Artes marciais, formação profissional e escolas de ofício: Análise documental
do judô brasileiro
O judô é uma prática desportiva que, oriundo de uma cultura oriental, possui
uma estrutura que ora assemelha-se apenas a prática competitiva (federações,
ligas e torneios) e ora apresenta-se como reflexo de seu arcabouço cultural '
estrutura hierárquica, utilização da língua originária e padrões tradicionais
de saudação.
Neste contexto, os elementos desportivos e culturais fazem parte das
modalidades que comumente são denominadas de artes marciais no Brasil, nome que
de longe lembraria sua origem. Porém, permite que, no discurso de muitos
adeptos/praticantes, haja transição no âmbito do binômio desporto/cultura.
O discurso, aparentemente inócuo, no sentido prático, possibilita usufruir dos
benefícios e, ao mesmo tempo, mascarar as obrigações na área ou campo, tendo em
vista que há investimento do Ministério do Esporte nas entidades dirigentes
destas modalidades e a Bolsa Atleta do Governo Federal. Esta última é
compartilhada com atletas de artes marciais. Em outro patamar também se
registra que não há consenso nacional quanto ao fato dos técnicos de artes
marciais terem formação em Educação Física como prevê a Lei 9.696/98 (Congresso
Federal do Brasil, 1998). Neste caso, estas lutas não se configuram em
desportos, mas como atividades culturais.
Desta forma, destaca-se como problema de estudo o fato de esta desobrigação
em relação à Educação Física levar ao entendimento de que há um modelo de
formação nas artes marciais que dê suporte a demanda social do trabalho com
lutas. Porém, por que estudar esta questão?
Desde que foi promulgada a Regulamentação Profissional da Educação Física no
Brasil (Congresso Federal do Brasil, 1998), passaram-se mais de 10 anos,
podendo-se dizer que, aparentemente, o campo das artes marciais continua um
pouco à margem desta história ou seguindo um caminho próprio. O discurso
dicotômico esporte e cultura, embora seja portentoso, pouco respondeu ou
desvelou em relação a qual seria a formação do técnico de lutas e se esta
estaria adequada à demanda necessária da sociedade atual. Portanto, entender
como se dá a relação da formação com o seu modelo de base é o cerne deste
texto.
Dessa forma, este trabalho foi organizado tendo como meta apresentar os eixos
temáticos ou conteúdos que são essenciais para o entendimento da discussão dos
artefatos encontrados em trabalho de campo, lembrando que dada a notória
complexidade do assunto, merecedora de exaustivas análises, a mesma não será
expandida, ficando restrita a um recorte. Neste, a centralidade da reflexão '
as artes marciais, o judô ' ficará circunscrita a uma explanação sobre escola
de ofício, profissão ' mesmo que para isto, haja o risco de, por ora, parecer
sintético.
No âmbito desse processo, o ponto de partida da análise do artesanato e sua
relação com as artes marciais e lutas está na concepção das Escolas de Ofício
(Rugiu, 1998). Para Rugiu (1998) estas escolas foram possuidoras de três
características particulares que, por ora, são coincidentes e se apresentam nas
artes marciais, possuindo pontos comuns entre ambas:
Os aprendizes em essência aprendem fazendo;
Apresenta uma imagem valorizada do mestre e;
As atividades práticas são consideradas tão formativas do caráter quanto os
estudos formais.
Considerando que o sentido inicial da educação artesanal pode ser identificado
pela relação mestre e aprendiz, base da construção dos saberes, dando sentido
ao termo saber fazer, Cunha (2000) considera que "a educação artesanal
desenvolve-se mediante processos não sistemáticos, a partir do trabalho de um
jovem aprendiz com um mestre de ofício, em sua própria oficina, com seus
próprios instrumentos e até mesmo morando em sua própria casa. Ajudando-o em
pequenas tarefas, que lhe são atribuídas de acordo com a lógica da produção, o
aprendiz vai dominando aos poucos o ofício" (p. 2).
Outro ponto interessante abordado pelo autor é a possibilidade de existir
normas reguladoras da aprendizagem artesanal, sendo esta controlada pelas
corporações de ofício, que exercem controle sobre o mercado de trabalho.
Portanto, os mestres de ofício ficam obrigados a obedecer a critérios como
número máximo de aprendizes, tempo de aprendizagem e outros (p. 3).
Rugiu (1998) conta que as corporações de ofício tiveram o seu desenvolvimento a
partir do século XII, tendo o apogeu no século XIV, considerando que o sistema
artesanal evoluiu do sistema familiar, necessidade de produção para
subsistência, deslocando-se para o sistema de corporações. Período em que
ocorre o êxodo do artesão para a cidade, passando a produzir para um mercado
pequeno e estável, os habitantes urbanos. A relação dos saberes da prática dá-
se de pai para filho ou de mestre para discípulo, podendo, ainda, em alguns
casos se transmitir através de escolas, organizadas e mantidas por cooperativas
ou associações de artesãos.
No geral, como colocou o autor, a experiência artesã pode ser considerada como
possuidora de aspectos essenciais de formação, visto como experiência ideal
para instruir e se educar, para tornar-se hábil com as mãos e rápido com a
cabeça. Esta habilidade obtida pelo exercício era considerada importante
para o aprendizado da gramática, religião, geometria, pintura, esgrima, dança,
bem como trabalhos em madeira e ferro e outras artes úteis (Rugiu, 1998).
Entretanto, no ciclo evolutivo natural das artes mecânicas e das artes liberais
a chegada da era industrial provocou uma nova reconfiguração no campo do
conhecimento e do trabalho. Os ofícios ou trabalhos especializados ganharam a
denominação de ocupação. Porém, as ocupações que tinham na sua base o
conhecimento científico, embasando a sua prática e o controle de seus serviços
ou do próprio trabalho ganharam o nome de profissão no modelo anglo-americano
(Freidson, 1998), enquanto no modelo continental europeu não houve esta
distinção, sendo tudo considerado profissão (Coelho, 1999).
