Solidariedade étnica, poder local e banditismo: uma quadrilha calabresa no
oeste paulista, 1895-1898
Em dezembro de 1895, o major José Ignácio de Camargo Penteado, fazendeiro de
São Carlos, recebeu uma carta em língua italiana ameaçando incendiar sua
fazenda ou assassiná-lo caso não deixasse trinta contos de réis no pontilhão da
estrada de ferro na noite de natal.1 O major, que já recebera outra carta do
mesmo teor e certamente não queria deixar tal presente de natal para italianos
desconhecidos, desconsiderou a carta. Na noite de 25 de dezembro, o depósito de
aguardente e outras instalações da fazenda foram incendiados, resultando em
prejuízos de aproximadamente 35 contos de réis. No dia 26, recebeu outra carta
dizendo que ele seria assassinado se não depositasse o dinheiro no lugar
indicado duas noites depois. Desta vez, o major alertou o delegado de polícia,
que foi com a força pública e vários voluntários observar o pontilhão na noite
do dia 28. Por volta das seis horas do dia 29 chegou um indivíduo e olhou o
pontilhão. Ele foi preso, mas parece que foi solto por falta de provas, porque
não foram encontradas mais referências sobre ele no inquérito a respeito do
incêndio.
O incêndio na fazenda de José Ignácio Penteado foi o primeiro evento de uma
onda de crimes em São Carlos e municípios vizinhos, que aterrorizou sobretudo
as elites e durou mais de dois anos. Os autores pertenciam a uma quadrilha de
imigrantes italianos, liderada por Francisco Mangano. Com o fracasso desta e
outras tentativas de extorsão, eles passaram a praticar assaltos a pessoas e
arrombamentos de casas e lojas, atuando tanto na cidade como na zona rural, mas
sobretudo especializando-se em emboscadas nas estradas rurais. Os alvos
preferidos dos assaltos eram fazendeiros que traziam grandes quantias de
dinheiro da cidade para pagar os colonos e os camaradas. Em março de 1898,
quando foram presos, os principais integrantes da quadrilha preparavam assaltos
ao Banco União e ao trem de pagamento da Companhia Paulista de Estradas de
Ferro.
O Quadro_1 apresenta uma cronologia dos principais crimes mencionados no
inquérito e no processo criminal contra o bando. O quadro sugere que a
freqüência dos crimes se acelerou até a prisão do bando, embora tal impressão
possa resultar de uma ênfase maior nas atividades mais recentes no inquérito e
no processo. Ou seja, vários crimes do início do período podem simplesmente não
aparecer nas principais fontes disponíveis.
No início de novembro de 1897, o roubo e a tentativa de latrocínio contra o
fazendeiro Joaquim Botelho de Abreu Sampaio sensibilizaram as elites locais, e
o delegado em exercício coronel Leopoldo Prado, que também era fazendeiro, não
poupou esforços na tentativa de capturar os criminosos. Uma carta anônima
denunciou três italianos como autores do crime. O delegado prendeu-os, mas teve
de soltá-los por falta de provas. Ele também prendeu e espancou vários outros
italianos, mas acabou não descobrindo nada.2 A comunidade italiana parecia
impenetrável.
Os integrantes da quadrilha provinham de uma região da Itália, a Calábria, bem
conhecida pelo banditismo no século XIX, e há indícios de que alguns deles já
tivessem experiência com essa atividade antes de emigrar. Apesar de mais de 36%
dos italianos imigrados para o Brasil entre 1878 e 1902 serem meridionais
(Trento, 1989, p. 39), e da super-representação de italianos entre os acusados
de roubos e arrombamentos na época da imigração em massa (Fausto, 1984), o
envolvimento de imigrantes italianos no banditismo ou no crime organizado era
raro no Brasil. A quadrilha Mangano, de São Carlos, é o único exemplo que
conhecemos, embora o tema seja pouco pesquisado, podendo ter havido outros
bandidos italianos no Estado de São Paulo com atuação mais limitada. A raridade
do banditismo italiano no Brasil contrasta não somente com a do Sul da Itália,
mas também com algumas das grandes cidades dos Estados Unidos, onde uma parte
dos imigrantes, especialmente sicilianos, organizou quadrilhas especializadas
em extorsão, fenômeno inicialmente conhecido na mídia como a "Mão Negra" (Black
Hand). Na década de 1920, com a Lei Seca, algumas dessas quadrilhas adquiriram
um papel predominante no tráfico de bebidas alcóolicas e transformaram-se em
poderosas redes criminosas, conhecidas coletivamente como Máfia ou "Cosa
Nostra" (Anderson, 1965).
Caso excepcional no Brasil, a quadrilha Mangano, que atuou no campo e na cidade
de São Carlos, pode nos ajudar a entender por que, de maneira geral, o Estado
de São Paulo não fornecia condições propícias nem para o banditismo rural, como
o da Itália meridional, nem para quadrilhas urbanas de imigrantes, tal qual
presente em algumas cidades norte-americanas. A comparação com a Calábria e com
os Estados Unidos, e a história do próprio bando Mangano, apontam a importância
decisiva de dois fatores para explicar a raridade do banditismo e do crime
organizado entre italianos no Brasil: a falta de elites dispostas a apoiar e
proteger esta atividade e as dificuldades para italianos corromperem as
autoridades locais, especialmente a polícia. Em São Carlos, onde havia certa
concentração de calabreses, entre muitos italianos de outras origens, uma
quadrilha de bandidos calabreses atuou com impunidade durante alguns anos em
função de uma epidemia devastadora de febre amarela, que afastou grande parte
da elite local e debilitou a polícia.
A organização, a trajetória e o desmantelamento da quadrilha Mangano também
fornecem evidências sobre as formas e os limites da solidariedade italiana à
quadrilha. A solidariedade étnica dos calabreses contribuiu para a coesão
interna do bando, que não tinha estrutura formal de liderança, rituais de
adesão ou regras internas explícitas, mas não explica o silêncio dos outros
italianos. Concluímos que estes não denunciaram a quadrilha principalmente
porque desconfiavam das autoridades brasileiras e temiam a vingança do bando.
Com a prisão dos bandidos e o evidente fim de sua impunidade, não faltaram
italianos dispostos a depor contra eles, e os líderes da comunidade italiana
celebraram a queda da quadrilha.
A emigração calabresa
A quadrilha de assaltantes que agia em São Carlos era formada por imigrantes
originários da Calábria, a maior parte deles proveniente da província de
Catanzaro. A emigração dessa região apresentava uma característica notável,
qual seja, um caráter marcadamente transoceânico, quando comparado a de outras
regiões da Itália. Nas províncias do Norte, havia uma parcela significativa de
imigrantes que se deslocavam no interior do próprio continente europeu. Na
Calábria (e também na Campania) o destino era sobretudo a América. E no próprio
interior da região calabresa, Catanzaro foi a província que apresentou o maior
número de emigrantes. Ali a emigração tornou-se mais freqüente a partir da
última década do século XIX. No período de 1892 a 1901, que inclui os anos de
atuação da quadrilha Mangano, mais da metade dos calabreses emigrados ao Brasil
saíram de Catanzaro. Scalise (1905, p. 10) afirma que, para os calabreses de
modo geral, era mais caro emigrar para outros países ao norte da Itália do que
para a América. As Tabelas_1 e 2 apresentam dados relativos aos destinos da
emigração calabresa, em particular de Catanzaro.
Scalise ainda aponta que a cada dez emigrantes, sete eram homens e oito
adultos, a grande maioria com profissões rurais: pequenos proprietários,
trabalhadores rurais contratados ou diaristas. Apenas um quarto deles viajava
acompanhado de familiares, e a faixa etária mais comum era entre 15 e 35 anos.
A literatura (cf. Foerster, 1919) aponta um conjunto heterogêneo de causas que
concorreram para a generalização da emigração em todo o sul da Itália. Embora
intimamente inter-relacionadas, elas podem ser, por motivos didáticos,
agrupadas em causas naturais e sociais. Entre as primeiras, vale citar a
ocorrência de secas provocadas por um regime pluviométrico que alternava seis
meses contínuos sem chuva com seis meses de chuva forte.
Nem sempre foi assim, o que demonstra, ao menos nesse caso, a prevalência de
fenômenos sociais por detrás dos caprichos da natureza. A mudança climática
precipitou-se a partir da derrubada de áreas florestais desde o início do
século XIX e, ironicamente, encontra-se associada à abolição dos direitos
feudais (em 1806 no continente, em 1812 na Sicília) e à secularização das
terras da Igreja (1855-1873). A devastação das florestas nativas em uma região
de relevo acidentado predispôs o solo a erosão e deslizamentos freqüentes, o
que ocasionava inundações e formação de pântanos nas terras baixas. Isso teve
efeitos desastrosos sobre a agricultura. Ademais, terremotos abateram o ânimo
das populações rurais. Apenas na Calábria eles foram registrados em 1854, 1870,
1894, 1905, 1907 e 1908.
Na Itália meridional, as origens da aglomeração dos camponeses em vilas
localizadas em serras remontam à insegurança e à anarquia endêmicas na região,
prevalecentes durante muitos séculos após a queda do Império Romano. Porém, a
malária, que vicejava nas terras baixas, em decorrência da devastação ecológica
do século XIX, criou um novo motivo para residir em colinas altas, longe das
planícies mais férteis, onde o mosquito transmissor abundava (Blok, 2001c). O
camponês tinha de se deslocar diariamente para trabalhar, o que constituiu mais
um fator capaz de inibir o sucesso de pequenas propriedades.
Sobre tais causas ditas "naturais" agiram ainda a estrutura fundiária, as
formas de contrato agrário e suas implicações para a renda e a produtividade
dos agricultores. Acompanhado de técnicas de cultivo primitivas, o grande
latifúndio permaneceu, não obstante as oportunidades de mudança desse perfil
agrário. Uma delas apresentou-se com a abolição dos direitos feudais, no início
do século XIX, quando de fato houve uma grande distribuição de terras
pertencentes aos nobres. Muitas delas foram adquiridas por grandes
proprietários de forma fraudulenta, e, das terras distribuídas aos pobres,
grande parte foi, algum tempo depois, transferida a credores. Após meio século,
ocorreu outra grande distribuição, relativa aos bens da Igreja. Em algumas
regiões as terras eclesiais foram distribuídas mediante uma renda perpétua que
deveria ser paga pelos favorecidos. Contudo, o valor do arrendamento era alto,
forçando os mais pobres a renunciar a seus lotes. As imposições do Estado
também concorreram para a desapropriação dos pobres. "Após a Unificação,
impostos elevados forçaram muitos dos pequenos proprietários, que haviam se
endividado para comprar terras, a venderem estas aos poucos que tinham capital"
(Banfield, 1958, p. 145).
Nos casos em que a família lograsse reter o título de sua propriedade, o
frazionaménto entre herdeiros, garantido pelo direito sucessório promulgado no
novo Código Civil, inviabilizava economicamente a propriedade. Em todo o sul da
Itália permaneceu, então, uma situação em que os grandes latifúndios conviviam
com propriedades minúsculas, superfracionadas. "A população aumentava
rapidamente e as pequenas propriedades, divididas por heranças, tornavam-se
cada vez menores" (Idem, p. 145).
Tanto na grande como na pequena propriedade, outra característica marcante foi
a ausência do proprietário. Na Calábria, um inquérito parlamentar sobre as
causas da emigração ao final do século XIX informou que
[...] grandes proprietários são, como regra, ausentes. Os da zona
costeira, com seus cultivos extensivos; os ricos -
verdadeiramente grandes proprietários - vivem muito distante de
suas terras. Os das zonas montanhosas são também ausentes, mas suas
rendas não lhes permitem deixar a capital da província ou as
adjacências; de fato, do ponto de vista agrícola, é como se
habitassem do outro lado do mundo, pois visitam suas terras apenas
uma ou duas vezes por ano (Foerster, 1919, p. 72).
