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EuPTCEEx1646-88722012000100001

EuPTCEEx1646-88722012000100001

variedadeEu
Country of publicationPT
colégioEx-Tech-Multi Sciences
Great areaExact-Earth Sciences
ISSN1646-8872
ano2012
Issue0001
Article number00001

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Gestão Costeira: resultado de uma relação dúbia entre o Homem e a Natureza ARTIGO INTRODUTÓRIO / INTRODUCTORY ARTICLE Gestão Costeira: resultado de uma relação dúbia entre o Homem e a Natureza

1. Introdução O objectivo central da Gestão Costeira é o Homem. Sem o Homem as zonas costeiras não careceriam de qualquer tipo de gestão. É o Homem que impõe a necessidade dessa gestão como forma de, presumivelmente, melhorar o nível de exploração dos recursos naturais. Claro que, nesta óptica, se pressupõe como verdadeira a dicotomia Homem – Natureza, isto é, que são entidades distintas, o que, em rigor, não corresponde à verdade.

Sem a presença do Homem, a Natureza gere-se a si própria segundo leis universais, imparciais e incorruptíveis. Porém, a gestão natural apresenta características antagónicas aos valores estabelecidos pelo Homem (entre os quais a justiça, a igualdade, a compaixão, a solidariedade, a condescendência e a segurança). Na realidade, se nos centrarmos em qualquer espécie (animal ou vegetal), a Natureza é tipificada pela crueldade, pela injustiça e pelo desprezo pelos valores essenciais a essa espécie.

Todavia, a Natureza gere-se a si própria com extrema eficácia, garantindo verdadeira sustentabilidade para o futuro a curto, médio, longo e muito longo prazos. Ao longo dos cerca de 3,5 biliões de anos de vida na Terra os ecossistemas foram-se sucedendo, tornando-se progressivamente mais complexos.

Num planeta dinâmico como é o nosso, diversas componentes abióticas dos ecossistemas foram mudando de características, levando a que as componentes bióticas se adaptassem e evoluíssem.

Neste jogo abiótico – biótico também as acções das componentes vivas provocaram modificações, por vezes fundamentais, nas componentes abióticas. Geraramse mesmo, com frequência, mecanismos de retroalimentação (feed-back) que conduziram a grandes modificações ecossistémicas. A vida baseada no oxigénio resultou precisamente dessas modificações. Refira-se que nos primeiros ecossistemas terrestres, constituídos por organismos unicelulares, os níveis de oxigénio na atmosfera eram ínfimos, provavelmente inferiores a 1% (e.g., Yang et al, 2002). Para os organismos então dominantes o oxigénio era letal. O aumento de oxigénio na atmosfera terrestre constituiu modificação profunda, a qual ultrapassou os níveis de resiliência de muitos ecossistemas, forçando a componente biótica a adaptar-se e a evoluir. Desenvolveram-se, assim, métodos bioquímicos para reter o oxigénio, sendo um dos principais a respiração aeróbica.

Foi muito provavelmente o acréscimo de oxigénio atmosférico, em conjunto com outras alterações dos factores abióticos (e.g., glaciações), que proporcionaram a “explosão cambriana”, cerca de 530 milhões de anos, quando rapidamente (aprximadamente 70 milhões de anos) surgiram os phyla mais importantes, aumentando extraordinariamente a biodiversidade. Muitos outros casos de quebra de resiliência ecossistémica, capacidade de adaptação e de impulso evolucionista se poderiam referir, como o que culminou no aparecimento das plantas vasculares, no Silúrico, uns 443 milhões de anos.

É de relevar que foi precisamente a rápida modificação dos factores abióticos, no final do Mesozóico, 65 milhões de anos, que ultrapassou os níveis de resiliência de muitos dos ecossistemas então existentes, provocando uma extinção em massa de espécies animais e vegetais, incluindo os dinossáurios.

Foi a janela de oportunidade para os mamíferos, que tinham surgido muito tempo antes, no início do Mesozóico, 250 milhões de anos, mas que se tinham mantido com dimensões diminutas (do tamanho de ratos) e com pequena importância ecológica. Foi o evento que, mais tarde, uns 200 mil anos, viria a propiciar o Homo sapiens, ou seja, do Homem.

E foi o Homem que, primeiro timidamente, depois com relevância crescente, começou a tentar “melhorar” alguns processos naturais, a alterar de forma progressiva o funcionamento dos sistemas terrestres, a colocar cada vez mais a Natureza ao seu dispor. Instituiu-se como a espécie dominante e soberana do planeta que o produziu. Actualmente transformou-se no principal agente modelador das zonas costeiras.

Corrompendo a lógica das leis naturais, onde a adaptabilidade às modificações ambientais constitui factor de suma importância para a sobrevivência da espécie, o Homo sapiens sapiens adaptou-se como pode às alterações do meio em que vivia (e com isso evoluiu), mas com o poder tecnológico que desenvolveu, tenta adaptar a Natureza aos seus próprios interesses.