No Brasil adotou-se o termo profissão de forma indiscriminada, seguindo o
modelo europeu, passando no momento atual por uma fase de transição para o
modelo anglo-americano em que se observa a sua influência nas diretrizes
curriculares de formação profissional. Entretanto esta questão não será objeto
de análise neste estudo.
No contexto das profissões sabe-se que a Educação Física foi regulamentada pela
Lei 9.696/98 (Congresso Federal do Brasil, 1998), tendo como delimitação de seu
campo de atuação que: "Art. 3º. Compete ao Profissional de Educação Física
coordenar, planejar, programar, supervisionar, dinamizar, dirigir, organizar,
avaliar e executar trabalhos, programas, planos e projetos, bem como prestar
serviços de auditoria, consultoria e assessoria, realizar treinamentos
especializados, participar de equipes multidisciplinares e interdisciplinares e
elaborar informes técnicos, científicos e pedagógicos, todos nas áreas de
atividades físicas e do desporto" (Congresso Federal do Brasil, 1998).
Assim, as artes marciais (e o judô como desporto) que se configuraram como
ofícios vinculados, inicialmente, às federações, passaram, no presente, a
estar sob a jurisdição da Educação Física. Em contrapartida, há também na
sociedade outra legislação, que permite o agrupamento em entidades desportivas
com direitos e autonomia que, pautado no desporto ou jogo, tem liberdade de
ação perante os pressupostos apresentados do saber fazer.
Embora haja um entendimento passível de ser considerado em relação à atuação
profissional em que está referida a Lei supracitada, não se impediu os diversos
questionamentos e reanálises por parte das autoridades, tendo como o exemplo
mais concreto a formulação do PL 7370/2010.
Deste modo, frente ao que se apresenta, pelo menos quando se relaciona ao
desporto, há uma ambiguidade de relações legais que, conforme foi apresentado
até o momento, pois há uma legislação que entende a formação profissional e
reflete o caráter acadêmico - cientifico do Campo Esportivo, representado
pela Lei 9.696/98 (Congresso Federal do Brasil, 1998).
São estas co-existências que permitem os conflitos sociais ao mesmo tempo em
que não possibilitam um estudo mais criterioso para a identificação das
necessidades do desporto nacional, no seu âmbito geral, determinando a
emergência da necessidade de fazê-lo como caráter prioritário ao entendimento
da própria identidade da profissão Educação Física.
Perante o exposto, o presente trabalho tem como objetivo apresentar a
constituição das artes marciais no Brasil, em particular o judô, considerando a
formação e capacitação do técnico desportivo para a modalidade.
MÉTODO
Trata-se de uma pesquisa documental, tendo como técnica para coleta de dados as
fontes documentais. Para tanto as informações sobre a formação do técnico
desportivo de judô circunscreveu-se aos documentos de Federações e da
Confederação. O universo de documentos consultados e analisados foi selecionado
pela internet nos sites da Confederação Brasileira de Judô (CBJ:
www.cbj.com.br) da Federação Paulista de Judô (FPJ: www.fpj.com.br) e Federação
de Judô do Estado do Rio de Janeiro (FJERJ: www.judorio.org.br). Também foram
adicionados documentos da Liga Paulista de Judô (LPJ:
www.ligadejudopaulista.com.br) como contraposto das entidades mais antigas de
controle do desporto, pois a liga inicia suas atividades em 2000 (Morandini
Neto, 2004).
Convém também destacar no desenvolvimento deste processo a vivência do primeiro
autor que, além da pesquisa acadêmica, também porta a graduação de faixa preta
de judô, sandan (terceiro grau). Desse modo, retomando o objetivo elucidado,
qual seja, de apresentar a constituição das artes marciais no Brasil, em
particular o judô, considerando a formação e capacitação do técnico desportivo
para a modalidade, os próximos tópicos tratarão desses resultados, assim como
da sua discussão.
DESENVOLVIMENTO
A formação dentro do judô
O primeiro esforço na busca de documentos ateve-se a investigar a formação do
técnico desportivo de judô e suas variações, a saber: instrutor, auxiliar
técnico, monitor, treinador. Porém, não foi possível encontrar quaisquer
informações na literatura a respeito deste tema.
Como era esperado, os elementos encontrados estavam relacionados à formação do
faixa preta, sendo que o credenciamento como técnico ' posterior a esta
formação 'existe, porém não são explicitados os critérios (se há) de formação
deste, parâmetros que serão retomados mais adiante neste trabalho. Não foram
encontrados também os currículos e ementas dos cursos relacionados à formação,
e tampouco a temática a ser desenvolvida. Convém lembrar que, para o judô,
ainda há a confusão entre treinador/técnico e o professor; da mesma forma
sessões de treinamento são confundidas com aulas.
Os primeiros documentos que denotam o vínculo da faixa preta como pré-requisito
para a formação de técnico encontrou-se adjuntos às resoluções de registro de
academia e renovação do registro, além das resoluções e modelos de ofício para
solicitar o Credenciamento de Técnicos da FPJ.
O documento intitulado: "Instruções para pedido de filiação nova na F.P.J."
para Entidades Esportivas no ano 2000, coloca as graduações exigidas do
professor para a filiação, como segue (FPJ, 2000a): "Requerimento e
declaração do professor responsável -13º - Modelo IV: Se o professor
responsável é Faixa Preta 1ºou 2º DAN; 14º - Modelo V: Se o professor
responsável é Faixa Preta 3º DAN ou acima (...)". A diferença entre os modelos
de requerimento é apenas relacionada à faixa em si, sendo que no primeiro caso
o professor responsável é provisório. Em 2006, novo documento de Instrução
para renovação de registro é elaborado, porém mantiveram-se os mesmo
requisitos, e apenas o professor passaria a ser denominado técnico.
