A voltametria cíclica e de varrimento linear unidirecional: suas
potencialidades na caraterização de processos de corrosão
1. INTRODUÇÃO
A voltametria cíclica é reconhecida, desde a década de 80 do século passado,
como um dos métodos eletroquímicos mais populares que pode dar uma visão global
dos processos que resultam de reações redox, que possam ocorrer num elétrodo
reativo (metal ou liga), por efeito da polarização eletroquímica, entre dois
valores de potenciais, Ei e Ef. O varrimento do potencial é realizado a uma
velocidade constante (v), sendo o potencial ao fim de um tempo t, dado pela
igualdade:
A resposta do sistema é uma curva de intensidade de corrente (I) versus
potencial aplicado (E). Quando o varrimento do potencial é efectuado de um
potencial inicial (Ei) até um potencial final (Ef), regressando ao potencial
inicial obtém-se uma curva I vs. E designada por voltamograma cíclico (VC). Se
o varrimento for efectuado apenas no sentido anódico, isto é, para potenciais
mais positivos (E = Ei + vt), obtém-se uma curva de polarização anódica. Por
sua vez, quando é efectuado apenas no sentido catódico, ou seja, para
potenciais mais negativos (E = Ef – vt) tem-se, como resultado, uma curva
catódica, que pode corresponder à redissolução catódica de um filme, formado
naturalmente, ou, resultante de uma polarização a um potencial anódico (Ef),
durante um tempo, tf (Fig._1b).
Quando o meio é uma solução aquosa as reações de libertação do H2 e do O2, são
processos catódicos e anódicos, respetivamente, relevantes nos processos de
corrosão. Os potenciais de equilíbrio são função do pH do meio, podendo ser
calculados através das equações (2a, 3a, 4a e 5a).
Em meio ácido tem-se:
Os voltamogramas cíclicos podem apresentar um ou vários picos, associados a
processos redox, descritos por:
em que, O e R representam, respetivamente, as espécies oxidada e reduzida e n
representa o número de eletrões envolvidos no processo redox. A velocidade de
varrimento do potencial (v) é um parâmetro extremamente importante, pois, faz
com que a escala de potenciais seja também uma escala de tempos, e, graças ao
desenvolvimento da electrónica é hoje possível, utilizando as velocidades de
varrimento da ordem dos mV s-1 a V s-1, estudar processos que ocorrem numa
escala de tempo, que pode ir de horas a milissegundos.
Segundo as convenções da União Internacional de Química Pura e Aplicada (IUPAC)
quando o valor de potencial se desloca no sentido dos potenciais mais
positivos, obtém-se o ramo anódico da curva, devido a processos de oxidação,
quando se desloca no sentido dos potenciais mais negativos (ou menos positivos)
obtém-se o ramo catódico, associado a processos de redução.
A Fig._2 apresenta um voltamograma cíclico (VC) típico de um processo redox
reversível, envolvendo espécies solúveis e um elétrodo de trabalho inerte.
São identificados na Fig._2 os seguintes parâmetros: densidades de corrente
associadas aos picos anódico (jpA) e catódico (jpC), bem como os potenciais de
pico (EpA e EpC) e ainda, o potencial (Ep/2A) correspondente a metade do valor
da densidade de corrente do pico anódico. O VC é típico de um processo
reversível, porque satisfaz as seguintes condições: a diferença entre os
potenciais do pico anódico e catódico (ΔEp) é dada por ΔEp = (60/n) mV, as
densidades de corrente de pico são proporcionais à raiz quadrada da velocidade
de varrimento de potencial (jp α v1/2), o quociente entre a densidade de
corrente dos picos anódico e catódico é unitário (jpA/ jpC = 1) e o potencial
dos picos (Ep) é independente da velocidade de varrimento do potencial.
Verificada a reversibilidade, a equação (7) permite o cálculo do valor do
potencial redox padrão do par O/R (E0 e). A consulta de uma tabela de
potenciais redox padrão [2] permite em geral, identificar as espécies O e R.
2. VOLTAMETRIA CÍCLICA
2.1 Voltamogramas cíclicos de interfaces envolvendo processos redox simples
Voltamogramas cíclicos típicos de processos redox envolvendo espécies
resultantes da corrosão do material de elétrodo, durante uma polarização
anódica (M → Mn++ ne-), e que são reduzidas quase reversivelmente, durante o
percurso catódico, são apresentados na Fig._3, no intervalo de velocidades de
varrimento de 0,050 a 0,300 V s-1.
