DURABILIDADE DE COLETORES SOLARES TÉRMICOS: INSPEÇÃO E ANÁLISE DE FALHA EM FUNÇÃO DA CORROSIVIDADE AMBIENTAL
1. INTRODUÇÃO
No início do século XXI verificou-se uma grande expansão do
mercado dos coletores solares térmicos (CST) a qual sofreu algum
abrandamento a partir de 2011/2012 devido à crise económica
observada em Portugal e também na Europa. Apesar de
atualmente ser comercializada uma grande variedade de produtos,
a área do solar térmico está ainda numa fase tecnológica expansiva,
procurando-se produzir novos coletores com melhor desempenho
e de menor custo, tanto para baixas temperaturas ( 80 °C)
como para a gama de médias temperaturas (80-250 °C) [1-3].
Sendo equipamentos de custo relativamente elevado, espera-se
que tenham elevada durabilidade, rendimento e fiabilidade.
Nos últimos anos as políticas públicas deram incentivos à
instalação de CST, quer através de apoios financeiros diretos, quer
através de legislação que impõem a sua utilização para obtenção de
água quente em novos edifícios. A estimativa de CST instalados e
em funcionamento correspondia, no final de 2013, a uma área de
cerca de 905000 m e a uma potência de pico de 633 MWt [4]. Este
valor está longe ainda do que foi considerado o potencial exequível
de instalação de CST em Portugal, 2800000 m , tendo as aplicações
industriais um grande potencial ainda não explorado [5].
Um coletor deve cumprir 3 funções distintas: captação de
energia pelo absorsor, transferência de energia do absorsor para o
fluido circulante e transporte de energia pelo fluido circulante
através das tubagens. Além destas, podem ainda considerar-se
outras duas secundárias: confinamento e resistência estrutural
(degradação física, química, mecânica e dinâmica) [6].
É neste contexto que se enquadra a corrosão, com um elevado
impacto económico, ambiental e de segurança na sociedade, que
pode ser quantificado através da análise dos seus custos diretos e
indiretos. Um estudo encomendado pelo Congresso Americano,
realizado de 1999 a 2001 nos EUA, estimou que os custos diretos da
corrosão são 3,1 % do PIB americano e que 20 % a 30 % desses
custos são evitáveis [7]. Em Portugal, tendo em conta este estudo e
o nosso grau de industrialização os custos da corrosão podem ser
estimados entre 3-4 % do PIB. Considerando que 20 % são custos
evitáveis, estes traduzem-se em valores, de acordo com o PIB de
2014, entre 1040-2000 milhões de euros, onde a corrosão
atmosférica é a que mais contribui para os custos da corrosão [8].
Portugal é um país com grande potencial de aproveitamento da
energia solar térmica, devido ao elevado recurso solar. Este facto,
aliado a uma extensa linha de costa, tem um forte impacto na
durabilidade dos materiais utilizados nos coletores, quer sejam
metálicos ou poliméricos e, consequentemente, uma diminuição do
seu tempo de vida útil.
Existem várias metodologias de ensaio para a qualificação e
certificação de coletores solares térmicos [9]. No entanto, não
estão integradas neste processo as metodologias de ensaio dos
diferentes materiais/componentes desses sistemas, embora
existam referenciais normativos para os componentes elastoméricos,
comumente utilizados como vedantes, ISO 9808:1990 [10] e
ISO 9553:1997 [11], assim como a norma ISO 22975-3: 2014 [12]
para a qualificação de superfícies absorsoras solares em termos de
durabilidade. Nas duas primeiras assume-se que os principais
factores ambientais que contribuem para a degradação dos
componentes elastoméricos são a temperatura e o ozono. No
entanto, é também largamente conhecida a importância da
radiação UV como uma das causas de degradação destes materiais.
Na norma ISO 22975-3:2014 [12] assume-se que os principais
fatores ambientais que afetam a durabilidade de uma superfície
absorsora solar são: temperatura, humidade relativa e a
contaminação por dióxido de enxofre.
