, aquilo que se faz nos EUA, então nem a França nem o Brasil podem ser chamados de racistas.

Tal gesto é também essencialmente brasileiro; é o que o sociólogo Florestan Fernandes certa feita definiu como o preconceito brasileiro mais profundo: "o preconceito de não ser preconceituoso". Como um informante disse a Robin Sheriff no Rio: "Não violência racial no Brasil, nada. Não é como nos Estados Unidos, sabe?" (Sheriff, 1997:409).

Bourdieu e Wacquant conhecem muito pouco sobre a realidade da raça ou do pensamento sobre a raça no Brasil ou EUA para que seu artigo seja útil ou de valia. Na melhor das hipóteses, sua polêmica esclarece o sentimento de dois intelectuais europeus importantes, seu sonho de França, e a distopia que vêem nos "Estados Unidos" (tratados simplisticamente como um monolito). Em resumo, a melhor forma de ver seu artigo é como um grito de frustração de dentro do mundo imperialista do Atlântico Norte, uma polêmica defensiva marcada pela surpreendente hiper-sensibilidade dos autores e pelo sentimento, claramente expressado, de uma honra ferida.21 Em sua retórica bombástica, rica em metáforas sexualizadas de processos ilícitos de sedução e penetração, os autores revelam uma falta de confiança e acuidade que gera erros vergonhosos de avaliação ' do Brasil, dos Estados Unidos, eda França.

A Dimensão Ausente: Idéias Norte-Americanas de "Raça" e seu "Consumo" no Brasil Em sua polêmica, Bourdieu e Wacquant tratam seus adversários de forma agressivamente desdenhosa, especialmente os norte-americanos e os ingleses,22 ao mesmo tempo em que criticam o tropismo em direção ao poder exibido por muitos intelectuais nos países dominados. Porém, estes dois intelectuais europeus mostram uma arrogância imperial em seu olhar apressado e desenhoso sobre o debate em torno da "raça" na diáspora africana no Novo Mundo.

Emitem opiniões de forma descompromissada sobre o Brasil, apesar de sua ignorância a respeito deste país continental com mais de 170 milhões de habitantes. De acordo com a sua interpretação, os brasileiros indefesos precisam de um defensor estrangeiro em face do ataque dos EUA, justamente porque a troca intelectual "flui apenas em um sentido"; até mesmo as idéias norte-americanas "fora do lugar", lamentam, podem se impor no Brasil (Bourdieu & Wacquant, 1999:46).

Os autores de "Sobre as Artimanhas da Razão Imperialista" dão peso analítico apenas à produção e circulação transnacional de idéias, enquanto ignoram a dinâmica de "leitura" e "tradução" através das quais as idéias estrangeiras são incorporadas às áreas intelectuais nacionais, cada uma com a sua trajetória histórica, formação cultural, e mitologias sociais próprias.23 Seu modelo simplista de dominação/imposição dos EUA e submissão/cumplicidade subalterna é teimosamente errado, tanto de um ponto de vista empírico, quanto teórico. Ele apaga o processo de apropriação local ao mesmo tempo em que amplamente exagera o poder e influência que as noções produzidas nos EUA têm tido ou podem ter no Brasil. Em resumo, fetichizam a origem "estrangeira" das idéias (ela mesma questionável), enquanto descrevem o processo de troca transnacional como inerentemente de mão única.

Pior de tudo, seu chamado à resistência é comprometido pela sua própria preferência para se refugiarem por detrás de tênues barricadas nacionalistas, em vez de promoverem um debate intelectual e político transnacional sério.

De fato, pesquisadores e militantes brasileiros, hoje, não aderem ao modelo racial postulado por Bourdieu e Wacquant, mesmo quando tenham sido formados nos EUA, ou tenham recebido bolsas da Ford Foundation. A publicação de Orfeu e o Poderem 1994 também não levou acadêmicos e militantes negros brasileiros a se submeterem a "leituras" norte-americanas de raça. Em vez disso, ajudou a cristalizar uma convicção brasileira, que passa pela diversidade em termos de nacionalidade de origem, raça e sexo, que as diferenças são mais importantes do que as semelhanças neste momento da discussão comparativista (o vigoroso debate pode ser acompanhado em Bairros, 1996; Fry, 1995a, 1995b; Hanchard, 1994a, 1996a, 1996b, 1996c; Silva, D., 1998; Cunha, 1998; Segato, 1998). Se a tônica nos anos 80 era a ênfase na similaridade, a literatura mais recente sublinha as especificidades nacionais e até mesmo a originalidade dentro do contexto diaspórico. Representa, poderíamos dizer, a consolidação de "uma problemática de relações raciais propriamente brasileira, [que começou a surgir na década de 50, e] que se distancia do modelo comparativista e contrastivo herdado de Gilberto Freyre" nos anos 30 (ao qual Bourdieu e Wacquant ainda estão presos, com o seu uso da dicotomia entre Brasil e EUA) (Guimarães, 1999:91) Onde se encaixa Orfeu e o Poder, com seu contraste EUA/ Brasil, no renascimento atual da literatura sobre raça, cultura, nação e poder no Brasil? A idéia da diáspora africana representou, em si mesma, um avanço conceitual decisivo, que sublinhou o pano de fundo comum da escravidão racial a suas ideologias anti-negras de superioridade branca sem, contudo, reduzir a história subseqüente dos povos descendentes de africanos apenas à sua vitimização pela subordinação racial. "A civilização e negritude africanas influenciam-se mutuamente", como observa a antropóloga Rita Segato, "e o lugar da África e o lugar da raça nas nações do Novo Mundo estão mutualmente banhadas em uma articulação complexa [que é] extremamente difícil de ser desembaraçada...

