Dinâmica subnacional e lógica centro-periferia: os impactos do Mercosul na
economia política dos estados de Pernambuco, Bahia, São Paulo e Rio Grande do
Sul
En vérité l'Amérique latine n'est une, avec une netteté aveuglante, que vu du
dehors...
Elle est une par contraste, par opposition, prise dans sa masse continentale,
mais à condition d'opposer celle-ci aux autres cotinents,
sans que cela l'empêche jamais, d'être profondément divisée.
(Fernand Braudel)1
Introdução
As articulações entre atores políticos e agentes econômicos se dão, no mais das
vezes, em função de seus respectivos interesses, mas também em conseqüência de
arranjos que se constituem em relação a hierarquias de poder2. O lugar do
Nordeste na Federação Brasileira repercute direta ou indiretamente em sua
capacidade de influenciar o processo integracionista do Mercado Comum do Sul
(Mercosul). A definição da matriz de desenvolvimento nacional estando calcada
precipuamente em função da centralidade político-econômica do eixo sudeste-sul
marginaliza a ação dos entes federativos sententrionais. Neste texto se procura
associar os estudos teóricos relacionados à temática centro-periferia,multi-
level governance, federalismo cooperativo e positive and negative integration à
realidade empírica das unidades subnacionais no seio do Mercosul. São ainda
efetuadas pesquisas de campo junto a atores políticos e representações de
agentes econômicos a fim de privilegiar fontes primárias de informação e desta
forma analisar comparativamente os impactos do Mercado Comum do Sul na economia
política dos estados de Pernambuco, Bahia, São Paulo e Rio Grande do Sul, assim
como em suas respectivas capitais.
A Cepal e a dialética centro-perifería
Qualquer trabalho de investigação sobre a gênese da economia política latino-
americana ou brasileira deve, forçosamente, passar pelo pensamento da Comissão
Econômica para a América Latina (Cepal). Afinal, esta se constituiu o marco
teórico decisivo para a gestão das principais teses sobre desenvolvimento ou
subdesenvolvimento periférico que animaram a discussão teórica latino-americana
do pós-guerra3.
A Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), órgão vinculado à
Organização das Nações Unidas (ONU), manifesta-se pela primeira vez com a
publicação, em 1950, de El desarrollo Económico de América Latina y Algunos de
sus principales problemas, documento de autoria do economista argentino Raúl
Prebisch4. E sob a forte influência das idéias desse pensador que a Cepal visa
a explicar o atraso e a subordinação da América Latina em relação aos países
que compõem os centros desenvolvidos, e também a encontrar formas de superar
tais problemas.
As idéias de Prebisch e da equipe da Cepal surgem da observação de que o
crescimento econômico nos países industrializados não conduz necessariamente ao
crescimento nos países mais pobres. Na verdade, seus estudos sugerem que a
atividade econômica nos países mais ricos conduz aos sérios problemas
econômicos nos países mais pobres. Tal possibilidade não é predita pela teoria
neoclássica, que tem suposto que o crescimento econômico é benéfico a todos,
mesmo que os ganhos não sejam sempre igualmente compartilhados. A emersão de
uma alternativa para explicar o estado retardatário e dependente em que se
encontram os países da América Latina se torna um marco teórico no pensamento
econômico. Como elucida Emir Sader:
O pensamento social latino-americano é responsável por alguns dos
maiores avanços teóricos da segunda metade do século XX. A crítica da
teoria do comércio internacional - feita pela Cepal e, em particular,
por seu fundador, Raul Prebisch - desmascarou os argumentos que
pretendiam naturalizar, legitimar e perpetuar a divisão entre um
centro capitalista industrializado e uma periferia primário-
exportadora. A denúncia do intercâmbio desigual esteve na base dos
processos de industrialização em países da periferia que, mesmo com
suas deformações e limitações, constituíram uma das grandes novidades
positivas do século XX. A industrialização substitutiva de
importações foi a estratégia que comandou esse processo5.
A explanação inicial de Prebisch para o fenômeno do intercâmbio
desigual é muito direta: os países pobres exportam produtos primários
para os países ricos que então industrializam (agregando valor) e os
vendem de volta para as nações desprovidas. O valor adicionado das
mercadorias custa sempre mais do que as matérias-primas usadas para
criar aqueles produtos. Conseqüentemente, os países mais pobres nunca
estariam ganhando o bastante das suas exportações para compensar o
pagamento das importações.
Nas palavras de Celso Furtado6,
(...) o capitalismo industrial levou certos países (os que lideram o
processo de industrialização) a especializar-se naquelas atividades
em que métodos produtivos mais eficientes penetravam rapidamente, e
levou outros a especializar-se em atividades em que essa forma de
progresso técnico era insignificante, ou a buscar a via da alienação
das reservas de recursos naturais não-reprodutíveis. A "lei das
vantagens comparativas", tão bem ilustrada por Ricardo com o caso do
comércio anglo-lusitano, proporcionava uma justificação sólida da
especialização internacional, mas deixava na sombra tanto a extrema
disparidade na difusão do progresso nas técnicas de produção como o
fato de que o novo excedente criado na periferia não se conectava com
o processo de formação de capital. Esse excedente era principalmente
destinado a financiar a difusão, na periferia, dos novos padrões de
consumo que estavam surgindo no centro do sistema econômico mundial
em formação. Portanto, as relações entre países cêntricos e
periféricos, no quadro do sistema global surgido da divisão
internacional do trabalho foram, desde o começo, bem mais complexas
do que se depreende da análise econômica convencional.
Para o economista Raul Prebisch, esses países retardatários entram em um estado
de dependência em relação aos países do primeiro mundo, convertendo-se apenas
em fornecedores de matérias-primas. A esta relação, tal como metrópole-colônia,
Prebisch denomina Centro-Periferia. Na qual os países que produzem bens
industriais com alto valor agregado se situam no centro das atividades
econômicas e políticas e os países que se mantêm na produção de bens primários,
com baixo valor contido sobre o preço do produto, se encontram à margem das
regiões centrais e representam a periferia do mercado mundial.