Os VCs da Fig._3 revelam a formação de um pico anódico A1, a potenciais
situados entre - 0,6 e - 0,5 V, seguido de uma região de passivação, entre -
0,2 e 0,0 V. Durante o percurso catódico observa-se o pico C1, na região entre
- 0,9 e - 1,0 V, pico de redução associado ao de oxidação A1. O processo é um
processo irreversível, já que ΔEp >> (60/n) mV, no entanto a análise das
correntes de pico, em função da velocidade de varrimento do potencial (v)
permite confirmar que se trata da formação de um filme poroso, que obedece ao
modelo teórico desenvolvido por Devilliers et al. [4].
- Quando é utlizada uma larga gama de velocidades de varrimento a VC permite
testar a validade de modelos teóricos.
2.2 Voltamogramas cíclicos de interfaces envolvendo processos complexos
Aumentando sucessivamente o potencial Ef, no sentido anódico, o voltamograma
cíclico (vide Fig._4) permite a identificação dos vários processos redox
possíveis de ocorrer na gama de potenciais testada.
Os VCs da Fig._4 mostram como é possível efetuar a associação dos picos
anódicos e catódicos (picos conjugados) através da programação de rampas de
potencial, em que o potencial final vai sendo progressivamente acrescido de um
valor conveniente. À medida que se avança, no sentido dos potenciais mais
positivos, vai sendo fornecida energia ao sistema para passar a estádios de
oxidação sucessivamente superiores.
- A voltametria cíclica permite, no caso de metais com vários estados de
oxidação, identificar as espécies formadas ao longo do ciclo de polarização,
desde que as espécies sejam estáveis na escala de tempos utilizada.
2.3 Voltamogramas cíclicos de interfaces com domínios de estabilidade extensos
A Fig._5 apresenta voltamogramas cíclicos de três ligas utilizadas em
reabilitação oral: Wironit (W) e Remanium (R), ligas de Co-Cr-Mo e V-
Gnathos®Plus (VG), liga de Au-Pt.
Os voltamogramas cíclicos, quando sobrepostos para os três materiais de
elétrodo, permitem comparar a sua reatividade em ambientes idênticos. Os VCs
revelam que os três materiais, Wironit, Remanium e V-Gnathos®Plus são muito
pouco reativos, num largo intervalo de polarização (-0,6 a +0,5 V vs. Ag|AgCl)
e, que só a partir de E > +0,5 V a corrente sobe exponencialmente atingindo,
para o mesmo potencial, por exemplo para E = +0,7 V, valores mais elevados para
as ligas Wironit e Remanium comparativamente à liga V-Gnathos®Plus.
Efetivamente esta última é uma liga nobre, enquanto as outras duas são não
nobres.
- A voltameria cíclica permite concluir sobre a reatividade de diferentes
metais e ligas metálicas face ao mesmo meio.
2.4 Voltamogramas cíclicos de interfaces em meios indutores de corrosão
localizada: obtenção dos valores dos potenciais de rotura da passivação e da
repassivação
No voltamograma da Fig._6 o cruzamento de correntes anódicas é indicativo da
ocorrência de corrosão localizada (picadas ou outras formas de corrosão
localizada) durante o percurso anódico, seguido de repassivação durante o
percurso catódico.
Na Figura_6 mostra-se também como determinar o potencial de rotura da
passivação (Eb) e de repassivação (Erepass), seguindo o procedimento descrito
por MacDonald et al. [8]. Estes parâmetros são muito importantes na comparação
e caraterização do comportamento de metais e ligas quando submetidos a
ambientes agressivos.
3. VOLTAMETRIA DE VARRIMENTO UNIDIRECIONAL
3.1 Curvas de polarização anódica
A Fig._7 apresenta uma curva de polarização anódica típica de um metal ou liga
susceptível de sofrer corrosão ativa, seguida de passivação e transpassivação,
regiões que são identificadas na Figura.