A ausência do proprietário tornava necessário que a propriedade fosse
administrada por um preposto ou arrendatário. Na Sicília, esse agente era
chamado gabellotto; na Calábria, o papel cabia ao industriante (Jamieson, 1997,
pp. 471-472). Esse tipo de especulador, intermediário por excelência, tratava
de sublocar as terras a outros arrendatários que, por sua vez, contratavam
camponeses mais miseráveis. Na província de Catanzaro, predominava o
arrendamento de um ano, exceto para o cultivo de cereais, que se prolongava por
quatro a cinco anos. Essas pequenas sublocações eram normalmente pagas em
produtos, e raramente os contratos eram renovados. Na região da Calábria como
um todo, apenas um sexto da população empregada na agricultura cultivava sua
própria terra - cifra muito menor que a observada em regiões da Itália
setentrional ou central. Dois terços dos agricultores (contadini) eram
trabalhadores contratados, alguns com contratos anuais, mas cerca de três
quartos destes era composta por miseráveis que se deslocavam cotidianamente ao
mercado, antes do amanhecer, para serem contratados por dia, os giornalieri
(Foerster, 1919, p. 85).
Nesse quadro, não faltavam obstáculos para uma agricultura mais eficiente:
estrutura fundiária polarizada entre latifúndios e pequenas propriedades -
nas grandes, os proprietários pouco se importavam com a introdução de melhorias
ou inovações, e os arrendamentos de curto prazo impeliam a práticas agrícolas
danosas que retiravam o máximo da terra no menor tempo possível -; métodos
de cultivo atrasados, herdados ainda do império romano; e, por fim, a
destruição do meio ambiente.
Além dessas circunstâncias, como de fato vivia a população calabresa? As casas
dos contadini eram pequenas e rústicas - casas-dormitório - localizadas
em aldeias sobre colinas, feitas de barro, pedra, tijolos ou lava, sem água
corrente ou esgoto, iluminadas, às vezes, com lamparinas a óleo, com pouca
privacidade, freqüentada por animais domésticos. A rua era normalmente o espaço
de sociabilidade. Uma dieta reduzida de pão seco e pouca proteína refletia-se
no estado físico debilitado dos homens, ainda agravado pela malária e pelo
tracoma. "Era um tempo em que qualquer erva era cozida e comida, sem sal e sem
condimento, para dar ao estômago a ilusão de saciedade" (Scalise, 1905, p. 45).
A grande maioria da população era analfabeta, conseqüência do baixo
investimento educacional. Os dados relativos ao censo de 1901 revelam que, se
para a Itália como um todo o percentual de analfabetos (maiores de 7 anos) já
era elevado (51,5%), as taxas de alfabetização calabresas encontravam-se entre
as mais baixas do país (21,3%). Scalise reclama das depreciações comuns
proferidas pelos nortistas, os quais consideram que "os calabreses são os mais
analfabetos, os mais degradados e pertencem a uma outra raça ínfima, que não
pode ser confundida com a nossa de privilegiados", mas reconhece que a Calábria
é marcada pelo analfabetismo, "pois foi o ponto de toda a Itália meridional
onde a dominação foi mais cruel e opressiva" (1905, pp. 94-97).
Nessa região, quase não existiam associações solidárias, como as sociedades de
ajuda mútua, enfatizadas nos trabalhos sobre imigração e solidariedade étnica
(cf., por exemplo, Baily, 1999, pp. 172-216). Na literatura sobre a Itália
meridional, os autores, de modo geral, criticam a falta de espírito
associativo. Banfield é um dos mais enfáticos: critica o "egoísmo em todas as
relações extrafamiliares", chegando à conclusão de que a "extrema pobreza e o
atraso são explicados, em grande medida, pela incapacidade dos habitantes de
agir coletivamente para o bem comum, ou para qualquer fim que transcenda o
interesse imediato, material da família nuclear" (Banfield, 1958, pp. 9-10).
Em função desses problemas, o campo tinha poucas condições de absorver parcelas
cada vez maiores da população. Com uma vivência associativa inexistente,
melhorar de vida passou a significar emigrar. Como em geral acontece, não foram
os mais miseráveis que emigraram. Muitos integravam uma espécie de
"proletariado de proprietários": impossibilitados de tirar o sustento de suas
pequenas glebas, eram forçados a buscar emprego em propriedades maiores, sob o
jugo dos industrianti. Além disso, havia uma propaganda intensiva no sentido de
convencer os recalcitrantes a emigrar.
Um número incalculável de agentes e subagentes da emigração espalhou-
se por toda a Calábria, percorrendo as zonas rurais, encorajando os
tímidos, descrevendo com cores vivas o local de destino aconselhado
e, como pais amorosos, os governos aos quais serviriam; uma
infinidade de folhetos de propaganda foram disseminados em cada
esquina, e grandes cartazes foram afixados nas portas das igrejas,
diante dos quais se aglomeravam os camponeses que logo confiavam
naqueles que podiam facilitar e iluminar o obscuro e desconhecido
caminho (Scalise, 1905, pp. 30-31).
Banditismo e crime organizado na Calábria e nos Estados Unidos
Violência e banditismo na Calábria
Há muito, um considerável grau de insegurança reinava em distritos rurais do
sul da Itália.
Aquele que se desloca pela zona rural do altiplano calabrês, a cada
passo encontra uma cruz escangalhada ou um vestígio de cruz e, em
alguns pontos, chega a lhe parecer que está em meio a um velho
cemitério abandonado: símbolos do martírio, que a piedade dos
sobreviventes plantava no local ainda rutilante do sangue da vítima
(Scalise, 1905, p. 66).
A longa história de banditismo, assaltos rurais e assassinatos explica, por
exemplo, por que à época muitos camponeses caminhavam para o trabalho com
rifles nos ombros. No continente, o relevo escarpado, que propiciava
esconderijos, também facilitava crimes.
No período entre 1890 e 1897, em que se observa um baixíssimo nível salarial, o
roubo na Sicília tornou-se um meio de vida (Foerster, 1919, p. 98). Ali, a
vendetta (homicídios por vingança) era praticada em uma proporção cinco vezes
maior que nas províncias italianas setentrionais. "Covil e refúgio de bandidos
graças à sua posição quase no coração da sela dos Apeninos", a Calábria não
ficava atrás. Scalise observa, em relação aos crimes de vingança, o
[...] sentimento feroz e quase selvagem, junto à massa da população,
da honra familiar, sentimento em nome do qual não se transigia nenhum
instante e que inexoravelmente armava a mão do ofendido, o qual,
depois, refugiava-se nas florestas virgens, onde persistia no delito,
e para quem a visão do sangue odiado lhe havia feito provar toda a
volúpia do instinto primitivo. O banditismo, por essa trágica e
cruenta concessão da honra doméstica, apenas sob essa rubrica,
recrutava grande parte de seus militantes (1905, pp. 84-85).
A análise de Banfield exagera quanto à incapacidade de os italianos meridionais
agirem de maneira coletiva, já que muitos, efetivamente, colaboravam em
atividades ilegais. O banditismo endêmico da Calábria sempre envolveu a
colaboração entre não parentes dentro dos bandos e certo grau de apoio do
restante da população. No início dos anos de 1860, na esteira da unificação
italiana, a grande onda de banditismo na Calábria representou uma espécie de
levante coletivo contra o novo Estado "piemontês" e contra os latifundiários
por camponeses e ex-soldados do exército dos Bourbons (Adorni, 1997; Hobsbawm,
2000, pp. 107-108). No século XX, muitos indivíduos da região meridional
organizaram-se para a ação coletiva em organizações criminosas de grande porte
- Ndrangheta calabresa, Camorra napolitana, Sacra Corona Unita pugliana e
Máfia siciliana -, mantendo, internamente, uma solidariedade baseada na
extensão do vocabulário e dos símbolos familiares (Blok, 1974, 2001b; Hess,
1998, p. 187; Jamieson, 1997).
Se os italianos meridionais eram capazes de agir coletivamente em benefício de
grupos particulares, resistiam, é verdade, em participar de projetos para o
bem-estar da comunidade. Séculos de dominação estrangeira, de governos
arbitrários e corruptos e de dominação local por latifundiários deixaram os
camponeses dessa região profundamente desconfiados da autoridade pública, o que
provocou a canalização da ação coletiva para vias informais, personalistas e
clientelísticas, contribuindo para um ambiente de insegurança e violência
privada (Adorni, 1997; Gambetta, 1992, pp. 93-131; Hess, 1998, pp. 14-46). Em
1901, um magistrado calabrês, em artigo de jornal, denunciou
[...] o absenteísmo do governo central, a pouca retidão dos seus
funcionários, [que] produziram no ânimo desta população desconfiança,
a maior possível na Justiça, a qual não sabe proteger os fracos da
prepotência dos fortes [...]. É lógico que todos os fracos, em vez da
justiça dispensada nas salas do Fórum, têm recurso àquela praticada
com o fuzil, com o punhal ou com a navalha (apud Jamieson, 1997, p.
471).
Eric Hobsbawm (1959; 2000), ao fazer uma distinção entre criminosos
predatórios, que roubam de qualquer um, e "bandidos sociais", que constituem um
tipo de "rebelde primitivo", vitimando os ricos e conquistando o apoio dos
pobres, reconhece a existência de um grande leque de casos intermediários, e
que muitos "bandidos sociais" gozam da proteção de facções da elite local. As
teses desse autor têm estimulado bastante o debate sobre o banditismo em várias
partes do mundo. Elaborada originalmente pelo antropólogo holandês Anton Blok
(2001a),3 a linha principal de crítica a Hobsbawm reconhece o mito popular do
"bandido social", mas afirma que, na realidade, os bandidos geralmente
colaboram com elites locais, sobretudo latifundiários, e que sua atuação tende
a impedir, em vez de facilitar, a mobilização dos camponeses.4 Por causa de seu
banditismo endêmico, esses autores privilegiam a análise da Itália meridional
(cf. também Blok, 1974).
Sem o apoio da população ou de parte da elite, segundo Hobsbawm, os bandidos
não sobreviveriam por muito tempo. O autor fornece vários exemplos de
colaboração entre bandidos e elite, como, por exemplo, as famílias de
latifundiários que usavam os serviços de bandidos para se vingar ou lucrar às
expensas de outras famílias proeminentes (2000, pp. 99-104). As autoridades
militares encarregadas de reprimir o banditismo na Itália meridional, após a
unificação, reclamavam que não apenas os camponeses, mas também alguns
latifundiários protegiam os bandidos. Um comandante militar escreveu de
Catanzaro, província de origem da maior parte do bando Mangano, em 1864:
Senhores dos mais influentes pela posição e riqueza não mostram
nenhum escrúpulo em proteger o banditismo de todos os modos possíveis
[...]. [Convém] aos grandes proprietários, porque por meio dos
bandidos, que eles protegem, executam suas vinganças privadas,
asseguram suas propriedades e continuam a exercer uma espécie de
autoridade feudal, da qual foram despojados com a queda do governo
borbônio (apud Adorni, 1997, pp. 295-296).
A extorsão de dinheiro mediante ameaças à vida e à propriedade era uma tática
de banditismo bastante conhecida entre a população calabresa. Em 1862,
referindo-se especificamente a Catanzaro, outro militar escreveu em relatório
reservado:
É sistema dos bandidos escrever bilhetes aos proprietários exigindo
deles quantias de dinheiro, objetos preciosos, vestes ou armas, sob
ameaça à vida e ao patrimônio, e estes, sob o pesadelo do medo, quase
sempre mandam as quantias e os objetos exigidos; e também, enquanto
isso, muitas vezes acontece de um proletário qualquer usar de tal
meio com o nome de um bandido para ganhar dinheiro e gozá-lo em paz,
porque acobertado por esse estratagema (apud Adorni, 1997, p. 295).
Em suas tentativas de extorsão, a quadrilha Mangano, em São Carlos, apenas
transpunha um procedimento do banditismo calabrês para um novo contexto.