Essa nova dialética forjada pela Cepal, através do seu secretário-geral,
contesta a Teoria Clássica do Comércio Internacional, pois argumenta que a
especialização dos países em alguns produtos tendo em vista suas vocações
naturais, as chamadas vantagens comparativas, longe de diminuir, acentua ainda
mais as já consideráveis diferenças entre os países que compõem o Centro e os
que estão associados à periferia, pois conforme a Comissão, o aumento da renda
emanado da industrialização dos Centros não resulta em acréscimos sobre a
demanda dos bens primários7, mas sim sobre aquela voltada para os bens
produzidos pelo Centro, dilatando, assim, as divergências.Como delineado nos
dois trabalhos angulares do pensamento da Cepal (El desarrollo Económico de la
America Latina y Algunos de sus Principales Problemas e do Estudio Económico de
America Latina, de 1951), o centro desenvolvido não estaria transferindo os
benefícios de seus aumentos de produtividade para a periferia atrasada, mas ao
contrário, estaria se apropriando dos modestos incrementos de produtividade
obtidos por ela. Com isso, Prebisch e a Cepal inauguraram uma nova
interpretação do comércio internacional e do subdesenvolvimento.8
Tendo em vista os problemas latino-americanos, a Cepal, por meio do pensamento
de Prebisch, refuta a hipótese na qual os problemas periféricos seriam
resolvidos, como outrora havia enfatizado a Teoria Clássica, por meio dos
ajustes de mercado. Observando isso e integrado a uma equipe de pensadores, o
argentino deduz um conjunto de reflexões objetivando atenuar as disparidades
existentes. Elas guiariam a economia política de muitos países periféricos,
entre eles o Brasil, uma das principais economias da América latina. A mais
importante dessas medidas diz respeito a uma industrialização promovida pelo
governo.
A condição necessária para os governos latinos conduzirem as economias rumo a
novos horizontes reside na exigibilidade de agregar valor aos bens produzidos
para serem exportados, com o objetivo de elevar os preços e criar maior
competitividade.
A Cepal defende o estabelecimento de um mecanismo de proteção comercial pela
periferia. Não como uma forma de imposição de fortes obstáculos às importações,
mas sim como um protecionismo necessário ao período de transição da economia
agrária para a industrial.
A solução proposta tem por objetivo gerar a diminuição das disparidades entre
os centros e as periferias. Contudo, o cumprimento deste projeto demandaria
poupanças domésticas a serem convertidas em investimentos e uma ampliação dos
mercados internos. Considerando este entrave, há a sinalização, como via
alternativa, da existência de sistemas preferenciais entre países da América
Latina. Da concepção dessas áreas emanam diversos benefícios para a região
integrada, na medida em que cria condições para geração de poupanças domésticas
e ampliação das escalas de produção devido à nova base produtiva calcada em um
setor de alto valor agregado. O desenvolvimento seria viabilizado a partir da
formação de nova demanda doméstica em cada país. A constituição deste mercado
tornou-se, portanto, o ativo estratégico para o desenvolvimento de cada nação,
o que se caracterizou no Modelo de Substituição de Importações (MSI). Todavia,
o regionalismo hacia adentro da Cepal é, paulatinamente, substituído pelo
regionalismo hacia afuera, bem mais poroso e adaptado à realidade globalizante
que se acentua a partir dos anos 90 do século passado. É nesse quadro que
emerge o Mercado Comum do Sul (Mercosul).
Do MSI ao Mercosul: o lugar do Nordeste na federação brasileira
A participação ativa do Estado brasileiro no processo de industrialização,
consolidada nos moldes do MSI, gera um complexo produtivo amplo e
diversificado, concentrado, sobretudo, no sudeste com alto potencial de
acumulação e em bases monopolistas ou oligopolistas, que viabilizam as
condições para uma integração econômica nacional. É, portanto, nesse contexto
que se insere o atrelamento da região Nordeste à estrutura industrial do
Sudeste, pois para a região adota-se uma estratégia de industrialização
especializada em bens intermediários9, visando o mercado nacional e
internacional, o que marcaria a industrialização nordestina a partir da década
de 1970.10
Tal fato encontra explicações quando é possível apreciar não apenas regiões
marginais no contexto internacional, mas transmutá-las para as conjunturas
nacionais. Desta forma, pode-se afirmar que houve no território brasileiro, com
a estabilização da industrialização, a geração de pólos distintos: um deles
calcado na transformação de bens com alto valor agregado - principalmente o
estado de São Paulo e regiões adjacentes, configurando estas as regiões Sudeste
e Sul - e outro, que permanece voltado para a produção de bens com baixo valor,
as chamadas commodities - encontrando-se neste grupo, as regiões Nordeste,
Norte e Centro-Oeste.
Um quadro geral sobre a região Nordeste é delineado por Celso Furtado11:
O Nordeste brasileiro, onde nasci e vivi até aos vinte anos,
constitui o mais antigo núcleo de povoamento do Brasil. Após uma fase
de prosperidade nos séculos XVI e XVII, a região conhece um longo
declínio, o que explica que as estruturas sociais aí sejam mais
rígidas que em qualquer outra área do país. A descoberta do ouro e
dos diamantes nas Minas Gerais lhe retirou a preeminência econômica,
e a transferência da capital da Bahia para o Rio de Janeiro
significou a perda da preeminência política.
Socialmente, o Nordeste traz consigo os maiores problemas nacionais; com uma
população maior que o somatório das populações dos parceiros do Mercosul, essa
região serve de residência para 30% da população brasileira, abrigando cerca de
50% dos pobres do país, produzindo, contudo, apenas 17%12 do PIB nacional13.
