Experiência de recuperação de um sistema dunar e proposta de instrumentos
complementares de proteção, atração e valorização ambiental
1. INTRODUÇÃO
Profundas transformações no uso do solo e do mar ocorrem hoje em dia na
generalidade dos países com extensas zonas costeiras, ao longo das mais
diversas escalas de tempo e espaço. Tais transformações acarretam a diminuição
da qualidade de vida das populações locais, bem como alterações na
produtividade e diminuição da biodiversidade dos ecossistemas, sendo
fundamental a reversão deste processo.
São muitos os agentes que têm contribuído para os desequilíbrios que atualmente
se verificam. São bem conhecidas as atividades antrópicas com carácter mais ou
menos localizado e que, direta ou indiretamente, são responsáveis por
fragilidades muito significativas de longas extensões das linhas de costa. Para
essas fragilidades contribuem, fundamentalmente, o enfraquecimento irreversível
das principais fontes aluvionares exteriores às zonas costeiras, em
consequência de regularizações fluviais, de alterações no aproveitamento dos
solos e da atividade de extração de areias para a construção. Também os efeitos
cumulativos das alterações pontuais dos padrões de agitação local e dos
trânsitos sedimentares têm reflexos profundos e irreversíveis, sendo, na
atualidade, porventura os principais fatores responsáveis por parte do recuo
generalizado e continuado das linhas de costa.
A estas ações de natureza essencialmente local dever-se-ão juntar outras de
carácter mais global, em particular os efeitos das alterações climáticas,
conduzindo a situações de tempestades sucessivamente mais frequentes e mais
devastadoras. Acresce o efeito da expansão térmica, conduzindo a um aumento
global da temperatura e, em consequência, a um aumento da subida do nível médio
das águas do mar, agravado ainda com os efeitos adicionais de degelo das
calotes polares e de alterações nos padrões globais da circulação oceânica.
Em particular, a região centro da zona costeira portuguesa tem vindo a ser
progressivamente ameaçada por uma erosão maciça, com transposições marinhas
generalizadas e persistentes, importantes perdas de território e prejuízos para
os habitats naturais e a atividade humana, colocando frequentemente em risco
importantes aglomerados urbanos costeiros (Lopes, 2003).
Este panorama é o resultado de uma persistente falta de planeamento e de uma
gestão pouco responsável ao longo de décadas e em vários trechos da zona
costeira portuguesa (Antunes-do-Carmo & Marques, 2003). A permissividade
reinante conduziu a várias situações de grande vulnerabilidade. Diversos casos,
em particular alguns centros urbanos, exigirão a curto prazo a adoção de
medidas adicionais com um exclusivo objetivo de segurança. Nestes casos, duas
opções deverão ser equacionadas: ou se adotam medidas de manutenção, que no
essencial passam pela construção de obras rígidas de proteção, tendo sido esta
a opção preferencial até à data (casos de Espinho, Esmoriz-Cortegaça, Furadouro
e Vagueira, em Portugal), eventualmente semi-rígidas e/ou dinâmicas, com
possível uso de geossintéticos (campo de golf da Estela e cordão dunar da
Leiriosa, Portugal), ou por uma relocalização adequada, consistindo na retirada
do património mais importante para lugar seguro, com a consequente adaptação de
usos e atividades à nova realidade (São Bartolomeu do Mar, Portugal).
O sistema dunar da Leirosa, situado a sul da Figueira da Foz, tem sido
particularmente fragilizado devido à ação de diversos fatores, de que se
destacam: (i) grande exposição a condições hidrodinâmicas adversas; (ii)
deficiente alimentação natural de areias; (iii) construção de um esporão a
montante do sistema dunar para defesa da localidade existente e manutenção da
praia e, (iv) construção de um emissário submarino, numa zona intermédia do
cordão dunar, para descarga das águas residuais da Leirosa e de uma fábrica de
pasta de papel (Reis & Freitas, 2002; Reis et al., 2005).
