Avaliação experimental da influência de diferentes configurações da cabeça de
quebramares destacados no comportamento morfológico da praia adjacente
1. INTRODUÇÃO E ENQUADRAMENTO
Um quebramar destacado é, de modo geral, definido como uma estrutura alinhada
de forma aproximadamente paralela à linha de costa, geralmente implantada na
zona de rebentação, que funciona como uma barreira à normal propagação da onda
em direção à zona costeira (e.g., Mangor, 2004), protegendo infraestruturas,
frentes urbanas ou áreas de significativo valor ambiental e daí o interesse do
seu estudo para a gestão das zonas costeiras(e.g., Gomes et al., 2006; Gomes,
2007; Pereira, 2013).
Existem diversas configurações de quebramares destacados, ajustadas às
diferentes funções e objetivos, que podem ir desde o guiamento de correntes
marítimas ou fluviais, ao estabelecimento/manutenção de canais de navegação, ou
ainda, à proteção de infraestruturas e frentes urbanas.
A sua missão enquanto estrutura de defesa costeira é proteger a linha de costa
adjacente através da redução da energia de onda incidente, conduzindo à
redistribuição do padrão de transporte de sedimentos, de modo a criar a
configuração de praia desejada (e.g., Taveira-Pinto, 2002). O seu alinhamento
interfere com a normal propagação da agitação em direção à linha de costa,
induzindo a reflexão e a rebentação da onda incidente, que dão origem à
difração em torno das suas extremidades. Com efeito, estes fenómenos resultam
numa transferência lateral de energia entre a zona exposta e a zona abrigada
pela estrutura. Estes processos são acompanhados pela ocorrência de correntes
de recirculação na zona abrigada, que promovem o transporte sedimentar e o
consequente reajustamento morfológico, entre a linha de costa e o quebramar. A
deposição de sedimentos acontece ao longo de um eixo ortogonal à estrutura,
partindo de terra em direção à estrutura, formando uma saliência. No caso do
fator de redução da energia de onda induzido pela estrutura ser elevado, a
saliência formada pode chegar ao talude de tardoz do quebramar, fixando uma
ligação permanente à linha de costa que se designa por tômbolo.
Os quebramares destacados são estruturas de defesa costeira eficientes em zonas
caracterizadas por um clima de agitação ameno/moderado e por uma pequena
amplitude de maré. No entanto, a sua utilização em zonas de maior exposição à
agitação marítima e/ou com maior amplitude de maré, deve ainda ser estudada, de
forma a aperfeiçoar a sua configuração e definir o melhor método construtivo,
de acordo com as solicitações e características locais (e.g., Taveira-Pinto,
2002).
O desempenho de um quebramar deve ser avaliado de acordo com os impactos na
linha de costa adjacente, não esquecendo porém a segurança e estabilidade da
própria estrutura. A eficácia da sua ação é influenciada por diversos
parâmetros característicos do quebramar, como o comprimento, largura e cota do
coroamento, a distância à linha de costa e o grau de submergência da estrutura,
mas também pelas características da zona envolvente, das quais se destacam a
amplitude de maré, o nível médio das águas ou as características da agitação.
De facto, tais características serão determinantes para a ocorrência de outros
fenómenos de interação, como o galgamento e o fluxo de água através dos vazios
existentes ao longo do corpo do quebramar (e.g., Burcharth et al., 2007). A
ocorrência de fenómenos como o galgamento, representam uma diminuição do fator
de redução da energia incidente proporcionado pelo quebramar, interferindo no
padrão de distribuição sedimentar e proporcionando também a entrada de um
volume adicional de água na zona de sombra, benéfico em zonas de agitação mais
moderada, impedindo a estagnação das águas na zona protegida. Taveira-Pinto,
(2002) e Neves (2008) apresentam um extenso estado da arte em relação a estes
tópicos.
A reconfiguração morfológica na área envolvente, decorrente da ação hidráulica
da estrutura, tem um significativo impacto sobre a corrente longitudinal de
transporte sedimentar. O grau de influência da estrutura depende de
características da estrutura, como o comprimento do quebramar ou a distância da
estrutura à linha de costa, mas também das peculiaridades da zona de
implantação do quebramar. Assim, as estruturas destacadas podem ser
caracterizadas por parâmetros, como a distância à linha de costa relativamente
à largura da zona de rebentação (x*) e o comprimento do quebramar relativamente
à distância à linha de costa (LB*) (Mangor, 2004).
em que LB representa o comprimento do quebramar, x a distância à linha de costa
e x80 a largura da zona de rebentação, onde se verifica aproximadamente 80% do
transporte sedimentar longitudinal.