Essa desigualdade no comportamento dos negócios do Nordeste se deve a histórica
heterogeneidade de participação das regiões no PIB brasileiro iniciada na troca
de eixo econômico (monocultura da cana-de-açúcar nordestina para a mineração no
centro-sul) e consolidada durante todo o período subseqüente da história da
nação (a lavoura cafeeira e a insuficiente industrialização). Dessa
dessemelhança emana, como conseqüência, o retrocesso de toda uma região,
fazendo com que os estados nordestinos ocupem os nove últimos lugares no
ranking do IDH brasileiro.
Nessa arena balizada por grandes desigualdades regionais brasileiras é
assinado, em 26 de março de 1991, o Tratado de Assunção. Ele dá continuidade ao
processo de Integração Regional na América Meridional, estabelecendo o Mercado
Comum do Sul.14 No que tange o território nordestino, o Mercosul não é
concebido no o intuito de reverter os desníveis apresentados; o projeto
apresenta, em linhas gerais, como objetivos: a livre circulação de bens,
serviços e fatores produtivos entre os países, por meio, entre outros, da
eliminação dos direitos alfandegários e restrições não-tarifárias à circulação
de mercadorias e de qualquer outra medida de efeito equivalente; o
estabelecimento de uma tarifa externa comum; a adoção de uma política comercial
comum em relação a terceiros Estados ou agrupamentos de Estados; a coordenação
de posições em foros econômico-comerciais regionais e internacionais; a
coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais entre os Estados-Parte; e
o compromisso dos Estados-Parte de harmonizar suas legislações, nas áreas
pertinentes, para lograr o fortalecimento do processo de integração15. Desta
forma, cabe a cada Estado-Nação a harmonização das políticas internas para uma
melhor distribuição dos benefícios da integração regional entre suas unidades
subestatais.
Os fundamentos econômicos que dão suporte à constituição do Mercosul têm
algumas semelhanças com o enfoque estruturalista do sistema Centro-Periferia de
Prebisch, pois, apesar de ter um tratamento diferente, permanece na nova
leitura desenvolvimentista da Cepal os atributos da inovação tecnológica e da
inserção econômica internacional, os quais são objetivos estratégicos para
transformação produtiva com equidade que sintetiza os princípios do então
modelo neoestruturalista.16
Contudo, ao assumir compromissos externos, o Brasil finda por dificultar a
prática de políticas internas de correção de desequilíbrios regionais. Sua
massa crítica e postura de liderança política implicam em responsabilidades
para com os seus parceiros. A participação do BNDES em financiamentos não
nacionais, por exemplo, tem causado forte polêmica, e levado líderes
nordestinos a se manifestarem contrários a ela. A distribuição harmônica dos
benefícios trazidos pela integração regional se torna, pois, complexa.
Por um lado, o processo de globalização sob dominância financeira foi
extremadamente desigual na distribuição de seus frutos, seja do ponto de vista
econômico ou social. O estado nacional teve seu papel ainda mais diminuído em
países que, como o Brasil, se inseriram no processo de globalização dos anos 90
de maneira subordinada e sem um projeto nacional.17
Existem ainda outros agravantes no que concerne aos atores políticos presentes
nas negociações Nordeste - Brasil - Mercosul. O primeiro é a ideologia clássica
das Vantagens Comparativas18, uma visão que se tornou hegemônica sobre o papel
secundário do Nordeste brasileiro nas negociações com o Mercosul. Esse
posicionamento afastado das potencialidades nordestinas serve, em diversas
ocasiões como explicação para a omissão Estatal no que se refere aos problemas
regionais e seu consentimento na ampliação das desigualdades.
Um outro agravante - este de ordem social - para a marginalização nordestina é
provocado pelo pensamento aristocrático ainda predominante na própria região. A
classe de maior influência econômica continua insistindo no velho modelo das
vantagens comparativas, descomprometendo-se com a busca de alternativas e
fazendo confirmar um modelo que consolida o atraso de todo o território. Com um
quadro político marcado por fraturas, os discursos desse território sobre o
Mercosul são marginais e pouco articulados. Assim, a posição nordestina frente
ao Mercosul é bastante delicada. Isso advém da própria dinâmica competitiva da
integração que, de uma forma geral, é vantajosa para as economias mais bem
preparadas. O que, significativamente, não enquadra o Nordeste brasileiro.
A experiência dessa região com o Mercosul torna visível um relativo isolamento
em relação aos benefícios da Integração Regional. Se as exportações nordestinas
para o Mercado Comum do Sul aumentam de 3,21% em 1990 para 9,56% em 1994, sua
participação no total brasileiro exportado no mesmo período diminui de 7,53
para 5,5319. Apesar de crescentes, as negociações Nordeste Mercosul ainda
continuam muito concentradas tanto territorial como setorialmente nos núcleos
de maior competitividade da região20. A estratégia de integração mercosulina
parece não considerar devidamente a heterogeneidade intrínseca de cada parte a
ser integrada. Vê-se o Estado-nação como um todo, e não por meio de suas
contradições ou frações componentes. A ela falta vocação distributiva e
emancipadora.
Enquadramento jurídico e prerrogativas estatais
O balizamento normativo estabelecido pela Carta Magna, pelas Constituições
estaduais e Leis Orgânicas Municipais tem grande relevância para a melhor
compreensão dos impactos do Mercosul na economia política dos estados de
Pernambuco, Bahia, São Paulo e Rio Grande do Sul (e de suas municipalidades
capitais), pois é também pelos fundamentos emanados dessas legislações que se
pode auferir a intensidade do movimento de integração regional.