Conseqüências da migração calabresa para o crime na Calábria e no Estado de São
Paulo
É significativa a observação de Foerster de que o banditismo na Basilicata e na
Calábria havia sido reduzido menos pela ação policial do que pelos efeitos da
emigração. Scalise já havia observado, com certa satisfação, que o fenômeno da
emigração tinha solucionado o problema do banditismo:
O estado psíquico e social da Calábria teria permanecido tal como
era, ou até piorado, inevitavelmente, com o agravamento da situação
econômica, se a resolução heróica da emigração não o houvesse
subvertido pela raiz [...] a emigração solucionou o banditismo e a
esse fenômeno devemos o fato de hoje nas florestas da Sila e do
Aspromonte não mais fervilharem os ferozes e inevitáveis expoentes da
fome e da opressão (1905, pp. 67-69).
Isso se devia, segundo Scalise, ao fato de ser a "massa dos imigrantes composta
de indivíduos que, pela prevalência do sexo masculino e pela idade, são mais
inclinados a delinqüir". Podemos acrescentar que a emigração também constituía
uma alternativa atraente para os foragidos da justiça. Em vez de se refugiar
nas florestas e montanhas, sustentando-se pelo banditismo, tanto os vingadores
da honra familiar como os criminosos comuns podiam embarcar para a América.
Scalise analisou ainda a variação da taxa de homicídios, por região, em toda a
Itália entre os censos de 1881 e 1901, época da grande emigração de italianos
para o Brasil. Nos dois períodos discriminados na Tabela_3, a Calábria esteve
entre as três regiões da Itália onde mais homicídios per capita ocorreram, mas
a taxa diminuiu de modo significativo (-41,7%). As cifras anuais dos extremos
do período são ainda mais significativas: no ano de 1880 registraram-se na
Calábria 525 homicídios (41,7/100 mil habitantes), enquanto, em 1900, essa
mesma cifra caiu para 231 (16,9/100 mil habitantes). Scalise também observou a
diminuição de casos de agressão pessoal registrados na região: no período de
1887 a 1889, foi apurada uma média anual de 9.106 agressões, ao passo que nos
anos de 1899 e 1900, essa média foi de 7.175 casos.5
Se a emigração de grande número de homens jovens, justamente a categoria
demográfica mais implicada em agressões e homicídios, afastou muitos crimes da
Calábria, é lógico pensar que também levou ao aumento nas taxas de crime
violento no Estado de São Paulo, um dos principais destinos dos calabreses.
Estes e outros italianos meridionais eram super-representados entre os
italianos acusados de crimes em São Carlos no período de imigração mais
intensa. Não incluindo os participantes da quadrilha Mangano, conseguimos
identificar a origem regional de 274 dos 421 italianos acusados de crimes em
São Carlos no período entre a abolição e a Primeira Guerra Mundial: 70,1% eram
meridionais e, entre os meridionais acusados, 40,8% eram calabreses. Incluindo
aqui os 38 indiciados por participação na quadrilha,6 os calabreses
constituíram 37,3% dos italianos e 50,7% dos meridionais acusados.
Em contrapartida, o aumento nos delitos contra os bons costumes e contra a
ordem familiar na Calábria (média anual de 373 entre 1880 e 1886 e de 571 entre
1896 e 1900) parece se explicar pelo desequilíbrio entre os sexos, decorrente
de uma emigração de caráter eminentemente masculino (inclusive a emigração
desacompanhada de muitos homens casados), que levou a certo relaxamento dos
laços familiares. Em 1901, de cada cem mulheres casadas na Calábria, dezesseis
tinham os maridos ausentes. A esse respeito, Scalise afirma:
[...] o aumento dos delitos contra os bons costumes e a ordem da
família [ocorre] graças ao excessivo desequilíbrio de sexos e ao
número inimaginável de esposas que permanecem sós e privadas do
esposo, do vigilante custódio da família e de sua honra (1905, pp.
80-81).
A falta de homens na Calábria correspondia a um excedente de homens calabreses
na América, produzindo agressões entre imigrantes motivadas por ciúmes ou entre
homens competindo por mulheres, tendência que se verifica nos inquéritos e
processos criminais de São Carlos. Um jovem integrante da quadrilha Mangano,
por exemplo, numa noite de 1896, baleou um português que com ele havia brigado
por ciúmes da "rapariga" brasileira que dormia com o calabrês.7
Italianos e crime organizado nos Estados Unidos
Ao contrário do que se observa no Brasil e na Argentina, o crime organizado de
italianos e descendentes foi notável nos Estados Unidos. Entretanto, é
importante observar que as redes mafiosas se estabeleceram somente em algumas
das cidades norte-americanas com grande concentração de italianos. A literatura
sobre as origens históricas das máfias norte-americanas (Hess, 1998, pp. 161-
174; Nelli, 1970, pp. 125-155, e 1976) aponta quatro fatores para explicar seu
crescimento em cidades como Nova York, Chicago e outras menores: 1) elevada
concentração de italianos meridionais - cerca de 80% dos imigrantes
italianos nos Estados Unidos (Klein, 1989, p. 112) -, o que fortaleceu a
solidariedade étnica, consolidando a coesão interna das quadrilhas e garantindo
o silêncio da comunidade italiana; 2) falta de outras opções de mobilidade
social, especialmente nas cidades mais antigas, devido à presença de outros
grupos imigrantes já estabelecidos; 3) corrupção da polícia e controle de
políticos locais, por meio, sobretudo, da capacidade de arregimentar os votos
de italianos nessas cidades, permitindo a impunidade das quadrilhas; e 4)
imigração de muitos foragidos e outros criminosos italianos em busca de novas
oportunidades. Certamente, a falta de oportunidades e a existência de
comunidades relativamente homogêneas - originárias de uma região conhecida
pelo banditismo e outras formas de crime organizado - favoreceram o
desenvolvimento de redes criminosas. Mas somente o grau de corrupção na
política e na polícia locais pode explicar a diferença entre cidades norte-
americanas com intensa presença da Máfia e outras, como Boston, onde, apesar da
grande concentração de italianos meridionais, se observou pouca atividade
mafiosa (Nelli, 1970). Os imigrantes criminosos concentravam-se em cidades que,
de certa forma, garantiam seu "exercício profissional", justamente onde era
possível corromper as autoridades locais.
A proibição de bebida alcóolica apenas criou novas oportunidades para as
gangues criminosas aumentarem seu lucro. Nas disputas entre quadrilhas para
controlar o tráfico de álcool, os italianos, em geral, venceram outras gangues
étnicas, compostas sobretudo por irlandeses ou judeus, o que contribuiu muito
para a consolidação do poder das máfias.
Aqui interessa-nos mais a fase anterior à Lei Seca. Em uma análise das origens
da Máfia de Chicago, Humbert Nelli (1970, pp. 125-155) mostrou que o crime
"organizado" de italianos na cidade começou, ao final do século XIX, com
pequenas quadrilhas, muitas vezes compostas de criminosos profissionais da
Itália, especializados em roubar de outros italianos mediante a extorsão e a
chantagem. Essas quadrilhas, conhecidas coletivamente como a Black Hand,
operavam com relativa impunidade porque se beneficiavam com a corrupção da
polícia local, a "solidariedade" de italianos, que olhavam as autoridades
norte-americanas com suspeita e tinham medo de falar, e o descaso do resto da
população, que pouco se importava com crimes limitados à comunidade italiana.
Em outras cidades, como Boston, com elevada concentração de italianos
meridionais, mas com pequenos índices de corrupção policial e política, as
quadrilhas não prosperaram.
Nas primeiras duas décadas do século XX, algumas quadrilhas italianas de
Chicago cresceram e aumentaram sua lucratividade entrando no ramo dos "vícios
proibidos", principalmente o jogo e a prostituição. Elas tinham fregueses de
todas as etnias e eram favorecidas pela corrupção de políticos locais e da
polícia, os quais protegiam esses negócios da interferência da justiça. Uma
parte importante desse sistema era a capacidade de os mafiosos arregimentarem
votos italianos para políticos que, por sua vez, protegiam seus negócios
ilícitos. Após a promulgação da Lei Seca, essas foram as quadrilhas que
entraram na disputa para dominar o tráfico de bebidas alcóolicas na cidade. É
bem provável que a solidariedade étnica tenha ajudado as quadrilhas italianas
- que nem sempre eram 100% italianas - a vencer quadrilhas de outras
etnias, muito embora, mesmo no auge de Al Capone e de sua organização, os
italianos nunca tenham conseguido o monopólio do crime organizado em Chicago
(Dinnerstein e Reimers, 1999, p. 169). Além da lealdade familiar e da tendência
a suspeitar de estranhos e autoridades, características observadas na população
do Sul da Itália nessa época, o forte preconceito e a discriminação dos norte-
americanos contra os italianos meridionais - vistos como raça inferior e
semi-selvagem - devem ter fortalecido os laços solidários entre estes
(Jacobson, 1998).
Hipóteses sobre a ausência relativa do banditismo e do crime organizado entre
imigrantes italianos no Brasil
Mesmo tendo em vista as diferenças significativas entre o Oeste paulista, a
Calábria e as cidades norte-americanas, essa discussão permite avaliar algumas
hipóteses para explicar a quase ausência de quadrilhas etnicamente organizadas
entre imigrantes italianos no Brasil.
Primeiro, a literatura comparativa mostra que havia mais oportunidades para a
mobilidade social dos italianos no Brasil e na Argentina do que nos Estados
Unidos. Herbert Klein (1989) apresenta evidências de que, em comparação com os
Estados Unidos, os italianos no Brasil e na Argentina tinham maiores
oportunidades para adquirirem terras ou para virarem donos de estabelecimentos
comerciais ou industriais (cf. também Baily, 1983, 1999). Na ausência de outras
possibilidades, certamente o crime se torna mais atraente para indivíduos
ambiciosos e empreendedores.
Podemos questionar, porém, se as oportunidades para a primeira geração de
italianos em São Paulo foram suficientes para anular os atrativos da
criminalidade. Muitos conseguiram comprar sítios ou pequenas lojas, mas poucos
enriqueceram. A vida dos integrantes da quadrilha Mangano demonstra que alguns
imigrantes não se interessavam em trabalhar a vida inteira para dar melhores
oportunidades aos filhos, preferindo enriquecer rápido com atividades
arriscadas e voltar para a Itália. Para os calabreses, segundo Zuleika Alvim
(1986), a vida rural estava associada à miséria. Portanto, eles geralmente não
compartilhavam o sonho, tão comum entre os camponeses da Itália setentrional,
de adquirir terras e tornar-se pequenos agricultores independentes, e sua
aversão a servir os fazendeiros provavelmente era maior que a dos
setentrionais. Tanto a pesquisa de Boris Fausto (1984), na cidade de São Paulo,
como a nossa em São Carlos mostram que havia certo número de italianos
dispostos à prática de furtos, arrombamentos e assaltos como estratégia de
sobrevivência e de mobilidade social. Recrutas potenciais para o crime
organizado italiano não faltavam.
Em segundo lugar, no Brasil, a mistura de italianos de diferentes origens pode
ter dificultado a solidariedade do grupo, elemento importante tanto para a
coesão interna das quadrilhas norte-americanas, como para a tendência
generalizada entre os italianos de não colaboração com a polícia, o que se
observava no Sul da Itália e nos Estados Unidos. Contudo, os calabreses e
outros italianos meridionais chegaram ao Brasil em número suficiente para se
concentrar em certos bairros urbanos, criando as condições necessárias para o
desenvolvimento de um sentimento solidário - em São Carlos, por exemplo,
uma região próxima ao centro tornou-se conhecida como "Pequena Calábria".
Ademais, eles se concentravam em certas categorias profissionais, como o
trabalho rural assalariado (Alvim, 1986), o que também favorecia a formação de
redes étnicas. Em São Carlos, as ocupações dos integrantes da quadrilha Mangano
sugerem que muitos vendedores ambulantes eram calabreses. Portanto, a presença
de grande número de italianos de outras regiões não pode, por si só, explicar a
raridade do crime organizado italiano no Brasil.