De acordo com a Fig._7 quando é atingido um determinado valor de potencial, E
(I=0), começa a registar-se corrente anódica, isto é, o metal M inicia a sua a
oxidação, dando origem à corrosão ativa; depois a corrente sobe quase
exponencialmente, até atingir um valor máximo, Emax, caindo bruscamente para um
valor de intensidade de corrente quase nulo, tendo então início a região
passiva, a um potencial designado por Epass. Esta região de passivação pode ser
mais ou menos extensa, e, termina quando o filme mais ou menos espesso, for
destruído por dissolução transpassiva, se esta ocorrer antes da libertação do
O2.
Os filmes resultam da formação de compostos insolúveis, óxidos/hidróxidos ou
sais (reação de iões metálicos com os iões OH- ou com outros aniões presentes
no meio aquoso). Quando no limite anódico, após a região de passivação a
corrente sobe abruptamente, podemos ter dúvidas se o fenómeno associado à
subida da corrente é devido à dissolução do filme (oxidação eletroquímica) ou à
evolução de O2. Os exemplos de voltametria cíclica apresentados mostram como a
técnica pode ajudar a esclarecer essa dúvida. Quando ocorre dissolução
transpassiva do filme surgem necessariamente picos catódicos associados à
formação de espécies oxidadas resultantes da dissolução transpassiva, podendo
ainda definir-se um potencial designado por potencial de rotura da passivação,
Erup ou Eb.
3.1.1 Curvas de polarização anódica de metais e ligas em solução aquosa
A Fig._8 apresenta duas curvas resultantes de polarizações no sentido anódico.
Uma curva correspondente à liga dentária Pontor (Fig._8a) e outra (Fig._8b)
correspondente ao cobre.
A curva da Fig._8a, registada entre -0,5 e +0,7 V, revela que a liga dentária
designada por Pontor quando imersa em solução de saliva artificial, inicia o
processo de corrosão a cerca de -0,05 V. A liga apresenta uma região sem picos,
entre 0,0 e +0,5 V, e a região de transpassivação a cerca de +0,6 V vs. Ag |
AgCl. Por sua vez a curva da Fig._8b, para o sistema cobre | água do mar
sintética a 4 % apresenta um pico de oxidação, ao qual que se segue um patamar
bem definido, e a cerca de +0,12 V vs. SCE ocorre a transpassivação.
A Fig._9 apresenta duas curvas de polarização anódica que revelam de um modo
inequívoco a agressividade induzida pelos iões cloreto.
Na Fig._9, a curva correspondente à ausência de cloretos mostra uma região de
passivação do aço muito extensa (-1,0 a +0,5 V), região que é drasticamente
reduzida devido à presença do ião cloreto, observando-se uma subida exponencial
da corrente a aproximadamente -0,3 V.
3.1.2. Curvas de polarização anódica: obtenção de parâmetros característicos da
corrosão
O traçado de um voltamograma cíclico a uma velocidade intermédia, como por
exemplo, 100 ou 50 mV s-1, permite-nos, de um modo aproximado, num curto espaço
de tempo, obter a resposta de uma interface metal | eletrólito e, determinar
valores de parâmetro, como, por exemplo, o potencial a que a corrente é nula,
E´corr, que é um valor muito próximo do potencial de corrosão do sistema, sendo
em seguida possível efetuar, por exemplo, uma polarização de cerca de ± 200 mV,
em torno de E´corr, a uma velocidade baixa, e.g. 1 mV s-1, de modo a obter a
curva de polarização anódica de estado quasi-estacionário, para posterior
análise de Tafel.
Análise de Tafel das curvas de polarização
Na Fig._10a apresenta-se uma curva de polarização típica de uma interface que
sofre corrosão ativa, sendo que, os dois ramos da curva, o anódico e o
catódico, apesentam uma variação de corrente com o potencial do tipo
exponencial, ou seja, nesta região da curva tem-se um processo controlado
apenas pela transferência eletrónica.