Promulgada três anos antes do estabelecimento do Tratado de Assunção, a
Constituição brasileira traz no corpo de seu texto princípios que possibilitam
articular a conformação de uma aliança latino-americana.21 Neles identifica-se
a importância dada pelo Estado-nacional brasileiro à integração econômica,
política, social e cultural dos povos latinos da América, visando à formação de
uma comunidade de nações. Uma análise da tripartição dos poderes dentro das
esferas federal, estadual e municipal - inserida num contexto de abertura
econômica e comercial e alianças políticas - se faz mister para uma compreensão
da forma por meio da qual os estados de Pernambuco, Bahia, São Paulo e Rio
Grande do Sul e as municipalidades de Recife, Salvador, São Paulo e Porto
Alegre podem ser influenciados e situados na integração do Cone Sul da América
Meridional.
Situado num quase consenso de democracia de mercado, o pacto federativo
brasileiro tenta refletir, por um lado, uma descentralização focada em mais
participação cidadã e, por outro lado, uma preocupação de gestão competente, de
visão global e calcada em parâmetros de eficiência. Estados e municípios
emergem, pois, como os vetores-mor dessa participação, cabendo à União
competências de planejamento e articulação internos e externos.
Desse modo, algumas considerações sobre a problemática dos estados e
municipalidades podem ser tecidas antes do delineamento normativo estabelecido
pelas leis vigentes em cada esfera, pois existe uma tendência visando dar-lhes
maiores poderes de decisão dentro de um novo cenário internacional. Como
assinala Jorge Mattoso22:
(...) as cidades e os governos locais comprometidos com o
desenvolvimento e a distribuição de renda devem transformar-se em
protagonistas de uma nova política de inserção social e cidadã. Seu
desafio maior é a expansão de políticas urbanas de infra-estrutura e
de inclusão social visando ao desenvolvimento sustentável, vital para
a sobrevivência humana e da democracia nesses grandes aglomerados
urbanos.
(...) Por isso, torna-se também imprescindível às autoridades locais
uma visão ampla, capaz de favorecer a pressão sobre os governos
nacionais, por políticas menos subordinadas aos mercados financeiros;
sobre os projetos de integração regional como o Mercosul, por seu
aprofundamento e superação das atuais dificuldades; sobre os
organismos internacionais, por relações diretas com aglomerações
urbanas; e pela criação de uma outra institucionalidade
internacional, mais solidária, socialmente regulada e justa.
Nesse sentido, pode-se assinalar as articulações entre estados brasileiros e
províncias argentinas no quadro da dinâmica Crecenea/Codesul, como também a
recente decisão do Conselho Mercado Comum nº 41/04 criando o Foro Consultivo de
Municípios, Estados Federados, Províncias e Departamentos do Mercosul. Sem
falar de uma quase para-diplomacia por parte de algumas unidades subnacionais
da União Européia e da atuação do seu Comitê de Regiões na arena institucional
comunitária.
O Legislativo
O Poder Legislativo, representado na esfera federal pelo Congresso Nacional, o
qual é composto pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, possui
atribuições limitadas no que diz respeito aos atos, acordos ou tratados
internacionais. Todavia, é de sua competência exclusiva regulá-los quando estes
acarretam encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio federal23. Cabe ainda
estritamente ao Poder Legislativo nacional, pelos poderes emanados da União, a
legislação sobre o comércio exterior no âmbito nacional, estadual e municipal,
tendo em vista que o intercâmbio de bens e serviços é controlado por lei
federal.
No que concerne o Poder Legislativo estadual, este é representado pelas
Assembléias Legislativas que, no âmbito do estudo desenvolvido e dentro do
balizamento das respectivas constituições das unidades federativas, não
desenvolvem imputações ligadas à legislação sobre a abertura político-econômica
mencionada, cabendo ao estado, pelo artigo 25 da Constituição Federal,
estabelecer leis observando os princípios da Carta Magna.24
Ausências semelhantes podem ainda ser confirmadas no que diz respeito às
Câmaras Municipais. Essas, assim como as respectivas Assembléias Legislativas
dos estados mencionados não dispõem de meios para deliberar sobre relações
internacionais, mesmo que essas impliquem em maiores vantagens comparativas
para o município. O legislativo municipal deve proceder em consonância com a
regência da Lei Orgânica que, por sua vez, encontra-se limitada pelas
disposições presentes na Constituição Federal, como dirige o artigo 26 da
mesma, e pelas Constituições dos respectivos estados.25
O Executivo
No que tange às prerrogativas do Poder Executivo nacional, dentro do contexto
de alianças interestatais, estas versam, de maneira simplificada, sobre a
manutenção das relações com Estados estrangeiros e a celebração de tratados e
atos internacionais, executados pelo presidente da República, cabendo ao
Congresso Nacional o referendo no que concerne possíveis atitudes tomadas pelo
presidente, como prevê os artigos 21 e 49 da Magna Carta. Uma outra atribuição
do Poder Executivo dentro deste plano, é a alteração, atendidas as condições e
limites estabelecidos em lei, das alíquotas dos impostos de importação de
produtos estrangeiros e exportação de produtos nacionais ou nacionalizados26.
O comportamento do Poder Executivo nas esferas estaduais tem características
peculiares quando da observação dos entes federados Pernambuco, Bahia, São
Paulo e Rio Grande do Sul. Na Constituição da Bahia existe, no artigo 105,
inciso XVII, uma atribuição que aponta para uma incipiente competência
municipal no cenário internacional, pois concede ao governador do estado
poderes para "contrair empréstimos externos ou internos e fazer operações ou
acordos externos de qualquer natureza, após autorização da Assembléia
Legislativa, observada a Constituição Federal"27. As restantes, por seu turno,
nada apresentam no que tange a ampliação do poderes do governador na esfera
internacional, sendo as decisões internacionais tomadas apenas na esfera da
União.Todavia, o silêncio das constituições estaduais não significa que os
Executivos dos entes federados não possam adotar políticas institucionais que
contemplem a esfera internacional. Isso, claro, dentro dos limites
estabelecidos pela Carta Magna. Tais são os casos de Rio Grande do Sul e São
Paulo ou Minas Gerais que instituíram órgãos de assuntos internacionais para
tratar dos seus respectivos interesses nessa esfera de poder28. Essas
secretarias agem, em consonância com o Ministério das Relações Exteriores (MRE)
e/ou o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDICE),
tanto no nível externo propriamente dito, e.g. através de ações de promoção
comercial; quanto no nível interno, por meio da defesa dos interesses estaduais
junto a esses mesmos ministérios ou ainda a outras instâncias federais do
Executivo, Legislativo e Judiciário. Gerando o que Kincaid denomina de
constituent diplomacy29.
