Avaliação da fotodegradação de ABS exposto a condições naturais
1. Introdução
Os materiais poliméricos estão sujeitos a degradação por influência de
diferentes parâmetros, nomeadamente factores externos relacionados com as
condições atmosféricas (radiação ultravioleta (UV), oxigénio, humidade e
temperatura) e factores inerentes ao próprio material (características e
morfologia do polímero, presença de impurezas e de aditivos), que resultam em
alterações irreversíveis das propriedades, condicionando o seu desempenho e
tempo de vida útil [1, 2].
O acrilonitrilo-butadieno-estireno (ABS) é um copolímero com grande aplicação
na indústria transformadora de plásticos devido às suas excelentes propriedades
(mecânicas, eléctricas, químicas e ópticas) e ao seu baixo custo para um
polímero de engenharia.
O ABS apresenta uma particularidade interessante do ponto de vista tecnológico,
uma vez que é possível obter materiais com propriedades específicas adequados
para diferentes aplicações através da alteração da quantidade de monómero
presente e do método de polimerização [3].
Nas últimas décadas o ABS tem sido utilizado numa elevada gama de aplicações,
nomeadamente na indústria automóvel (peças para interiores e pára-choques),
electrónica (computadores e telemóveis), electrodomésticos (frigoríficos,
micro-ondas, aspiradores) e brinquedos (Lego®). Actualmente, este material tem
sido considerado um excelente candidato como modificador de impacto para
polímeros biodegradáveis devido ao facto destes apresentarem propriedades
mecânicas insatisfatórias.
No entanto, os copolímeros de ABS apresentam uma elevada susceptibilidade à
radiação UV na presença de oxigénio, restringindo a sua utilização em
aplicações exteriores. A degradação foto-oxidativa do ABS tem sido atribuída à
elevada quantidade de ligações duplas carbono-carbono presentes no componente
butadiénico, provocando a formação de espécies muito reactivas nomeadamente
radicais livres, peróxidos e hidroperóxidos, responsáveis por induzir a
oxidação do poliestireno na macrofase acrilonitrilo-estireno [4].
A compreensão dos mecanismos de degradação e estabilização do ABS é um tema
muito pouco aprofundado até ao momento, existindo uma falta de informação
científica acerca desse assunto. Os estudos que existem estão essencialmente
focados nos mecanismos de degradação química e exclusivamente para amostras
submetidas a ensaios de envelhecimento artificial [5].
O trabalho já realizado [6] mostrou a existência de uma correlação entre as
alterações químicas que ocorrem à superfície do ABS e a perda das propriedades
mecânicas. Todavia, a evolução destas propriedades mostra o comportamento do
material como um todo, embora a degradação seja um fenómeno que ocorre
preferencialmente à superfície do copolímero. Neste âmbito, pretende-se neste
trabalho estudar a influência das condições atmosféricas à superfície e ao
longo da espessura de amostras de ABS, através de espectroscopia de
infravermelhos e correlacionar as alterações químicas com a perda de
propriedades mecânicas. Os resultados obtidos mostram que embora a degradação
seja um fenómeno superficial, a capacidade de deformação do material é
drasticamente afectada para pequenos períodos de exposição, sem que tenham
ocorrido quaisquer modificações químicas no interior da amostra.
2. Procedimento experimental
2.1. Materiais e processamento de amostras
Neste trabalho utilizou-se ABS Terluran High Impact ' 10 (BASF) como matéria-
prima. As amostras de ABS em fita (2.5 mm × 0.5 mm) foram preparadas numa
extrusora monofuso (Luigi Bandera, L/D 30). As condições de processamento
utilizadas foram velocidade de rotação do fuso de 75 rpm e uma gama de
temperaturas entre os 175 ºC e os 200 ºC (Tabela 1).
Tabela 1 ' Condições de processamento
As amostras obtidas por extrusão foram arrefecidas numa tina de água, secas ao
ar e cortadas nas dimensões requeridas (100 mm × 2.5 mm × 0.5 mm).
2.2. Envelhecimento Natural
As amostras foram expostas em ambiente natural na cidade de Lisboa (clima
Mediterrânico) durante 4 meses. As condições atmosféricas foram devidamente
monitorizadas segundo uma estação meteorológica local e a temperatura à
superfície das amostras foi determinada através de um termopar. As amostras de
ABS foram colocadas num porta-amostras de madeira, com um ângulo de 45º para
sul, de acordo com a norma [7].