Aplicando à representação da Fig._10b as formas limite da equação de Butler-
Volmer [1, 11-14] podem obter-se os parâmetros característicos do processo de
corrosão ativa, nomeadamente: o potencial de corrosão, Ecorr, a densidade de
corrente de corrosão, jcorr, e os coeficientes de Tafel dos processos anódico e
catódico, respetivamente ba e bc
Na região de corrosão ativa a cinética do processo eletroquímico (M → Mn+ +ne),
sob controlo cinético, pode ser descrita pelas equações:
Sendo ηa e ηc os sobrepotenciais anódico e catódico, definidos pelas
igualdades:
em que, Ee,a e Ee,c representam os potenciais de equilíbrio das reações anódica
e catódica respetivamente, jo representa a densidade de corrente de troca, e,
αa e αc os coeficientes de transferência de carga dos processos anódico e
catódico, respetivamente. Os declives das retas de Tafel, ba e bc são definidos
pelas igualdades:
Os valores típicos dos coeficientes de Tafel situam-se entre 30 e 120 mV dec-1,
contudo no caso da cinética do processo ser controlada por difusão, ba ou bc
tendem para ∞ [11-13]. Para E= Ecorr, verifica-se a igualdade (11), que define
a densidade de corrente de corrosão, jcorr:
Os ramos anódico e catódico da curva de polarização, como a apresentada na Fig.
10a, podem ser analisados, usando a representação logarítmica log j vs. E, e a
densidade de corrente de corrosão, jcorr, obtida por extrapolação das secções
lineares das retas de Tafel, para o potencial de corrosão, Ecorr (vide Fig.
10b). Os valores dos coeficientes de Tafel ba e bc são obtidos a partir da
inclinação das retas de Tafel. A linearidade deve ser observada para valores de
|η| > (2 ln10 RT) / (nF), o que implica, para T = 298 K, R = 8,31 J K-1 mol-1 e
F = 96500 C mol-1, |η| > 0,120/n (V). Note-se que os valores obtidos serão tão
mais corretos quanto maior for a extensão da linearidade, e melhor o ajuste dos
pontos à linearidade (χ2 > 0,999).
Os fundamentos da técnica podem ser encontrados em vários livros de texto
[1,11-14] e o cálculo dos erros inerentes às limitações da mesma, podem ser
obtidos na clássica publicação de Mansfeld [15].
Na Fig._11a apresenta-se uma curva de polarização típica da liga Wiron®88 (uma
liga de Ni-Cr-Mo) após um período de imersão de 24 horas, numa solução aquosa
de um meio de crescimento das Streptococcus, designado por BHI-S. Na Fig._11b é
apresentada a análise de Tafel da curva de polarização registada a 1 mV s-1.
As equações que descrevem as retas de Tafel para um coeficiente de correlação
de 0.999 estão inseridas na Fig._11b. Por comparação das equações obtidas com
as equações (8a) e (8b) obtêm-se os parâmetros de Tafel ba e bc e da
intersecção das duas retas obtêm-se os valores de Ecorr e jcorr (ver Tabela_1).
O método da análise de Tafel é um bom método quando temos corrosão ativa do
metal sem que ocorra passivação, o que se verifica, em geral, com metais ou
ligas não nobres mesmo à temperatura ambiente, em soluções ácidas ou pelo menos
ligeiramente ácidas.
A resistência de polarização linear, R
A técnica da resistência de polarização linear (LPR) assume que a interface
metal|eletrólito se comporta como uma resistência pura, pelo que deverá haver
uma região linear na curva de polarização, em redor de E´corr, sendo possível
calcular a resistência de polarização, Rp, diretamente da inclinação da linha
recta I vs. E. Contudo se a região linear não existir, ou for muito pouco
extensa (< Ecorr ± 20 mV), então, segundo Stern e Geary [17], Rp pode ser
obtida através da tangente à curva de polarização, no ponto E = E´corr, ou
seja:
O método pressupõe, segundo as normas ASTM 659-97 (2014) [18], o registo de uma
curva de polarização linear, a uma velocidade muito baixa (0,5 mV s-1), num
intervalo de potencial de ±20 mV, em torno de E´corr (I=0), devendo Ei ser
igual a (E´corr -20) mV.
Detalhes e outros aspetos relevantes da técnica de resistência de polarização
podem ser obtidos através da leitura e análise da publicação clássica de
Mansfeld [15].