O presente artigo tem como objetivo apresentar uma breve descrição das
principais intervenções realizadas em parte do cordão dunar da Leirosa nos
últimos anos, desde 2005, e, tendo por base os ensinamentos colhidos,
apresentar soluções complementares, ou alternativas, para proteção de praias e
sistemas dunares.
2. TÉCNICAS DE REFORÇO DE PROTEÇÕES NATURAIS
2.1.Geocontentores
Uma intervenção humana particularmente gravosa para a manutenção do já de si
precário equilíbrio natural ocorreu em 1995 no cordão dunar da Leirosa (a sul
da Figueira da Foz, Portugal, Figura_1), tendo sido quebrada a continuidade
deste sistema dunar pela implantação de um emissário submarino.
Três anos após esta ocorrência foi decidido proceder a uma reabilitação da área
afetada, a qual teve início em março de 2000, através de enchimento com areia
proveniente de um local próximo, seguida de revegetação utilizando como método
de estabilização uma planta normalmente usada com esta finalidade em dunas
costeiras. Contudo, um forte temporal ocorrido no inverno de 2000-2001 destruiu
grande parte da frente deste sistema dunar, debilitando fortemente a zona
intervencionada.
Foi neste contexto que em 2004 se equacionou a viabilidade de uma solução menos
soft, consistindo na aplicação de mantas de material geossintético envolvendo
consideráveis volumes de areia (geocontentores) numa extensão de 120 m e com
uma altura de 8.0 m, a partir da cota +2.0 ZH. Para efeitos de proteção contra
a erosão por infraescavação do pé da camada inferior, foram instaladas
longitudinalmente e a cerca de 0.5 m abaixo da base desta camada (por
conseguinte, à cota +1.5 ZH) três fiadas de sacos de material geotêxtil com
cerca de 1.5 m3 de areia cada (Reis et al., 2005 e 2008).
Soluções que envolvem a aplicação deste material tinham já sido adotadas (e com
reconhecido êxito) na construção de dunas artificiais, na construção de molhes
e esporões, e na estabilização de praias em diferentes regiões do Mundo (Oh
& Shin, 2006; Koffler et al., 2008).
No essencial, esta metodologia, conhecida por "wrap around
technique" (Recio-Molina & Yasuhara, 2005), consiste no reforço da
duna através da construção de uma barreira frontal de proteção integralmente
preparada e montada in situ usando mantas de material geossintético, como
mostra a Figura_2_a). Esta barreira de proteção, uma vez construída, é coberta
por uma camada de areia com cerca de 1.0 m de altura, procedendo-se em seguida
a uma replantação adequada, Figura_2_b).
As dimensões das mantas de material geotêxtil, que constituem os
geocontentores, foram neste caso obtidas recorrendo a formulações semiempíricas
deduzidas com base em estudos experimentais realizados no Grande Canal de Ondas
do Centro de Pesquisa da Costa Alemã em Hannover, e considerando os estudos
estatísticos que conduziram às situações representativas (período e altura
significativa da onda), apresentados em Antunes-do-Carmo (2003), Reis et al.
(2005) e Reis et al. (2008), utilizando ainda o modelo matemático descrito em
Antunes-do-Carmo (2004). Outras formulações para a determinação das dimensões
dos geocontentores, incluindo os efeitos de deformação e recomendações práticas
de aplicação, podem ser encontradas em Recio & Oumeraci (2009).
Os estudos realizados permitiram constatar que a barra longitudinal
característica da zona de rebentação das ondas se situa a cerca de 60 m da base
do sistema dunar existente, sendo a altura máxima e o período característicos
das ondas junto à duna de 2.5 m e 16 s, respetivamente (Antunes-do-Carmo, 2003;
Reis et al., 2008).
Por ser uma técnica integralmente montada/desenvolvida in situ, a aplicação de
geossintéticos na forma de mantas que envolvem grandes volumes de areia está
sujeita a condições climatéricas pouco favoráveis, sobretudo devido à atuação
do vento, que arrasta, em geral, grandes quantidades de areia, e devido também
aos elevados teores de humidade. Por conseguinte, as mantas de material
geossintético deverão ser ligadas por costura, utilizando uma máquina
apropriada, em vez do processo por colagem a quente que foi adotado na Leirosa
(Antunes-do-Carmo et al., 2010).