Desta forma, em um primeiro momento, a abertura do vínculo com a FPJ estava
ligada a ser faixa preta, e posteriormente (em 2006) a ser técnico de judô.
Então restaria entender qual é a diferença entre os dois períodos, ou melhor,
como se daria a formação técnica para o judô de competição. Os documentos de
2006 se restringiam apenas ao pedido de autorização para exercer a função de
técnico, constando de um termo de compromisso assinado. Já em 2007 há mudanças
que possibilitam verificar as diferenças que eram impostas até 2006. O
documento Credenciamento de técnicos de 2007, registrava o motivo da atitude
de credenciar os faixas pretas de judô: "A Federação Paulista de Judô, buscando
um melhor aperfeiçoamento e direcionamento na conduta dos técnicos em sua área
de atuação dentro da área de instrução técnica, estará fazendo um
credenciamento de todos os técnicos e auxiliares técnicos para o ano de 2007,
que passarão por algumas palestras" (FPJ, 2007a).
Verifica-se, então, que o principal objetivo, senão o único era o de adequar o
faixa preta para uma conduta correta na área de instrução técnica, o espaço
reservado aos técnicos durante as lutas. Percebe-se, portanto, que realmente
existe uma adequação às novas normas, sendo que não há uma formação técnica
real ou diferenciada. O texto continua trazendo estas mesmas informações: "Para
que o técnico ou seu auxiliar técnico acompanhe seus atletas nas áreas
instrução técnica em competições promovidas pela FPJ em 2007, será obrigatório
o referido credenciamento, que lhe dará uma carteira específica de técnico ou
auxiliar técnico (...); para tanto, o técnico deverá preencher o formulário
(Credenciamento de Técnico) e comparecer juntamente com seus auxiliares
técnicos indicados (que poderão ser mais 3 faixas Pretas), no
Credenciamento..." (FPJ, 2007a).
Mantendo, ainda, a mesma linha de análise, o documento considera haver
palestras durante o dia de credenciamento, de forma que é divulgada sua
programação pelo mesmo documento, a saber: "9:30 às 10:00 ' Palestra de
Arbitragem; 10:00 às 10:30 ' Palestra oficiais de Mesa; 10:30 às 11:00 -
Palestra Conduta dos Técnicos na área de instrução técnica" (FPJ, 2007b).
Analisando a carga horária e os temas desenvolvidos observaram-se também que as
palestras não discutem a formação técnica em si, mas apenas as relações de
conduta e arbitragem que, apesar de fazerem parte do conhecimento técnico,
espera-se que a formação técnica deva contemplar o conhecimento mais
diversificado sobre questões da Metodologia do Treinamento Desportivo e áreas
correlatas. Neste caminho, entende-se a relação com os métodos artesanais
prevista no estudo sobre as escolas de ofício, onde o elemento saber fazer se
destaca dentre suas atividades (Rugiu, 1998). Portanto, para estudar a
estrutura de formação para o Judô ' em São Paulo pelo menos ' seria importante
o estudo sobre a aquisição da faixa preta.
Aprofundando esta questão, quando é estudado o estatuto da FJERJ, registra-se
que até mesmo as questões administrativas são de responsabilidade exclusiva dos
faixas pretas, conforme o Artigo 16 que insere a norma: "Art. 16 - São
impedidos para o desempenho de quaisquer funções ou cargos na FJERJ aqueles: I
- judocas registrados na FJERJ de graduação inferior a faixa preta e, ainda,
judocas de graduação faixa preta registrados na FJERJ e na CBJ, com menos de
três anos" (FJERJ, 2004).
Para a vinculação de entidades desportivas junto a FJERJ, o processo é
semelhante ao da FPJ, diferindo apenas em relação às determinações de
exigência, que somado ao faixa preta ' que no caso do Rio de Janeiro só é
aceito acima de terceiro dan ', deverá haver o nome do professor de Educação
Física ou prático de judô, em situação regular com o Conselho Regional de
Educação Física (CREF), com a FJERJ e com CBJ (FJERJ, 2007, p. 2).
O texto define a existência nominal de um professor de Educação Física (o
Bacharel ou Graduado não poderia ser necessário também?), mas não define sua
competência ou função no processo, nem quem seria o técnico, ou mesmo se ele
deverá ou não estar presente nas sessões de treinamento. Interpreta-se,
portanto, que a questão é apenas legal, da mesma forma que o impedimento por
força da Lei 9.696/98 (Congresso Federal do Brasil, 1998) da atuação como
técnico, em alguns estados do país, caso não haja filiação aos Conselhos de
Educação Física. A CBJ também insere que: "Art. 19 ' Para ter direito de
participação nas Competições promovidas pela Confederação Brasileira de Judô,
as Federações Filiadas deverão, além de atender às exigências Estatutárias da
Entidade Dirigente do Judô Nacional, satisfazer as seguintes condições: (...)
VII ' Os técnicos das equipes deverão apresentar obrigatoriamente a Carteira de
Registro no Conselho Regional de Educação Física - CREF" (CBJ, 2005, pp. 3-4).
Em ambos os documentos encontrados e analisados, não há referências da
existência de formação específica para técnico de judô, e a indicação da
necessidade de formação em Educação Física, também não é específica, além de
legal. Na FPJ a formação em Educação Física dá ao faixa preta menos experiente
(1º e 2º Dan) o direito de ser técnico, porém com o título de técnico em
caráter provisório.