Segundo Mangor (2004), quando o valor de LB* for menor que 0,7, forma-se uma
saliência, enquanto que se o valor desta relação for maior que 0,9, a
acumulação de sedimentos na zona protegida pode conduzir à formação de um
tômbolo. No entanto, devido à complexidade dos fenómenos envolvidos e a
especificidade das características locais, os valores definidos podem não
representar o caso de estudo. O autor defende ainda que os quebramares
destacados podem ser classificados mediante a sua função e de acordo com a sua
distância relativa à linha de costa, estabelecendo que, um quebramar externo
(x* > 3,0) representa uma estrutura construída fora da zona de rebentação,
sendo a sua influência sobre o transporte longitudinal de sedimentos
insignificante. Um quebramar de praia (x* < 0,5), representa uma estrutura que
está numa posição muito próxima da linha de costa, sendo a largura da zona de
rebentação pelo menos duas vezes superior a esta distância. Neste caso, o
transporte longitudinal não é significativamente afetado, apesar da deposição
de areias na zona sombra do quebramar, uma vez que este apenas interfere numa
pequena parcela da faixa ao longo da qual esse transporte se verifica. Os
quebramares costeiros (0,5 < x* < 2,0) podem funcionar como zonas tampão,
bloqueando a passagem de sedimentos para sotamar. Nestes casos, devem ser
tomadas medidas no sentido de restabelecer o normal transporte de sedimentos ao
longo da costa.
Assim, como foi já referido, os quebramares destacados, total ou parcialmente
submersos, podem constituir um meio eficaz de proteção contra a ação da
agitação marítima nas zonas costeiras e portuárias. De facto, estes
quebramares, submersos ou não, também designados de pequena altura de água
acima da crista podem, por exemplo, possibilitar uma solução de defesa costeira
localizada ou de estabilização de praias alimentadas artificialmente, devido à
atenuação parcial da agitação na zona de sombra do quebramar. Esta barreira
pode assim diminuir os galgamentos na linha de costa e as consequentes
inundações de zonas residenciais costeiras. Um quebramar destacado, dependendo
das suas características é parcial ou totalmente impermeável à agitação
marítima e, consequentemente, a transmissão dessa agitação em direção à linha
de costa é consideravelmente menor.
Estes aspetos são de especial relevância em zonas sujeitas ao fenómeno da
erosão costeira e para as quais, a opção de gestão por via da proteção através
deste tipo de estruturas são uma opção a considerar.
Contudo, antes de uma tomada de decisão final, é tão importante conhecer as
vantagens como as desvantagens da sua utilização, nomeadamente qual o grau de
atenuação da agitação marítima previsto, qual a transmissão efetiva, como se
movem os sedimentos nas suas imediações e qual a influência das dimensões e
características da estrutura nesse processo de transporte sedimentar, que é
talvez um dos aspetos mais críticos, visto que a estrutura será construída para
fins de proteção costeira.
A caracterização da agitação efetuada nas imediações destes quebramares traduz
a abordagem convencional do estudo dessa dissipação, fornecendo, sob a forma de
coeficientes de reflexão, transmissão e dissipação, informações úteis sobre
essa caracterização. Contudo, não fornece informações sobre o escoamento, o
campo de velocidades, nem o transporte sedimentar.
Daí que o objetivo deste trabalho de investigação seja conhecer com melhor
detalhe, para algumas situações de teste, essa interação agitação marítima-
estrutura-sedimentos e verificar de que forma as características geométricas da
estrutura têm influência nessa interação e de que forma uma correta definição
em termos de projeto pode evitar alguns dos possíveis impactos negativos ou
melhorar os positivos. Desta forma o projetista poderá auxiliar o processo de
gestão costeira do troço em estudo em relação ao aspeto particular da erosão
costeira.
Foram então realizados, na Secção de Hidráulica, Recursos Hídricos e Ambiente
(SHRHA), do Departamento de Engenharia Civil (DEC), da Faculdade de Engenharia
da Universidade do Porto (FEUP), alguns estudos sobre interação agitação
marítima-estrutura-sedimentos. Num primeiro estudo (Pereira, 2008) foi proposto
um quebramar destacado como solução de proteção para a frente urbana de
Espinho. Na sequência deste estudo, foi efetuada a simulação numérica das
condições hidrodinâmicas e morfodinâmicas, comparando-se a situação presente
com o cenário de implantação do quebramar proposto (Costa, 2009). Os resultados
das simulações sugeriram a necessidade de testar outras configurações para o
quebramar e avaliar a sua influência na praia adjacente. O presente trabalho
procurou analisar a influência da configuração da cabeça do quebramar destacado
na evolução morfológica do perfil de praia adjacente, através de ensaios em
modelo físico.