[mas que] varia de acordo com o quadro nacional" (Segato, 1998:130).

"Nossa negritude comum" dentro do Novo Mundo, observa Denise Silva, "tem sido atravessada por efeitos particulares da condição nacional, de sexo e classe. A escravidão e o colonialismo formaram o chão histórico... [mas] em cada caso, é construído... de acordo com condições históricas e sociais de um dado espaço social multiracial... [e] os desdobramentos históricos e discursivos específicos que informam as estratégias de subordinação racial" (Silva, D., 1998:230). Nas palavras dela, muitas subjetividades negras dentro da diáspora africana no Novo Mundo que não podem ser facilmente tidas como análogas ao caso norte-americano.24 "É importante enfatizar a diferença de como o sistema racial brasileiro foi constituído", argumenta a antropóloga Olívia Cunha (1998:247), porque [...] os casos paradigmáticos do Brasil e dos Estado Unidos mostram que as modalidades específicas de exclusão e as concepções étnicas estão profundamente relacionadas [...] [à] variedade de operações cognitivas de discriminação e exclusão que fundimos no nome comum de racismo [e que] estão profundamente enraizadas nas estruturas de relacionamentos desenvolvidas através de uma história nacional particular. (Segato, 1998:130, 135) Resumindo, "o racismo no Brasil, independente do quanto pode ser proveitoso localizá-lo em continuidades globais, permanece culturalmente distinto" (Sheriff, 1997:42).

A dificuldade apresentada pela comparação EUA/Brasil, sugere Denise Silva, reside no fato de que As pressuposições que alimentam a análise contemporânea da subordinação racial no Brasil [...] [assim como] as categorias empregadas no estudo das sociedades multirraciais surgiram [primeiramente] como uma tentativa de lidar com uma condição particular de multirracialidade, os Estados Unidos [...]. Quando estudiosos começaram a dar atenção às similaridades entre estas duas sociedades, [...] tenderam a interpretar a subordinação racial no Brasil como uma mera variação no modelo que[...] antes de mais nada representava os pontos de contraste [...] [Assim,] as peculiaridades da raça no Brasil aparecem como uma questão de grau, como uma realização menos desenvolvida de uma construção de raça, que tem suas premissas em uma visão da sociedade como composta de grupos raciais claramente distinguíveis. (Silva, D., 1998:204, 206-207) Assim, um sério erro, argumenta Silva, nos argumentos de alguns dos analistas norte-americanos menos cuidadosos, tais como Howard Winant, o "principal interlocutor" de Hanchard (Hanchard, 1994a:ix). Apesar de teoricamente aprovar uma abordagem social construcionista para a questão da raça, Winnant ainda baseia-se em seus escritos em uma noção, típica dos EUA, [...] de que a diferença racial é (como o sexo) um substrato pré- social, sobre o qual relações sociais são desenvolvidas. O que se perde [...] é que a importância política da raça não reside na interpretação e imposição de significados sobre estas diferenças [fenotípicas], mas na própria produção de tais diferenças como sendo raciais (Silva, D., 1998:212).25 Assim, Winant trata a raça como "um fato que passa por fronteiras contextuais" ao mesmo tempo que revela "a falta de fronteiras sociais e históricas" para sua "noção de formação racial" (Segato, 1998: 132).26 "Ironicamente, o esforço problemático de Hanchard para responder a questão também fornece sugestões importantes para abordar o assunto", Denise da Silva argumenta, apesar de reproduzir, ao menos parcialmente, a "universalidade etnocêntrica de Winant". Quando Hanchard defende que a ideologia da democracia racial tem "neutralizado a identificação racial" e produzido a "ausência de uma consciência racial entre os afro-brasileiros", ela continua, ele se esquece que a subjetividade afro- norte-americana (um termo que ela prefere à "consciência racial") "surgiu de uma condição particular de subordinação racial.

Conseqüentemente, esta construção particular da subjetividade negra sub- repticiamente coloniza sua análise da mobilização racial no Brasil... [No entanto] a articulação específica de raça, nação, e sexo que caracteriza a construção brasileira de raça", ela reitera, "não é melhor ou pior do que aquela predominante nos Estados Unidos; é apenas diferente. E esta diferença deve ser o ponto de partida da análise da política racial no Brasil" (Silva, D., 1998: 222-3).

A intrigante crítica da autora também reflete a natureza dual da troca que ocorre entre as diferentes realidades nacionais dentro da diáspora. Apesar de ser ela mesma uma militante negra inspirada pelas luta dos afro-norte- americanos, esta estudante brasileira de pós-graduação em sociologia na Universidade de Pittsburgh observa que "ser negro aqui [nos Estados Unidos] deu-me a vantagem de poder me ver pelos olhos de 'Outros' ' negros e brancos neste caso. Pareceu ter-me ajudado a diminuir a distância e perceber que eu e meus companheiros de militância somos mais 'brasileiros negros' do que éramos levados a crer no Brasil" (ibidem: 225). Esta experiência de alteridade é paralela às observações de uma jovem estudiosa afro-norte- americana da história do Brasil, Kim Butler, em seu livro inovador Liberdades Dadas, Liberdades Conquistadas: Afro-Brasileiros na São Paulo e Salvador Pós- Abolicionistas. O contato dos EUA com o Brasil, ela insiste, deixa "claro que, o que inicialmente ao olhos norte-americanos aparentava ser uma grande população negra", era, de fato, um grupo heterogêneo de várias comunidades pequenas. "Apesar de dividirem uma herança de escravidão e uma ligação com o continente africano", ela continua, "não havia nenhuma identidade étnica unificadora que pudesse criar um verdadeira comunidade dentro desse grande e diverso grupo demográfico... [apesar de sua] existência freqüentemente parecer óbvia quando vista pelo prisma da experiência norte-americana" (Butler, 1998:218).