O método da tangente permite obter valores precisos de Rp, sendo um método
muito simples de análise imediata e altamente sensível para testes
laboratoriais e também para aplicações industriais, sobretudo desde que no
mercado passaram a estar disponíveis células de 2 e 3 elétrodos, desenhadas
segundo normas bem estabelecidas [19] e, sistemas geradores de ondas/
potencióstato, que permitem aplicar um varrimento de potencial, a uma
velocidade constante e muito baixa, assegurando reprodutibilidade das curvas
traçadas num curto intervalo de potencial em redor de E´corr.
A técnica foi largamente usada, mesmo antes do aparecimento de equipamento mais
sofisticado, admitindo a linearidade da resposta I vs. E, em torno do potencial
em circuito aberto, Eocp, o qual pode ser determinado usando simplesmente um
voltímetro e um elétrodo de referência. O procedimento era, contudo, mais
moroso.
Rp pode ainda ser determinado pelo método da impedância eletroquímica, contudo,
segundo Brett [13], o método da voltametria de pequena amplitude é mais rápido
e exige equipamento e análise menos sofisticados.
3.1.3. Curvas de polarizações lineares de pequena amplitude: obtenção de Rp
Na Fig._12 é apresentada uma curva de polarização registada a 0,5 mVs-1 para a
liga Wiron®88, após 24 de imersão no meio BHI-S, a 37 ºC, sendo utilizado um
intervalo de polarização de cerca de ±20 mV em torno de E´corr.
Os valores de Rp e E´corr obtidos com base na análise da reta da Fig._12
(inverso do declive da reta) constam da Tabela_2.
Relação entre jcorr e Rp
A densidade de corrente de corrosão (jcorr) pode ser obtida ou pela análise de
Tafel da curva de polarização, ou através da equação de Stern-Geary, usando o
valor de Rp determinado pela técnica da resistência de polarização, e a
igualdade:
Rp pode ser expresso em (Ω cm2), resultando j em (A cm-2). Segundo a literatura
[13, 15] o valor de B varia entre 6,5-52,11 mV. Então, quando os coeficientes
de Tafel não tenham sido determinados, se forem usados os dois valores limite
de B, pode obter-se o intervalo de valores no qual a densidade de corrente de
corrosão se situa, e o erro máximo que podemos ter, usando esta aproximação, é
de apenas de um fator de 2. Por sua vez, como o parâmetro B da equação de
Stern-Geary se relaciona com os coeficientes de Tafel pela igualdade:
O parâmetro pode ser calculado para cada sistema, usando os valores resultantes
da análise de Tafel da curva de polarização anódica registada como resposta do
sistema a uma polarização potenciodinâmica.
Relação entre os parâmetros jcorr e Vcorr
Na realidade, e, considerando a corrosão uniforme, a grandeza com significado
em termos práticos, é a velocidade média de corrosão, Vcorr (perda de massa,
por unidade de área e de tempo). Obtida a densidade de corrente de corrosão,
jcorr, a relação que permite obter Vcorr é a seguinte:
Se ∆m, a perda de massa, for expresso em (mg), A a área em (cm2), t o tempo de
exposição em (s), M a massa molar em (g mol-1), F a constante de Faraday em (C
mol-1) e jcorr em (mA cm-2) obtem-se, Vcorr em (mg cm-2 s-1). Conhecida a
densidade do metal ou da liga, ρ, e admitindo corrosão uniforme, a velocidade
média de corrosão pode ser calculada em (μm ano-1), utilizando a igualdade:
Sendo que, ∆m representa a perda de massa (mg), ρ a densidade do metal ou liga
(g cm-3), A a área exposta (cm2) e t o tempo (h). De acordo com a literatura
[14] valores de Vp < 25 μm ano-1, significam que a resistência do metal ou liga
à corrosão é excelente. No outro extremo, temos valores, entre 500-1000 μm ano-
1, que correspondem a resistências muito fracas, ou seja, materiais que se
corroem com grande facilidade.
3.2 Voltametria de varrimento linear catódica
Curvas de varrimento linear e unidirecional do potencial, a uma velocidade
constante, podem ser anódicas ou catódicas, conforme o varrimento do potencial
é feito no sentido anódico (potenciais mais positivos), ou no sentido catódico
(potenciais mais negativos).
3.2.1 Polarização no sentido catódico: curvas de redissolução catódica
Quando se aplica ao sistema, durante um determinado tempo, uma polarização a um
potencial constante, situado na região de passivação, pode durante o varrimento
linear no sentido catódico, observar-se a ocorrência de picos associados à
redução das espécies formadas durante a polarização anódica, temos, assim, a
chamada voltametria de redissolução catódica.