Os atores políticos das municipalidades dentro do Poder Executivo, comportam-se
de maneira similar aos considerados no poder legislativo. Com pouca autonomia
para discorrer sobre assuntos de âmbito internacional, os prefeitos devem agir
segundo as diretivas emanadas dos respectivos governadores e do presidente da
República. Mas, como no caso dos estados, isso não impede algumas cidades de
articularem a criação de secretarias de relações internacionais, como o fizeram
as cidades de Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador, São Paulo, Santa Maria,
as quais se esforçam em promover, ainda uma vez como as dos estados, uma
participação mais ativa da urbe no processo de globalização30.
O Judiciário
Por fim, no que diz respeito à relação entre o Poder Judiciário e as relações
internacionais, este tem atribuições apenas no âmbito federal, sendo inativo
quanto às questões analisadas no âmago estadual e inexistente na esfera
municipal. De forma simplificada, é de competência do Judiciário nacional, por
meio do Supremo Tribunal Federal31, Superior Tribunal de Justiça32 e dos juízes
federais33 o julgamento das causas entre Estado estrangeiro ou organismo
internacional e os entes federados ou pessoa domiciliada ou residente no país.
Ao término do exame da Constituição Federal, das Constituições Estaduais e das
Leis Orgânicas Municipais dentro do contexto da abertura comercial e da
integração regional, é possível afirmar que inexistem, nesse nível, quaisquer
legislações voltadas, stricto sensu, para a Integração do Cone Sul. A exceção
reside, como já assinalado, no artigo quarto da C.F. que vislumbra os
princípios norteadores das relações internacionais da República Federativa do
Brasil, ancorados numa perspectiva monolítica e estatocêntrica.
Atores políticos e agentes econômicos subnacionais
A abertura comercial e, posteriormente, o Mercosul, alteram, consideravelmente,
o contexto no qual estavam inseridos tanto agentes econômicos como atores
políticos brasileiros. Faz-se, assim, mister uma nova forma de adequação
comportamental visando, agora, não apenas ao cenário nacional como também toda
à movimentação internacional. Essa adequação de comportamentos tem por
objetivos de um lado, a maximização dos lucros e a inserção empresarial em
novos mercados e, por outro, a inclusão da União, estados e municípios dentro
do universo globalizado.
No que diz respeito aos estados setentrionais de Pernambuco e Bahia e as
municipalidades de Recife e Salvador algumas alterações vêm existindo quando da
abertura econômica/comercial e do Mercosul. No caso do estado da Bahia, apesar
de uma constituição inovadora, a praxis dos poderes subnacionais parece não
refletir,de facto, as potencialidadesde jure.
Tal fato encontra simetria em Pernambuco, pois, embora esse estado federado não
possua uma Constituição que outorgue poderes de cunho internacional ao
executivo, como a baiana, na Assembléia Legislativa do estado pernambucano
existe uma comissão voltada para assuntos internacionais cujo presidente é o
deputado estadual Manuel Ferreira (PFL) que têm por objetivo, entre outros,
fomentar atividades comerciais e culturais vinculadas ao Mercosul. Ainda que
não existam projetos ligados à possibilidade de emendar a Constituição, pois,
segundo o assessor do deputado, Vicente Filho34, "não há ainda temas para serem
levados à votação, devido à estruturação da comissão", que, agora, volta-se
para o estudo do panorama pernambucano dentro do contexto internacional. A
preocupação do poder legislativo do estado de Pernambuco é singular não apenas
no contexto nordestino, mas, juntamente com os estados de São Paulo e Rio
Grande do Sul compõem um grupo de estados dispostos a estudar as influências de
um novo cenário internacional dentro das respectivas unidades federativas.
Possivelmente, dentro do contexto observado, o ator político de maior
preponderância venha a ser a Secretaria de Desenvolvimento Econômico do
município do Recife que, por meio de um "Diálogo Econômico Local" visa ao
estreitamento das relações recifenses com as cidades integrantes da rede de
cidades interligadas denominadas Mercocidades35.
Essa secretaria do Poder Executivo municipal, cuja atuação evoluiu
consideravelmente nos últimos quatro anos, durante a gestão do prefeito João
Paulo Lima e Silva (PT), tem por objetivos não apenas estreitar relações entre
os municípios participantes da rede, na qual estão inseridos os municípios
nordestinos de Recife, Mossoró, Fortaleza e Salvador36, mas também, segundo o
diretor de competitividade e captação de investimentos, Rodolfo Guimarães
"levar uma imagem do Brasil para o exterior diferente do Rio de Janeiro, Foz do
Iguaçu e da Amazônia, atraindo assim o turismo, além de outros benefícios
emanados da abertura"37.
O comportamento do órgão acima observado trás uma nova tendência na qual,
segundo Rodolfo Guimarães, "o município vem tornando-se protagonista das
decisões políticas" descentralizando decisões antes atribuídas ao Poder
Executivo Estadual, obtendo, desta forma, maior autonomia no contexto
internacional; ainda assim, apesar da inovação política, a Secretaria
Municipal, embora vise a estratégias de articulação horizontal, não desenvolve
projetos voltados de maneira especifica para o Mercosul. Pode-se, igualmente,
assinalar a criação de uma Secretaria de Relações Internacionais em Salvador em
janeiro de 2005. A mesma vem, aos poucos, articulando-se para promover a
inserção global do município.