Como os brasileiros, Butler conclui que a "negritude" "não surge intrinsecamente da existência de uma herança africana, mas é condicionada e modelada pela dinâmica histórica e específica de cada sociedade escravocrata...

[e que] a etnicidade da 'negritude,' uma combinação de traços somáticos e de uma herança cultural africana, não é nem fixa nem constante na diáspora africana" (ibidem: 218, 50, 7). Contextualizando explicitamente seu trabalho dentro do que de comum na diáspora africana, a investigação de Butler da experiência afro-brasileira desde a Abolição também revela a utilidade limitada das comparações nacionais. Ao comparar as diferentes trajetórias de povos descendentes de africanos nas cidade de Salvador e São Paulo, Butler ilustra a riqueza da diversidade mesmo dentro de um único espaço nacional: "À medida que as diferenças regionais são exploradas, a etnicidade [negra] aparece como um fenômeno fluido, tanto em resposta a condições sócio-políticas, como seu resultado" (ibidem: 129) Se a situação brasileira em termos de desigualdade racial e "dominação etno-racial" é bem pior do que admitem Bourdieu e Wacquant, deve-se também enfatizar que os trabalhos que deploram, como Orfeu e o Poder, não têm sido de maneira alguma nefastos em seu impacto na comunidade intelectual brasileira.

Tais autores ficariam felizes, ou, talvez, reassegurados a respeito da ineficiência do imperialismo cultural em questões de raça, assim como em relação à sofisticação e clareza com as quais as vítimas, agentes e cúmplices brasileiros formularam, em termos bem mais precisos e convincentes, uma ampla crítica da "universalidade etnocêntrica" na discussão conceitual da raça. Se honestos, eles poderiam até ficar impressionados pela publicação destes artigos em inglês e apreciar o diálogo, respeitoso e de alto nível, que tem ocorrido sobre este tema vital. Poderiam até notar que é Rita Segato, da Universidade de Brasília, e não Michael Hanchard, que mais severamente denuncia "a existência de uma atitude e sentimento racistas virulentos contra pessoas de cor negra" no Brasil (Segato, 1998: 148).

Bourdieu e Wacquant, no entanto, não estão no mesmo terreno que os atuais estudiosos de raça e cor no Brasil, sejam eles brasileiros, norte-americanos ou europeus. Indulgindo em seu recalque contra os EUA, os autores de "Sobre as Artimanhas da Razão Imperialista" distorceram o trabalho de estudiosos sérios como Michael Hanchard e se refugiaram na asserção fácil demais, de que a palavra "raça" não tem relevância no contexto brasileiro, porque ela teria que significar "raça" como é entendida nos EUA! Pior ainda, eles adotaram, em nome de uma solidariedade antiimperialista, uma postura acrítica de solidariedade com a mitologia nacional brasileira de uma sociedade racialmente igualitária e assim se distanciaram do projeto anti-racista que une todos os participantes do atual debate (Burdick, 1998; Twine, 1997; Sheriff, 1997). Sua surpreendente falta de sensibilidade para as questões de raça reflete uma recusa implícita ou, ao menos, a minimização, do processo histórico de subalternização ao qual os africanos e seus descendentes têm sido submetidos no Brasil, Estados Unidos eFrança.

A força motriz e a urgência do presente debate sobre raça e racismo no Brasil vêm de uma busca comum para se encontrar as armas mais eficientes a serem usadas na luta anti-racista. O desdobramento desta discussão é, assim, político no melhor sentido da palavra e reflete, como explica Cunha, a mudança no terreno político brasileiro nos vinte anos desde a fundação do Movimento Negro Unificado (MNU). A questão central hoje, sugere, é "que tipo de linguagem deve ser utilizada para trazer visibilidade à discriminação racial e ao racismo que existem na sociedade brasileira?" (Cunha, 1998: 240). Este objetivo anti-racista também define o campo para o diálogo transnacional. Segato explica que a comparação com os EUA pode ser usada "para contribuir para a formulação de uma política adequada para a luta contra o racismo no Brasil" (Segato 1998: 148, 137). E Denise da Silva, apesar de sua ênfase nas diferenças, insiste que, como "a raça tem sido a base discursiva comum para [a] subordinação mundial dos não-brancos", a comparação transnacional é essencial para nossos esforços comuns com vistas a "formular contradiscursos insurgentes, que serão, ao mesmo tempo, intervenções teóricas e políticas verdadeiramente não-etnocêntricas" (Silva, D.,1998: 230).

O terreno prático e ideológico sobre o qual a luta anti-racista se desdobra no Brasil, como nota Silva, é aquele de "uma sociedade multirracial onde manifestações de 'preconceito de raça' e atos de 'discriminação racial,' e grandes níveis de desigualdade entre negros e brancos coexistem com uma construção da raça que rejeita a separação e celebra a harmonia racial" (ibidem: 223). Seguindo Peter Fry (1995), Cunha chama a atenção para o risco de se reduzir "a democracia racial" a um mero mito, entendido como sinônimo de fraude (Cunha 1998: 225-6; cf. também Sheriff, 1997: 435-6). Seja em relação aos EUA ou ao Brasil, as dinâmicas das mitologias sociais são bem mais complexas do que a mera oposição de uma "mentira" à "verdade". Essa complexidade é sugerida pela tentativa de Segato de relacionar as mitologias raciais e nacionais nas duas sociedades: "Se, de cima para baixo, o paradigma étnico norte-americano é baseado na separação, dentro do mito compartilhado por todas as raças da recompensa de acordo com o esforço e o mérito, no Brasil o paradigma étnico é baseado na incorporação do outro, na inclusão como seu forte tema-chave, e o mito aqui é o mito de um povo se interrelacionando independentemente da cor" (Segato, 1998: 137).