Devido à deficiente ligação por colagem das mantas de geotêxtil e à reduzida
dimensão dos sacos que protegiam o sopé da barreira de proteção (primeira
camada), os temporais que atingiram o cordão dunar no inverno de 2005-2006
conduziram à destruição de grande parte destes sacos e a vários rombos
(aberturas) nas três primeiras camadas, tendo-se escapado volumes consideráveis
da areia contida nos geocontentores, como mostra a fotografia apresentada na
Figura_3_a). Outras camadas de areia situadas acima das três primeiras ficaram
bastante expostas e deslocadas da sua posição inicial. Contudo, a nova
configuração da barreira de proteção manteve-se estável no inverno seguinte,
como se mostra na fotografia da Figura_3_b), não se revelando necessárias novas
intervenções de fundo.
Importa sublinhar que em março-abril de 2006, com condições de agitação
marítima favoráveis, houve uma acumulação natural da praia com areia vinda do
mar, recobrindo os sacos de areia e as duas camadas inferiores inicialmente
expostas, como se mostra na fotografia da Figura_3_a). Este mesmo efeito de
acumulação de areia foi ainda mais evidente em fevereiro de 2007, Figura_3_b).
A Figura_3_a) mostra o estado da barreira de proteção a partir da 3ª camada e a
Figura_3_b) a partir da 4ª camada, ambas contadas a partir da base.
2.2.Geotubos
Outra técnica de aplicação do material geossintético consiste no fabrico de
tubos em ambientes devidamente controlados, que são depois transportados para o
local e cheios com uma mistura de água e areia através de bombeamento. O
comprimento destes tubos varia, em geral, entre cerca de 30.0 m e mais de 60.0
m, com diâmetros que podem variar entre cerca de 2.0 m e mais de 4.0 m,
dependendo dos objetivos da aplicação, dos equipamentos disponíveis e das
características batimétricas e hidrodinâmicas locais.
Esta mesma técnica foi aplicada em 2008, a título experimental, para reforço
das camadas inferiores da barreira frontal de proteção construída em 2005 com
geocontentores, parcialmente destruída em fevereiro-março de 2006 (Antunes-do-
Carmo et al., 2010).
Nesta aplicação foram utilizados tubos de material geotêxtil "Secutex
R1006" pré-fabricados em geotêxtil de filtragem, com 1000 g/m2 e elevada
resistência. Para minimizar a degradação do material e alguma perda de
resistência por contato durante as operações de enchimento, foram colocadas
entre os tubos mantas de material geotêxtil de proteção, com 642 g/m2 e elevada
resistência mecânica. Na Leirosa foram instaladas cinco fiadas de tubos com
20.0 m de comprimento por 1.60 m de diâmetro. Documenta-se na Figura_4_a) o
processo de instalação e enchimento dos tubos, por bombeamento da mistura de
água com sedimentos, e na Figura_4_b) as três primeiras fiadas (apenas visíveis
a 2ª e a 3ª) de tubos já devidamente instalados a partir da cota +1.5 ZH.
Uma vez instaladas as cinco fiadas de tubos ao longo de 120 m, as quais foram
prolongadas mais cerca de 20 m para cada lado (tubos visíveis na fotografia da
Figura_4_b), para completo envolvimento da zona intervencionada), procedeu-se à
cobertura de toda esta zona com uma camada de areia de 1.0 m de altura,
seguindo-se um processo de revegetação com espécies autóctones, principalmente
Ammophila arenaria, como se documenta na Figura_5.
Atualmente verifica-se que, no essencial, a estrutura da frente intervencionada
se mantém, ao longo de um comprimento de cerca de 120 m, observando-se
lateralmente uma erosão significativa da duna, com recuos de algumas dezenas de
metros relativamente ao alinhamento inicial, de 2007, como se pode ver na
Figura_6, obtida no passado mês de fevereiro de 2013 a partir da zona
intervencionada. Apesar dos contratempos relatados, tal significa que a
intervenção realizada cumpriu os objetivos pretendidos (fixou a frente da duna)
e demonstra que o procedimento adotado é adequado, podendo e devendo ser
utilizado ao longo de todo o comprimento do sistema dunar, com cerca de 1800 m.
