Comportamento à fadiga de painéis aeronáuticos fabricados por processos
emergentes
1. Introdução
A redução de peso é uma das maiores preocupações no projecto de estruturas
aeronáuticas [1]. Devido ao crescente interesse em estruturas integrais, têm
aumentado os estudos para o desenvolvimento de metodologias de previsão de
falha em estruturas contendo dano quando sujeitas a carregamentos cíclicos,
[2].
A correcta avaliação da resistência de uma estrutura aeronáutica é necessária
para a sua eficiente manutenção, reparação e monitorização estrutural, [3].
Assim, a análise de tolerância ao dano deverá fornecer informação sobre o
comportamento da estrutura na presença de fendas (e/ou defeitos).
Presentemente, estão a ser desenvolvidos estudos para validar o design destas
novas estruturas monolíticas que procuram igual ou superior performance do que
o tradicional design, reduzindo ao mesmo tempo os custos de produção, [4].
Na indústria aeronáutica a fuselagem de um avião inclui, entre outros
componentes, o painel externo e reforços longitudinais [5]. Presentemente os
reforços são ligados ao painel da fuselagem por meio de rebites. Estes reforços
(stiffeners') melhoram a resistência e estabilidade da estrutura e são um meio
para desacelerar ou mesmo deter o crescimento de fendas. No ensaio destes
painéis reforçados deverá ser prestada especial atenção às condições de
carregamento e fixação de modo a que o comportamento do painel seja semelhante
ao de serviço, [6].
Os reforços rebitados podem permanecer intactos quando uma fenda propaga no
painel, e funcionam como um caminho alternativo para a distribuição de forças.
No caso de uma estrutura integral, uma fenda irá propagar simultaneamente no
painel e no reforço, causando a fractura do mesmo, [7].
O estudo da tolerância ao dano pode ser efectuado usando conceitos de mecânica
da fractura linear elástica, sendo o factor de intensidade de tensão um dos
principais parâmetros. A mecânica da fractura pode ser usada em conjunto com
uma lei de propagação para prever a vida à fadiga de fuselagens aeronáuticas.
Brot et al [8] apresentam um estudo sobre a tolerância ao dano de painéis
contendo stiffeners' reforçados por reforços em material compósito. Nesse
estudo para além de medições experimentais foi utilizado o software NASGRO para
avaliar a propagação de fendas, e verificou-se que estes reforços podem
melhorar a tolerância ao dano deste tipo de painéis. Existem também estudos nos
quais é feita uma análise fractográfica da superfície de fractura de painéis
com stiffeners', e.g. [9]. Estas análises pretendem também inferir a
velocidade de propagação de fendas, neste caso através do espaçamento entre
estrias de fadiga. Outros estudos são focados na previsão da vida à fadiga
deste tipo de painéis através de métodos numéricos. Nos estudos apresentados em
[10-11] é estudado o efeito das tensões residuais derivadas de diferentes
processos na vida à fadiga de painéis com dois stiffeners'.
Este trabalho, inserido no âmbito do projecto da DaToN da União Europeia, tem
como objectivo estudar e desenvolver ferramentas que permitam o conhecimento da
tolerância ao dano de estruturas integrais que contenham reforços. As
estruturas integrais estudadas neste projecto (painéis com dois reforços) foram
produzidas através de três diferentes processos: maquinagem de alta velocidade
(HSM), soldadura laser (LBW) e soldadura Friction Stir Welding (FSW). Foi
realizado um programa de ensaios que inclui o estudo da velocidade de
propagação de fendas em cada tipo de painel.
2. Análise por elementos finitos
A geometria do painel estudado é apresentada na Fig. 1. Foi realizada uma
análise 3D por elementos finitos usando o software ABAQUS, [12].
Fig. 1- Geometria do painel DATON, [13].
O centro de gravidade da estrutura está situado a 2.76mm da face posterior do
provete, na direcção dos stiffners', tendo sido a carga aplicada alinhada com
este plano. A carga aplicada corresponde a uma tensão remota de 100MPa
distribuída uniformemente. Foram analisadas três diferentes condições: painel
com e sem fenda, e painel com fenda e dispositivo anti-flexão.