Muitos brasileiros, nota Robin Sheriff, temem que os movimentos negros criarão separações entre os brasileiros assim como ocorre nas relações "raciais" no estilo norte-americano. Com efeito, ela descobriu que os militantes negros mais freqüentemente "invocam o sonho, não de um movimento composto unicamente por pessoas de cor, mas um movimento dirigido contra todas as formas de discriminação" (Sheriff, 1997: 429). De fato, Michael Hanchard também relata que a criação de uma sociedade negra alternativa, como nos Estados Unidos, vai contra os sentimentos expressados pelos militantes negros entrevistados: "Ninguém expressou interesse em ser parte de um partido político, igreja ou outra instituição a nível nacional que fosse racialmente específica" (Hanchard, 1994a: 84-82). Poderia ser sugerido, talvez, que a luta dos movimentos negros no Brasil tem em seu centro a exigência ' articulada no manifesto fundador do MNU em 1978 ' de que o Brasil seja uma verdadeira democracia racial, ao invés da rejeição de uma democracia racial per se. Sua esperança para a sociedade brasileira, como coloca Sheriff, é "simplesmente de voltá-la para seu próprio sonho" (Sheriff, 1997: 431).

O movimento da "Consciência Negra", renascido como parte integrante da grande revolta democrática contra o regime militar no fim da década de 70, na realidade adotou discursos e símbolos estrangeiros, tanto dos EUA quanto da África (uma prática que Michael Hanchard critica em Orfeu e o Poder). O movimento fez uso do gesto radicalmente iconoclasta de asseverar que a raça e o racismo no Brasil são como nos EUA, mas este discurso nunca deveria ser entendido, como sugerem Bourdieu e Wacquant, como uma simples "imitação" ou submissão a um produto "estrangeiro" importado. O mínimo que se pode dizer é que o caso das idéias norte-americanas de "raça" e sua apropriação no Brasil demonstram a capaciadade dos intelectuais subalternos de subverter as idéias estrangeiras.

Como uma sociedade periférica à margem do mundo do Atlântico Norte, os brasileiros têm muito tempo vivivenciado a importação por atacado de idéias da metrópole e a dependência cultural tem gerado um intenso debate sobre o papel de tais "idéias fora do lugar" (Schwarz, 1992). Estas questões são fundamentais: as idéias têm de fato um lugar? E que papel, se é que ele existe, as idéias "importadas" desempenham dentro da sociedade brasileira? Representam elas desvios nocivos que devem ser combatidos, ou uma pura ornamentação que é irrelevante? Exercem um papel positivo ou prejudicial? Essa longa controvérsia tem sido concentrada na importação, não de idéias norte-americanas, mas européias, como o liberalismo, por exemplo.27 O impacto limitado de produtos importados do imperialismo cultural fancês e inglês no século XIX também foi demonstrado pelo surgimento do "racismo científico", como nos escritos do francês Gobineau, que baseou sua "ciência" fraudulenta em parte em seu serviço diplomático no Brasil (Raeders, 1988). Esta doutrina da superioridade européia era amplamente aceita por intelectuais da classe alta brasileira, mas ao fazer isso, como mostraram Skidmore (1993) e Costa (1995), tais intelectuais descartavam princípios subjacentes fundamentais da ortodoxia racista que pretendiam abraçar.

A adoção de idéias raciais dos EUA por intelectuais brasileiros e militantes negros foi também marcada, com o decorrer do tempo, pelas próprias "leituras" que fizeram destas "idéias fora do lugar". O militante Joel Rufino dos Santos recentemente chamou a atenção para as dificuldades envolvidas no uso, pelo movimento negro, de uma "idéia de raça do século XVIII" para alcançar objetivos anti-racistas. O "negro" no Brasil, ele propõe, seguindo Guerreiro Ramos, deveria, pelo contrário, ser visto como [...] uma configuração social, um lugar que pode ser ocupado mesmo por não negros (assim como o lugar do branco pode ser ocupado por um preto ou mulato). Como se descreve esse lugar? As coordenadas para fixar o negro como lugar seriam: o fenótipo (crioulo), a condição social (pobre), o patrimônio cultural (popular), a origem histórica (ascendência africana) e identidade (autodefinição e definição pelo outro). A coordenada mais fraca é o fenótipo, uma vez que a maioria da nossa população tende para o escuro. Brasileiro é, como se deduz, o melhor sinônimo de negro; e branco, um sinônimo de não brasileiro.

(Oliveira, 1995) "[A]presentar o problema do negro como o problema do Brasil", continua, é a maneira mais radical de lutar contra o racismo. "O problema do negro", insiste o militante Clovis Moura, "faz parte, pois, do problema nacional... [cuja solução] passa pela sua integração social, econômica, cultural e psicológica ao seio da nação e a sua desmarginalização como cidadão" (Moura, 1994: 234). O veterano militante Hamilton Cardoso observa de forma similar: "O problema crucial encontra-se na definição do próprio modo de ser do brasileiro que, hoje, por mais branco que possa ser, quando visto pelo europeu (o verdadeiro branco, o puro, o legítimo, como se costuma dizer ironicamente entre negros), é visto como 'um branco fora do lugar'". Isso é o que os "ativistas, militantes e intelectuais negros" querem dizer, prossegue, quando notam que "todo branco [brasileiro] tem um na senzala" (Cardoso, 1987: 89; para a construção brasileira da brancura cf. Segato, 1998: 136, 146-7; Sheriff, 1997, 321; Twine, 1997: 71). Resolver o problema do racismo no Brasil, disse uma vez uma líder do MNU, Lélia Gonzales, seria resolver "a neurose cultural brasileira...