Encontra-se descrito e internacionalmente normalizado que os
fatores responsáveis por uma maior corrosividade ambiental são: a
temperatura, a humidade relativa, a poluição por dióxido de
enxofre e a salinidade [13, 14]. No entanto, para a qualificação de
superfícies absorsoras solares apenas o dióxido de enxofre é
considerado como o contaminante principal. Esta consideração é
discutível quando se trata de ambientes com uma forte influência
marítima como acontece em Portugal e muitos Países do Sul e do
Norte da Europa [15, 16]. No entanto, são estas zonas costeiras as
mais adequadas para a implantação dos sistemas de energia solar
atendendo à maior densidade populacional [17] e aos níveis de
radiação aí existentes, especialmente nas regiões de baixas
latitudes [18].
Portugal, tendo em conta a sua extensa linha de costa tem
ambientes de alta (categoria de corrosividade C4), muito alta (C5) e
de extrema corrosividade (CX) devido principalmente à temperatura,
humidade relativa, ao dióxido de enxofre mas fundamentalmente
devido ao elevado teor de cloretos [14, 15].
Assim, urge a necessidade de quantificar o impacto das
atmosferas salinas em coletores solares térmicos por forma a
melhorar as especificações dos materiais e a se reduzirem os
riscos dos investimentos e os custos de manutenção destes
sistemas.
Os objetivos deste trabalho são identificar os danos existentes
nos diferentes componentes dos coletores solares térmicos e
verificar se existe correlação entre o nível de degradação observado
e a corrosividade ambiental de Portugal tendo por base um
inquérito e visitas de inspeção realizados às instalações existentes
em Portugal de média e grande dimensão, com tempos similares
de funcionamento (13-17 anos).
2. METODOLOGIAS
A partir da década de 80 existiram programas financiados pelo
Governo Português para a instalação deste tipo de sistemas. Tendo
por base a informação da localização e a descrição das
características destas instalações, foi preparado e enviado um
inquérito para os proprietários destas instalações para caracterizar
as suas condições de funcionamento. O inquérito era composto
por duas partes, a primeira sobre a caracterização da
instalação e a segunda sobre os dados cronológicos. Na tabela 1
estão indicadas as principais questões colocadas no inquérito
relativamente à caracterização da instalação. Após a recolha das
respostas aos inquéritos, foram planeadas as visitas aos locais
tendo sido considerados 3 grupos definidos pela distância à orla
marítima, a ausência de fontes de poluição industrial/microclimas
e o tempo de funcionamento (Figura 1).
Tabela 1 - Questões colocadas no inquérito para caracterização das instalações.
Fig. 1 - Localização geográfica das instalações visitadas
No contexto de uma iniciativa pública denominada "Água
Quente Solar para Portugal", havia já sido realizado um inquérito às
diferentes instalações de CST em 2003-2004. Os autores tiveram
acesso a estes dados que contêm informação muito relevante
sobre os modos de falha mais comuns nas instalações de coletores
solares térmicos [6]. As principais caraterísticas das instalações
visitadas estão indicadas na tabela 2, sendo coincidentes com as
inspecionadas em 2003-2004, permitindo perceber a evolução da
degradação dos sistemas nos últimos 10 anos.
Tabela 2 - Principais características das instalações visitadas.
As inspeções foram realizadas de modo a obter informação
sobre o estado geral do sistema e sobre o estado dos componentes
metálicos e elastoméricos. Na tabela 3 estão indicados os parâmetros
que foram avaliados durante as visitas, sempre que
possível. A avaliação dos componentes foi também efectuada tendo
por base o Grau de Severidade descrito e adotado pela IEA-SHC
Task 27 [1] (tabela 4).
Tabela 3 - Avaliações efetuadas durante as visitas realizadas às instalações.
Tabela 4 - Critério de avaliação do modo de falha/processo de degradação
dos componentes.
Severidade(S) Grau
Nenhum efeito no componente 1
Efeito menor no produto mas nenhum efeito no funcionamento no sistema 2-3
Risco de falha de funcionamento 4-6
Certeza de falha no funcionamento do produto 7-9
Falha que pode afetar a segurança 10
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Nas figuras 2-5 são apresentados os registos fotográficos que
ilustram as instalações globalmente, assim como os diferentes
componentes observados. Tendo em conta o objetivo deste
trabalho, os resultados apresentados incidem na degradação dos
materiais metálicos e elastoméricos.