Na análise apresentada o eixo x (e 1) é o eixo coordenado na direcção da
espessura do painel, y (e 2) é o eixo na direcção de aplicação da carga, e o
eixo z (e 3) é o eixo na direcção transversal. O lado do provete que contem os
stiffeners' será identificado como lado posterior', enquanto o lado oposto
será identificado como lado anterior'.
Foram utilizados 60083 elementos para modelar o provete. O modelo deformado,
que apresenta a tensão na direcção de aplicação da carga, σy, para o caso do
painel não fendido é apresentado na Fig. 2.
Fig. 2- Modelo não fendido deformado, tensão na direcção de aplicação da carga.
Foi também modelado o caso de o painel conter uma fenda entre os stiffeners'
com 2a=55.39mm. As tensões para este caso são apresentadas na Fig. 3.
Fig._3-
Detalhe da distribuição de tensões no caso de o painel conter uma fenda.
A evolução da tensão σy ao longo dos nós sobre a seta a), para o caso de um
painel fendido e não fendido, é apresentada na Fig. 4. No caso do painel não
fendido, os valores de tensão são superiores na placa e decrescem ao longo do
stiffener'. Os valores máximo e mínimo da tensão nesta linha são 112.2MPa e
17.5MPa, respectivamente. A introdução de uma fenda no painel leva ao aumento
dos valores de tensão na placa e a um decréscimo no topo dos stiffeners'.
Fig. 4- Distribuição de tensão nos nós sobre a seta a) da Fig._3.
A distribuição da tensão σy ao longo da direcção longitudinal do stiffener' é
apresentada na Fig. 5. A distribuição das tensões na linha a) (topo do
stiffener'), linha b) (superfície lateral do painel), e linha c) (linha
mediana do provete) é apresentada na Fig. 6.
Fig. 5- Distribuição da tensão σy ao longo da direcção longitudinal do provete.
Fig. 6- Distribuição de tensões sobre as linha a), b) e c).
3. Vida à fadiga do Painel Daton; Medições experimentais
Foram realizados ensaios de fadiga sobre painéis com dois stiffeners'
fabricados por três diferentes processos: HSM, LBW e FSW. Os painéis foram
fabricados usando a liga de alumínio AA6056, sendo esta considerada uma liga
com potencial para aplicação aeronáutica pois permite o fabricado de estruturas
através de soldadura que envolva ou não fusão. Foram testados um total de dez
provetes.
As medições de comprimento de fenda foram efectuadas seguindo o esquema
apresentado na Fig. 7.O lado posterior do provete é o lado que contem os
stiffeners'.
Fig. 7- Representação esquemática das medições.
3.1 Ensaios de tracção e velocidade propagação de fenda no material base
A caracterização do material base é apresentada em [14]. Verificou-se que para
o material em ambas as condições os provetes testados com R=0.5 apresentam
superior velocidade de propagação de fenda para um mesmo valor de ΔK. Para além
disso, os provetes extraídos dos painéis LBW apresentam uma velocidade de
propagação de fendas superior aos extraídos dos provetes HSM.
3.2 Painéis HSM
Foram testados painéis contendo dois stiffeners' usando, num caso uma tensão
máxima de 80MPa com R=0.1 (provete HSM01), e no outro caso uma tensão máxima de
110MPa com R=0.5 (provete HSM02). Durante o teste foi registada a distribuição
de tensão presente em carregamentos estáticos e cíclicos, tendo sido também
registado o comprimento de fenda ao longo dos carregamentos de fadiga. Para
iniciação de fenda de fadiga, foi criado um entalhe através de electroerosão
com 20mm de comprimento no centro do provete. Os provetes foram instrumentados
com extensómetros respeitando o esquema apresentado na Fig. 8.
Fig. 8- Localização de extensómetros nos painéis. (os extensómetros entre
parênteses situam-se na face anterior do provete)
Durante o ensaio foi verificada simetria de tensões ao longo da largura do
provete. Os valores mais baixos de tensão foram encontrados no topo do
stiffener' (extensómetros C2 e C4).
Durante o ensaio de fadiga a distribuição temporal de tensões foi também
registada, sendo essa distribuição apresentada na Fig. 9. Verifica-se que
quando a fenda se aproxima dos stiffeners' a maior parte da carga é
transferida pela parte anterior do provete.