Racismo? No Brasil? Isso é coisa de americano!" Apesar de serem freqüentemente criticados como "não-brasileiros", os militantes e movimentos de consciência negra têm demonstrado uma grande habilidade para incorporar idéias vindas de fora a uma visão de mundo brasileira que corresponde àquilo de melhor que o país sonha ser. Ainda que importações do estrangeiro muitas vezes tenham motivado uma reação defensiva e nacionalista no Brasil, a resposta mais saudável para a dependência cultural brasileira tem sido "consumir" confiantemente idéias estrangeiras e incorporá-las a produções originais brasileiras. Chegamos, assim, ao elogio da antropofagia, que data dos anos 20, como a metáfora central para a conceitualização do elo entre o local e o global em um mundo cada vez mais fortemente, ainda que desigualmente, integrado (Johnson, 1987; Santiago, 1978).28

Conclusão A trajetória histórica dos povos descendentes de africanos no Brasil e nos Estados Unidos tem atraído gerações de talentosos estudiosos nos últimos setenta anos, produzindo um corpus de pesquisa nas ciências humanas de alta qualidade e de forma contínua, que corta várias disciplinas (Barcelos, 1991; Andrews, 1997; Bastide, 1974; Fontaine, 1980; French, 2000; Parker, 1978; Russell-Wood, 1982). A última década testemunhou uma emocionante nova fase de engajamento, tanto no Brasil quanto nos EUA, com os brasileiros exercendo um papel cada vez mais ativo junto com intelectuais de origem africana nos dois países.29 Mais importante ainda, este diálogo transnacional sem precedentes, que Bourdieu e Wacquant simplesmente não conseguem ver, é bem menos desigual do que no passado; na verdade, um dos desdobramentos mais proveitosos e provocadores foi a emergência de uma articulação brasileira e claramente enunciada da dialética entre similaridades ediferenças entre Brasil e Estados Unidos, especialmente em relação a questões de identidade e subjetividade (Cunha, 1998; Silva, D., 1999, Segato, 1998; Guimarães 1999).

A hegemonia global das "idéias norte-americanas" hoje, Bourdieu e Wacquant observam com razão, não é, na realidade, "natural", apesar do predomínio contemporâneo de metáforas de mercado, e o volume e velocidade crescentes da troca de idéias e produtos culturais não altera a assimetria entre nações. Eles também não estão errados em ver um desejo por parte dos EUA de se tornarem a autoproclamada "única superpotência", para alcançar, dentro do campo cultural e intelectual, o mesmo predomínio, quiçá domínio, alcançados nas áreas econômica, diplomática e militar. De fato, a própria predominância dos EUA serve como um azedo contraste para seus rivais, potências imperialistas menores como a França, que estão encontrando dificuldades crescentes para manter seu "lugar ao sol" dentro do terreno do capitalismo global. Todavia, o uso mal fundamentado do exemplo brasileiro por parte de Bourdieu e Wacquant, motivado por suas angústias e sensibilidades, contribui muito pouco para o conteúdo do presente debate. Seria muito triste, no entanto, se leitores não especializados, por respeito às muitas contribuições intelectuais de Pierre Bourdieu, fossem desencorajados de participar deste promissor diálogo transnacional sobre o Brasil, no qual novas questões sobre um velho tópico estão sendo formuladas, dentro de um quadro comum de luta contra o racismo e a desigualdade.

Em um mundo marcado pela regressão social e dominado pelas ocupações imperiais da OTAN, Bourdieu e Wacquant deveriam lembrar-se de que o sucesso das lutas populares pode ser alcançado através de uma investida abrangente contra as desigualdades estruturais e todo tipo de violência, esteja ela relacionada aos sexos, classes sociais ou grupos raciais ou étnicos. Para que se leve a cabo esta luta transnacional é necessário que intelectuais e militantes mantenham uma visão vigilantemente autocrítica das deficiências de sua própria sociedade.

Ao mesmo tempo, intelectuais com um posicionamento crítico devem manter uma postura de respeito e solidariedade (que não impede o desacordo e o debate) que evite o des-entendimento teimoso e ataques mal fundamentados contra aliados potenciais em outros países.

Notas 1.

O título em francês é "Sur les Ruses de la Raison Imperialiste", Actes de la Recherché en Sciences Sociales,121-122, março 1998, pp. 109-118.

2.

Em uma capitulação inconsciente à arrogância imperial dos EUA, Bourdieu e Wacquant usam o termo "americano" em referência aos Estados Unidos, apesar de os residentes dos países de todo o Novo Mundo serem de fato "americanos". Esta é uma questão algo delicada na América Latina, onde cidadãos dos EUA são freqüentemente chamados de norte-americanos. Na falta de uma alternativa melhor, seguirei esta prática latino-americana, mesmo em detrimento das especificidades nacionais do Canadá.

3.

O antropólogo Peter Fry refutou recentemente, com alguma irritação, a afirmação de Bourdieu e Wacquant segundo a qual a Rockefeller Foundation "estabeleceu como condição para a liberação de verbas que o grupo de pesquisa [sobre raça e etnicidade em sua instituição, a Universidade Federal do Rio de Janeiro] fosse selecionado de acordo com critérios de ação afirmativa [norte] americanos". A fundação em questão, continua, "na realidade não impôs nenhuma condição para financiar o programa de raça e entnicidade, que trouxe estudiosos do mundo inteiro para nossa universidade (incluindo Löic Wacquant). Neste caso, então, ao menos uma universidade brasileira foi financiada por uma famosa fundação [norte] americana para colocar a experiência [norte] americana em seu devido lugar, como nada mais do que uma forma historicamente específica de se construir a raça, institucionalizar o racismo e em seguida combatê-lo" (Fry, 2000:112-13).