2. INSTALAÇÃO EXPERIMENTAL
2.1. Equipamento Utilizado
O estudo realizado tinha como objetivo interpretar a resposta morfológica de um
modelo de um quebramar destacado, exposto a condições de agitação
características da orla costeira portuguesa. Os ensaios realizaram-se no
Laboratório de Hidráulica (LH) da Secção de Hidráulica, Recursos Hídricos e
Ambiente (SHRHA) do Departamento de Engenharia Civil (DEC) da Faculdade de
Engenharia da Universidade do Porto (FEUP). O tanque de ondas do LH, Figura_1,
ocupa uma área em planta de 28x12m2, estando circunscrito por paredes com 1,20m
de altura que permitem a execução de ensaios de modelos a duas ou três
dimensões.
O tanque de ondas do LH está equipado com um sistema de geração de agitação,
modelo HR Wallingford. É constituído por uma série de pás independentes, cujo
movimento é controlado por um motor elétrico, e permite um vasto leque de
opções, para que seja possível reproduzir os climas de agitação pretendidos. O
movimento individual de cada uma das pás é independente podendo funcionar em
sintonia ou de forma singular. É assim possível representar diferentes tipos de
agitação, de entre os quais se destacam: as ondas regulares, a agitação
irregular baseada em espectros definidos, a ondulação bidirecional e ainda
ondas cuja crista faz um ângulo em relação à perpendicular do alinhamento das
pás. Para o presente trabalho foram considerados apenas estados irregulares de
agitação, uma vez que estes representam, de forma satisfatória, as condições de
mar geradas em ambiente natural. A informação necessária para definir o
movimento das pás é a profundidade de água no tanque, a altura de onda
significativa, o período de pico e o tipo de espectro pretendido.
No interior do tanque, do lado oposto ao sistema gerador, existe uma praia em
gravilha e cascalho, com o objetivo de dissipar a energia da agitação
incidente. O software de controlo do sistema de geração possui também uma opção
que procura compensar os efeitos de reflexão no próprio batedor, contribuindo,
em conjunto com a praia dissipadora, para a neutralização deste fenómeno.
No sentido de recolher informação relativa à evolução morfológica do perfil de
praia junto à estrutura, foi utilizado um sistema de medição de fundos, modelo
HR Wallingford. O equipamento permite o registo do perfil com recurso a
diferentes técnicas, sendo que a seleção recaiu sobre a utilização de uma sonda
de medição sensível ao toque. A seleção baseou-se na experiência transmitida
por estudos anteriores (Silva, 2010), em que foi possível constatar, após a
realização de alguns testes preliminares, que essa opção era a mais indicada
para a leitura de perfis em modelos de fundos móveis. Foram definidas posições
paralelas e afastadas de 1 m entre si, para medição dos perfis, segundo uma
direção perpendicular, relativamente à orientação do quebramar destacado e da
crista da onda à saída do gerador.
O equipamento transmite a informação registada, nomeadamente o deslocamento
vertical da haste anexa à sonda e o deslocamento horizontal da caixa de
rolamentos que proporciona o movimento do conjunto. O deslocamento vertical é
medido considerando a distância percorrida ao longo da haste desde a sua
posição inicial até que a sonda toque a superfície da praia. Por sua vez o
deslocamento horizontal é calculado com base na informação previamente
disponibilizada referente ao comprimento total do perfil selecionado e ao
número de registos que se pretendem obter ao longo do mesmo. Através da
informação recolhida, o software elabora uma tabela de dados conjugando os
valores dos deslocamentos medidos através dos quais é possível obter o perfil
desejado.
A resolução do perfil obtido segundo a vertical é de 0,0005m enquanto, segundo
a horizontal a distância mínima entre pontos é de 0,001 m. Os perfis
construídos tinham uma extensão total de 3,9m, ao longo dos quais era retirada
informação em 70 pontos, o que representa um espaçamento de cerca de 0,0557m.
2.2. Modelo
O modelo 3D implantado no tanque de ondas, Figura_2, foi construído com o
objetivo de ajudar a compreender o grau de influência do quebramar destacado na
evolução morfológica da praia adjacente. A sua definição física procurou
conjugar o espaço e materiais disponíveis com as dimensões do modelo, de forma
a favorecer a leitura dos resultados obtidos e consequente comparação dos
resultados referentes aos diferentes testes realizados.
O modelo foi construído de acordo com a escala geométrica de 1/40, de forma a
serem reaproveitados na sua construção materiais que se encontravam já
disponíveis no LH, não comprometendo no entanto a pretensa ligação às condições
físicas características das faixas de praia da zona noroeste da costa
portuguesa. Uma vez definida a escala e o critério de semelhança mais
representativo (semelhança de Froude), foram calculadas, através da fórmula de
Hudson, as dimensões características dos blocos de enrocamento a colocar no
manto resistente da estrutura. Estas opções de definição do modelo físico 3D
foram baseadas num estudo anteriormente realizado, para a medição da evolução
de um perfil de praia sob a ação de diferentes condições de agitação (Silva,
2010).