Arremetendo-se, então, às idéias de Bourdieu (1989) percebe-se que o judô
possui um espaço social bem definido que procura um isolamento de valores
através de formação de faixa preta que será feita durante anos de convívio com
a prática e que, esta formação deverá ser condição sine qua non para o
desenvolvimento dentro do desporto, fato referendado nos documentos analisados
onde há casos que até as funções administrativas deverão ser apenas exercidas
por faixas pretas. A faixa preta se torna, portanto, o grande capital
específico para o judô que, pelos documentos, é o que qualifica o praticante
dentro do espaço social. Outra informação que pode ser introduzida está
relacionada ao tempo de permanência no judô que identificaria a formação de um
habitus duradouro, isto é, para se formar faixa preta, o tempo de duração e
submissão ao espaço social determinaria um comportamento padronizado em relação
aos diversos setores que compõe o judô. Porém, o continuum da discussão nos
arremete ainda a questão da formação do técnico e suas vertentes, que neste
momento evidenciou-se a necessidade de estudar realmente a evolução de faixas
até a faixa preta.
Em relação à regulamentação da profissão de Educação Física, num primeiro
momento, pelo menos às vistas da FPJ, provocou várias mudanças como no
Documento sobre Credenciamento Técnico: Regulamento, de 2000 (Carvalho Filho,
2000), em que aparentemente não se perpetuaram, tendo em vista os outros
documentos já mencionados de 2004 e 2007. Tal documento relata a necessidade de
adequação à Lei 9.696/98 (Congresso Federal do Brasil, 1998), mas não dá conta
das necessidades de transformação contemporâneas do desporto e a adaptação às
novas exigências para um trabalho mais contextualizado em relação à tecnologia
de treino. Nestes aspectos o documento enfatiza: "Senhores Professores de Judô,
Para atender o disposto no Decreto-lei Federal nº 9.696, de 01 de setembro de
1998, sobre a regulamentação da Profissão de Educação Física e criação do
Conselho Federal e Conselhos Regionais, após reunião com dirigentes desses
órgãos e de outras Federações, especialmente de Artes Marciais, a Federação
Paulista de Judô encaminhou solicitação de enquadramento dos professores de
Judô, para registro nos respectivos órgãos, em duas condições, aproveitando os
trabalhos que vem sendo realizados desde 1995, a saber: imediata e transitória"
(Carvalho Filho, 2000). E continua: "Diante do compromisso que a Federação
Paulista de Judô estará assumindo com o Conselho Federal de Educação Física
para poder encaminhar, rapidamente, o registro provisório de todos os
Professores de Judô, independente de serem formados ou não em Educação Física,
com qualificação, que atuam no Estado de São Paulo, será oferecido o Curso de
Credenciamento Técnico (...)" (Carvalho Filho, 2000).
Torna-se interessante observar a adequação aos conselhos de Educação Física,
não obstante às críticas surgidas após a implantação da Lei que provocaram
modificações, que apesar de pontuais, desestabilizaram a formação artesanal do
judô. Neste primeiro momento ' que aparentemente não se perpetuou ' foi
evidenciado o aprimoramento através de cursos e estágios para o prático de
judô, o que consequentemente colocou o profissional de Educação Física em
posição de privilégio.
Os módulos, apesar de serem curtos e superficiais, pelo menos trouxeram à
formação de técnico de judô uma possibilidade de contato com outras formas de
conhecimento além do prático, se bem que, a condição sine qua non para poder
ser credenciado como técnico ainda é o 3º Dan da faixa preta: "Os interessados
deverão, além de atender o disposto no Decreto-lei nº 9.696/98, possuir a
graduação mínima de faixa-preta 3º dan, outorgada pela Confederação Brasileira
de Judô ou por ela reconhecida, para serem aceitos como candidatos ao
Credenciamento Técnico da Federação Paulista de Judô. No ato da inscrição
deverão apresentar o requerimento de inscrição, curriculum vitae documentado,
recolher a taxa correspondente e apresentar outros documentos relativos as
atividades desenvolvidas no Judô" (FPJ, 2000b).
Por fim, os módulos contidos no texto se diferenciavam do que comumente era
exigido para a formação de faixa preta em alguns aspectos, principalmente na
questão da avaliação e estágio, sendo que alguns cursos foram diferentes, a
saber, com a seguinte programação: "Artigo 2º - Frequência e Aproveitamento em
Cursos (...): 1 - Nague-no-kata; 2 - Katame-no-kata; 3 - Fundamentos Técnicos;
4 - Historia, Filosofia e Ética no Judô; 5 - Arbitragem de Judô; 6 - Noções de
Pedagogia para a Prática de Judô; 7 - Educação Física Aplicada na Prática de
Judô; 8 - Organização Esportiva no Judô; 9 - Treinamento Esportivo Aplicado no
Judô; 10 - Socorros de Urgência aplicados no Judô. Artigo 3º - Exame de
Conhecimentos (...): a) Exame teórico - questões versando sobre os itens 4, 5,
6, 7, 8, 9 e 10 do Artigo 2º; b) Exame prático - demonstrações na prática sobre
os itens 1, 2 e 3 do Artigo 2º. Artigo 4º - Estágio Prático - (...) Estágio
prático específico sobre ensino e treinamento de Judô de, no mínimo, 180 horas
em instituições recomendadas pela F.P.J. (FPJ, 2000b).
Como visto, há uma exigência diferenciada da que normalmente era proposta,
porém não houve relação direta, com entendimento global da necessidade de
modificação em relação às Ciências do Desporto. O que há é uma adequação legal
às normas impostas pela legislação que, após o relaxamento das imposições
iniciais, aparentemente se desestabilizou, conforme visto nos documentos de
credenciamento técnico, que salvo melhor juízo, indicam apenas as exigências em
relação ao participar como técnico em torneios oficiais. Com isto, percebe-se o
retorno da faixa preta enquanto formação para o judô, continuando o sistema de
ofício.