Ao longo do tempo de exposição, as amostras foram removidas periodicamente do
suporte (de 15 em 15 dias) e posteriormente sujeitas a caracterização.
2.3. Técnicas de Caracterização
As alterações químicas que ocorrem na superfície de amostras de ABS como
consequência da degradação foram analisadas por Espectroscopia de
Infravermelhos com Transformada de Fourier (FTIR). Os espectros de FTIR (64
scans e resolução de 4 cm-1) foram obtidos através de um Perkin Elmer Spectrum
Spotlight 300 acoplado a um acessório de reflexão total atenuada (ATR), entre
os 4000 e 650 cm-1. Aos espectros de infravermelhos obtidos para cada amostra
foi subtraída a linha de base, que foi obtida sem a presença de amostra sob o
cristal de ZeSn.
Para o estudo da influência da degradação foto-oxidativa ao longo da espessura
das amostras de ABS foi utilizada a espectroscopia de infravermelho em modo de
transmissão com microscópio acoplado.
As amostras utilizadas foram cortadas ao longo da secção à temperatura ambiente
com a utilização do micrótomo Leitz. Imagens de microscopia óptica e o
mapeamento das secções transversais foram obtidas recorrendo ao Perkin Elmer
Spectrum Spotlight 300. Posteriormente, espectros de infravermelhos foram
obtidos em zonas específicas da amostra com base no espectro total de absorção
obtido por mapeamento.
A evolução do comportamento mecânico das amostras de ABS submetidas ao
envelhecimento natural foi realizada numa máquina universal de ensaios da
Polymer Laboratories (Miniature Materials Tester - MINIMAT). As amostras foram
estiradas na direcção perpendicular ao processamento das mesmas, a uma
velocidade de 2 mm.min-1, à temperatura ambiente. Para cada amostra foram
realizadas 6 réplicas e a sua espessura medida com um paquímetro Mitutoyo com
uma precisão de 25 μm.
3. Resultados e discussão
Espectros de FTIR-ATR foram obtidos para as amostras de ABS expostas em
ambiente natural, por períodos de tempo definidos, para avaliar as alterações
químicas que ocorrem à superfície do material. Os resultados obtidos estão
apresentados na Figura 1a.
Fig._1 ' Espectro de FTIR-ATR na região do butadieno de a) amostras de ABS
degradadas e b) evolução da quantidade de PB em função do tempo de exposição.
As bandas de absorção características de cada componente do ABS foram
confirmadas a partir da literatura. Deste modo, verifica-se a presença de uma
banda a 911 cm-1 relativa ao estiramento de átomos de hidrogénio ligados a
átomos de carbono (1,2 butadieno) e outra banda 966 cm-1 referente ao 1,4
butadieno. As bandas de absorção características do estireno podem ser
observadas a 1494 e 1600 cm-1 como resultado das vibrações de ligações duplas
C=C presentes no anel aromático.
O butadieno tem sido referido na literatura como o principal responsável
envolvido na foto-oxidação do ABS, devido aos vários produtos que se formam
durante todo o processo de degradação e que posteriormente se difundem para a
macrofase acrilonitrilo-estireno, provocando a formação de novos compostos
responsáveis pela elevada absorção na região dos carbonilos e hidroxilos.
A Figura 1b mostra a evolução da percentagem de butadieno ao longo do tempo de
exposição. Os resultados obtidos permitem observar um decréscimo drástico de
butadieno para curtos períodos de exposição (15 dias). Contudo, o decréscimo do
1,4 butadieno (966 cm-1) é mais pronunciado relativamente ao 1,2 butadieno (911
cm-1). Estes resultados estão em acordo com os obtidos por outros autores [4].
Do ponto de vista tecnológico, as propriedades mecânicas são um factor
importante em termos de aplicabilidade e que devem permanecer praticamente
inalteráveis durante o ciclo de vida útil do material.
A influência das condições atmosféricas no comportamento mecânico das amostras
de ABS foi monitorizada através de ensaios de tracção.
As curvas de tensão vs deformação permitem caracterizar a capacidade de
alongamento do material, tensão máxima, módulo de elasticidade, tensão e
deformação de ruptura. A Figura 2 mostra a evolução das propriedades mecânicas
em função do tempo de exposição.