A distância lateral entre o quebramar construído e a fronteira física do tanque
considerada procurava garantir que o contorno da estrutura por parte da onda
ocorria de forma natural sem que fosse constrangido pela parede lateral do
tanque. Esta análise conduziu a que o espaço lateral mínimo, medido desde a
estrutura até à parede do tanque de ondas, tinha de ser igual ou superior ao
comprimento de onda máximo registado para as condições testadas. Desta forma
procurou-se minimizar o efeito da reflexão que pudesse existir nas paredes do
tanque, que poderia levar a alterações no padrão de redistribuição sedimentar
no perfil de praia estudado.
As configurações atribuídas à estrutura foram selecionadas tendo em atenção
soluções tradicionalmente utilizadas, Figura_3. As variações induzidas
centraram-se na zona da cabeça da estrutura, devido à sua particular influência
no que se refere à estabilidade e ao padrão de propagação da onda para sotamar.
Desta forma, a orientação paralela do quebramar em relação à crista da onda
incidente, o alinhamento reto, as inclinações dos taludes anterior e posterior,
a cota de coroamento e a largura e comprimento do mesmo foram mantidos em todas
as configurações ensaiadas, Tabela_1.
Neste estudo foram consideradas diferentes configurações para o quebramar,
Figura_3, correspondendo a três configurações distintas do perfil da zona da
cabeça do quebramar, dando origem a três modelos diferentes.
A primeira configuração base procurava representar um tipo de estrutura onde as
transições entre taludes adjacentes fossem representadas por um alinhamento
reto. Nesta opção a inclinação do talude da zona de cabeça do quebramar
apresentava uma pendente igual à definida para o talude exposto, Figura_3 (em
cima, à esquerda).
A primeira alteração consistiu na substituição do talude retilíneo por uma zona
de transição entre as faces anterior e posterior da estrutura que eliminava os
alinhamentos da primeira configuração, conferindo uma forma cónica à cabeça da
estrutura, Figura_3 (em cima, à direita). Esta configuração mantinha, no
entanto, a pendente do talude nestas áreas inalterada e igual à imposta para o
talude exposto do quebramar. Com esta alteração, pretendia-se proporcionar uma
adaptação progressiva da onda incidente às mudanças que ocorriam no talude, ao
invés da transição brusca induzida pela primeira solução.
Posteriormente foi considerada uma segunda alteração que deu origem à terceira
configuração ensaiada, envolvendo mudanças na pendente do talude lateral da
estrutura. Relativamente à situação de base foi de novo operada a alteração
proposta na situação anterior, relativa à supressão das transições entre faces
da estrutura baseadas em alinhamentos retilíneos, sendo estes substituídos por
uma transição progressiva entre taludes que confere uma forma cónica à zona de
ligação da parte exposta à área protegida do quebramar. Desta vez, foi também
modificada a inclinação do talude lateral da cabeça da estrutura atenuando a
sua pendente dos anteriores 1/2 para valores na ordem dos 3/8, Figura_3.
A secção do quebramar construído foi mantida constante em todas as
configurações, Figura_4.
O quebramar foi construído segundo o plano apresentado, sendo constituído por 3
diferentes camadas. O núcleo da estrutura foi materializado com sacos de
geotêxtil permeáveis cheios de areia, que procuravam dar volume ao espaço
interior do modelo e facilitar a definição dos taludes. Depois dos geotêxteis
foi disposta uma camada de brita, de dimensões reduzidas, que simulava a 1ª
subcamada de uma solução real. A colocação deste material permitiu conferir
desde logo a pendente pretendida para cada talude.
O revestimento da estrutura foi organizado de forma mais seletiva, tendo sido
definido numa fase prévia o peso dos blocos, Tabela_2, representando em
protótipo blocos com um peso compreendido ente as 11 e as 15 toneladas (110 a
150kN).
Neste trabalho foi usada uma areia de sílica da empresa SIBELCO Portuguesa,
Lda., com uma baridade de 1037kg/m3 e um diâmetro médio (d50) igual a 0,273mm.
Na Figura_5, apresenta-se a curva granulométrica da areia utilizada, Silva
(2010).
A caracterização sedimentar da areia da praia a utilizar no modelo constitui
uma condição fundamental para que os resultados obtidos possam depois ser
extrapolados e interpretados à escala real. Com efeito, esta interpretação
depende da escala considerada, do diâmetro médio (d50), dos critérios de
semelhança adotados e do modo de transporte sedimentar considerado dominante
(Silva, 2010). No entanto, o objetivo do trabalho aqui apresentado era a
realização de uma análise comparativa entre os resultados dos ensaios
realizados para diferentes configurações do quebramar. Assim, uma vez que foram
usados os mesmos materiais e que os parâmetros de ensaio não foram alterados,
os resultados vêm afetados dos mesmos efeitos, sendo válida a sua análise
comparativa.