Neste mesmo período, e ainda enfocando as relações entre o desenvolvimento de
cursos direcionados às práticas de adequação aos conselhos de Educação Física,
surgiu o Curso para os Profissionais Provisionados em judô que ao contrário
dos anteriores não era de credenciamento técnico, mas sim para provisionados em
relação aos conselhos, conforme é relatado no documento:
Com a finalidade de atender as determinações do CONFEF, através das Resoluções
nº 013/99 e 045/02, para o enquadramento dos profissionais não graduados no que
dispõe o Decreto-Lei nº 9.696/98, que regulamenta as atividades próprias dos
profissionais de Educação Física, a Federação Paulista de Judô propõe a
realização de cursos de atualização e/ou aperfeiçoamento aos interessados na
modalidade.
De acordo com a orientação do CREF4/SP, poderão ser validados os cursos
realizados após 01 de setembro de 1998, portanto, aqueles que tenham
frequentado os cursos que serão exigidos nesse processo de regulamentação da
profissão poderão ter sua carga horária complementada(FPJ, 2000c).
Esta característica transitória é interessante, pois um fator externo, como a
Regulamentação da Educação Física, constituiu a força transformadora da
condição artesanal em um primeiro momento, apresentando-se para o judô como
reorganizadora de sua estrutura, pelo menos no estado de São Paulo. Continuando
o estudo deste mesmo documento, ele irá apresentar o rol dos cursos oferecidos
para os praticantes que buscam a tornar-se provisionados e assim estar de
acordo com o previsto em lei. Os temas abordados foram: "Rol dos cursos - 1 -
História e filosofia do Judô - 04 horas; 2 - Fundamentos técnicos de nague-waza
- 20 horas; 3 - Fundamentos técnicos de katame-waza - 16 horas; 4 -
Aperfeiçoamento em nague-no-kata - 20 horas; 5 - Aperfeiçoamento em katame-no-
kata - 12 horas; 6 - Noções de pedagogia e educação física infantil na prática
do Judô - 12 horas; 7 - Noções de socorros de urgência nas atividades de judô -
04 horas; 8 - Treinamento esportivo aplicado ao judô - 08 horas; 9 -
Organização esportiva do judô e ética profissional - 04 horas" (FPJ, 2000c).
Nesta divisão, há ainda o predomínio de atividades relacionadas ao saber
fazer, que interagem com as práticas de movimentos de lutas e conceitos orais
do judô, e também apresentam uma carga horária menor de elementos teóricos que,
apesar de serem restritos para grande parte dos provisionados ' senão a
totalidade ' foram informações que acessaram pela primeira vez em sua formação
de judocas. Esta superficialidade temática poderia ser um indício da
transformação da escola de ofício em direção ao modelo de formação acadêmica.
Porém, esta afirmação é impossível de ser verificada devido a este ser o
momento estudado. Só com o passar de anos se poderá responder a esta questão.
Para o momento pode-se afirmar que:
A Regulamentação da profissão Educação Física (Lei 9.696/98) desestabilizou,
em um primeiro momento, a formação tradicional de faixa preta.
Normas internacionais do judô, expressas pelas regras, motivaram adequações
para a terminologia de professor para técnico, porém a formação deste técnico
ainda é restrita ao termo, sem a devida adequação acadêmico-científica.
A única relação possível de ser observada da demanda de recursos humanos para
o judô ' técnicos, dirigentes, preparadores físicos, monitores e treinadores,
entre outros ' dá-se pela formação de faixa preta e de suas graduações, onde
é percebido que o acúmulo de dans (graus) corresponderá ao acúmulo do capital
específico exposto por Bourdieu. Portanto, estudar a relação de formação para o
judô, neste momento, não é outra coisa senão estudar o processo de formação de
faixa preta. Os doc
Os documentos e a formação do faixa preta de judô
Os documentos que fazem referência à formação de faixas pretas da instituição
CBJ não se encontram disponíveis, e também seus requisitos e critérios. Porém,
os documentos da FPJ sobre formação e da FJERJ apresentam a justificativa para
o fato de, segundo a FPJ: "A promoção de grau para faixa preta de judô é
competência exclusiva da Confederação Brasileira de Judô que, por delegação
específica, autoriza a Federação Paulista de Judô a realizar exames de
graduação até o 5º (quinto) Dan, aos candidatos registados por entidades
filiadas em sua jurisdição" (FPJ, 2006).
Já a FJERJ é mais específica, definindo em seu Regulamento para promoção de
dan que: "Art. 2 ' Os exames à shodan, nidan, sandan e yondan a partir de 1993
estão sendo, somente, realizados pelas Federações, de acordo com o ato 06/93 da
Confederação Brasileira de Judô" (FJERJ, 2007, p. 18).
Entende-se, então, que há uma regionalização em relação à promoção de faixa
preta e que, apesar de serem efetuadas as promoções pelos estados, há o
controle central da CBJ, que outorga e valida os exames. Há, ainda, estudando o
documento da FJERJ (2006), uma interferência internacional da Federação
Internacional de Judô (FIJ) no processo. O documento afirma: "Seção II; Art.
38, XX - outorgar graduação de faixas, instituindo e regulando a matéria,
respeitadas as normatizações emanadas da FIJ e da CBJ" (FJERJ, 2007, p. 20).
Conforme ainda este documento (FJERJ, 2007), o praticante deverá passar no
mínimo cinco anos e seis meses de treinamento para chegar à faixa preta, caso
tenha aproveitamento total em todas as fases e os exames forem coincidentes com
todos os períodos de carência. Então a aquisição de conhecimentos da faixa
branca até a faixa marrom é exclusivamente prática, ou seja, de habilidades e
normas de etiquetas pertinentes ao judô.
Tradicionalmente, no Japão, as saudações são feitas sem nenhum contato físico.