Em terceiro, as ligações entre bandidos e elite local, sobretudo
latifundiários, os quais, na Itália, exerciam um papel crucial para a
sobrevivência dos bandidos, eram mais difíceis de se desenvolver no Brasil. Na
primeira geração, as diferenças culturais e lingüísticas impediram tal
aproximação. E, sobretudo, os fazendeiros haviam trazido os italianos para
trabalhar em suas lavouras e estavam preocupados em controlá-los; quando
precisavam de capangas, preferiam empregar brasileiros.
Por fim, no Brasil, sobretudo nas cidades do interior, foi difícil aos
criminosos italianos corromperem a polícia e os políticos locais, pois estes já
estavam comprometidos com os "coronéis". Além disso, italianos influentes não
podiam controlar uma quantidade significativa de votos, já que a maior parte
dos italianos não se naturalizou e, portanto, não votava. Como conseqüência,
não havia moeda de troca, e as quadrilhas italianas não podiam atuar com
impunidade, como era o caso em algumas das grandes cidades norte-americanas.
Por conta disso, também, os italianos não tinham tanto medo de denunciar as
quadrilhas.
Essa discussão sugere que os fatores críticos que explicam a ausência relativa
do banditismo e do crime organizado entre italianos no Brasil eram a falta do
apoio de uma parte da elite brasileira e a dificuldade de os italianos
corromperem a polícia e os políticos locais. Mesmo na ausência desses
impedimentos, a heterogeneidade da "comunidade" italiana teria limitado a
conivência e a conspiração de silêncio aos conflitos de certos bairros e em
determinadas categorias profissionais com alta concentração de italianos
meridionais.
Apesar das condições pouco propícias para o banditismo italiano no Brasil,
encontramos uma quadrilha relativamente grande, que aterrorizou as elites e
outros moradores de um dos principais municípios produtores de café no Estado
mais rico da federação, operando com relativa impunidade por mais de dois anos.
A seguir, examinaremos a composição e a organização dessa quadrilha, suas
relações com outros italianos e a história de sua atuação e extinção, para
identificar as circunstâncias que permitiram seu estabelecimento e sua atuação.
A composição e a organização da quadrilha
Para Charles Tilly (1990), a unidade de análise nos estudos de migrações deve
ser a rede, não o indivíduo, porque são as redes que se transplantam, se
reconstituem e se transformam nas migrações. A quadrilha Mangano não era uma
rede de bandidos que imigrou já constituída da Itália. Dos 38 homens indiciados
por participação na quadrilha, Francisco Mangano e quatro outros eram da vila
de Monterosso, na Província de Catanzaro, Calábria, e certamente se conheciam
antes da emigração. Esse pequeno grupo era mais velho e, pode-se dizer, mais
elitizado que o resto do bando: Mangano tinha 44 anos em 1898 e era dono de uma
venda no subúrbio de Vila Isabel. Antonio Farina, 46 anos, era negociante e
marceneiro, estabelecido perto da estação de trem de São Carlos. Antonio Morano
tinha 63 anos, era negociante volante e morava perto de Antonio Farina,
aparentemente no mesmo quarteirão. Luigi Giordano, 33 anos, era carpinteiro e
dono de um hotel em Torrinha. Francisco Farina, irmão de Antonio, também era
carpinteiro com 33 anos e residente em Torrinha. Todos os cinco provenientes de
Monterosso eram alfabetizados e casados, embora seja provável que alguns
tivessem deixado suas famílias na Itália.
Tanto Hobsbawm como Blok ressaltam a importância de laços entre bandidos e
elites, no sentido de que elas fornecem proteção, facilitam fugas e colaboram
na venda de propriedade roubada. Não há evidência de ligação do bando Mangano
com os italianos mais ricos de São Carlos, e muito menos com a elite dos
fazendeiros locais, mas a quadrilha incluía integrantes ou colaboradores da
pequena burguesia italiana da região, que ajudavam a esconder e vender
mercadorias roubadas, e cujos negócios constituíam pontos de encontro do bando.
Os donos de vendas, hotéis e restaurantes ocupavam uma posição estratégica para
a formação de redes de relações e para coletar informações pertinentes sobre
viagens de ricos, carregamentos de mercadorias e movimentos da polícia. Os
participantes da quadrilha com estabelecimentos comerciais em outras cidades
facilitavam a mobilidade do bando, fornecendo lugares de pouso e esconderijos.
Dos indiciados, um era dono de hotel em São Carlos, outro tinha restaurante em
Torrinha, e outros três se diziam negociantes.
Seis dos indiciados foram identificados como negociantes ambulantes. Se
acrescentarmos dois carroceiros e um "carteiro particular", pelo menos nove
indiciados tinham profissões que implicavam um grau elevado de mobilidade. Isso
é consistente com a observação de Blok (2001a, pp. 26-27) sobre a tendência do
banditismo em envolver "profissões móveis", que trazem vantagens, porque
facilitam a coleta de informações sobre vítimas em potencial e permitem o
deslocamento sem levantar suspeitas. Dos outros indiciados com profissão
identificada, nove eram artesãos e somente seis eram trabalhadores braçais,
entre eles camaradas, jornaleiros e serradores.
Na maioria dos casos, não fica claro se os integrantes da quadrilha haviam
participado de ações de banditismo antes de emigrarem. No inquérito e no
processo, aparecem evidências de que três deles já eram ladrões na Itália.
Pasquale Gabarro, negociante ambulante de 53 anos, tinha cumprido pena de 24
anos na Itália.8 Vicente de Mondi Ceriani, segundo testemunha, veio de uma
família de ladrões:
[...] elle declarante conhece toda a familia de Cerianni da Italia e
que todos são criminosos; que Cerianni era constantemente preso por
delictos que praticava, tendo até esta data um seu irmão cumprindo
sentença e um outro fallecido no carcere; que alem destes dois irmãos
de Cerianni, há também uma irmã que é uma refinadíssima ladra.9
Porém, não há esse tipo de evidência a respeito dos outros. Com certeza, eles
conheceram o banditismo como forma de ação coletiva na Calábria, onde era
comum, mas não podemos dizer mais do que isso sobre sua experiência anterior.
Além dos cinco de Monterosso, os outros homens indiciados vieram de várias
aldeias e vilas da Calábria, principalmente da província de Catanzaro. Não há
indicação de naturalidade para dez deles (todos italianos, a maior parte
foragidos), mas é pouco provável que não fossem meridionais, já que os outros
28 eram todos da Calábria. Desses, dezenove eram de Catanzaro, dois de Cosenza,
dois de Reggio di Calábria e cinco sem indicação da província. Incluindo os de
Monterosso, temos informação sobre aldeia ou vila de nascimento em 24 casos.
Havia pouca concentração: dois de Torre de Ruggiero, Catanzaro, dois de
Corigliano Calabro, Cosenza, dois irmãos de Dinami, Catanzaro, dois irmãos de
Palmi, Reggio di Calábria. Os outros vieram de onze municípios distintos. Com
origens tão dispersas, é evidente que a maior parte não tenha se conhecido na
Itália, e que o bando só tenha se formado em São Carlos, onde foi estabelecida
a ligação de pequenas redes ou indivíduos à rede central de Monterosso.
Havia certa concentração de calabreses em São Carlos, o que facilitou a
formação e a atuação da quadrilha. As informações contidas nos registros de
casamento paroquiais, única fonte disponível para se inferir a procedência
regional dos italianos em São Carlos, indicam que, depois dos vênetos - de
longe a categoria mais numerosa, os calabreses constituíram o segundo maior
grupo de noivos italianos. Na cidade, as ruas localizadas entre a estação
ferroviária e o mercado municipal, principal zona de comércio da cidade, eram
informalmente conhecidas como "Pequena Calábria".
É pouco provável que os calabreses tivessem uma identidade regional forte antes
de emigrar. A literatura sobre o sul da Itália naquela época afirma que as
identidades eram sobretudo locais. Os calabreses tinham em comum o dialeto e a
cultura regional, em que o banditismo era considerado um meio de sobrevivência
para foragidos, uma via de mobilidade social e, às vezes, segundo Hobsbawm, uma
forma de vingança e resistência contra os ricos. No Brasil, entretanto,
desenvolveu-se uma identidade regional que contrastava com a dos brasileiros e
também com a dos imigrantes da "Alta Itália", como se dizia na época. É comum,
nos processos criminais, os outros italianos referirem-se a eles como
calabreses e comentarem a impossibilidade de entender seu dialeto. Esse tipo de
categorização tende a criar fronteiras étnicas e a reforçar a identidade do
grupo (Poutignat e Streiff-Fenart, 1997). A origem regional comum e a nova
identidade certamente ajudaram o desenvolvimento da confiança e da cumplicidade
necessárias para atividades criminosas colaborativas, e o dialeto, a guardar
segredos dos não calabreses.
A epidemia de febre amarela que grassava pelo município de São Carlos naqueles
anos facilitou a atuação da quadrilha. Os bandidos enfrentavam os mesmos riscos
que o restante da população, mas a doença criou boas oportunidades para roubos.
O vírus matava pessoas, mas deixava sua propriedade intocada, e grande parte da
elite refugiou-se em outros municípios, deixando lojas e casas desprotegidas. A
doença também causou várias baixas na polícia e desorganizou as forças da
ordem.
É possível distinguir entre o grupo que realizava os assaltos e a rede de
colaboradores, que fornecia informações sobre vítimas potenciais, ajudava na
venda de bens roubados e dava apoio logístico, na forma de abrigo, comida,
transporte e esconderijo. De maneira geral, os assaltantes eram mais novos e
mais pobres, com forte tendência para serem negociantes ambulantes, artesãos ou
trabalhadores braçais. A rede de apoio incluía sobretudo homens maduros e donos
de negócios com endereço fixo. Alguns indivíduos-chave, como Francisco Mangano,
pertenciam a ambos os grupos. Os "espiões" podiam ser um amigo ou conhecido que
falava livremente sobre o que sabia de possíveis vítimas, ou ainda integrantes
do bando enviados especificamente para coletar informações ou seguir vítimas
potenciais.
O bando era pouco hierarquizado, caracterizando-se mais como uma rede do que
como uma organização. Francisco Mangano tinha o respeito de todos e geralmente
liderava as operações de maior vulto, mas segmentos menores da rede também
realizavam assaltos de maneira independente. Michelangelo Monteleone
reivindicava uma posição de liderança, sem, ao que parece, confrontar-se com
Mangano. A colaboração de um número relativamente grande de pessoas sem
hierarquia é um bom indício de que havia entendimentos compartilhados e certa
solidariedade interna no bando, apesar da ausência de rito de iniciação ou
outro ritual formal que afirmasse a identificação e a solidariedade entre os
membros do grupo - nada além de um aperto de mão antes de saírem para um
assalto. Sua composição quase inteiramente calabresa - com a colaboração de
um ou dois sicilianos, cujos nomes não constam no processo, e de duas
portuguesas, mulher e ex-namorada de integrantes calabreses - sugere que a
solidariedade regional ou étnica dos calabreses foi essencial para a coesão da
quadrilha.
Um exemplo curioso de solidariedade envolveu Antonio Parise, trazido por
Mangano de São Paulo para ajudar na realização de um assalto ao trem de
pagamento. O pé de Parise foi esmagado por um trem, quando ele, aparentemente,
tentava serrar o trilho, e membros da quadrilha organizaram uma subscrição para
ajudá-lo. Michelangelo Monteleone, comovido pelo acidente, afirmou que: "era um
companheiro seu muito valente e que já havia feito seis mortes".10 Mas a
solidariedade interna da quadrilha também se revelou limitada em várias
desavenças sobre a divisão da propriedade roubada.
Relações do bando com a comunidade italiana
É evidente que vários integrantes da quadrilha viam o banditismo como meio de
mobilidade social. Em declarações e conversas com pessoas que, mais tarde,
depuseram como testemunhas o principal propósito dos assaltos não tinha relação
com qualquer forma de protesto social, ao contrário, o intuito era enriquecer e
voltar para a Itália.