3. PROCEDIMENTO
Os resultados obtidos em cada teste seriam comparados entre si. Para tal, foi
necessário garantir que as condições hidrodinâmicas e morfológicas de cada
ensaio eram idênticas e, portanto, garantir a repetição dos procedimentos e
tarefas em todos os ensaios.
Foram definidos 5 alinhamentos, ao longo dos quais, utilizando o sistema
perfilador anteriormente referido, foi recolhida informação relativa à evolução
dos perfis de praia, Figura_6.
Os perfis estavam dispostos perpendicularmente à orientação da crista da onda
incidente e eram paralelos entre si, espaçados de 1m. Devido à simetria
apresentada pelo modelo construído e ao facto da orientação de agitação a que
este foi submetido ser ortogonal ao alinhamento do quebramar, admitiu-se que as
alterações morfológicas que se verificavam eram também elas simétricas em
relação ao eixo longitudinal principal do tanque, que passava
(transversalmente) pelo centro do modelo com base nesse pressuposto a área de
medição e o número de perfis controlados era menor e, consequentemente, uma
redução do tempo necessário à recolha de informação sobre os mesmos, e do tempo
total de ensaio.
As condições de ensaio foram definidas atendendo à representatividade de
estados de agitação registados na costa portuguesa (Costa et al., 2001), mas
também às características físicas do tanque de ondas. Os estados de agitação
gerados simulavam sequências de ondas irregulares definidas pelo espectro de
Jonswap, com um período de pico (Tp ) de 1,58s em modelo, correspondendo a 10s
à escala real. As alturas de onda significativas (Hs ) geradas eram de 0,075 e
0,125m no modelo, que representam alturas de 3 e 5 m na realidade. O
comprimento de onda associado ao período característico definido enquadra-se no
espaço lateral existente, estando assim garantido o critério limite definido
para a distância lateral entre a estrutura e o limite físico do tanque.
Os ensaios tinham uma duração média de 13/14 horas, correspondendo 8 dessas
horas a tempo efetivo de ensaio e as restantes 4/5 horas a períodos de recolha
de perfis. Assim sendo, e de acordo com a escala do modelo, o tempo
correspondente em protótipo ultrapassaria as 50 horas de solicitação sobre a
praia, ou seja, mais de 2 dias.
No entanto, este tempo é considerado por Chen & Kuo (1994) como
insuficiente para que a praia atinja a situação de equilíbrio. Segundo os
autores este só é alcançado quando o valor do cociente entre a duração da
solicitação (t) e o período de pico (Tp) do estado de agitação se aproximar de
60 000, diferenciando duas fases distintas para a evolução da praia, até que
esse valor seja atingido. Numa primeira fase, sucedem-se rápidas variações do
perfil de praia e dos volumes de areia movimentados. Esta fase estende-se no
tempo, até que a relação descrita se aproxime de valores na ordem dos 20 000.
Ultrapassado este valor e até se atingir o equilíbrio, as alterações registadas
são de menor dimensão e tendem a estabilizar.
Para as condições de ensaio referidas, de acordo com as orientações da relação
defendida pelos autores citados, a duração dos ensaios correspondentes a
transições de fase da evolução de praia eram as que se apresentam no Tabela_3.
Como se pode observar, os intervalos de tempo necessários à estabilização
completa do perfil de praia eram bastante extensos e a estes seria necessário
acrescentar o tempo dedicado à recolha de perfis a cada 2 horas de solicitação
do modelo, para completar o tempo total de ensaio. Devido às limitações de
tempo para a realização dos trabalhos, não teria sido possível executar todos
os testes pretendidos, caso a duração dos mesmos fosse tão prolongada.
Uma vez que o objetivo ambicionado era a comparação de resultados, foi definido
um valor para a duração relativa dos ensaios da ordem dos 20 000, cobrindo
assim a fase mais ativa da evolução do perfil da praia adjacente ao modelo.
Deste modo, foi possível conseguir significativos movimentos sedimentares que
podiam ser analisados e comparados, uma vez que as condições e duração dos
ensaios eram mantidas em todos os testes.
4. ANÁLISE DE RESULTADOS
4.1. Análise comparativa
Os ensaios realizados foram alvo de uma análise comparativa, de forma a
evidenciar as diferenças de comportamento de 3 configurações de um quebramar
destacado quando exposto a 2 condições de agitação diferenciadas pela altura de
onda significativa característica, Tabela_4. É possível assim, relacionar as
alterações ocorridas na configuração da praia adjacente com as configurações
definidas, mas também interpretar a influência do estado de agitação nos
resultados obtidos.