Fig. 9- Distribuição de tensões ao longo do ensaio de fadiga, provete HSM01.
O registo do comprimento de fenda' vs. número de ciclos' para o provete HSM01
é apresentado na Fig. 10. Este provete teve uma vida de 113784 ciclos até à
rotura, tendo sido a primeira fenda de fadiga detectada aos 15000 ciclos. A
fenda começou a propagar no stiffener' aos 109800 ciclos, o que corresponde a
cerca de 96.5% da vida total do provete.
Fig. 10- Teste de velocidade de propagação de fenda no provete HSM01.
O provete HSM02 apresentou uma vida total de 117744 ciclos, tendo sido a
primeira fenda de fadiga detectada aos 7500 ciclos. A fenda começou a propagar
no stiffener' aos 113000 ciclos, o que corresponde a 96.0% da vida total do
provete.
3.3 Painéis LBW
Foram testados seis provetes soldados por LBW. Destes painéis, três foram
testados com tensão máxima de 80MPa, R=0.1 e os outros três usando tensão
máxima de 110MPa, R=0.5. Os painéis testados apresentavam duas condições
diferentes:
i- No primeiro conjunto de painéis, depois do processo de soldadura, os
painéis foram submetidos ao tratamento de envelhecimento artificial T6 (PWHT),
tendo sido a maquinagem dos provetes efectuada com estes no estado T4,
ii- Os restantes painéis foram tratados para o estado T6 antes de serem
soldados (as-welded).
Foram testados painéis com duas configurações de soldadura diferentes (LBW1 e
LBW2), Fig. 11. A principal diferença passa pela localização do cordão de
soldadura. A soldadura LBW1 é uma soldadura de canto, enquanto a soldadura LBW
é uma soldadura topo-a-topo.
Fig. 11- Configurações da soldadura nos provetes LBW.
No restante artigo serão apresentados gráficos comparativos do comportamento
dos diferentes tipos de painéis (Fig. 12 e Fig. 13).
Fig.12-
Comparação de a-N para os provetes testados com R=0.1.
Fig.13-
Comparação de a-N para os provetes testados com R=0.5.
3.4 Painéis FSW
Foi testado um painel com uma tensão máxima de 80MPa e R=0.1, e um segundo
painel com uma tensão máxima de 110MPa e R=0.5. Os painéis foram soldados no
estado T4 e depois tratados e testados no estado T6.
3.5 Discussão de resultados
A comparação do comportamento à fadiga dos provetes HSM, LBW e FSW testados com
R=0.1 e R=0.5 é apresentada na Fig._12. e Fig._13. Para ambos os valores de R,
os provetes HSM apresentam a menor vida à fadiga. Por outro lado, os provetes
PWHT-T6 na configuração LBW2 apresentam a maior vida à fadiga para ambos os
valores de R.
O provete FSW ensaiado usando R=0.1 apresenta vida semelhante à encontrada para
o provete LBW2 as-welded'. Para R=0.5 o provete FSW apresentou melhor
comportamento do que o provete LBW1 PWHT-T6 e pior comportamento do que o
provete LBW2 as-welded'.
Em todos os provetes verificou-se que os stiffeners' não retardaram a
velocidade de propagação das fendas de forma significativa, possivelmente
devido à curta largura dos provetes. Contudo, assim que os stiffeners' são
fracturados os provetes apresentam apenas vida marginal até à rotura.
4. Conclusões
· Os painéis soldados apresentam vida à fadiga superior aos painéis
apenas maquinados. Isto implica que a velocidade de propagação nos provetes
soldados seja na sua generalidade inferior à dos painéis maquinados. Este
comportamento está por certo associado à presença de tensões residuais nos
provetes soldados.
· Nos provetes LBW foram identificados poros com diâmetro máximo de
0.24mm. Estes poros coincidem com a penetração máxima do laser durante a
soldadura. Também foram detectadas fendas na transição entre o material fundido
e não fundido.
· Nos provetes FSW a superfície de fractura no metal base apresenta uma
superfície mais regular do que na zona afectada pela soldadura. Esta diferença
reflecte-se na identificação de estrias de fadiga.