Apesar de a quadrilha estar distante do modelo de banditismo social que
Hobsbawn elabora, havia um elemento inegável de vingança social nos assaltos a
fazendeiros, nas ameaças de assassinatos de autoridades locais e nas fantasias
que alguns membros do bando relataram a testemunhas. Esse aspecto de atuação e
de auto-imagem talvez tenha atraído certo nível de apoio e cumplicidade entre
outros italianos pobres, inclusive os setentrionais, para os quais não faltavam
razões de aversão aos fazendeiros e às autoridades.
Os integrantes da quadrilha odiavam os fazendeiros, isso é patente nos autos.
Há indícios de que vários deles haviam trabalhado em fazendas. Rafael Sabatine,
segundo o testemunho de um parceiro, assassinara o administrador de uma fazenda
dois anos antes de sua prisão. Em outra ocasião, ele ficou escondido no mato
durante dois meses "por causa de um barulho que fez em uma fazenda".11 Vicente
Ceriani havia trabalhado como camarada na fazenda de Bento Carlos de Oliveira,
mas, segundo a declaração de outro réu, foi descoberto passando notas falsas
aos colonos e fugiu da fazenda. Como o fazendeiro o procurava, Ceriani "fez
algumas esperas no intuito de matá-lo".12 Ademais, os vendedores ambulantes do
bando talvez tenham experimentado a prepotência e a violência dos fazendeiros e
seus administradores, que, normalmente, não permitiam a entrada, sem permissão
de estranhos nas fazendas. Além disso, é provável que os calabreses já
nutrissem certa antipatia pelos latifundiários na Itália e que suas
experiências nas fazendas de café tenham tão-somente confirmado o ódio aos
latifundiários em geral. Em uma carta (escrita em "italiano viciado"), tentando
extorquir dinheiro do fazendeiro coronel Leopoldo Prado - delegado em
exercício -, os líderes do bando declararam que o assalto ao fazendeiro
Joaquim Botelho de Abreu Sampaio foi "um serviço à sociedade", e assinaram a
carta como "Sociedade Anarchista Italiana da Calábria" (A Opinião, 22/12/1897).
Isso provavelmente foi mais uma tentativa de assustar o coronel, do que uma
declaração ideológica.
Aparentemente, o bando escrevera cartas a vários fazendeiros "pedindo dinheiro
e ameaçando-os de morte", mas só chegou a incendiar a fazenda de José Ignácio
de Camargo Penteado.13 É provável que eles tenham começado a assaltar
fazendeiros e administradores de fazendas porque suas tentativas de extorsão
fracassaram. Assaltos bem-sucedidos ocorriam em meio a várias tentativas
frustradas, graças a informações errôneas que, às vezes, os obrigavam a
permanecer dias escondidos no mato à espera do fazendeiro.
Se a quadrilha tivesse restringido suas atividades à extorsão e a assaltos a
fazendeiros e outros indivíduos abastados, talvez pudesse ter ganho certo apoio
ou tolerância popular. Ao que parece, muitos camaradas e colonos alimentavam
fantasias de incendiar fazendas como vingança pelos abusos sofridos. No
inquérito após o incêndio na fazenda de José Ignacio de Camargo Penteado por
exemplo, a polícia inicialmente suspeitava de um camarada português que, poucos
meses antes, tinha prometido incendiar a fazenda como vingança a uma multa
imposta pelo fazendeiro.14 Nesse contexto, pode-se inferir que muitos
imigrantes teriam apreciado a morte de um fazendeiro ou administrador. Em São
Carlos, estão registrados, pelo menos, três assassinatos desse teor: um
administrador de fazenda, morto por colono, um irmão de administrador, morto
por camarada, e um fazendeiro, baleado por colonos (Monsma e Medeiros, no
prelo).
Contudo, o insucesso das tentativas de extorsão, sobretudo quando comparado com
a eficácia dessa tática na Calábria, sugere que o apoio popular ao bando,
especialmente entre os não italianos, era limitado. Na Calábria, as ameaças
eram mais críveis porque os bandidos podiam incendiar campos e construções ou
assassinar pessoas sem oposição ou denúncias da população local. Em São Carlos,
as ameaças não assustavam os fazendeiros nem outros grupos abastados o
suficiente para surtir o efeito desejado pelos bandidos, pois, mesmo se aqueles
não recebessem uma apreciação favorável dos imigrantes italianos de modo geral,
eles podiam contar com a proteção de capangas brasileiros e da polícia. Ou
seja, a divisão étnica entre italianos e brasileiros tendia a esvaziar as
ameaças e a tornar ineficaz esse tipo de banditismo calabrês. Os assaltos que o
bando realizou com maior sucesso dependiam muito menos da tolerância da
população do que da surpresa do ataque. Cumprir ameaças era mais difícil, e
dependia da anuência popular, pois, ao fazer as ameaças, o bando anunciava suas
intenções e perdia a vantagem da surpresa.
Um aspecto essencial do bandido social, reconhecido até pelos críticos de
Hobsbawm, é que, na imaginação popular, especialmente depois da morte, ele
tende a assumir contornos heróicos, distantes, portanto, da realidade vivida em
sua carreira criminosa. Ao bando Mangano certamente não faltaram ousadia e
coragem. Além dos assaltos a fazendeiros e a administradores de fazendas, eles
pretendiam assaltar o Banco União, arrombando a parede com dinamite, e
preparavam ainda o ataque ao trem pagador da Companhia Paulista. O plano, que
resultou no pé esmagado de Parise, era serrar uma parte do trilho e deixá-la no
lugar, só retirando-a quando o trem se aproximasse. Antes de levar o dinheiro,
eles pretendiam matar todos os sobreviventes do descarrilamento, para não
deixar testemunhas. Algumas de suas artimanhas certamente poderiam divertir
platéias populares, tornando-se histórias folclóricas, purificadas das
crueldades cometidas. Logo depois de assaltar e espancar um vendedor português,
por exemplo, eles enganaram a polícia, ao trocar de roupa rapidamente, chegando
até a ajudar na busca por pistas dos assaltantes.15
Se, para ganhar o apoio popular, bastava, nas palavras de Hobsbawm, viver "sem
curvar as costas", os integrantes da quadrilha eram bons candidatos a se tornar
bandidos sociais. Contudo, o problema era que eles assaltavam qualquer pessoa
com dinheiro ou objetos de valor, inclusive alguns trabalhadores italianos. Até
mesmo os ataques dirigidos à elite acabavam muitas vezes prejudicando os
pobres. As emboscadas a fazendeiros, por exemplo, geralmente visavam roubar o
dinheiro de pagamento dos trabalhadores. Uma de suas ações mais ousadas a falta
de respeito evidencia sua pelos interesses dos trabalhadores: eles levaram o
cofre de um hotel depois de doparem vários hóspedes e os donos do
estabelecimento, que eram italianos, com uma mistura de vinho e ópio oferecida
pelos próprios ladrões. Mas a maior parte dos doze contos apurados na caixa-
forte pertencia a camaradas e colonos hospedados no hotel, os quais certamente
não eram ricos. Um dos donos chegou a declarar que não havia suspeitado do
ladrão que servia o vinho porque ele era "muito amigo dele e [de] seu sócio".16
Às vezes, assaltos a trabalhadores motivaram discussão e polêmica no interior
do grupo, sobretudo porque rendiam pouco. Consta no processo que, em conversa a
esse respeito, Antonio Calsone disse
[...] que fazião mal em roubar pobres homens trabalhadores quando
podiam roubar fazendeiros ricos como por exemplo Dª Mafalda Ferraz
que tinha muito dinheiro e que no dia seguinte vinha de São Paulo com
oitenta contos.17
Certa vez, quando esperavam um fazendeiro passar pela estrada, chegou uma turma
de camaradas:
[...] queriam, uns que fossem atacados, e outros não; que
Michelangelo era um dos que insistia pelo ataque, dizendo que era
preciso pegar o peixe grande e o peixe pequeno; a isto disse Cerianni
que não concordava pois se tal fizessem podiam com isso lucrar uns
duzentos mil réis, quando poderiam lucrar contos de réis; que em
vista disto ficou resolvido que nada se fisesse e assim foi.18
Mas apesar dos conflitos internos a quadrilha, não mostrava piedade quando se
tratava de dinheiro. Pode-se ler nos autos que certa vez um colono
[...] foi convidado por Paschoal Bolonha, Francisco Pillege e Luige
Nery para darem um passeio e matarem o bicho19 e quando chegaram ao
fim da rua General Ozorio ahi foi seguro por Luige Nery e Paschoal
Bolonha que armados de facca e revólver o ameaçaram enquanto que
Francisco Pillege lhe tirava de uma perneira os setecentos mil réis
que ahi tinha guardado.20
Alguns integrantes eram capazes de muita crueldade por pouco lucro. Segundo
Antonio Monteleone, Pasquale Gabarro tinha lhe contado que
[...] no mez de Janeiro na estrada que desta vae para Belem do
Descalvado, sem, digo, se encontrou com um camarada a quem convidou
para trabalhar consigo e conseguindo leval-o para dentro do matto,
arrancando do revólver, o intimou a lhe entregar todo o dinheiro que
levava, e, como este só tivesse quatro mil réis, tomou-lhe, deu-lhe
uma surra e largou-o; que mais avante encontrando-se com outro, a
quem fez a mesma intimação, conseguindo obter cinco mil réis,
desfechando-lhe em seguida um tiro de revólver, matando-lhe e
enterrando-lhe no lugar. [...] sabe que muitos camaradas de fazenda,
foram roubados por esses indivíduos.
Ao que parece, a quadrilha pouco se preocupava em receber apoio ou ter a
cumplicidade de outros italianos ou de brasileiros pobres; preferia, ao
contrário, fazer ameaças de morte para garantir o silêncio de quem soubesse de
suas ações. Os depoimentos do processo mostram que, apesar de desconhecerem os
detalhes de assaltos, muitos italianos sabiam que se tratava de ladrões. Um dos
donos do hotel, cuja caixa-forte fora roubada, quando perguntado se sabia algo
sobre os outros assaltos, "respondeu que seus autores devem ser todos os
indivíduos que se acham presos por serem geralmente conhecidos como gatunos".21
Outra testemunha afirmou
[...] conhecer a todos estes indivíduos como ladrões de profissão
[porque] morando perto da casa de Pepino Rechelle frequentada
constantemente por estes individuos, teve occasião de ver por mais de
uma vez que sahiu de casa alta noite, armados de espingardas,
garruchas, revólveres, faccas e navalhas, recolhendo-se sobre a
madrugada, dormindo de dia ou nada fazendo, não lhe constando que
exerceu qualquer outra profissão.22
Desconfiança para com a polícia e o silêncio dos italianos
O bando aparentemente assassinou um homem por ele ter falado demais.23 Em
contrapartida, alguns dos integrantes da quadrilha gostavam de alardear seus
feitos a outros italianos, e não tinham medo de serem denunciados. Isso pode
ser explicado apenas parcialmente pela divisão étnica entre italianos e
brasileiros - dada a diferenciação marcada entre os meridionais e outros
italianos, não é claro por que italianos do norte teriam protegido bandidos
calabreses. Para uma análise mais detida, é preciso examinar as relações da
colônia italiana com as autoridades brasileiras.