4.

Para discutir o trabalho de Hanchard, utilizarei resenhas relevantes de Orfeu e Poderescritas por brasilianistas (o cientista político Michael Mitchell, os historiadores Kim Butler e Richard Graham, e o antropólogo John Burdick). Farei uso, também, de duas resenhas escritas por especialists em outras áreas (Alejandro de la Fuente, um recente Ph.D que estuda a questão racial em Cuba, e o sociólogo Howard Winant). Finalmente, aproveitarei as discussões e artigos recentes sobre Hanchard tanto de sociólogos brasileiros (Luiza Bairros, Denise Ferreira da Silva, e Antonio Sérgio Alfredo Guimarães) quanto de antropólogos (Peter Fry, Rita Segato, e Olivia Gomes da Cunha).

5.

Richard Graham (1995) nota que "as relações de poder entre raças no Brasil têm por muito tempo atraído a atenção de observadores estrangeiros [...] até mesmo quando estes escritores não reconheciam que o que estava em jogo eram questões de poder" (como no caso de Bourdieu e Wacquant).

6.

Em sua revisão bibliográfica dos estudos latinos-americanos, Pierre-Michel Fontaine notou que "os estudos afro-brasileiros têm ocupado um espaço crescente" e que "não é por acaso que boa parte dos trabalhos mais interessantes foi e tem sido feita no ou sobre o Brasil, apesar dos obstáculos encontrados" (Fontaine, 1980:208).

7.

Devido à sua própria natureza, as comparações não têm razão de ser se os objetos comparados são exatamente os mesmos ou completamente diferentes (French, Mörner e Viñuela, 1982). Para uma apresentação esquemática das semelhanças e diferenças entre as experiências dos povos descendentes de africanos nos EUA e no Brasil, cf. French (2001) [http://www.duke.edu/web/las].

8.

Cf. Cunha (1998), para a lógica política por detrás desta tática do movimento.

9.

Para trabalhos mais recentes nessa linha, ver Telles (1992, 1993, 1994), Lovell (1994), Reichmann (1999).

10.

Para uma crítica das idéias "primordialistas", cf. o estimulante artigo dos antropólogos John e Jean Comaroff (1992) que também delineiam uma discussão teórica muito proveitosa sobre a origem das "raças" ou etnias, assim como a emergência e subseqüente transformação da consciência "racial" ou étnica.

11.

Hanchard se destaca em relação a outros estudiosos e militantes precisamente por causa de sua recusa em equacionar a sobrevivência africana ou resistência cultural negra com a mobilização política contra o racismo ou a desiguladade racial. Sua postura em relação à cultura e religiosidade afro-brasileiras gerou discordâncias fortes mas proveitosas por parte outros estudiosos (Burdick, 1998; Butler, 1998; Segato, 1998). Além disso, Hanchard também se move dentro dos debates nos movimentos da "Consciência Negra" em torno do papel do "culturalismo" como estratégia do movimento.

12.

Um sentimento de alienação pode acompanhar algumas variantes da militância negra brasileira, como em um artigo de 1992, publicado em inglês por dois líderes do MNU. O racismo no Brasil, escrevem, "permeia todas as áreas da vida nacional [...] com tanto sucesso [...] que a maioria da população brasileira tem dificuldade para identificar o racismo, quando ele acontece [...] Porque ele está tão profundamente enraizado no dia-a-dia de nossas vidas, o Brasil é um dos poucos lugares do mundo em que podemos dizer que uma aceitação do racismo por parte daqueles que sofrem com ele." Desta maneira, o racismo opera no Brasil não apenas através "da dominação da maioria da população por uma minoria, mas também pela aceitação e colaboração tácitas em sua continuação, com mínimos protestos por parte daquela maioria" (Caetano e Cunha, 1992:86).

13.

Para militantes brasileiros negros, o processo de "conscientização" é um desafio para os indivíduos descendentes de africanos para "assumir sua negritude", uma terminologia característica quando comparada ao caso norte-americano. Florestan Fernandes (1989) discute o negro assumido dentro da classe média em relação ao seu oposto: o negro de alma branca.Cf. também a análise de Sheriff (1997b:418-427).

14.

O antropólogo John Burdick (1995) questionou o fato de Hanchard "basear- se quase exclusivamente no discurso oral de líderes", sem observações vindas de baixo, de participantes que não eram líderes, ou que estavam fora do movimento, "afro-brasileiros que, por qualquer razão, decidiram manter distância dele". No entanto, o foco exclusivo de Hanchard em militantes negros (negros assumidos) de fato revela os supreendentes dilemas do movimento com uma claridade persuasiva. O rico potencial de uma abordagem dos não- militantes é bem revelado na fascinante monografia de 1998 de Burdick sobre as mulheres no Rio de Janeiro, assim como a provocativa exposição, ainda que menos elaborada, de entrevistas sobre raça que ela conduziu no interior do Rio de Janeiro (Twine 1998). Sheriff (1997a) fornece uma explicação sensata de discursos sobre raça e cor por militantes e não-militantes, brancos e não- brancos, tanto pobres quanto da classe média do Rio de Janeiro. Lamento apenas que Hanchard não tenha explorado mais completamente seu material de entrevistas e o combinado com uma análise mais extensiva da produção intelectual do movimento. Sobre este último ponto, Hanchard foi criticado por um membro do MNU por subestimar a capacidade própria do movimento negro brasileiro "para elaborações práticas e teóricas". Como um exemplo, Bairros menciona o erro, por parte de Hanchard, de aplicar uma teoria de hegemonia baseada em Gramsci ao caso brasileiro, sem "dar atenção à sua configuração dentro do próprio movimento negro" (Bairros, 1996:178, 180) em que era, como Cunha (1998:229) observa, a principal moeda corrente da discussão do movimento na década de 70 (assim como na esquerda como um todo).