3. ENSINAMENTOS COLHIDOS E PROPOSTA DE ESTRUTURA COMPLEMENTAR DE PROTEÇÃO
A proteção costeira é um grande objetivo que não poderá ser minorado, mas os
custos que envolve são extremamente onerosos para o erário público.
A generalidade das obras de proteção costeira existentes ao longo da costa
portuguesa resultaram em consequência de uma manifesta e prolongada falta de
planeamento. Só assim foi possível permitir construções em áreas sensíveis,
nomeadamente zonas de expansão urbana até áreas de alto risco, a curtas
distâncias da linha de costa em evolução, muitas vezes sobre arribas, e ainda a
ocupação de áreas outrora pertencentes ao mar. Várias destas construções foram
'engolidas' pelo mar, ou mantêm-se ainda hoje à custa de obras
'pesadas' de Engenharia que têm vindo a ser sucessivamente
reforçadas (Dias, 1994; CNADS, 2001). Essas obras de proteção são, assim, e com
frequência, o resultado de intervenções necessárias e muitas vezes urgentes,
não planeadas e muito menos com preocupações de atratividade, valorização e
desenvolvimento. Na realidade, no que concerne à gestão da zona costeira
portuguesa, onde se destacam diversas áreas de grande vulnerabilidade, não tem
existido da parte das entidades públicas uma verdadeira atitude pró-ativa de
antecipação dos problemas.
A experiência adquirida nas diversas fases de reabilitação do sistema dunar da
Leirosa, utilizando diferentes técnicas de aplicação de geossintéticos e tendo
em conta a resistência e durabilidade deste material, sugere-nos a sua
utilização na construção de estruturas ou plataformas submersas com o duplo
objetivo de proteção complementar de sistemas naturais e geração de ondas para
a prática de surf. Estas estruturas submersas (recifes artificiais) poderão ser
construídas por sobreposições de camadas devidamente orientadas, sendo cada
camada composta por 'tubos' de material geossintético (geotubos)
adequadamente posicionados.
A construção de recifes artificiais deverá ser equacionada, tendo como
principal objetivo aliviar as grandes fragilidades de muitos dos atuais
sistemas naturais de proteção existentes ao longo das zonas costeiras, em
particular da zona costeira portuguesa. Por conjugação de vários fenómenos que
ocorrem em condições de águas pouco profundas, estas estruturas poderão ser
concebidas de modo a promoverem a rotação das ondas, o seu empolamento e a
consequente rebentação das mesmas sobre as plataformas submersas, por
conseguinte na massa de água, reduzindo, em consequência, o seu efeito erosivo
sobre as praias e/ou sobre as proteções naturais existentes (Mendonça et al.,
2012a e 2012b).
Complementarmente, e tendo como objetivos o envolvimento das populações locais,
a promoção turística da região e uma repartição de custos por eventuais
concessões a privados, ou dos benefícios resultantes das multifuncionalidades
inerentes ao empreendimento, estas estruturas poderão ser concebidas com
dimensões, formas e declives adequados para que as ondas geradas tenham
características para a prática de surf e permitam promover outras práticas
desportivas como mergulho e pesca.
É com este conjunto de multiobjetivos que se propõem soluções viáveis e
suficientemente atrativas, em particular: (1) estruturas de defesa
complementares de sistemas naturais de proteção; (2) alternativas à alimentação
artificial de praias com finalidades de retenção ou acumulação de areias e, (3)
possíveis alternativas a obras pesadas' de engenharia, as quais têm sido
encaradas fundamentalmente como medidas de recurso, satisfazendo necessidades
imediatas de proteção, mas sem claros benefícios a médio prazo.