Os italianos, de maneira geral, não confiavam nas autoridades, especialmente na
polícia. Como em outras cidades do Estado, o número de italianos cresceu
rapidamente em São Carlos durante os anos de 1890, e as elites locais tendiam a
culpar a comunidade italiana por crimes e desordens (cf. Fausto, 1984).24 Além
disso, sabe-se que, não importa a época, os pobres no Brasil sempre sofreram
abusos policiais, e nesse período de intensa imigração italiana a polícia usava
os mesmos métodos costumeiros ao tratar com italianos, o que causava atritos
freqüentes. Para muitos, a atuação policial era deliberadamente preconceituosa
em relação à colônia. Os inquéritos policiais e processos criminais de São
Carlos incluem vários relatos em que a polícia abusava da sua autoridade, e,
certamente, houve muitos outros de espancamentos e abusos que as vítimas não
ousaram denunciar. Havia casos, por exemplo, de policiais que espancaram e
roubaram italianos, ou furtaram dinheiro de italianos presos.25 Em 1896, praças
da polícia espancaram onze italianos presos em uma venda, o que levou à morte
de Giuseppe Sciarra. O jornal sancarlense Ordem e Progresso fez comentários
desfavoráveis sobre o caso e o cônsul italiano reclamou, perturbando o chefe de
polícia do Estado.26 Segundo o que lhe foi informado, o espancamento se
originou da rivalidade entre o dono da venda e o dono de outro estabelecimento
freqüentado por policiais. Esses problemas não se limitavam a São Carlos: as
reclamações do cônsul italiano ao chefe de polícia mostram que italianos
sofreram a violência policial em todo o Estado.27
Por outro lado, a polícia encontrou nos italianos um grupo mais petulante, e
mais bem armado, se comparado à população pobre do Brasil. Nesse contexto, não
é de surpreender que tenha havido pelo menos dois casos de italianos que
atiraram em policiais no centro da cidade. Em um desses eventos, o policial
baleado morreu e o italiano conseguiu fugir. As testemunhas, incluindo cinco
italianos, disseram que não reconheceram o assassino, o que podemos duvidar.28
O outro aconteceu em plena luz do dia, diante de muitas pessoas. Segundo uma
das testemunhas, o tiro de espingarda não acertou o soldado, mas "juntou muita
gente, uns como que para aplaudirem e outros por curiosidade".29
Em primeiro de janeiro de 1894, a cidade presenciou uma batalha aberta na
avenida São Carlos, principal via da cidade, entre italianos, que atiravam de
dentro das casas, e a Guarda Nacional.30 A batalha começou logo depois de a
Guarda tentar dispersar uma multidão de italianos que a vaiava no Largo de
Santa Cruz, centro comercial empreendido por italianos na cidade. Durante o
tiroteio, um italiano foi baleado e morreu. Quase todos os brasileiros que
depuseram no inquérito instaurado, representantes da classe média urbana,
estavam convencidos de que o italiano fora baleado por um compatriota. Em
contrapartida, as testemunhas italianas ou disseram que o autor do tiro fatal
havia sido um oficial da Guarda ou declararam ignorância a esse respeito. Após
o incidente, um dos líderes da colônia italiana, conhecido como Del Simoni,31
percorreu as ruas da cidade, segundo um farmacêutico brasileiro,
[...] gritando e chamando as armas os seus compatriotas. Quando isso
fasia revelava-se perfeito anarchista e assim que descompunha com as
palavras mais injuriosas, como iguais as filhos de uma puta e outras
semelhantes a estes, a Guarda Nacional e aos brasileiros em geral. A
proporção que elle assim procedia os italianos moradores nas ruas por
onde elle passava iam se reunindo e se armando. [...] Não demorou
dois grupos de italianos achavam-se formados, um mais ou menos em
frente ao Hotel do Comércio, outro em frente a casa de del Simoni;
grupos estes que se podia calcular num cento e tanto a duzentos
homens. [...] Sabe mais que é público e notório que del Simoni
procurou nessa cidade organisar um batalhão só composto de italianos
com fim disia elle de distrahir-se e não auxiliar a justiça e nem o
Brasil.32
Esse relato foi confirmado por várias testemunhas brasileiras. Del Simoni
dirigiu-se à estação, com um grupo armado, exigindo do chefe desta o envio de
um telegrama ao cônsul italiano em São Paulo. A Guarda Nacional saiu à procura
dos italianos armados, mas eles haviam se dispersado, evitando uma nova
confrontação. O português Gaspar Berrance, tenente da Guarda Nacional envolvido
nesse conflito, depois se tornou delegado de polícia e foi o responsável pela
prisão da quadrilha Mangano.
Outros conflitos podem ser observados durante a epidemia da febre amarela em
São Carlos. A atuação dos responsáveis pelo serviço sanitário, invadindo casas
e removendo doentes à força, causou vários distúrbios envolvendo italianos e
outros imigrantes, o que aumentou a desconfiança dessa população em relação às
autoridades.33
O atrito agravou-se em função das tentativas desastradas da polícia em
descobrir quem atuava na quadrilha Mangano. Depois do assalto ao fazendeiro
Joaquim Botelho de Abreu Sampaio, o qual foi baleado e, ao ser considerado
morto pelos bandidos, deixado na beira da estrada,34 o delegado de São Carlos
prendeu todos os italianos que estavam na fila do banco aguardando para
depositar dinheiro, supondo, de maneira grosseira, que qualquer italiano com
dinheiro seria suspeito. Logo depois teve de soltá-los por falta de provas.35 O
coronel Leopoldo Prado - fazendeiro e delegado em exercício nesse período
- agiu de forma especialmente violenta em suas tentativas de descobrir os
autores do crime. Seus métodos transparecem no inquérito a respeito do italiano
Paulo Lafarina, o qual ameaçava-o de morte após ter sido preso por ele em duas
ocasiões. O advogado Rodolpho Faria disse a uma testemunha que o coronel
[...] era violento e arbitrario, pois tinha por sabido arrancar a
confição dos réus por meio de ameaças, tanto assim que diversos
italianos se queixavam de tais excessos, que um italiano já fôra a
sua casa consultal-o sobre a resolução, que tinha tomado de
assassinar o Coronel Leopoldo Prado a quem elle doutor Rodolpho
dissuadira desse intento, que mais tarde o mesmo individuo [...]
voltava novamente ao seu escriptorio insistindo em querer realizar o
assassinato do Coronel Leopoldo Prado e que elle doutor Rodolpho o
ameaçara em denunciar caso elle insistisse em querer praticar o crime
que em vista disso o italiano se retirara e se embarcara no trem das
onze horas [...]. [I]sso era motivado pelas inúmeras prisões feitas
pela autoridade para averiguações sobre o assalto do cidadão Joaquim
Botelho.36
Segundo o doutor Rodolpho, que parece ter soltado vários italianos presos pelo
delegado, com pedidos de habeas corpus, "por diversas vezes ouvira de diversos
italianos ameaças contra a pessoa do Coronel Leopoldo Prado caso elle
continuasse a prender a torto e a direito a fim de descobrir os assaltantes de
Joaquim Botelho".
O valor da publicidade
Em conseqüência dos conflitos entre italianos e polícia, os membros da
quadrilha Mangano não tinham muito medo de denúncias, tanto que, às vezes, os
documentos sugerem que eles queriam publicidade, e não sigilo, ao menos no
interior da comunidade italiana. Michelangelo Monteleone, um dos líderes do
bando - negociante ambulante de 28 anos, sem moradia fixa que se hospedava
muitas vezes na casa de Francisco Mangano e era o maior divulgador dos feitos
do bando.
Claramente, ele queria ampliar sua fama de homem poderoso e valente. Certa vez,
contou a outro negociante ambulante que não integrava o bando: "em São Carlos
somos nós que mandamos; eu sou o chefe e devia também ser o delegado de
polícia".37 A respeito do assalto ao fazendeiro Joaquim Botelho, ele disse a um
negociante "que foi elle que mais coragem revelou na occasião [...]".38 O dono
de uma hospedaria também comentou que "ouvio [Monteleone] dizer a diversos
patrícios seus que era elle Monteleone quem mandava em São Carlos".39 Ao
vangloriar-se de suas peripécias, Michelangelo ameaçava de morte quem contasse
às autoridades, mas tudo indica que ele apreciava a divulgação de suas proezas
entre os italianos.
Os outros integrantes da quadrilha não se mostravam preocupados com sua
tagarelice. Ao que parece, essa publicidade lhes era conveniente. Eles também
queriam ser respeitados e temidos, e Monteleone sistematicamente retratava o
bando como uma organização muito mais poderosa do que era na realidade.
Caracterizar a quadrilha dessa maneira - poder, ousadia, êxito e,
sobretudo, impunidade - servia para atrair novos participantes. O processo
indica que Michelangelo foi o principal recrutador do bando. Ele sonhava em
realizar grandes assaltos e voltar para a Itália como um homem rico, e tentava
estimular os mesmos desejos em possíveis integrantes da quadrilha. Em São
Paulo, por exemplo, Monteleone convidou Salvatore Spadari
[...] para vir a São Carlos, aonde se tornava facil a pratica de
roubos, devido á frebre amarella; allegando Spadari não poder vir a
São Carlos, por ser conhecido da Policia, Monteleone insistia dizendo
que viriam juntos a estação de Colonia, ali desembarcariam seguindo a
pé para São Carlos, onde podiam chegar de noite e immediantamente
tractariam de matar o delegado e o carcereiro e uma vez feito isto,
ficariam a vontade porque os soldados estavam morrendo todos de febre
amarella e que uma vez que juntassem uns oitenta contos iriam embora
para a Itália.40
Em várias conversas com o negociante ambulante Rafael Lagrutencia, Monteleone
narrava os assaltos e lhe convidava para participar:
Encontrando-se outra occasião em São Paulo com Monteleone, este
convidou a elle declarante para vir para São Carlos, dizendo elle
declarante não haver aqui interesses devido à febre amarella,
Monteleone insistindo disse a elle declarante que viesse, que era uma
occasião muito boa para arranjar dinheiro e que se pegava n'um
individuo qualquer, se derrubava no chão e se matava e que dez mil
réis que tivesse já servia [...]. Declarou mais que Monteleone lhe
fez o seguinte convitte e pela seguinte forma: "Oh Raphael, você quer
vir conosco para roubarmos o trem de pagamentos que traz sempre muito
dinheiro? Nós somos muito companheiros, o trem quase sempre chega
aqui de noite; nós vamos para fora da cidade, cortamos os trilhos,
fazendo descarrilhar o trem e tomamos todo o dinheiro!?" que elle
declarante, sendo homem trabalhador, não acceitou semelhante
convitte. Declarou mais que egual convite recebeu de Monteleone para
assaltarem o Banco União na colonia, dizendo Monteleone ser isso
muito faccil porque bastantes companheiros armados de espingardas
matariam as poucas pessôas que guardavam o Banco e roubariam todo o
dinheiro. Declarou mais que tendo recebido diversos convittes do
mesmo Monteleone para a pratica de muitos outros roubos e tendo dito
a este que um dia se sahiria mal pois que podia ser preso, Monteleone
lhe disse nada recear visto que havendo entre todos os companheiros
feito uma sociedade se deffenderiam uns aos outros da seguinte forma:
"Si algum dos companheiros fôsse preso e processado, os outros
justariam advogado para sua defesa e no caso de que fossem presos
muitos, ainda poderiam ser libertos por meio de um assalto á cadêa e
desta maneira, dariam egualmente a liberdade uns aos outros presos à
sociedade".41
Além de construir a reputação dos bandidos e recrutar novos integrantes, essas
representações serviam para transmitir a impressão de poder e impunidade,
intimidando os italianos para que não os denunciassem, quando questionados pela
polícia. Talvez o grupo mais importante a ser controlado fosse integrado pelos
participantes periféricos do bando, os quais forneciam serviços de apoio, mas
não participavam diretamente nos assaltos. O carroceiro Giuseppe Giglioti, que
às vezes transportava mercadorias roubadas pela quadrilha, contou
Que uma occasião, tendo elle declarante transportado desta cidade
para Visconde do Pinhal alguns jacás com queijos pertencentes a
Michelangelo, na volta, vindo este em sua companhia, em conversa lhe
narrou o seguinte: que há tempos tinha dado um roubo na casa de um
espingardeiro na rua de São Carlos e que nada tinham descoberto até
agora; que igualmente se tinha dado a mesma rua um roubo de onze
contos e que igualmente estava por descobrir e que no entanto n'elle
tomaram parte Affonso Pugliese, Salvador Spadari, Cosme Scorsa Favo e
outros cujos nomes não citou que formão uma sociedade poderosa; que
ninguem pode com ella á qual elle Monteleone pertence, assim como
muitos outros, narrando-lhe igualmente o assalto ao fazendeiro
Joaquim Botelho [...]. Que Monteleone lhe contou ainda que esta
sociedade operava em muitos logares, inclusive no sertão; que ao elle
declarante despedir-se de Monteleone, este lhe disse que nada
revelasse do que ouvio, por que sinão lhe cortarão a cabeça.42
O guarda-livros de Francisco Mangano negou todo conhecimento dos crimes no
primeiro interrogatório porque, segundo sua confissão posterior, estava
"receoso de ser assasinado por algum dos individuos envolvidos no mesmo crime
que lhe é imputado, a exemplo do assassinato de Antonio Hyppolito nesta cidade,
que foi victima da sua indiscripção sobre factos que não lhe eram extranhos".