No âmago dos agentes econômicos estaduais, dois merecem destaque por sua
inserção dentro do universo estadual. A Fiepe (Federação das Indústrias do
Estado de Pernambuco) e a Fieb (Federação das Indústrias do Estado da Bahia)
têm grande importância dentro da análise a ser desenvolvida, pois são os
representantes de um importante setor da economia.
A Fiepe, atuando por meio do CIN (Centro Internacional de Negócios) e do
Conselho Temático de Comércio Exterior, visa à busca de uma maior inserção
mercadológica internacional, disponibilizando inúmeros programas, desde fontes
de dados a acordos de cooperação, em apoio ao setor empresarial, com especial
ênfase às pequenas e médias empresas. Dotada de diversos acordos e programas, a
instituição promove não apenas a exportação de bens e serviços mas, da mesma
forma, faz alianças buscando captação de investimentos, cooperação cientifica e
tecnológica entre outras atribuições. Vale registrar que, apesar do incentivo
dado para a melhoria da competitividade pernambucana, a Fiepe não desenvolve um
intercâmbio concreto com o Mercosul38, mas desenvolve para essa integração
seminários de capacitação, estudos e no ano de 2003 uma missão para a
Argentina, além da emissão de certificados de origem39. Por fim, a Fieb, também
através do seu CIN (Centro Internacional de Negócios), desenvolve cursos,
seminários e palestras sobre temas específicos de comércio exterior,
contribuindo desta forma, para o aprimoramento da capacitação do empresariado
baiano perante a globalização.
A atuação dos agentes econômicos e atores políticos pernambucanos e baianos
dentro de um novo cenário internacional pode ser considerada pouco
significativa, pois não se pode constatar avanços concretos que justifiquem a
mudança normativa, no âmbito das legislações, e/ou políticas regionais voltadas
para uma maior competitividade dos estados. No que diz respeito ao Mercosul,
embora consolidada a zona de livre comércio há mais de 13 anos e a União
Aduaneira há quase 10 anos40, sua influência na mobilização das Unidades
Federativas analisadas é de pequena envergadura, dificultando assim um maior
volume de comunicação entre as unidades subnacionais e seus países membros.
Considerando a diferenciação de atores políticos e agentes econômicos e
analisando por seu turno os estados meridionais de São Paulo e Rio Grande do
Sul e suas respectivas municipalidades de São Paulo e Porto Alegre, pode-se
observar uma maior comunicação entre esses e os membros mercosulinos, visando a
uma maior conexão, de forma a aumentar os possíveis e efetivos benefícios
emanados da integração.
A atuação dos atores políticos estaduais meridionais encontra certa semelhança
quando comparada ao estado pernambucano. Pois, como esse, o estado de São Paulo
e o estado de Rio Grande do Sul possuem, ao nível de seus legislativos, uma
comissão - permanente ou não - voltada para a análise dos efeitos da abertura
comercial, e mais especificamente os efeitos do Mercosul dentro dos domínios
estaduais.
As citadas comissões - diferentemente do que ocorre no estado pernambucano -
buscam a coordenação parlamentar entre os legislativos estaduais de São Paulo e
Rio Grande do Sul com os países integrantes do Mercosul. Além disso, no caso
gaúcho, a Comissão Permanente do Mercosul apresenta ainda uma ampliação de
interesses ao enumerar outros objetivos, tais como: acompanhar a implantação e
evolução de acordos do Mercosul, em especial os referentes a normas técnicas e
aos assuntos de política agrícola, fiscal, aduaneira, comercial, industrial,
meio ambiente, segurança pública, sanitária, saúde, cultural, cidadania e
políticas macroeconômicas, visando, a Comissão Permanente do Mercosul, a uma
inserção aprofundada do estado gaúcho dentro do arcabouço iniciado em 1991.
Dentro do contexto municipal, ainda é possível estabelecer analogia com o
estado de Pernambuco, pois as prefeituras municipais de São Paulo e Porto
Alegre possuem também secretarias que têm em vista a inserção do poder local
dentro das novas tendências internacionais. No âmago paulistano, a existência
da Secretaria Municipal de Relações Internacionais - SMRI, que, fundada durante
o governo da prefeita Marta Suplicy (PT) visa reinserir São Paulo no cenário
internacional, trouxe consideráveis inovações para o contexto municipal na
medida em que para consolidar tal objetivo, vem concentrando sua atuação em
alguns eixos, sendo o principal a participação ativa nas redes internacionais
de cidades. Neste ponto, a despeito do Mercosul, uma consideração de Jorge
Mattoso41, secretário municipal de Relações Internacionais da Prefeitura de São
Paulo na gestão Suplicy, é relevante no que tange à importância desta rede de
cidades, para o município de São Paulo:
A rede mercocidades, por exemplo, que congrega mais de sessenta
cidades de países membros do Mercosul, tem tido um papel relevante no
intercâmbio de experiências de gestão pública por meio de suas
atividades temáticas e na maior participação das cidades na estrutura
e nas políticas do Mercosul, viabilizada a partir da criação da REMI
- Reunião Especializada de Municipalidades e Intendentes - a qual
compõe o Grupo Mercado Comum (GMC) do Mercosul.