Portanto, apertos de mão, abraços ou batidinhas nas costas não são necessários
dentro do Dojo. Por causa dos costumes ocidentais, porém, é comum vermos a
saudação (Ritsu-Rei) muitas vezes ser seguida de um aperto de mão. Quando
estiver cumprimentando um Sensei, espere que qualquer atitude mais calorosa
parta dele, não tomando nunca a iniciativa (Morandini Neto, 2004, p. 10).
Estas normas técnicas são aprendidas pelos judocas de forma prática, isto é,
através da vivência e convivência duradoura com o treinamento de judô, e está
apontado claramente como um dos princípios básicos das Escolas de Ofício, que
durante a discussão, esteve sempre adjacente ao exposto: o aprender fazendo, o
saberfazer esteve sempre relacionado à formação do judoca. Isto fica claro pela
LPJ quando expõe: "A ética e a etiqueta dentro do Judô estão diretamente
associadas à sua expressão máxima: a educação, a prosperidade e o respeito
mútuo. Como instrumento de educação, o Judô é formado por um conjunto de
atitudes e posturas, que tem sua prática associada tanto à técnica quanto à
filosofia. Do respeito a esse conjunto de atitudes e posturas é que depende a
sobrevivência da essência e do verdadeiro espírito do Judô. Normalmente o
judoca aprende a se conduzir dentro do Dojo de forma intuitiva, vendo e
repetindo posturas e atitudes. A Etiqueta vem sendo transmitida, muitas vezes
informalmente, de geração para geração, dentro dos princípios que deram origem
ao Judô" (Morandini Neto, 2004, p. 10).
Vale ainda salientar que a LPJ é a entidade mais nova das analisadas, tendo seu
início no ano de 2000 e que, devido a isto deveria ser a mais diferenciada e
inovadora, porém não foram observadas mutações, mas a manutenção ' até certo
ponto mais severa ' do processo artesanal.
Com o entendimento do caminho ao faixa preta apresentado, cabe agora a
verificação dos exames e quesitos para chegar aos graus de formação do desporto
estudado.
Os documentos da FJERJ descrevem o tempo de formação em cada etapa, conforme
apresentado anteriormente, e também os quesitos administrativos para participar
no exame, como a necessidade de filiação nas entidades ' FJERJ e CBJ ' e os
critérios para participar do exame: "Art. 4° - Os candidatos à shodan, nidan,
sandan e yondan deverão, no ano em que irão prestar exame: a) se inscrever com
a autorização do professor de sua agremiação, que deverá estar com a sua
situação regularizada na FJERJ e CBJ; b) ter carência para promoção no ato da
inscrição; c) frequentar integralmente todos os módulos da Federação de Judô do
Estado do Rio de Janeiro, podendo ter apenas uma falta" (FJERJ, 2007, p. 18).
Neste momento aparece claramente a questão do professor, onde a autorização
do mesmo é condição para prestar o exame. Isto denota outra característica da
escola de ofício, a presença do mestre no processo. Impreterivelmente, após
aprender fazendo, a figura do mestre estará presente nas relações entre o
aluno e a entidade administrativa, sendo que seu aval será o condicionante para
a ascensão do praticante no espaço social do judô. Esta necessidade é tão
evidente que o mesmo documento considera que, caso não houver um professor
mais graduado que o candidato na associação que pertence, outro mestre deverá
ser responsável pela sua indicação: "Parág. 2° - O candidato à promoção de Dan,
filiado à agremiação federada à FJERJ, que não tenha no professor responsável a
graduação mínima exigida, ou seja, a graduação superior à do candidato para
regularizar a sua inscrição no processo de exame para promoção, poderá
solicitar a outro professor, de outra agremiação federada à FJERJ e com
graduação reconhecida por esta e pela CBJ, que assine os respectivos
formulários e compareça às reuniões programadas, dessa forma atendendo a essa
exigência" (FJERJ, 2007, p. 18).
Outro ponto que encerra as informações pertinentes a este documento é a
participação voluntária, no sentido da remuneração, e obrigatória enquanto
participação ' para o exame de faixas ' de atividades que contribuam com a
FJERJ, a saber, trabalhar como oficial de mesa ou árbitros de competições
oficiais da federação. Observam-se duas relações com o referencial teórico de
Bourdieu (1989), que inicialmente é o contato mais aprofundado em relação ao
espaço social, ou seja, a participação direta em relação à parte administrativa
dos eventos de judô que, mesmo superficialmente, diferencia-se das faixas
anteriores. Outra relação percebida é a do acúmulo progressivo de capital
específico dentro do desporto, onde passa-se primeiramente na função de
mesário, e após isso na função de árbitro, formando um novo dimensionamento de
fatores hierárquicos dentro da modalidade, que além das faixas, exige a
progressão de atividades de arbitragem ' diferentes de outros desportos, onde a
arbitragem é opção pessoal; neste caso ser árbitro é obrigação - desde a função
de oficial de mesa até as graduações dentro da própria arbitragem, a saber:
"Art. 12 - O Quadro de Árbitros será formado por Árbitros de acordo com a
seguinte classificação da Federação Internacional de Judô: Estadual - Nacional
C - Nacional B - Nacional A - Aspirante A Fij C - Internacional C -
Internacional B e Interna-cional A" (FJERJ, 2007, p. 24).
Os módulos e os cursos oferecidos pela FJERJ não são discriminados. Apenas há
menção de estágios técnicos apresentados, por exemplo, nos anexos do Boletim
Oficial 010/07 de 22 de maio de 2007 (Drigo, 2007) que indica a execução destes
cursos, porém não é relatado o seu conteúdo.