A informação obtida nos testes realizados é composta por um conjunto de pontos
cotados ao longo dos alinhamentos pré-definidos (Figura_6), a partir dos quais
são depois construídos os perfis de praia.
O equipamento usado para medir os perfis de praia possui uma grande resolução
vertical (0,0005m), sendo a maior altura das formas de fundo formadas ao longo
da superfície de praia (ripples) maior que a menor variação entre pontos
cotados. De forma a evitar a transposição para o perfil da informação acerca
destas formações foi usada a técnica da média móvel simples (MMS), para o
alisamento dos perfis medidos, Figura_7. A MMS corresponde ao cálculo da média
de um determinado grupo de pontos cotados do perfil, dito móvel pois a cada
novo ponto considerado abandona-se o mais afastado. Neste caso, a cada ponto do
perfil foi atribuído o valor médio dos 3 pontos consequentes na série de dados
transmitida pelo perfilador.
Os perfis definidos ao longo do tempo de ensaio permitem analisar o seu
desenvolvimento, retirando informação quanto à sequência e volume das
alterações registadas. Na Figura_8 são apresentados os perfis construídos com
base nos dados recolhidos no 4º ensaio ao longo do 1º alinhamento, permitindo
relacionar a sua evolução com o tempo de ensaio.
Da análise da Figura_8 pode concluir-se que o perfil obtido ao fim de 8 horas
de solicitação não constitui um perfil de equilíbrio, uma vez que em relação ao
perfil imediatamente anterior, este ainda apresenta uma ligeira evolução. Esta
constatação vai de encontro à informação de Chen & Kuo (1994) indicando que
seria necessário prolongar por mais tempo o ensaio, de modo a atingir o perfil
de equilíbrio. No entanto, a ordem de grandeza das diferenças registadas no
período de teste definido é satisfatória, permitindo a realização da comparação
pretendida. A mesma figura permite ainda verificar que a variação do perfil vai
assumindo menor expressão à medida que o tempo vai avançando.
A análise particular de cada alinhamento de praia não transmite informação
suficiente acerca da distribuição espacial das alterações produzidas sobre a
superfície de praia. A Figura_9 apresenta o a configuração tridimensional da
superfície de praia no final de 8 horas de solicitação do 4º ensaio, construída
com recurso a um software de desenho de superfícies a 3 dimensões (Surfer 9),
que relaciona os dados obtidos nos 5 perfis. A imagem transmite de forma clara
a forma final da superfície da praia, sendo também visíveis pequenas ondulações
devidas à influência dos ripples registados.
A avaliação da evolução do perfil é complementada pelo cálculo das diferenças
de cotas registadas ao longo do ensaio segundo cada um dos alinhamentos. A
Figura_10 é composta pelo gráfico relativo à variação total das alturas
registadas ao longo do perfil nº 5 durante o 1º e 2º ensaios (Configuração nº 1
' Tp= 10s).
Como é possível verificar na Figura_10, apesar de filtrados através da técnica
da média móvel a informação recolhida ainda é influenciada pelos ripples
formados na praia do modelo. No sentido de precaver interpretações incorretas
das variações de altura registadas, foi atribuída uma margem de incerteza de
valor igual à altura do maior ripple formado, cerca de 15 a 20mm.
A variação das cotas registadas permitem comparar a influência das alterações
verificadas nos perfis controlados e as zonas ao longo dos mesmos onde se
verifica a deposição ou erosão de sedimentos. Através da conjugação das
diferenças calculadas para cada alinhamento definido é possível construir mapas
como os da Figura_11, recorrendo ao mesmo software usado para a construção das
superfícies 3D.
4.2. Alteração do estado de agitação
As condições de agitação consideradas foram repetidas em testes efetuados com
as diferentes configurações, sendo o único fator de distinção a altura de onda
significativa. Os resultados obtidos permitem identificar desigualdades quanto
à forma, evolução e volumes envolvidos nas alterações dos perfis verificadas
durante o tempo de ensaio.
Através dos mapas de variação total das cotas registadas, construídos com base
na informação obtida sobre os perfis controlados, como os apresentados na
Figura_11, é possível notar diferenças na resposta morfológica do modelo,
quando submetido às ações dos distintos estados de agitação.
A informação fornecida pelos cálculos, gráficos e mapas criados indicia que a
maior capacidade energética do estado definido por uma altura de onda
significativa maior promove, como seria de esperar, a maior capacidade de
transporte das areias da praia. Nos mapas construídos (Figura_11) é visível a
maior extensão das áreas cujo valor e variação de cota é, em módulo, superior à
margem de incerteza definida.