15.

Deve-se enfatizar que Orfeu e o Podernão é uma história enciclopédica dos movimentos de consciência negra desde 1945 (uma continuação do valioso estudo de Butler dos movimentos negros em São Paulo até a década de 1940 [1998] se faz altamente necessária, e ainda esperamos o final do estudo de Anani Dziedzenyo sobre o importante militante do Movimento Negro, Abdias do Nascimento [Dziedzenyo, 1991]). O livro de Hanchard também não é um exercício rigoroso de como construir um modelo de análise social científica por meio da formulação de hipóteses e seu teste. Em vez disso, é um sugestivo conjunto de ensaios inter- relacionados, motivados por preocupações teóricas, que é "rico em idéias e cheio de detalhes surpreendentes" sobre o mundo dos movimentos negros no Brasil (Graham, 1995). Ainda que Hanchard tenha sido criticado por não conseguir fornecer um estudo comparativo sistemático da evolução dos movimentos negros em São Paulo e no Rio de Janeiro (Fuente, 1995), Kim Butler observa, com acerto, que Orfeu e o Poder não é "um relato estritamente histórico, nem pretende ser" (Butler, 1996). Como Mitchell (1995) nota, ele é "antes de mais nada, uma obra teórica" na qual encontramos "menos atenção aos detalhes" do que nos estudos históricos revisionistas, tal como o excelente, e merecidamente influente, estudo de George Reid Andrews, Os Brancos e os Negros em São Paulo, Brasil, 1888-1988 (1991; 1998). Com efeito, o livro de Hanchard não se "propõe a ser um texto definitivo, mas, ao contrário, a gerar novos debates e abordagens metodológicas à história política afro- brasileira" (Butler, 1996) e as evidências são usadas primordialmente para ilustrar seus argumentos teóricos e conceituais (Mitchell, 1995). Neste sentido, a monografia de Hanchard não oferece uma contextualização profunda do movimento da consciência negra no Brasil, mas, em vez disso, um criativo esboço de alguns de seus dilemas principais.

16.

Bourdieu e Wacquant demonstram uma ingenuidade considerável ao selecionar o Nem Negro nem Branco,de Carl Degler, como seu "estudo clássico".

Ainda que útil, especialmente para norte-americanos, o livro é, em grande parte, carente de originalidade e consiste quase que totalmente em uma explicação de resultados da pesquisa de campo realizada por estudiosos brasileiros, norte-americanos e franceses na década de 50. A importância do livro de Degler, com efeito, reside menos naquilo que revela sobre o Brasil do que naquilo que mostra sobre as mudanças no campo intelectual dos EUA entre a época de Frank Tannenbaum nos fins dos anos 40, e a revolução do Movimento dos Direitos Civis nos anos 60. O novo prefácio à edição de 1986 fornece exemplos adicionais das guinadas ideológicas que ocorreram desde aquela época.

17.

A existência de preconceito e discriminação racial no Brasil (agora chamados de racismo ao estilo brasileiro) tem, na realidade, sido um consenso entre os estudiosos, que data dos clássicos estudos patrocinados pela UNESCO na década de 50, sejam eles os brasileiros como Florestan Fernandes, Thales de Azevedo, Oracy Nogueira, ou Luis Costa Pinto, ou os norte-americanos como Charles Wagley e Marvin Harris, ou ainda o francês Roger Bastide. Os resultados da pesquisa acadêmica, como recentemente observou Andrews, deixam claro que "desigualdade, preconceito e discriminação raciais são fatos sociais que estão profundamente inscritos na vida brasileira" (Andrews, 1997:25).

18.

Duas décadas depois, o historiador afro-norte-americano Leslie Rout atacou vigorosamente "a farsa construída em torno das relações raciais no Brasil" por autores, em sua maioria brancos e norte-americanos, na primeira metade do século XX, quando apresentavam "a situação racial brasileira como relativamente paradisíaca [...] de forma a exteriorizar sua cólera contra uns Estados Unidos da América segregados", especialmente "a propensão dos brancos sulistas a linchar e queimar". Isto representou, conclui, "a construção de uma fantasia que teria efeitos nocivos para o estudo da história brasileira", por subestimar o estilo brasileiro de racismo. Foi, ele esperava, um "exemplo claro do tipo de desonestidade intelectual que historiadores [e sociólogos] do futuro deveriam escrupulosamente evitar" (Rout, 1973: 485-6, 488). Esse uso do Brasil como uma arma no campo dos EUA era também comum entre os afro-norte-americanos em seu contato com o Brasil neste século (Hellwig, 1992). Apesar de não explicitados, os relatos de visitantes norte-americanos nesta coleção, tanto críticos quanto laudatórios, demonstram uma percepção nítida das semelhanças e das diferenças entre as duas realidades raciais.

19.