Por outro lado, a formação de faixas pretas da FPJ é mais explicada em seus
documentos, constando de informações semelhantes ao da FJERJ quanto às
carências e pré-requisitos ' que seguem as determinações da CBJ ' e também,
aumentam os conteúdos informativos para a análise. Infelizmente a LPJ em sua
apostila de graduação faz menção apenas às terminologias, normas e imposições
de comportamentos, alguns até deselegantes para a modernidade, porém que
focalizam muito a formação artesanal e até mesmo o tipo de estrutura de poder
existente nas relações, onde fica difícil a identificação como sessão de treino
ou uma atividade de cunho diferenciado do desporto. Isto se torna estranho,
sobretudo para uma entidade que começou a sua atividade há apenas oito anos.
Com relação a isto o que pode ser refletido é a característica pós-moderna da
sociedade atual, pois conforme se apresentam os elementos da LPJ, percebemos
que há um direcionamento para uma prática de desenvolvimento religioso ou
cultural em detrimento de um desenvolvimento desportivo. Algumas normas são
claras, foram selecionadas, pois chamam atenção quanto às atitudes: "- Nunca se
atrase para o início de um treino; - Não converse ou faça brincadeiras; -
Treine com o máximo esforço e dedicação; - Quando estiver em pé, ouvindo alguma
explicação ou observando o treino, a postura correta é Shizen-Hontai, ou seja,
com o corpo ereto e as mãos soltas ao lado do corpo. Cruzar os braços, apoiar
as mãos na cintura ou cruzá-las atrás das costas denota falta de interesse ou
respeito; - Exceto por estar extremamente cansado ou machucado, nunca recuse
treinar com um Sensei; - Trate os instrutores, superiores e colegas com
respeito e cortesia" (Morandini Neto, 2004).
As questões apontadas dão ênfase aos comportamentos e atitudes dentro de uma
sessão de treino de judô que, sob olhar pedagógico sobre o desporto, não faltam
indagações sobre as atitudes, como: por que de não conversar ou fazer
brincadeiras? Estão se relacionando a crianças, jovens ou adultos? As
estratégias de utilização de jogos ou até mesmo lúdicas deverão ser
desconsideradas para o treino de judô? Por que muitas vezes as posturas normais
são consideradas erradas? Como são feitas as avaliações de desgaste físico ou
stress físico para as exigências de continuar treinando mesmo cansado? Qual o
papel do Sensei, treinador ou líder? Porque o termo superiores? As prováveis
respostas destas perguntas estão relacionadas com o domínio esperado pela ação
da formação artesanal e a estruturação do hábito de treino durante a
convivência com a modalidade. Os tipos de relações sociais encontram-se de
acordo com o esperado. Interessante também é o apontamento do atraso ao início
do treinamento que, conforme é apresentado pelas normas: Caso o Sensei
(responsável pelo treino ou de alta graduação) adentre o Dojo após o início do
treino, as atividades deverão ser interrompidas pelo mais graduado (Mate). Será
dado o comando Kiotsuke (todos se voltarão para o Sensei). Após o comando Rei'
todos saudarão o Sensei em Ritsu-Rei (Morandini Neto, 2004, p. 11).
Está clara então a questão da relação com o mestre artesão, onde ele é a
fonte do saber, e a ele deve-se o respeito, já que mesmo se atrasando, os
discípulos devem interromper sua sessão de treino para fazer a reverência.
Continuando com as informações sobre a relação entre mestre e discípulo: "Ao
treinar com os Senseis, faça isso da maneira mais solta possível. Deixe que ele
faça sua pegada (Kumi-Kata), demonstrando respeito e consideração. Quando
estiver descansando ou observando o treino, jamais dê as costas para Shomen"
(Morandini Neto, 2004).
O Shomen estaria relacionado ao altar à frente do local de prática destinado ao
criador do judô ou mestre já idoso ou mesmo falecido que continua responsável
pelo local de prática.
As informações da LPJ auxiliam o entendimento da estrutura de ofício
relacionado às práticas de um judô mais tradicional. Porém, enquanto desporto
de competição, a FPJ deve apresentar diferenças, pois como participante da CBJ,
responsável pelo judô competitivo brasileiro, pelo menos as normas
internacionais são aceitas ' como as diferentes cores de kimonos ' e a
estrutura competitiva deve ser mais fundamentada. Em relação à estrutura de
formação de faixa pretas da FPJ, como dito anteriormente, foram analisados os
regulamentos da entidade dos anos de 2000, 2004 e 2007.
Os documentos são muito semelhantes e apresentam diferenças mínimas,
principalmente as dos anos de 2004 e 2007 que mantêm a mesma estrutura e
conteúdo. Como é de praxe, a norma para inscrição são as mesmas para as
carências e indica, como na FJERJ, a mesma necessidade da permissão do
professor, porém há ainda a necessidade do aval de um mestre intermediário '
delegado regional ' para dar entrada na inscrição do exame: "Artigo 4º -
Parágrafo único: A ficha de inscrição deverá conter a declaração do Professor
Responsável o qual dará a sua autorização, atestando que o candidato possui
idoneidade moral e se responsabilizando pelo mesmo, e bem como, receber parecer
do Delegado Regional ou de um membro da Delegacia, especialmente designado para
essa finalidade" (FPJ, 2004, 2006, 2007a).
A FPJ é a primeira, pelos documentos analisados que define claramente o
conteúdo exigido para o exame de formação de faixa preta, definindo este como:
"Artigo 7º - Para candidatos do 1º ao 5º DAN, o Exame de Graduação deverá
abranger as seguintes áreas: 1) Conhecimento teórico - História, filosofia e
ética do Judô, princípios de ensino e pedagogia do Judô, organização esportiva
do Judô, noções de socorros de urgência, arbitragem de competições de Judô; 2)
Conhecimento prático - demonstrar habilidades técnicas, conforme consta do
Artigo 10º do Regulamento de Promoção e Controle de Faixas da CBJ. Parágrafo
único: Os candidatos do 3º ao 5º DAN deverão ainda, demonstrar experiência no
ensino dos fundamentos básicos do Judô destinado aos iniciantes (até 1º Kyu)
(FPJ, 2004, 2006, 2007a).