No que concerne à municipalidade de Porto Alegre, a Secar (Secretaria
Extraordinária de Captação de Recursos e Cooperação Internacional) possui
atributos que visam ao desenvolvimento local. Subdividida em dois setores,
captação de recursos e cooperação internacional, esta secretaria busca, por
meio do primeiro, coordenar e elaborar estudos e projetos necessários para a
obtenção de financiamentos e promover a captação de recursos externos às
finanças municipais, tendo como objetivo a viabilização de projetos definidos
pela administração municipal, a partir da identificação de fontes de
financiamento nacionais e internacionais. No que diz respeito às atribuições do
setor de cooperação internacional, estas visam estabelecer e coordenar a
política de intercâmbio e cooperação multilateral e bilateral com cidades,
instituições e organizações não-governamentais. Elabora e executa políticas de
projeção internacional da cidade, além de desenvolver atividades relacionadas
com a função de integrante da Rede de Cidades do Mercosul (Mercocidades).
Pode-se citar, ainda, como atores políticos de relevo dentro das esferas
estaduais, as secretarias de Comércio Exterior (Secex), representada, no âmbito
estadual por gerências inseridas nas secretarias da Fazenda dos entes
federados; e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. No que diz
respeito às primeiras, estas executam políticas, por meio de benefícios fiscais
voltados para uma melhora no saldo comercial no âmbito nacional42, não
existindo, desta forma, incentivos por parte do Poder Executivo estadual no
incremento comercial com o Mercosul. O BNDES não executa, a seu turno,
políticas regionais ou setoriais voltadas para a integração regional, contudo,
desenvolve uma política de financiamento direcionada a favorecer fabricantes de
autopeças da Argentina, que posteriormente será ampliada aos demais setores e
aos outros membros. O intuito desse ato é de intensificar a ligação entre os
Estados-Parte do Mercado Comum do Sul. Ainda nesse mesmo intuito foi criado
pela Decisão nº 45/04 o Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul, que visa
precisamente financiar programas para promover a convergência estrutural,
desenvolver a competitividade, promover a coesão social - em particular das
economias e regiões menores e menos desenvolvidas - e apoiar o funcionamento da
estrutura institucional e o fortalecimento do processo de integração. O que,
pari passu, representa um vetor redistributivo que privilegia a alocação de
recursos segundo uma lógica subnacional; e conseqüentemente um instrumento de
atenuação da dicotomia centro-periferia.
Por fim, dos agentes econômicos imersos nas conjunturas estaduais dos entes
meridionais, o que merece maior destaque vem a ser a Fiesp - Federação das
Indústrias do Estado de São Paulo que, por meio da Área de Relações
Internacionais e Comércio Exterior e do Conselho de Comércio Exterior acompanha
todos os acontecimentos relacionados aos acordos bilaterais e negociações
internacionais que afetam a indústria nacional. Ela também disponibiliza
orientações técnicas e assessoria para negócios voltados para o exterior. Por
meio do conselho, a Fiesp acompanha os assuntos relativos à legislação e
políticas voltadas para essa área, identifica problemas e propõe medidas de
promoção dos negócios internacionais. Apesar de não expor políticas voltadas
para o Mercosul, a Fiesp delimita a importância desta integração quando a
circunscreve como "o mais importante meio de inserção do país no contexto
internacional e sua grande resposta aos desafios impostos pela globalização".43
O desempenho dos atores políticos e agentes econômicos meridionais,
comparativamente aos setentrionais, estão em uma posição de vanguarda, pois
tendem a dinamizar os fluxos políticos comerciais entre os dois estados: São
Paulo e Rio Grande do Sul com os membros do Mercado Comum do Sul, de tal forma
que possibilitam ampliar a influência dele nesses estados. Embora não existam
alterações no domínio normativo, a crescente importância da integração para os
estados federados paulista e gaúcho pode ser notada pela da recorrência feita
por esses, por meio de seus representantes acima enumerados, quando delimitam a
relevância da abertura econômica via integração comercial em seus territórios.
O comércio subnacional e o Mercosul
A evolução quantitativa do volume comercializado torna-se relevante na medida
em que se ambiciona verificar os resultados decorrentes dos trâmites entre os
estados brasileiros analisados, a saber: Pernambuco, Bahia, São Paulo e Rio
Grande do Sul, e o Mercado Comum do Sul. Busca-se, dessa forma, contemplar a
participação do Mercosul na pauta de exportações das unidades federativas em
apreciação e sua importância nos fluxos que proporcionam melhoras nos termos de
intercâmbio. Assim, aspira-se a observar a possibilidade de mudanças no quadro
dos principais destinos das exportações dos referidos estados e a possibilidade
de melhoras nos termos de troca provenientes da união entre Brasil, Argentina,
Paraguai e Uruguai, por meio do Tratado de Assunção, em 1991.
Embora o Mercosul não tenha sido delineado nos moldes hacia adentro da Comissão
Econômica para a América Latina, ainda assim a introdução desse mercado comum
hacia afuera traz muitos resultados semelhantes aos esperados por essa
comissão. Apesar de não estar inserido diretamente no conjunto solução, o
Mercado Comum do Sul oferece vias alternativas que visam a resolver os
problemas elucidados pelo economista argentino e sua equipe de pensadores.
Contudo, não se pode afirmar que ele tenha proporcionado per se todos os
desdobramentos enumerados, mas a presença do Mercosul na realidade dos entes
federados favorece a hipótese de que os sistemas preferenciais podem promover
uma agregação de valor dos bens transacionados e desse modo minorar as
discrepâncias entre centros e periferias.
No que tange os estados nordestinos, a presença do Mercosul como destinatário
para bens produzidos pela mais pobre região brasileira pode ser considerada em
expansão tendo em vista que as exportações pernambucanas para com esse destino
cresceram 29,69% e as baianas 103,7% entre os anos de 2000 e 200544. Quando
comparados com a média nacional (15,24%) e com a média dos demais estados
analisados (Rio Grande do Sul - 20,60% e São Paulo - 4,54%), é possível inferir
que o Mercosul, em termos relativos, vem ampliando sua participação dentro do
contexto nordestino. Embora, quando relacionado com a média nacional absoluta,
a presença desses estados nas exportações totais para a integração seja
consideravelmente menor que os demais estados45, ainda assim é possível
observar que os mesmos vêm ampliando consideravelmente suas presenças dentro do
contexto absoluto provocado pela integração mercosulina.