O Homem, que pode ser considerado como única espécie “moral”. Como defendia Kant (1784 [2004]), não é somente a obrigação moral o factor mediador das relações entre os homens; elas acabarão por ocorrer a partir de uma sociedade moral; todavia, ao mesmo tempo em que o Homem traz em sua natureza uma disposição para associar-se, tende à preguiça, à cobiça, à dominação. O Homem, espécie única, com qualidades ímpares, com imperfeições evidentes, com contradições surpreendentes.

Assim, ao tentar assumir-se como entidade reguladora dos processos dos quais depende, mas que conhece ainda mal e que, efectivamente, não controla, o Homem entrou em conflito consigo mesmo. E esses conflitos são evidentes na exploração dos recursos marinhos, e nunca é demais relembrar que o litoral é o principal recurso marinho explorado na actualidade (Dias et al., 2009). Com efeito, nas zonas costeiras, o turismo conflitua com as actividades portuárias, as pescas com os efluentes industriais, as explorações minerais com o urbanismo, e os exemplos poderiam continuar quase ad infinitum.

Porém, a conflitualidade reveste-se de amplitudes bastante maiores quando se tem em atenção que as zonas costeiras são (positiva ou negativamente) afectadas por:

* tudo o que acontece nas bacias hidrográficas (e.g., desflorestações, barragens, impermeabilização de grandes áreas, esgotos urbanos e industriais); * pelas alterações provocadas pela sociedade no clima atmosférico (local, regional e global); * pelas mudanças na agitação marítima (devidas a dragagens, aterros ou construção de estruturas marinhas; * pelas transformações que induz no comportamento litosférico (como subsidência devida à carga induzida por grandes metrópoles ou à extracção de grandes volumes de fluidos – água, petróleo, gás).

É precisamente devido a todos estes níveis de conflitualidade que as zonas costeiras carecem de uma gestão cuidada, tendo como base o conhecimento científico do funcionamento dos sistemas naturais, mas baseada em princípios “morais” específicos da espécie humana, tais como a coesão e a equidade sociais, a participação pública e a prática plena da cidadania, a co- responsabilização social (estruturas governamentais, populações, agentes económicos, associações representativas), e a dignificação do conhecimento científico como matriz de base da construção de uma nova sociedade preocupada com o desenvolvimento sustentável inter-geracional.

Para resolver os problemas que afectam o litoral é fundamental compreender a génese desses problemas, o que é abordado para a costa do Alentejo, Portugal, por Bastos et al. (este volume), analisar as diferentes influências que a ocupação turística e as obras portuárias tiveram na evolução recente do litoral, como é abordado por Freitas & Dias (este volume) para a Praia da Rocha, Portugal, compreender como é que os litorais foram progressivamente construídos, como Durão (este volume) estudou para o de Lisboa, Portugal, e como as actividades humanas influenciam as outras espécies, o que pode ser exemplificado pelos poluentes orgânicos persistentes em aves, como foi feito por Ferreira (este volume) no Rio de Janeiro, Brasil.

A gestão costeira é actividade difícil, que exige profundos conhecimentos interdisciplinares, e a correcta determinação das relações de causa e efeito.

Por exemplo, as dragagens portuárias podem induzir consequências negativas ou positivas no litoral adjacente, como aconteceu na barra de Aveiro, Portugal, o que foi estudado por Rosa et al. (este volume).

Para adoptar medidas correctivas ou mitigadoreas é essencial conhecer a realidade actual, o que inclui as alterações provocadas na paisagem, como Gianuca & Tagliani (este volume) fizeram num município de Rio Grande do Sul, Brasil, bem como analisar o nível de artificialização atingido nos diferentes sectores costeiros, como Piartto & Polette (este volume) fazem para Balneário Camboriú, Brasil.

Todo o conhecimento científico que se vai adquirindo sobre as zonas costeiras tem que ser devidamente utilizado pelos responsáveis pela gestão do território, e as estratégias e medidas adoptadas devem ser periodicamente avaliadas, o que é efectivado por Oliveira & Nicolodi (este volume) no que se refere ao Projecto Orla, o grande projecto nacional brasileiro tendente a melhorar o ordenamento costeiro.

Este número da Revista de Gestão Costeira Integrada / Journal of Integrated Costal Zone Management não resolve, como é óbvio, os amplos e complexos problemas da gestão costeira. Integra, porém, um conjunto de artigos que constituem contribuições de grande valia para a adopção de medidas gestionárias mais eficazes, constituindo, simultaneamente, fontes de inspiração para o desenvolvimento de programas e de projectos futuros que possam, de uma ou de outra forma, ampliar os níveis de sustentatibilidade social e ambiental das zonas costeiras, de que todos nós dependenmos profundamente.


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