4. RECIFES ARTIFICAIS COM MULTIFUNCIONALIDADES
4.1.Enquadramento
Procurar soluções para muitos dos problemas existentes, ou que potencialmente
venham a ocorrer, é um objetivo que a todos deve envolver. Aliando interesses e
perspetivas complementares, caberá ao poder público a criação de incentivos à
iniciativa privada para resolver um grave problema de base e, simultaneamente,
dotar a zona costeira de equipamentos atrativos sob os pontos de vista
turístico, económico e ambiental. Naturalmente que a implantação de uma obra
deste tipo deverá ser sempre precedida de um estudo de impacto ambiental,
nomeadamente para avaliar as possíveis interferências na biodiversidade local,
e de um estudo económico para avaliar o retorno do investimento efetuado.
É neste contexto que parecem ser apropriadas formas de intervenção
adequadamente planeadas e implementadas com multifuncionalidades: de proteção,
lazer e mais-valias turística e ambiental, tendo naturalmente em conta as
condicionantes do estudo de impacto ambiental.
Tais intervenções poderão consistir na construção de estruturas ou plataformas
submersas com geometrias e dimensões apropriadas para provocar a rotação da
onda, seguida de empolamento e rebentação mergulhante (em forma de tubo),
adequada para a prática de surf. Ao ser provocada a rebentação da onda sobre a
massa de água, deixará de se fazer sentir o seu impacto mais agressivo
(descarga de energia com elevado poder erosivo) sobre a praia e/ou na base do
sistema dunar.
Naturalmente, os efeitos pretendidos, de proteção e de geração de ondas com as
características desejadas, serão conseguidos para um determinado nível médio do
mar e uma altura de onda significativa (de dimensionamento), a definir em
função da dinâmica e das características locais.
A experiência adquirida a nível mundial com estruturas deste tipo (recifes
artificiais) é ainda muito limitada. Com efeito, encontram-se documentados na
bibliografia apenas seis recifes construídos na última década, os quais se
identificam em seguida.
Os dois primeiros recifes artificiais foram construídos na Austrália, o
primeiro em 1999 em Cable Station (próximo de Perth) e o segundo em 2000 na
praia de Narrowneck (Gold Coast). O primeiro recife artificial a ser construído
no Hemisfério Norte data de 2001 e situa-se na praia de Dockweiler, em El
Segundo, Califórnia (Estados Unidos), sendo conhecido como Pratte's Reef;
contudo, este recife foi removido em outubro de 2008 por não ter atingido os
objetivos esperados. Mais tarde foi construído na Nova Zelândia o recife de
Mount Maunganui, cuja construção teve início em novembro de 2005 e terminou em
junho de 2008, após substituição e ancoragem ao fundo de dois grandes
geocontentores que sofreram roturas no final de 2006. Este recife, instalado a
cerca de 250 m da costa, não produziu as ondas com a qualidade
'esperada' para a prática de surf. Segundo os promotores, o menor
desempenho do recife dever-se-á "ao não cumprimento da especificação
relativa ao volume de areia necessário, contendo os geotubos instalados no
fundo menos de metade dos 6500 m3 de areia previstos" 1.
Integrado num projeto de revitalização da orla de Boscombe, na costa sul de
Inglaterra, teve início em julho de 2008 a construção de um recife com
objetivos de aumentar o número de visitantes, alargar a temporada turística e
promover o crescimento económico. Após uma série de atrasos e contratempos, a
construção deste recife terminou em novembro de 2009. Foi previsto com um custo
de 1.5 milhões de € mas acabou por ficar em cerca de 3.5 milhões. Entretanto, o
recife sofreu danos significativos nos dois anos seguintes à construção, tendo
dois geotubos sido muito afetados. Em termos de altura de onda, observações e
resultados de simulações apresentados em Rendle e Davidson (2012) mostram que o
campo de ondas melhorou a sotavento do recife, indo ao encontro ao objetivo de
criar uma zona protegida para nadadores e banhistas. Nesta data não se
reconhecem efeitos de proteção significativos, nomeadamente em termos de
acumulação de areias.