Munido desta informação é confirmada a relação predominante do domínio prático
na formação de faixa preta e, ao que ser refere ao domínio teórico, está
centrado em elementos formativos direcionados a uma formação específica,
podendo considerar o único elemento de formação geral o curso de primeiros
socorros. Pela observação do rol de elementos que são cobrados para o exame,
pouca ou nenhuma relação é feita com a Metodologia de Treino ou Ciências do
Desporto. A questão da prática da academia, do cotidiano no tatame que moldam o
habitus do judô imperam em relação ao exame, tendo até mesmo dominância quando
se trata do conhecimento teórico, pois estamos dentro daquilo que se denomina
campo e illusio (Bourdieu, 1989). Isto é refletido por toda a preparação e
cursos válidos serem de caráter exclusivo da FPJ: "Artigo 8º - Compete à
Federação Paulista de Judô ministrar cursos e oferecer estágios nas áreas dos
conhecimentos teórico e prático, dispostos no Artigo 7º, visando a preparação
dos candidatos" (FPJ, 2004, 2006, 2007a).
Outra informação semelhante ao já relatado na FJERJ ocorre referente às
atividades de mesários ou arbitragem, que na FPJ são denominadas como
atividades gerais, e que mantém a mesma relação da inserção obrigatória e
progressiva no espaço social do judô, que se apresenta como avaliação anterior
à inscrição para o exame: "Artigo 14: A avaliação das atividades gerais refere-
se à iniciativa e desempenho do candidato em atuações de interesse ao
desenvolvimento do Judô, a nível regional, estadual, e nacional. Essa avaliação
será feita através da atribuição de pontos (...)" (FPJ, 2004, 2006, 2007a).
No geral há nas estruturas de ofício (Corporações de Ofício) o fato de que não
será o próprio mestre que avalia a capacidade do artesão ou judoca, mas sim, é
formada, na capital, uma banca examinadora com mestres externos ao aprendizado.
"Artigo 9º - O exame será realizado através de provas escritas e demonstrações
práticas, de acordo com a graduação pretendida, sob a responsabilidade de uma
Comissão Examinadora, especialmente nomeada para essa finalidade; (...) com
apresentação pública, submetendo-se o candidato à avaliação de uma Banca
Examinadora composta por Professores, devidamente qualificados e designados
para essa finalidade (FPJ, 2004, 2006, 2007a).
Finalmente, ressaltando as discussões anteriores da relação entre os Conselhos
de Educação Física e o judô, selecionando os cursos oferecidos nos documentos
da FPJ indicam os seguintes tema em 2000: a) arbitragem e/ou oficiais de mesa;
b) noções de primeiros socorros; c) organização esportiva do judô; d) história,
filosofia e ética do judô; e) noções de pedagogia aplicada ao judô; f)
fundamentos e técnicas em geral; g) kata; h) educação física infantil no judô;
i) treinamento esportivo aplicado ao judô (FPJ, 2006).
Em 2004, os cursos eram: a) oficiais de mesa; b) arbitragem; c) história e
filosofia do judô; d) organização esportiva do judô e noções de primeiros
socorros; e) noções de pedagogia e educação física infantil aplicadas ao judô;
f) fundamentos de técnicas em geral (FPJ, 2004). Em 2007 os cursos foram: a)
oficiais de mesa; b) arbitragem; c) história e filosofia do judô; d)
organização esportiva do judô e noções de primeiros socorros; e) noções de
pedagogia e educação física infantil aplicadas ao judô; f) fundamentos de
técnicas em geral (FPJ, 2007b).
Como observado anteriormente, após o momento inicial de adequação legal, as
mudanças pontuais principalmente em relação à formação do técnico desportivo,
acabou regredindo. A retirada do curso de 2000, treinamento desportivo
aplicado ao judô, e a aglutinação dos cursos de pedagogia e Educação Física
infantil aplicada ao judô, são representantes do possível retrocesso.
CONCLUSÕES
Neste estudo enfatizou-se a questão das semelhanças entre o espaço social do
judô e as escolas de ofício, onde até o momento existiram apontamentos sobre
capital específico, mas foi enfatizando o artesanato. Com isto percebeu-se uma
relação clara nos elementos:
Os aprendizes judocas aprendem essencialmente fazendo;
Apresentam entidades semelhantes às Corporações de Ofício (CBJ, FPJ, FJERJ,
LPJ);
Há um poder máximo centralizado, que aparece adjacente, mas dita as normas do
ofício ' conforme o Vaticano foi para as estruturas medievais de Ofício ' neste
caso é a FIJ;
A figura do mestre é claramente responsável por toda formação do aprendiz,
tanto formal como legalmente.
Existe uma estrutura semelhante à religiosidade que há nas Corporações de
Ofício, só que é representada, neste caso, pela religiosidade ou filosofia
oriental;
E, por fim, a apresentação da obra-prima ' os movimentos técnicos ' a uma
banca examinadora formada por outros mestres que avaliarão o aprendiz na
capital do estado em evento específico.
Concluiu-se, portanto, que no Brasil, em relação à estrutura acadêmica da
Educação Física, ainda há uma lacuna de legitimidade e interpretação das
necessidades da prática no que diz respeito à formação da competência do
técnico ou do mestre de judô, tornando-se uma questão mal resolvida que até o
momento não foi abordada de forma clara, nem no âmbito das federações e
confederações, ou resolvida pelo campo acadêmico, não havendo comunicação entre
estas instâncias. Desta forma, a perspectiva de trabalho com judô fica, por
ora, restrita apenas à prática do artesão, à experiência e ao bom senso.