Ele confessou ter escrito as cartas ameaçando José Ignácio de Camargo Penteado,
cuja fazenda foi incendiada, e admitiu que sabia de alguns dos assaltos.
"Declarou mais que Mangano o ameaçou de morte caso elle declarante revellasse
alguma cousa do que visse ou soubesse."43
Prisão e desmantelamento da quadrilha
O que destruiu a quadrilha não foi o trabalho da polícia nem alguma denúncia de
outro italiano, mas a traição interna. Depois do assalto a Joaquim Botelho,
Antonio Farina, um dos que pertencia ao grupo de Monterosso, escreveu uma carta
anônima denunciando vários participantes, os quais foram presos, mas, em
seguida, libertados por falta de provas. Depois do roubo à casa comercial de
dois turcos em fevereiro de 1898, Farina denunciou novamente os outros
envolvidos, apesar de ter, aparentemente, participado da ação. Desta vez,
vários integrantes contaram fragmentos do que havia ocorrido, possibilitando
que o delegado prendesse a maior parte da rede em março desse ano.44 Outros
acusados não foram presos, o que sugere que fugiram e nunca mais foram
encontrados. O motivo dessas denúncias não é claro. É pouco crível que fosse um
desejo de sair da criminalidade: dez anos depois, Farina seria preso por
recepção de bens roubados.45 As desavenças sobre a divisão dos bens roubados
talvez tenha motivado as delações. Os dois roubos denunciados por Farina
provocaram discussões, e parece que o desentendimento sobre a divisão do que se
apurou no roubo dos turcos foi especialmente intenso. Denunciar os companheiros
seria, então, uma forma de vingança pela divisão desigual dos bens roubados.
O inquérito estendeu-se por vários meses, e o promotor só apresentou sua
denúncia ao final de outubro. Em parte, o atraso deveu-se à epidemia de febre
amarela, visto que a cadeia de São Carlos se tornou um foco de infecção,
levando à morte alguns acusados e à decisão de transferir muitos dos presos.46
Domenico Putrini, um dos acusados, acometido da febre, fugiu do hospital de
isolamento, aparentemente subornando o guarda e os enfermeiros.47 Em meio ao
inquérito, o próprio delegado Berrance contraiu a doença, sendo obrigado a
suspender as atividades até seu restabelecimento.48
Na cadeia, Michelangelo Monteleone elaborou manifestações mirabolantes e, sob
alguns aspectos, revolucionárias, do poder e dos planos da quadrilha:
[...] que achando-se detido na mesma prisão em que se acha
Michelangelo Monteleone, este em confidencia lhe revelou o seguinte:
que pertence a uma grande associaçãó composta de cincoenta membros
entre os quaes estava tractado o seguinte plano: Primeiro, os
companheiros que se acham em liberdade o que se achassem em
liberdade, todos reunidos assaltassem a cadêa onde se achassem presos
os seus companheiros matando as sentinellas, o carcereiro e em
seguida o delegado de policia Gaspar Berrance dando immediata
liberdade aos companheiros; que era plano desta associação assaltar
em primeiro logar ao Banco União na colonia, ao seu gerente Bento de
Abreu quando este fosse a fazenda fazer pagamentos, a Vicente e por
ultimo a cada um por sua vez a todos os fazendeiros ricos deste e de
outros municipios [...] que fazia parte desse plano o assassinato das
autoridades de São Carlos a quem em tempo dirigiram uma carta de
ameaça e intimação para depositar certa quantia; [...] Que esta
associação esta ramificada por diversas localidades do Estado sendo a
sede principal - São Paulo.49
É impossível dizer até que ponto Michelangelo acreditava nisso, mas certamente
queria intimidar os outros presos para que não falassem ao delegado o que
sabiam sobre a quadrilha. Ele também aproveitava sua platéia cativa para
confundir a investigação, tentando implicar vários inocentes nos assaltos.
Disse a pelo menos um preso que o chefe da quadrilha era Rafael Spadari, nome
que nem aparece nas declarações dos outros acusados. O delegado Gaspar Berrance
acreditou em muito do que Michelangelo disse, escrevendo ao chefe de polícia
que a quadrilha estava ramificada por todo o Estado e que ele, Berrance, estava
ameaçado de morte.50
Vários integrantes do bando falaram profusamente quando interrogados pelo
delegado, quase sempre acusando os outros e minimizando sua própria
participação. As ameaças de morte tornaram-se ineficazes, uma vez que a maioria
dos membros estava presa ou foragida. Além disso, a violência do delegado era
convincente o bastante para minar a solidariedade do grupo e superar o medo da
vingança dos companheiros.
Em julho de 1898, com o restabelecimento do delegado e a divulgação das
conclusões do inquérito, São Carlos entrou em clima de celebração pública. As
elites da colônia italiana tiveram participação proeminente nas comemorações. O
jornal A Opinião (9/7/1898) publicou vários artigos elogiando o delegado
Berrance incluindo um escrito em italiano. Entre os que participaram de um ato
público de reconhecimento a Berrance pelos serviços prestados à comunidade
sancarlense estava o italiano Del Simoni, o mesmo que suscitara um levante da
comunidade italiana contra a polícia no início de 1894 (A Opinião 12/7/1898).
Em agosto, o professor de música Antonio Mugnai, regente da banda italiana da
cidade, apresentou uma nova composição no Theatro São Carlos intitulada
"Dobrado Berrance", e ofereceu, ao final da execução, a partitura ao delegado
(Junqueira, 1998, p. 96; A Opinião, 2/9/1898).
Conclusão
A relativa ausência do crime organizado e do banditismo envolvendo italianos no
Brasil, em comparação com a Itália meridional e com as cidades norte-
americanas, certamente não se explica pela hipótese de que faltava, entre os
italianos que emigraram para o Brasil, indivíduos dispostos a colaborar em
empreendimentos criminosos. O bando Mangano podia chamar amigos e conhecidos de
várias cidades paulistas para ajudar em ações específicas. Segundo a pesquisa
de Boris Fausto (1984), não eram poucos os ladrões e os gatunos italianos
atuantes na cidade de São Paulo na época de imigração em massa. Eles levaram
esse tipo de ação a tal nível de sofisticação que sugere sua profissionalização
no crime ainda na Itália. Entre a população de imigrantes sicilianos que
chegaram aos Estados Unidos no final do século XIX e início do XX, havia uma
minoria não desprezível de jovens mafiosos (chamados picciotti), os quais mais
tarde passaram a atuar nas quadrilhas urbanas norte-americanas (Hess, 1998, pp.
162-163). Não há razão para supor que a natureza da imigração calabresa para o
Brasil fosse muito diferente. Temos evidência de que alguns integrantes da
quadrilha Mangano já eram criminosos na Calábria e suspeitamos que vários
outros já tivessem algum grau de envolvimento com o crime antes de emigrar. O
banditismo era bastante conhecido nas comunidades rurais da Calábria; estava,
pode-se dizer, inserido na vida cotidiana dessa população.
A heterogeneidade da colônia italiana no Estado de São Paulo tampouco é
suficiente, por si só, para explicar a raridade do banditismo e do crime
organizado entre imigrantes italianos no Brasil. No período de 1878 a 1902,
mais do que um terço dos imigrantes italianos que aportaram no Brasil eram
meridionais, e estes se reuniam especialmente no Estado de São Paulo (Trento,
1989, p. 39). Em São Carlos, os calabreses e outros meridionais concentravam-se
em certos bairros e em determinados ofícios, facilitando a conspiração do
silêncio - a famosa omertà - e dificultando as investigações policiais,
ainda que em menor escala se comparado à Itália ou aos Estados Unidos. A
demais, a desconfiança da polícia generalizou-se entre os italianos, e o caso
do bando Mangano ilustra como era possível usar a intimidação para impedir
denúncias. No entanto, a presença de muitos italianos setentrionais em São
Carlos talvez explique vários dos depoimentos incriminadores apurados após a
prisão da quadrilha,51 assim como o evidente alívio entre as elites da colônia
italiana, as quais só podiam ver a atuação dos bandidos compatriotas como uma
ameaça a seus interesses materiais e uma vergonha para a comunidade.
De acordo com a evidência apresentada neste artigo, a ausência de vínculos com
elites brasileiras e a dificuldade de corromper as autoridades locais explicam
melhor por que o banditismo italiano não se consolidou no Estado de São Paulo.
Os fazendeiros não precisavam dos serviços de bandidos italianos porque já
tinham capangas brasileiros, que, alias, eram mais confiáveis para a repressão
de imigrantes. Em relação à corrupção da polícia, era praticamente impossível,
já que os "coronéis" mantinham o controle da política e das autoridades locais.
Sem ter capacidade de neutralizar as forças repressivas do Estado, os bandidos
italianos no Brasil não gozavam da impunidade nem sempre podiam contar com o
silêncio da comunidade italiana, sobretudo se levarmos em conta a
heterogeneidade desta.
As circunstâncias particulares que permitiram à quadrilha Mangano atuar com
impunidade por mais de dois anos em São Carlos reforçam nossa explicação pelo
fato de que o banditismo italiano no Brasil tenha sido bastante raro.
Acreditamos que o sucesso dessa quadrilha resultou da combinação de dois
fatores, a saber, certa concentração de calabreses em São Carlos, sobretudo em
alguns bairros da cidade, e a epidemia de febre amarela entre 1896 e 1898, que
atingiu gravemente o município e neutralizou as forças da ordem.
Embora ainda não existam dados conclusivos sobre o número de calabreses no
município, há indícios de que era relativamente alto. Exemplo disso é o fato de
existir na cidade uma zona chamada "Pequena Calábria", além da presença
expressiva de calabreses nos processos criminais, como réus ou vítimas, e ainda
do número considerável de noivos calabreses que constam na cúria diocesana.
Essa concentração étnica teria facilitado o recrutamento de uma rede de
participantes e colaboradores, assegurando o silêncio de pelo menos uma parte
da colônia italiana.
A epidemia afugentou os mais abastados, desorganizou a polícia e abriu espaço
para a ação do bando. As vantagens de propriedades sem moradores e de soldados
doentes ou mortos são evidentes. Além disso, a ausência das elites permitia uma
atuação mais aberta, porque o grupo mais propenso a colaborar com a polícia e
mais interessado em denunciar o bando acabou por ausentar-se da cidade. Dessa
maneira, a epidemia que se alastrou por São Carlos facultou aos bandidos,
temporariamente, a mesma impunidade de que seus congêneres na Itália e nos
Estados Unidos gozavam por causa da proteção de parte das elites ou da
corrupção policial. São Carlos servia, inclusive, como base segura para
assaltos e arrombamentos em municípios vizinhos.
Este caso excepcional do banditismo italiano no Brasil também fornece
evidências relevantes sobre as formas de solidariedade e as clivagens na
comunidade italiana. O entendimento mútuo dos calabreses e suas disposições
antiestatais e antilatifundiárias ajudaram na cooperação interna do bando.