Em 2006 teve início a construção de um recife em Opunake na Nova Zelândia,
concebido para a produção de ondas rápidas e cavadas, especialmente favoráveis
à prática de surf e bodyboard. O orçamento inicial deste recife importava em US
$ 1.1 milhões; no entanto, a construção foi interrompida devido a condições
climatéricas adversas e indisponibilidade de equipamento, tendo o custo
ascendido a mais do dobro. Segundo relatos da imprensa local, o recife terá
sido aberto no início de 2011, mas rapidamente se verificou que reproduzia um
"tipo errado de ondas", tornando-se inacessível para muitos
potenciais utilizadores. Posteriormente foi decidido proceder à reparação do
recife, mas este foi atingido por um barco que lhe causou danos estruturais o
que forçou o seu encerramento definitivo em meados de 2011.
Estas estruturas ou plataformas submersas (recifes artificiais) têm em geral a
forma de V, ou aproximada, dependendo das características locais, com braços
iguais ou desiguais e/ou ainda com abertura no vértice, separando os dois
braços, para permitir circulação no interior do recife. Poderão ser construídas
por sobreposições de camadas devidamente orientadas, sendo cada camada
constituída por 'tubos' de material geossintético, envolvendo
volumes consideráveis de areia (geotubos), com algumas dezenas de metros de
comprimento, tipicamente da ordem de 30 m a 60 m, ou mesmo mais, por cerca de 2
m a 4 m de diâmetro.
Estes tubos poderão ser pré-fabricados e transportados para o local, sendo
cheios com uma mistura de água e areia, através de bombeamento, nas
proximidades do local onde é construído o recife; por conseguinte, com a areia
existente no local, ou nas proximidades, sem intrusão de material estranho e
com um significativo ganho em termos de custo e transporte do material.
Para enchimento dos tubos poder-se-á recorrer a barcos com dimensões e
características de fundos adequadas. Em termos construtivos, o barco é
devidamente posicionado e orientado sobre a plataforma em construção, sendo o
tubo descarregado por efeito gravítico, indo ocupar naturalmente a sua posição
previamente definida na estrutura do recife.
Deste modo, tubo a tubo, vai-se formando a estrutura do recife. Os tubos são
colocados por camada, sendo instalados tantos tubos e sobrepostas tantas
camadas quanto as necessárias, até se atingirem a forma e as dimensões
previstas.
Quando necessário, passados alguns anos (possivelmente uma ou mais décadas)
após a instalação da estrutura inicial, por efeito de um possível assentamento
dos tubos instalados ou para acompanhar a elevação do nível médio do mar
bastará acrescentar mais uma camada, sem pôr minimamente em causa a estrutura e
o investimento iniciais.
Apresenta-se na Figura_7 um possível esquema (em planta) de uma estrutura deste
tipo, com incorporação de multifuncionalidades e um efeito positivo (acumulação
de areias) sobre a linha de costa.
A utilização de material geossintético envolvendo grandes volumes de areia, com
formas normalmente cilíndricas (tubos), na construção de estruturas submersas
deste tipo (com multifuncionalidades) apresenta diversas vantagens, sendo justo
salientar que:
1. O material_geossintético: i) é de custo acessível; ii) é fabricado em
ambiente controlado e, iii) tem elevada duração, mesmo em ambientes
agressivos.
2. Os geocontentores: i) permitem grande flexibilidade em tamanho e formas;
ii) na forma tubular (geotubos) são, em geral, preparados e construídos
(cosidos e/ou colados) em ambientes controlados e, iii) garantem um
elevado nível de segurança para os utilizadores, em particular para os
praticantes de surf, comparativamente com outros materiais de construção.
3. As estruturas_submersas: i) têm um reduzido impacto ambiental tanto em
fase de construção, supostamente utilizando adequados processos
construtivos, como de exploração; ii) em condições e ambientes apropriados
promovem a criação e realce de ecossistemas marinhos de grande valor e,
iii) permitem construções com dimensões e alturas controladas,
acompanhando eventuais assentamentos e a elevação do nível médio do mar.