Fig. 2 - Visão global das instalações visitadas.
Fig. 3 - Registos da degradação observada nos componentes elastoméricos (vedantes,
juntas e passa-tubos).
A tabela 5 sintetiza o grau de severidade atribuído aos componentes
observados.
As avaliações da degradação dos componentes foi dificultada
por não se dispor de informação sobre os materiais/revestimentos
colocados. No que respeita aos componentes metálicos das estruturas
de suporte, as estruturas electrozincadas / galvanizadas
apresentavam-se muito mais corroídas nas instalações mais
próximas da costa. Relativamente às caixas dos colectores o facto
de a grande maioria serem de alumínio anodizado tornou difícil de
quantificar a corrosão por picadas. As superfícies absorsoras
observadas do Sul do País (H-I) apresentavam claramente um elevado
grau de degradação relativamente aos absorsores seletivos
das outras instalações, o que não se verificou com as superfícies
absorsoras não seletivas. No que diz respeito às tubagens, suporte
do absorsor e adutores observaram-se problemas que podem
estar associadas a uma incorreta especificação dos materiais, uma
vez que são observados problemas de corrosão galvânica.
Relativamente aos componentes elastoméricos, destaca-se a
retração dos vedantes, observada frequentemente. Foi também
observada fissuração em passa-tubos. Observou-se também em
muitos sistemas um embaciamento acentuado devido, em alguns
casos à deficiente conceção do sistema de ventilação do coletor
(orifícios de respiro de grande dimensão permitindo fácil entrada
de água ou contaminantes), mas também derivado de alterações
físicas na caixa do coletor (surgimento de frestas nos cantos da
caixa do coletor), assim como da redução dimensional dos vedantes
com consequente redução da estanquicidade dos mesmos e
aumento da corrosão/degradação do absorsor.
Globalmente, as superfícies absorsoras e os vedantes foram os
que apresentaram maior degradação.
Tabela 5 - Grau de severidade estimado para os componentes metálicos e elastoméricos
nas diferentes instalações de CST.
Fig. 4 - Registos da degradação observada nos diferentes componentes metálicos.
Fig. 5 - Correlação entre o grau de severidade e a distância da costa para as 9 instalações.
4. CONCLUSÕES
Muitos dos problemas encontrados não se devem apenas a
inadequadas especificações dos materiais mas também se devem a
deficiente projeto e/ou fabrico dos coletores, assim como da própria
montagem das instalações. Contudo, a separação das causas da
degradação observada nem sempre é fácil porque muitas vezes
existem sinergias entre as mesmas. Um deficiente funcionamento
por incorreções na instalação dos sistemas pode conduzir à rápida
perda de desempenho dos coletores.
No entanto, os resultados obtidos sugerem existir uma correlação
entre a proximidade do mar/categoria de corrosividade e o
grau de degradação observado nos diferentes componentes
metálicos. Algumas instalações com 15 anos apresentavam risco de
falha do sistema, nomeadamente as localizadas no Sul do País.
Também nas instalações mais próximas da orla marítima foi
constatado o maior grau de insatisfação dos proprietários, assim
como de componentes inoperacionais. Estes resultados corroboram
os resultados recentemente publicados [16, 19].
Relativamente aos componentes elastoméricos, verificou-se,
em particular no caso dos vedantes, a inadequação frequente do
material à aplicação, concluindo-se ser fundamental a qualificação
destes componentes e que esta inclua a avaliação do efeito da
radiação UV [20] além dos efeitos da temperatura e do ozono.
Este trabalho evidencia como o desempenho dos coletores
solares térmicos depende da durabilidade dos seus componentes,
em particular da superfície absorsora e dos componentes
elastoméricos, bem como do sistema de ventilação do coletor.
Conclui-se assim que é fundamental integrar ensaios de
qualificação dos materiais daqueles componentes nos sistemas de
certificação de colectores, assim como um sistema de avaliação da
ventilação do coletor. É ainda fundamental que todos os materiais
metálicos dos restantes componentes sejam especificados em
função da corrosividade ambiental dos locais onde vão ser
instalados.