Ademais, a falta de uma definição clara das fronteiras da quadrilha, no sentido
de saber quem era ou não integrante, o que se evidencia com a ausência de
rituais de iniciação, e o fato de eles não se preocuparem em manter suas
atividades em sigilo sugerem que os bandidos contaram com a anuência da maioria
dos calabreses.
Nas fontes disponíveis, é mais difícil perceber as atitudes dos italianos
setentrionais. Sabemos que o preconceito contra os meridionais, considerados
ignorantes, pouco civilizados e violentos, era amplamente difundido no Norte da
Itália nas primeiras décadas após a unificação. No Brasil, as diferenças
regionais demoraram em se diluir, apesar dos brasileiros colocarem todos os
italianos na mesma categoria. Nas entrelinhas dos processos, pode-se observar a
evidência do preconceito antimeridional. Os calabreses são chamados, por outros
italianos, de "calabreses", ao passo que quase nunca se encontra referências às
origens regionais de vênetos, friulanos ou piemonteses. Essa tendência
nominativa tem um paralelo no hábito, evidente nos autos da época, de se
referir aos negros brasileiros como "pretos", e não como brasileiros. Da mesma
maneira que os negros não eram aceitos como cidadãos e semelhantes por
brasileiros brancos, os calabreses eram vistos pelos outros italianos como um
grupo estranho e mal assimilado pela civilização italiana. Mais tarde, as
clivagens no seio da colônia italiana no município foram expressas pela
fundação, em 1900 e 1902, de duas sociedades distintas: a "Meridionali Uniti
Vittorio Emmanuele III" e a "Dante Alighieri", respectivamente. A primeira
congregava, conforme sua denominação explicita, os italianos do sul (Truzzi,
2000, p.74).
Devido ao preconceito contra os calabreses e aos assaltos da quadrilha a
italianos, é duvidoso que italianos de outras regiões apoiassem ou aplaudissem
as atividades do bando. Ao mesmo tempo, fica evidente na leitura do processo
criminal que muitos suspeitavam de suas atividades, mas não os denunciavam,
sobretudo por causa do medo e da desconfiança em relação à polícia. Isso não
era específico a São Carlos e, portanto, não pode explicar por que essa cidade,
e não outras, constituiu uma base adequada para o banditismo naqueles anos.
Entretanto, juntamente com a existência de uma comunidade significativa de
calabreses e a epidemia da febre amarela, a desconfiança da polícia,
generalizada entre os italianos, facilitou, com certeza, a atuação do bando.
Tudo indica que grande parte dos italianos se sentia incomodada não apenas pela
quadrilha mas também pela polícia, e não queria colaborar com nenhum dos lados.
De fato, tanto a quadrilha como a força pública costumavam usar de violência
para intimidar e roubar trabalhadores italianos.
Embora não tenhamos dados sobre as origens regionais das elites italianas que
celebraram a prisão da quadrilha, é mais provável que fossem setentrionais. No
processo contra a quadrilha Mangano, aparece uma pequena burguesia calabresa
representada por donos de vendas, restaurantes e pensões, mas não temos notícia
da presença de italianos meridionais entre os grandes comerciantes da cidade na
última década do século XIX. Na época de atuação da quadrilha Mangano, pelo
menos um italiano, Aurelio Civatti, já era fazendeiro importante em São Carlos,
e se tornaria o primeiro vereador de ascendência italiana nesse município
(Abreu, 2000). Ou seja, já existia uma pequena elite italiana, e muitas de suas
preocupações, sobretudo no que diz respeito a crimes contra o patrimônio e a
ordem pública, eram concordantes com as da elite brasileira. Em meados de 1897,
por exemplo, Civatti sofreu o incêndio criminoso da máquina de beneficiar café
de sua fazenda.52 Parece-nos que a chegada de cada vez mais italianos pobres,
entre eles parcelas de meridionais, considerados, por sua vez, perigosos e
pouco civilizados, criou certa aproximação entre italianos abastados e a classe
dominante brasileira. A transformação de Del Simoni, de líder de um protesto
armado contra a Guarda Nacional a adulador do delegado Berrance, é emblemática
das mudanças por que passava a elite italiana da cidade.
NOTAS
1 Fundação Pró-Memória de São Carlos, Processos Criminais, caixas 272 e 273, n.
90, 1898, Francisco Mangano e outros, depoimento de José de Araújo Cintra no
inquérito, 6/1/1896; João Manoel de Campos Penteado, delegado em exercício, São
Carlos, a Bento Bueno, chefe de polícia, 26/12/1895; Arquivo do Estado de São
Paulo, C02803, Polícia, 1895; A Opinião (São Carlos), 9/7/1898.
2 Fundação Pró-Memória de São Carlos, Criminais, caixa 333, s./n., 1897, Paulo
La Farina.
3 O artigo de Blok criticando Hobsbawm foi publicado originalmente em 1972.
4 Para uma boa introdução à literatura sobre banditismo na América Latina, ver
Joseph (1990) e as respostas publicadas em número subseqüente da mesma revista
(Slatta, 1991; Singelmann, 1991; Birkbeck, 1991; Joseph, 1991).
5 Quanto ao aumento de furtos, raptos, extorsões, trapaças e fraudes, Scalise
observou que, na província de Catanzaro, isso se deveu aos danos causados pela
filoxera, uma praga que destruiu as riquíssimas vinhas dos habitantes de
Nicastro, um dos municípios mais importantes da província. Também entre 1896 e
1899, em muitas aldeias do norte de Catanzaro, a mosca oleácea anulou por
vários anos o produto das oliveiras.
6 Estamos supondo aqui que todos fossem calabreses. Temos informação sobre a
naturalidade de 28, e todos esses eram calabreses, o que sugere que os outros
dez também o eram.
7 Fundação Pró-Memória de São Carlos, Processos Criminais, caixa 213, n. 243,
Salvador Spadari, 1896.
8 Fundação Pró-Memória de São Carlos, Processo Mangano, declaração de Antonio
Monteleone.
9 Fundação Pró-Memória de São Carlos, Processo Mangano, depoimento de Francesco
Lascalla.
10 Fundação Pró-Memória de São Carlos, Processo Mangano, declaração de Antonio
Farina.
11 Fundação Pró-Memória de São Carlos, Processo Mangano, declaração de
Francisco Farina.
12 Fundação Pró-Memória de São Carlos, Processo Mangano, declaração de Antonio
Monteleone.
13 Fundação Pró-Memória de São Carlos, Processo Mangano, declaração de Ernesto
Falcone.
14 Fundação Pró-Memória de São Carlos, Processo Mangano, depoimento de Felix
Martins Corrêa.
15 Fundação Pró-Memória de São Carlos, Processo Mangano, depoimento de Angela
Romana. A Opinião, 23/7/1898.
16 Fundação Pró-Memória de São Carlos, Processo Mangano, declaração de
Francisco Lorijo.
17 Fundação Pró-Memória de São Carlos, Processo Mangano, declaração de Antonio
Calsone.
18 Fundação Pró-Memória de São Carlos, Processo Mangano, declaração de Antonio
Monteleone.
19 Expressão que designa tomar bebida alcoólica.
20 Fundação Pró-Memória de São Carlos, Processo Mangano, declaração de Antonio
Calsone (grifo nosso).
21 Fundação Pró-Memória de São Carlos, Processo Mangano, declaração de
Francisco Lorijo.
22 Fundação Pró-Memória de São Carlos, Processo Mangano, depoimento de Rafael
Lagrutencia.
23 Fundação Pró-Memória de São Carlos, Processo Mangano, declaração de Achilo
Aielo.
24 A tendência de culpar imigrantes pelo aumento da criminalidade manifesta-se
em muitos países e em diversos momentos históricos (Tonry, 1997).
25 Fundação Pró-Memória de São Carlos, Processos Criminais, caixa 333, n. 2242
(1895); caixa 333, n. 1207/3644 (1897).
26 Bento Bueno, chefe de polícia, ao delegado de polícia de São Carlos, São
Paulo, 24 de abril de 1896, Fundação Pró-Memória de São Carlos, Processos
Criminais, caixa 334, n. 2235 (1896).
27 Arquivo do Estado de São Paulo, Polícia, várias latas.
28 Fundação Pró-Memória de São Carlos, Processos Criminais, caixa 279, n. 3719
(1895).
29 Fundação Pró-Memória de São Carlos, Processos Criminais, caixa 194, n. 105
(1889), Giuseppe Nancci Pizzuco, depoimento de Luiz Barbosa Corrêa.
30 Fundação Pró-Memória de São Carlos, Processos Criminais, caixa 462, s./n.
(1894). Este conflito é discutido com mais detalhe em Monsma, 2000.
31 Segundo um oficial da Guarda Nacional, o nome (ou sobrenome) verdadeiro de
Del Simoni era Fenaccio (depoimento de Augusto Souza Franco).
32 Depoimento de José Florêncio de Albertim Duarte.
33 Delegado de São Carlos a chefe de polícia (telegrama), 5/5/1896, Arquivo do
Estado de São Paulo, C02832, Polícia; Rodolpho Faria a chefe de polícia, 2/5/
1897, Arquivo do Estado de São Paulo, C02844, Polícia; Rodolpho Faria a chefe
de polícia (telegrama), 30/4/1897, Arquivo do Estado de São Paulo, C02847,
Polícia; Delegado de São Carlos a chefe de polícia (telegramas), 30/4/1897 e 4/
5/1897, Arquivo do Estado de São Paulo, C02849, Polícia.
34 Sampaio sobreviveu.
35 Ludovico Gioia (cônsul d'Itália) ao chefe de polícia, 4/12/1897, Arquivo do
Estado de São Paulo, C02839, Polícia.
36 Fundação Pró-Memória de São Carlos, Processos Criminais, caixa 333, s./n.,
1897, depoimento de Antônio de Almeida Souza.
37 Fundação Pró-Memória de São Carlos, Processo Mangano, depoimento de Raphael
Lagrutencia
38 Fundação Pró-Memória de São Carlos, Processos Criminais, caixa 213, n. 1195,
depoimento de Domenico Lipero.
39 Fundação Pró-Memória de São Carlos, Processo Mangano, depoimento de Giuseppe
Averse.
40 Fundação Pró-Memória de São Carlos, Processos Criminais, caixa 213, n. 1195,
depoimento de Domenico Lipero.
41 Fundação Pró-Memória de São Carlos, Processo Mangano, depoimento de Rafael
Lagrutencia.
42 Fundação Pró-Memória de São Carlos, Processo Mangano, declaração de Giuseppe
Arcuri Giglioti.
43 Fundação Pró-Memória de São Carlos, Processo Mangano, declaração de Achillo
Aielo.
44 Vários telegramas de Gaspar Berrance (delegado de São Carlos) a chefe de
polícia, março de 1898. Arquivo do Estado de São Paulo, C02879, Polícia.
45 Fundação Pró-Memória de São Carlos, Processos Criminais, caixa 213, n. 213,
1908.
46 Gaspar Berrance a chefe de polícia (telegrama), 3/3/1898, Arquivo do Estado
de São Paulo, C02887, Polícia; Gaspar Berrance a chefe de polícia, 3/4/1898 e
10/4/1898, Arquivo do Estado de São Paulo, C02884, Polícia.
47 Gaspar Berrance a chefe de polícia (telegrama), 18/4/1898, Arquivo do Estado
de São Paulo, C02884, Polícia.
48 Gaspar Berrance a chefe de polícia (telegramas), 19/4/1898 e 21/4/1898,
Arquivo do Estado de São Paulo, C02884, Polícia.
49 Fundação Pró-Memória de São Carlos, Processo Mangano, declaração de Ernesto
Falcone.
50 3/4/1898, Arquivo do Estado de São Paulo, C02884, Polícia.
51 Infelizmente, não temos informação sobre a origem regional da maior parte
das vítimas e testemunhas italianas.
52 Aurelio Civatti a chefe de polícia, 30/8/1897, Arquivo do Estado de São
Paulo, C02842, Polícia 1897.