4.2. Orientações gerais
O material geossintético, envolvendo grandes volumes de areia, particularmente
com formas tubulares, parece ser o mais económico e mais adequado para a
construção de recifes artificiais com multifuncionalidades. De fato, estes
contentores de areia pré-fabricados com material geossintético e cheios in situ
parecem constituir não só um excelente substrato para a flora marinha e para o
desenvolvimento de ecossistemas diversificados (Jackson et al., 2004), como
aumentam também a segurança no recife, ao formarem uma estrutura relativamente
suave, sem arestas cortantes, e, por conseguinte, diminuindo os riscos de
ferimentos de surfistas, mergulhadores, pescadores, etc., caso estes entrem em
contato com a superfície do recife.
Orientações preliminares para a conceção de recifes artificiais multifuncionais
são apresentadas em Antunes-do-Carmo et al. (2010). Em particular, o diâmetro D
requerido para os tubos é calculado por (Pilarczyk, 2009):
em que Dcr é o diâmetro mínimo dos tubos; Hs é a altura significativa da onda;
F é uma constante, que se situará no intervalo [2.0, 3.0]; Δ=1 para tubos/sacos
de areia, e ξop é o parâmetro de Iribarren, dado por:
em que α é o ângulo de declive do fundo;
Tp é o período de pico. Para assegurar a estabilidade ao deslizamento dos
tubos, estes deverão ser preenchidos até cerca de 75%-85% da sua capacidade, e
o comprimento L deverá ser tal que L ∈ [10D, 20D], assegurando assim que a
força de impulsão (ascensional) não é suficiente para movimentar um único tubo
de areia.
Também a estabilidade vertical ficará assegurada, impedindo assentamentos
diferenciais, assentando a primeira camada ao nível do zero hidrográfico
(aproximadamente 2.0 m abaixo do nível médio do mar). Em camadas consecutivas,
tanto horizontal como verticalmente, os tubos deverão ser colocados
alternadamente, isto é, as extremidades dos tubos de uma fiada não deverão
coincidir com as extremidades dos tubos das fiadas vizinhas.
Complementarmente, determina-se o número de tubos a instalar segundo a direção
transversal ao comprimento, isto é, a largura do recife na base, seja b, deverá
ser tal que
Tendo por base estudos teóricos, foram definidas as principais características
geométricas de um possível recife a implantar na Leirosa. Uma condição a
satisfazer para que a estrutura do recife funcione adequadamente é que o
declive do fundo do mar (batimetria do local de implantação do recife) seja
igual a 1:50 ou inferior. Nesta conformidade, referem-se em seguida as
principais orientações de projeto apresentadas em Antunes-do-Carmo et al.
(2010).
A estrutura a construir tem como principais objetivos: (1) proteção
complementar do cordão dunar existente; (2) geração de ondas adequadas para a
prática de surf e, (3) valorização ambiental; consiste numa subestrutura em
delta (recife) e numa plataforma (Figuras_7 e 8).
1. A subestrutura em delta (recife):
1. É composta por dois braços/ramos dispostos em V, como mostrado na
Figura_7 (vista da praia) e na Figura_8 (vista do mar);
2. Tem um ângulo constante da ordem de 45 graus, ou pouco superior, mas
inferior a 66 graus (ângulo da direção da onda com a normal ao braço
do recife);
3. Tem os ramos do V iguais, com comprimentos não inferiores a meio
comprimento de onda local e declives da ordem de 1:10.
2. A plataforma:
1. Tem uma forma tal que mesmo pequenas ondas que incidam obliquamente
sejam ainda surfáveis sobre o delta e não refratem nos declives
laterais;
2. Tem inclinações frontal e laterais tão elevadas quanto possível (para
redução de custos);
3. Tem um comprimento longitudinal (ao longo da costa) suficientemente
grande para proteger o local de erosão costeira (Figura_8, planta);
4. É prolongada para o interior do delta, devendo ser criteriosamente
estudada até que distância se fará esse prolongamento (Figura_8,
corte).
A distância do vértice do recife até à linha de costa não perturbada deve ser
superior a 1.5 vezes a largura da zona natural de surf.