O agravamento das solicitações a que o modelo é sujeito traduz-se, de forma
coerente em todos os testes realizados, pelo alargamento da área de deposição
das areias, a partir da zona central do modelo, nos testes cuja altura de onda
significativa é menor, para as zonas de influência dos perfis 2 e 3 (ver Figura
6), dirigindo-se para a faixa lateral à estrutura, como pode ser comprovado na
Figura_12.
A zona de deposição de sedimentos apresenta ainda uma tendência para se
aproximar do talude de tardoz do quebramar destacado quando o clima de agitação
gerado é mais intenso. No entanto a tendência demonstrada é contrariada pelo
facto de, nestas condições, devido às características da estrutura, se
registarem galgamentos que alteram as correntes estabelecidas.
As zonas de erosão, por sua vez, estão localizadas ao longo do corredor lateral
entre a estrutura e o limite do modelo construído. A sua posição é semelhante
em todos os ensaios realizados, embora sejam de assinalar diferenças
relativamente à área e valor máximo. Mais uma vez, os testes definidos por uma
altura de onda significativa maior traduzem-se em resultados de erosões de
maior dimensão e ao longo de áreas mais extensas.
4.3. Redefinição da configuração do quebramar destacado
O quebramar destacado construído representa, como referido, uma estrutura
destacada disposta paralelamente à linha de costa, de forma a fazer um angulo
reto com a direção de propagação da onda incidente. A secção, ao longo da zona
central do quebramar, manteve-se inalterada durante a realização dos ensaios,
tendo as reconfigurações executadas incidido sobre as zonas de cabeça da
estrutura.
A análise comparativa efetuada, procura investigar os dados recolhidos ao longo
de uma série de testes caracterizados por uma condição de agitação semelhante,
sendo o fator de diferenciação a configuração atribuída à estrutura. Os ensaios
realizados sob um clima de agitação mais severo, possuem uma maior capacidade
de transporte das areias da praia, conferindo maior expressividade aos
resultados obtidos e acentuando as diferenças na evolução da superfície da
praia entre cada ensaio. Com base na informação dos perfis recolhidos em cada
teste realizado, foram construídos os mapas de variação de cotas da área de
controlo, apresentados na Figura_13, que constituem o ponto de partida para a
análise realizada.
A partir desta figura encontram-se evidências de que as diferentes
configurações impostas à estrutura alteram as características da ação
hidromorfológica da mesma, conduzindo a diferenças na evolução morfológica da
praia adjacente. Com base nos mapas criados foram identificadas as zonas da
praia de onde são extraídas as areias, assim como, as áreas para onde elas são
transportadas. Durante os ensaios realizados não foi considerada nenhuma fonte
adicional de sedimentos, pelo que as variações de cota registadas devem-se ao
movimento das areias que constituíam a praia desde o início do teste.
Os mapas da Figura_13 assinalam a variação de cotas ao longo da superfície de
praia criada para os diferentes ensaios realizados. A análise das figuras
permite verificar que, de modo geral, a posição das zonas de variação positiva/
negativa das alturas registadas é semelhante, sendo que, as areias da praia são
retiradas de zonas laterais à estrutura criada, acumulando-se ao longo da zona
protegida. Apesar de no global a evolução registada ser semelhante, é possível
denotar diferenças significativas nos resultados obtidos, em relação as áreas
de erosão e deposição de sedimentos.
A Figura_14 apresenta o gráfico da variação total de cotas registadas, segundo
o 1º alinhamento (ver Figura_6), para os ensaios definidos por um clima de
agitação com uma altura de onda significativa de 5,0 m. O perfil nº 1 coincide
com o eixo de simetria do modelo, atravessando a zona protegida pela estrutura,
que lhe confere características favoráveis à deposição das areias transportadas
pela onda. Os 3 ensaios em análise demonstram tendências semelhantes de
evolução do perfil nº 1, sendo comum a todos, a elevação da superfície de praia
na zona mais próxima do quebramar, consequência da deposição das areias
transportadas pela onda nesta área.
A mesma figura aponta algumas diferenças, quanto à definição final do perfil
analisado, entre os testes realizados perante as 3 configurações definidas. O
registo de variações positivas de altura do perfil de praia estende-se até uma
zona mais alta da praia, afastando-se do talude de tardoz do quebramar, quando
a estrutura é definida pela configuração nº 1 (Teste 2) em relação aos
restantes testes (Testes 4 e 6). Nestes casos, a variação positiva de cotas do
perfil, apresenta valores máximos mais elevados, não se prolongando em direção
à linha de costa, como no teste nº 2. No caso da linha relativa à 3ª
configuração (Teste 6), pode assinalar-se na zona mais afastada da estrutura a
tendência para o registro de variações de cota negativas. Tal situação, deve-se
ao refluxo de água após a rebentação da onda, que é neste caso suficientemente
forte para arrastar as areias da praia em direção à estrutura, contribuindo
para a aproximação da zona de maior acumulação de sedimentos ao talude da mesma
e maior amplitude da variação de cotas registada.