A Fig._13 mostra três curvas catódicas correspondentes à redução do filme
formado na sequência da polarização ao potencial anódico de 0,00 V vs. Ag |
AgCl, com diferentes tempos de polarização (60, 120 e 300 s).
As curvas catódicas (LSVs) permitem detetar o número de picos e calcular a sua
carga, em função do tempo de polarização anódica. Conclui-se da análise da Fig.
13 que para uma polarização ao potencial de 0,0 V, o perfil catódico apresenta
picos de redução de intensidade assinalável, o que indicia que numa gama de
potencial entre -0,6 e 0,0 V, para os tempos de polarização indicados se formam
espécies que são reduzidas no varrimento inverso. O pico catódico bem definido
(CIII), a cerca de -0,17 V, para um tempo de polarização de 60 s, desloca-se
para potenciais mais negativos, possivelmente devido ao aumento da espessura do
filme formado, em função dos diferentes tempos de polarização, e, cresce em
intensidade com o tempo de polarização, consequência dum aumento da quantidade
de espécies formadas. Este pico pode ser atribuído quer à redução de compostos
de cobre (II), (previamente formados à superfície do elétrodo) a cobre
metálico. Por sua vez, o pico CV a -1,17 V e o pico CIV, a cerca de -0,9 V vs.
Ag | AgCl, estão provavelmente relacionados ou com a redução eletroquímica do
SnO2/Sn(OH)4 a Sn metálico e do Cu+ a Cu metálico, respetivamente.
Na Fig._14 são apresentadas curvas catódicas (LSVs) obtidas para elétrodos de
prata, produzidos a partir de amostras de prata não exposta e exposta a
atmosferas de referência (sulfureto de hidrogénio e cloretos) e em atmosfera
natural (interior da Sé do Porto).
As curvas de varrimento catódico, registadas entre 0,0 e -1,6 V vs. SME, de
amostras designadas como PB (prata polida), PS24 (prata com um filme de
sulfureto de prata, obtido durante uma exposição de 24 h, em atmosfera de H2S),
PCl5 (amostra de prata coberta com um filme de cloreto de prata, obtido em 5
horas de exposição, numa atmosfera de HCl) e a amostra CP4Sp (amostra de prata
exposta durante 4 semanas na Capela da Sé do Porto), revelam um pequeno pico,
designado por C6, na zona de redução do cloreto de prata, e um outro muito
maior na zona atribuída à redução do sulfureto de prata, pico C3, bem definido
e visível no espectro da amostra PS24.
- Amostras metálicas expostas durante determinado períodos de tempo numa
atmosfera contendo gases agressivos podem ser analisadas por voltametria de
redissolução catódica, podendo mesmo considerar-se essas amostras como sensores
da atmosfera envolvente.
Amostras com diferentes tempos de exposição deverão originar picos catódicos
com diferentes intensidades e naturalmente diferentes cargas (vide Fig._15).
Os LSVs revelam ao fim de 52 semanas de exposição da prata na Capela, um
aumento muito significativo da intensidade do pico C6 atribuído à redução do
cloreto de prata. Usando o valor das cargas de cada pico, identificado no LSV
de cada amostra, através da lei de Faraday tem-se:
∆m representa o ganho de massa (mg), A a área (cm2), M a massa molar do
composto formado (g mol-1), n o número de eletrões envolvidos no processo
redox, F a constante de Faraday (C mol-1) e Q a carga correspondente a cada
pico catódico (mC cm2). Admitindo corrosão uniforme, a espessura do filme, pode
ser estimada usando a fórmula:
ρ representa a densidade do metal ou liga (g cm-3), ∆m o ganho de massa (g), A
a área (cm2) e l a espessura do filme (cm). Utilizando os valores: ρ (AgCl) =
5,56 g cm-3; ρ (Ag2O) = 7,14 g cm-3 e ρ (Ag2S) = 7,23g cm-3, admitindo os
filmes não porosos e não hidratados, cobrindo toda a área geométrica da
amostra, é possível calcular a espessura do filme de cada espécie associada ao
correspondente pico catódico. Na Fig._16 estão representadas as espessuras dos
filmes de cada composto, obtidas com base nas cargas dos picos catódicos
correspondentes a cada um dos compostos identificados como constituintes do
filme formado sobre a superfície de amostras de prata expostas na Capela e no
Museu da Sé do Porto, durante 4 e 52 semanas.