Ainda que o crescimento das exportações destes entes federados meridionais
frente ao Mercado Comum do Sul possa ser significativo, no que concerne
melhoras nos termos de intercâmbio, os impactos causados pelo Mercosul são
diferenciáveis e, até certo ponto, ambíguos. Tendo em vista que efeitos
semelhantes podem ser encontrados entre centros e periferias. Um fato a ser
considerado diz respeito aos efeitos da integração sobre a Bahia e o Rio Grande
do Sul. Pelos gráficos_1 e 2, é possível observar que os bens exportados por
esses são ainda pobre em valor agregado e que o Mercosul nem sempre possibilita
melhoras nos termos de intercâmbio para esses estados. A análise desse fator
pode ser observada pelo fato de que as quantidades exportadas são quase sempre
maiores que os respectivos valores em dólares. Isso fica tangível quando se
contrapõe o volume exportado em unidades de massa e em unidades monetária. Como
as primeiras quase sempre excedem as segundas, é possível inferir que os bens
não possuem alto valor agregado e que o Mercosul não traz, sempre, melhoras aos
termos de intercâmbio para os respectivos estados.
Apesar disso, merece consideração o fato que as exportações gaúchas para o
Mercosul, obtêm melhoras nos termos de troca durante o período em que o Brasil
empreende o regime de câmbio fixo. Durante esse período, Rio Grande do Sul
passa a exportar uma menor quantidade com maiores preços. No caso da Bahia essa
tendência aparece a partir de meados de 2002.
Por outro lado, percebe-se uma semelhança entre os efeitos causados pelo
Mercado Comum do Sul nos estados de São Paulo (gráfico_3) e Pernambuco (gráfico
4). Em ambos os casos, os termos de troca os favorecem, tendo em vista a
presença de bens com maior valor agregado presentes nos bens com destino ao
Mercosul, exceto para um pequeno período para o estado de Pernambuco.
Tendo em vista as observações enumeradas no que toca os impactos do Mercosul na
estrutura de exportações das unidades federativas de Pernambuco, Bahia, São
Paulo e Rio Grande do Sul, pode-se assinalar que eles são diversificados e
podem não ser benéficos para todos. Embora Pernambuco tenha melhorado a
participação do Mercosul como destino de suas exportações e nos termos de
intercâmbio, não se pode afirmar, ainda assim, que o Mercosul trouxe melhoras
estruturais, pois embora exista uma ampliação da influência do processo de
integração nesse estado, persiste nele uma estrutura produtiva com pouco
dinamismo, quando comparada aos demais estados que compõe o centro econômico do
país.
A partir da análise delineada e considerando as limitações da magnitude da
amostra utilizada é possível inferir que não existe tendência que trace
vantagens líquidas para as periferias em detrimento dos centros. Quando se
observa a evolução das exportações e as possíveis melhoras dos termos de
intercâmbio dos quatro estados com os membros integrantes do Mercosul, percebe-
se que tanto Pernambuco, um estado localizado à periferia do estado brasileiro,
como São Paulo, situado no centro, obtêm benefícios em relação a integração
interestatal do cone sul da América meridional. De maneira simétrica, as
possíveis desvantagens presentes no estado da Bahia também encontram
ressonância no estado gaúcho.
Considerações finais
O modelo centro-periferia e seu corolário forjado a partir de 1950 por uma
equipe de pensadores tendo como mais eminente membro o economista argentino
Raúl Prebisch, tem importância quando aplicado a estruturas infra-estatais
periféricas como os estados nordestinos, posto que oferece uma via para a saída
de uma estagnação político econômica via integração regional. Notadamente sua
versão hacia afuera, caracterizada por um protecionismo seletivo e restrito no
tempo e no espaço. O Mercosul apresenta-se como rota alternativa para saída da
dependência desses entes periféricos, possibilitando a ampliação do mercado
consumidor, potencialidade de verticalização de cadeias produtivas e, em alguns
casos, a ampliação das poupanças internas.
Contudo, apesar da possibilidade de benefícios emanados da integração, pouco
foi de fato efetuado politicamente pelos estados pernambucano e baiano visando
a ampliar essa proveitosa conexão. Ainda que existam casos pontuais de empenho
para o alargamento desta relação, esses não são a regra, mas sim a exceção. Não
há um reflexo sistemático de tipo institucional correspondente e de
envergadura. E isso também ao nível das instituições federais. A situação é
mais dinâmica no que concerne às municipalidades de Recife e Salvador e,
principalmente, Porto Alegre e São Paulo. Também o estado de São Paulo e,
sobretudo, o do Rio Grande do Sul tendo se manifestado de forma mais ativa.
Todavia, constata-se, globalmente, um federalismo não cooperativo que se mostra
danoso aos entes subnacionais. Ele é marcado por uma débil constituent
diplomacy46 onde o ator central concentra o poder de concepção e implementação
das políticas públicas de caráter internacional. Ela responde, essencialmente,
aos interesses da matriz de desenvolvimento nacional, calcada em grande parte,
nos interesses dos entes infra-estatais mais ricos - o centro - em detrimento
dos menos favorecidos - a periferia. Além disso, o que se verifica é a
hegemonia de uma integração negativa, mormente ancorada na supressão de
obstáculos, sobre uma integração positiva, baseada em ações pró-ativas de
criação de novos mecanismos institucionais47. Esses mecanismos atuariam
enquanto catalizadores e balizadores do sistema de governança em níveis
múltiplos, sedimentando-o e perenizando-o. Buscaria-se nele uma relação ótima
entre eficiência econômica e legitimidade política.