Observadores freqüentemente tomam "a falta de pronunciamentos sobre o racismo no Brasil", nota Robin Sheriff, "como uma evidência prima facie de que o preconceito e discriminação raciais, como um conjunto de problems sociais e/ou políticos, não são significantes o suficiente para gerar discussões". E os comentários críticos de norte-americanos sobre o racismo no Brasil são ignorados por esses mesmos observadores por serem "julgamentos etnocêntricos, feitos porque os [norte] americanos são tão obsecados com seu próprio dilema, que não conseguem entender que tal dilema não existe para os brasileiros" (Sheriff, 1997a:126). Sua detalhada e sensata análise dos múltiplos discursos (e silêncios) sobre a questão racial no Rio oferece uma resposta bem-vinda a estas defesas agora cansativas.

20.

Podemos nos lembrar aqui da análise semiótica de Roland Barthes da foto na capa da revista Paris Matchoferecida a ele por seu barbeiro. Ela mostrava um jovem negro, em um uniforme militar francês, provavelmente saudando a bandeira nacional. É claro, escreve Barthes, o que isto deveria significar para o leitor francês: "que a França é um grande Império, que todos os seus filhos, sem distinção de cor, fielmente servem à sua bandeira, e que não melhor resposta a [seus] detratores [...] do que o fervor demonstrado por este negro" (Barthes, 1972:116).

21.

Bourdieu e Wacquant descrevem, em várias passagens, a humilhação envolvida no processo de "dominação simbólica" da Europa pelos Estados Unidos.

Afinal de contas, assinalam, muitos dos produtos de exportação dos EUA, denunciados por eles, foram, em sua origem, "tomados de empréstimo" dos europeus, que "agora os recebem como as mais avançadas formas de teoria". E este erro de interpretação, continuam, está agora "em vias de ser imposto em sua forma [distorcida norte-] americana aos próprios europeus" (Bourdieu & Wacquant, 1999:53, 43).

22.

Bourdieu e Wacquant querem evitar o debate e não querem ser incomodados por idéias das quais discordam. Em vez disso, procuram desqualificar automaticamente visões "incorretas" baseando-se em sua nação de origem (apesar de reconhecerem que este é um assunto confuso). O pior de tudo, no entanto, é que seu ensaio não apenas desencoraja qualquer discussão, mas tenta ativamente impedir o debate produtivo através de gestos de desdém, que são o oposto de um debate intelectual entre pares, político e proveitoso.

23.

Se os intelectuais quiserem dominar seus instrumentos analíticos, dizem Bourdieu e Wacquant, precisamos de "uma história genuína sobre a gênese das idéias a respeito do mundo social, combinada a uma análise dos mecansimos sociais de circulação intelectual dessas idéias" (Bourdieu & Wacquant, 1999:51). Os autores apenas reconhecem a questão do "consumo", para usar o tipo de metáfora mercantilista tão apreciada por eles, em uma referência à "retradução [local] de problemas sociais relevantes" atuais para um vocabulário importado pelos nativos (ibidem:50).

24.

Aqueles sem muito contato ou conhecimento da comunidade afro-norte-americana tendem a pensar erroneamente, como notou Hanchard em sua resposta a Peter Fry em 1996, que apenas um "modo de ser" entre os descendentes de africanos nos EUA. Esta subestimação da diversidade interna dentro dos EUA, uma noção equivocada, mas presente em Bourdieu e Wacquant, assim como em muitos brasileiros, pode levar a uma interpretação distorcida da forma-de-ser afro- norte-americana como monolítica e implicitamente separatista (Segato, 1998:134, 130). Apesar de escapar facilmente àqueles que estão do lado de fora, o tema da integração e da busca de uma sociedade igualitária racialmente, não são, de maneira alguma, marginais para a vida e luta atuais dos afro-norte-americanos.

25.

A crítica de Silva é bem exemplificada pelo argumento de Winant de que sua "teoria da formação racial" é "particularmente adequada para lidarmos com as complexidades da dinâmica racial brasileira [porque] a raça é vista como constitutiva da psiquê individual e dos relacionamentos entre indivíduos; ela é também um componente irredutível de identidades coletivas e estruturas sociais" (Winant, 1994:94, ênfase minha).

26.

Livio Sansone, um brasilianista italiano, critica Winant por defender que "uma polarização étnica global e unilinear esteja ocorrendo, o que basicamente significa postular o desenvolvimento por todo o mundo de um tipo único, polarizado, de relações raciais e racismo ' uma cópia em grande escala da situação nos EUA e, em menor escala, no Nordeste Europeu. Tais generalizações refletem uma dificuldade geral dentro dos estudos étnicos em relação a situações de mestizaje com fronteiras étnicas pouco claras e subestima as peculiaridades das relações de raça e identidade étnicas no Brasil [...]. Até mesmo com a globalização", nota com bom senso, "algumas diferenças básicas continuam a existir entre a cultura e as identidades negras na Bahia e a diáspora negra européia ou a comunidade negra nos Estados Unidos" (Sansone, 1997:303-4).

27.

A questão de "idéias fora do lugar" e "importadas" pode ser encontrada na minha recente discussão dos debates em torno do extenso, mas problemático, sistema brasileiro de leis trabalhistas (French, 1998; 2001).

28.

Devo este argumento a Jan Hoffman French, cujas idéias e insights sobre o Brasil alimentam este ensaio.

29.

A participação crescente de intelectuais brasileiros de descendência africana é um desdobramento novo em termos da sociologia do conhecimento. A ausência de intelectuais afro-latino-americanos, lamentava Pierre Fontaine em seu artigo de 1980, reflete "a estrutura e distribuição de riqueza, poder e status na região. Falando mais diretamente, esta situação reflete o fato de que os latino-americanos, devido à sua falta de riqueza, status e poder, têm tido pouca influência na formação e desenvolvimento" dos Estudos Latino- Americanos (Fontaine, 1980:111).


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