- As curvas de redissolução catódica representam um método muito simples e
eficiente de identificar e quantificar compostos depositados em amostras
expostas, permitindo mesmo estimar a espessura dos filmes formados.
4. EQUIPAMENTO
4.1 Células eletroquímicas
Os estudos de voltametria cíclica e de varrimentos lineares unidirecionais
devem ser realizados em células de três elétrodos. Existem vários modelos
comerciais de células, mas também podem ser utilizadas células concebidas e
fabricadas para os sistemas a estudar em cada laboratório. Na Fig._17 é
apresentado o esquema de uma das células concebida e fabricada para os estudos
realizados no nosso laboratório.
4.2 Equipamento analógico
O potencióstato, uma peça de equipamento fundamental em voltametria, é
desenhado para garantir a aplicação e a medida do potencial aplicado ao
elétrodo de trabalho, (o material em análise), em relação a um elétrodo de
referência. A corrente que passa no circuito do elétrodo de referência deve ser
zero, embora na prática não seja exatamente zero, porque entre a ponta do
capilar de Luggin da célula eletroquímica e a superfície do elétrodo existe uma
resistência Ru não compensada que origina uma queda óhmica, IRu, em que I
representa a intensidade da corrente que passa através da célula e Ru a
resistência não compensada.
Uma montagem analógica para a realização de estudos de voltamteria cíclica
implica um gerador de ondas de potencial (triangulares ou outras) ligado a um
potencióstato que controla o potencial aplicado, em cada instante, entre o
elétrodo de trabalho (ET) e o elétrodo de referência (ER). Ligado ao
potencióstato, além dos 3 elétrodos da célula, tem-se também um conversor de
corrente /tensão, que converte a corrente, que passa entre o elétrodo de
trabalho e o contra elétrodo, em potencial para que no registador y/x seja
registada a curva I vs. E.
A análise das curvas, quando registadas numa folha de papel de um registador y/
x, implica um trabalho árduo e moroso, mesmo quando digitalizadas. Estas e
muitas outras dificuldades foram ultrapassadas com o desenvolvimento de
equipamento digital e sua disponibilidade no mercado.
4.3 Instrumentação digital
Nas últimas décadas, graças ao desenvolvimento de computadores pessoais,
componentes electrónicos, arquitetura de comunicação de dados, software, etc.,
foram concebidos sistemas de base digital para programação e aquisição de
dados. A instrumentação digital permite a programação e controlo da
voltametria, automatização de procedimentos, aquisição de dados em tempo real,
e análise direta dos dados obtidos com possibilidade de tratamento numérico a
posteriori.
5. CONCLUSÕES
- As potencialidades das técnicas de Voltametria Cíclica (VC) e da Voltametria
de Varrimento Linear Unidirecional (LSV), na obtenção de informação sobre o
comportamento de metais e ligas em ambientes mais ou menos agressivos, foram
demonstradas com exemplos selecionados dos muitos estudos realizados no grupo
de Corrosão e Sensores Eletroquímicos, do Centro de Ciências Moleculares e
Materiais (CCMM) da Universidade de Lisboa, coordenado por Inês Fonseca.
- Muitos outros exemplos poderiam ser apresentados, contudo crêse que estes são
bons exemplos das potencialidades das técnicas apresentadas no presente artigo.
Em paralelo, e em particular em estudos de investigação fundamental, a
espectroscopia de impedância eletroquímica (EIS), além de acrescentar outro
tipo de informação pode também confirmar os valores de Rp obtidos pelo método
da resistência de polarização linear (LPR).
- As técnicas de análise de superfícies, como a microscopia ótica e eletrónica,
entre outras, em muitos casos são extremamente úteis como técnicas
complementares na identificação das formas de corrosão e composição química dos
filmes associadas ao processo.
- As grandes vantagens conseguidas com o desenvolvimento da instrumentação
digital e sua utilização na aplicação das técnicas apresentadas no presente
artigo são realçadas.