Fig. 2 - Evolução do comportamento mecânico das amostras sujeitas a diferentes
períodos de exposição natural
As amostras de ABS expostas apresentam uma elevada perda de deformação à
ruptura (aproximadamente 80 %) para tempos de exposição curtos (15 dias),
indicando que a degradação induz fragilidade no ABS tornando inaceitável a sua
aplicação.
Este resultado pode ser explicado considerando o decréscimo acentuado da
quantidade de butadieno na superfície da amostra (Figura_1), que mostra que a
quantidade deste é cerca de 9% da inicial após 15 dias de exposição. No
entanto, se por um lado a degradação é um fenómeno que ocorre à superfície a
avaliação do desempenho mecânico envolve a amostra na totalidade. Por este
motivo, procurou-se entender se só as modificações químicas observadas à
superfície do material, nomeadamente perda de butadieno, eram o único factor
responsável pela perda de elasticidade do ABS. Para isso, efectuou-se o estudo
da estrutura química ao longo da espessura da amostra. As imagens obtidas
através de microscopia óptica estão apresentadas na Figura 3.
Fig. 3 ' Área de secção de uma amostra de ABS: a) não degradada e b) degradada
com 120 dias de exposição.
A Figura 3a apresenta uma amostra de ABS não degradada, pode-se verificar que
esta possui uma superfície regular e de aspecto homogéneo ao longo de toda a
secção transversal. Comparativamente, pode-se verificar que a superfície de ABS
exposta a 120 dias apresenta uma elevada rugosidade e presença de fissuras que
se propagam para o interior da amostra (Figura 3b).
Posteriormente foi realizado o mapeamento das amostras com o intuito de
observar o efeito da radição UV ao longo da secção transveral das amostras
(Figura 4).
Fig. 4 ' Mapeamento da superfície por FTIR acoplado a microscópio óptico de uma
amostra de ABS: a) não degradada e b) degradada com 120 dias de exposição.
A Figura 4 apresenta o mapeamento de amostras de ABS não degrada e exposta
durante 120 dias. Os resultados obtidos sugerem que a degradação é um fenómeno
heterogéneo que ocorre essencialmente à superfície e que tende a propagar-se
para o seu interior. Na Figura 4 b) é possível verificar que a superfície da
amostra possui uma microestrutura irregular e com presença de fissuras, como
consequência da exposição, comparativamente à amostra de ABS não degradada
(Figura 4a).
Espectros de infravermelhos em transmissão foram recolhidos no interior (1) e à
superfície (2 e 3) das amostras de ABS (Figura 5).
Fig. 5 ' Espectros de infravermelho em modo de transmissão para amostras de
ABS: a) não degradada e b) degradada com 120 dias de exposição.
A Figura 5 mostra os espectros de FTIR obtidos em diversos pontos ao longo da
espessura para as amostras de ABS não degradada e submetida a 120 dias de
exposição. Através dos resultados obtidos verifica-se que as alterações
químicas mais significativas ocorrem na superfície comparativamente ao interior
do material, o que está de acordo com resultado apresentado na Figura 4.
A degradação foto-oxidativa ocorreu essencialmente na zona 2 e 3, apresentando
o aumento da banda correspondente à região dos grupos hidroxilo (3400 ' 3000
cm-1) e dos grupos carbonilo (1700 cm-1), assim como a diminuição das bandas de
butadieno inicialmente presentes.
4. Conclusões
Os resultados obtidos mostram que a degradação é um fenómeno heterogéneo e que
ocorre inicialmente na superfície do material. Além disso, a alteração da
estrutura molecular à superfície é responsável pela diminuição do desempenho
mecânico das amostras de ABS degradadas.
Verifica-se que as amostras degradadas perdem praticamente todo o componente
butadiénico (PB) para tempos curtos de exposição (15 dias) e que a sua
superfície apresenta fissuras e uma rugosidade elevada quando comparada com as
amostras não degradadas.
O mapeamento e posteriormente, a espectroscopia de infravermelho realizado em
zonas específicas da secção transversal do ABS confirmou que a degradação é um
fenómeno superficial heterogéneo que tende a propagar-se para o interior da
amostra.