A Figura_15 traduz a variação total de cotas ao longo de do perfil nº 5,
relativamente aos testes nº 2, 4 e 6. O perfil em análise encontra-se fora da
zona sombra da estrutura destacada, estando por isso mais exposto à ação da
onda. Nos testes referidos, verifica-se que existe uma variação negativa de
cota da zona mais elevada do perfil de praia, comum a todos os ensaios, não se
registando divergências significativas quanto a sua intensidade ou posição ao
longo do perfil.
A zona de cabeça do quebramar é, segundo os mapas da Figura_10, caracterizada
pela variação negativa de cotas em todos os ensaios realizados, sendo este
facto confirmado através da Figura_16, referente à variação total de cotas do
perfil nº 3 para os ensaios referidos anteriormente.
A análise da figura anterior, combinada com a Figura_13, permite verificar que
a variação negativa de cotas registada, é mais expressiva no caso da estrutura
com a configuração nº 1. Esta configuração, não favorece a fixação das areias
desta zona da praia, sendo vulnerável à ocorrência de erosões, que colocam em
risco a estabilidade e segurança do quebramar. As alterações produzidas nas
restantes configurações possuem uma influência positiva na estabilização desta
área, conduzindo a menores variações de cotas ao longo dos ensaios. A
transformação produzida na cabeça do quebramar, substituindo a face plana e
alinhamentos retos da 1ª configuração pela forma cónica das configurações nª 2
e 3, elimina a transição brusca e imediata induzida na onda pela 1ª, permitindo
que a transposição do quebramar pela onda incidente em direção à linha de
costa, seja mais suave.
5. CONCLUSÕES
O trabalho experimental apresentado neste artigo teve como principal objetivo o
estudo da influência de 3 configurações da cabeça de um quebramar destacado na
evolução de uma praia, quando submetido a duas condições de agitação
características da costa oeste portuguesa, relacionando o desenvolvimento
registado ao perfil de praia, com a interferência dessas mesmas configurações
na propagação da onda incidente e também com as condições de agitação geradas.
A evolução do perfil de praia para as diferentes configurações do quebramar
destacado, e diferentes condições hidrodinâmicas, foi analisada e quantificada.
Durante os ensaios verificou-se que a capacidade de transporte da onda aumenta
à medida que a altura de onda significativa aumenta também. Nos ensaios
realizados, não foram observadas diferenças significativas nos padrões de
transporte sedimentar em torno estrutura. A areia transportada é retirada de
zonas ao longo das faixas laterais à estrutura, sendo depositada na zona
sombra, ao longo do eixo central do modelo, mantendo-se assim constante o
volume total de areia na praia. A ocorrência de galgamentos em alguns testes,
com uma altura de onda significativa maior, instabiliza o padrão de
recirculação de correntes na zona abrigada pelo quebramar, reduzindo a
expressão das diferenças registadas.
Os resultados obtidos demonstram também que estruturas com uma configuração
similar à da configuração nº 1, são vulneráveis à ocorrência de fenómenos de
erosão junto ao pé do talude na zona da cabeça do quebramar. Os dados sugerem
que estruturas cuja forma da cabeça do quebramar se assemelhe às configurações
2 e 3, possuem maior capacidade de proteção destas áreas. A transição mais
suave da onda nestes casos, favorece a estabilidade dos sedimentos aqui
depositados, contribuindo assim, para a estabilidade dos blocos do manto
resistente nestas zonas. É possível concluir, que as configurações nº 2 e 3 têm
um efeito positivo na estabilidade global da estrutura.
A configuração nº 3 demonstrou, através dos resultados obtidos, ser a melhor
configuração de entre as estudadas, relativamente à estabilidade e segurança do
quebramar. A forma cónica e o declive menos acentuado das suas cabeças,
minimizam as erosões localizadas junto ao pé do talude, transmitindo maior
estabilidade aos blocos que compõem a estrutura. Desta forma, os encargos
ligados à manutenção da estrutura serão reduzidos e as operações de
reabilitação do quebramar menos frequentes, em relação às restantes
configurações. No entanto, o volume de material utilizado é maior, sendo por
isso o custo associado à sua construção maior.
Os resultados ilustram claramente, embora não globalmente, devido ao número
limitado de testes a importância do correto conhecimento da interação agitação
marítima-estrutura-sedimentos e da otimização das características geométricas
da estrutura, auxiliando em fase de projeto a escolha de uma opção de gestão
costeira que evite alguns dos possíveis impactos negativos, ou melhore os
positivos.