Com base em análises numéricas, utilizando um modelo numérico do tipo
Boussinesq COULWAVE (Lynett, 2002), adequado para simular a evolução de ondas
não-lineares sobre batimetrias irregulares em condições de águas intermédias e
pouco profundas, foram determinadas primeiras estimativas para os valores dos
vários parâmetros do possível recife a construir na Leirosa, a saber: altura do
recife igual a 3.20 m, declive das paredes igual a 1:10 e submersão da crista
igual à altura da onda de projeto (1.50 m). Para detalhes sobre o regime de
agitação marítima na zona da Leirosa e as condições para que foi definido o
projeto de recife indicado, consulte-se Mendonça et al. (2012a) e Mendonça et
al. (2012b).
Como demonstrado em Jackson et al. (2005), para o recife de Narrowneck,
Austrália, cinco anos após a sua construção: "O recife Narrowneck é um
sucesso como recife multifuncional e alcançou os objetivos específicos do
projeto, bem como os benefícios ambientais…. O número de surfistas em
Narrowneck aumentou e a qualidade do surf "melhorou"…. Os recifes
para surf são viáveis e podem ser construídos a custos razoáveis, com projeto e
técnicas de construção simples".
Conforme mostrado na Figura_8 (planta), o fato de a plataforma não poder ser
alargada a toda a base do recife significa que este tem dimensões úteis
limitadas em ambas as direções. Isto é, será devastador para a surfabilidade
das ondas se estas tiverem que passar por um buraco situado atrás da plataforma
(as áreas sombreadas nesta figura) durante o processo de rebentação das mesmas
sobre o delta da estrutura (recife). Por conseguinte, naquelas condições, só as
ondas que chegam à plataforma na zona X serão surfáveis sobre o delta (Voorde
et al., 2009; Antunes-do-Carmo et al., 2010).
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Passados oito anos após o início da primeira intervenção na Leirosa utilizando
material geotêxtil, verifica-se que foi possível fixar a frente da duna na zona
intervencionada. Foram usadas duas técnicas complementares para a construção da
defesa frontal de proteção do sistema dunar: (1) contenção da areia em mantas
dobradas pela face do mar e ligadas lateralmente (coladas e/ou cosidas) às
mantas vizinhas; e (2) tubos pré-fabricados em ambiente controlado e cheios
localmente com uma emulsão de água e areia.
O fato de as ondas continuarem a rebentar na base da duna ou sobre a estrutura
de defesa criada prejudica o seu bom desempenho, pois existem sempre
descontinuidades que fragilizam a estrutura, como por exemplo os apoios dos
geocontentores/geotubos e as ligações entre mantas e/ou geotubos. A forma de
reduzir os impactos mais agressivos, resultantes da dissipação de energia por
efeito da rebentação, será provocar a rebentação da onda na massa de água, numa
zona suficientemente afastada da linha de costa (em geral, entre 200 a 250 m,
dependendo do declive do fundo, da amplitude da maré e da altura significativa
de onda). É neste contexto, e também com este objetivo, que se propõe a
instalação de recifes artificiais multifuncionais.
Os recifes artificiais são estruturas que fornecem uma proteção indireta
através da redução das cargas hidrodinâmicas para níveis adequados à manutenção
do equilíbrio dinâmico da costa. Para atingir este objetivo, os recifes
artificiais multifuncionais são concebidos de forma a permitirem a transmissão
de uma determinada quantidade de energia por rebentação das ondas no delta da
estrutura, e a dissipação de energia sobre a crista, em condições de água pouco
profunda. Com uma adequada conceção do recife, este será capaz de: (1) reduzir
a descarga energética sobre a costa através de uma série de processos e
transformações das ondas que ocorrem sobre a estrutura; (2) criar células de
circulação de correntes por trás do delta da estrutura (recife), podendo causar
sedimentação na orla costeira; (3) regular a ação das ondas por efeitos
combinados de refração e difração; (4) gerar ondas com boas características
para a prática de surf; (5) criar uma zona protegida com boas características
balneares e, (6) fixar plantas e atrair peixes, promovendo outras práticas
desportivas.
Naturalmente, para a implementação de estruturas deste tipo é essencial planear
e gerir de forma integrada a zona costeira. Um programa de investimentos na
zona costeira deverá contemplar necessariamente aspetos relativos à proteção,
como objetivo central, mas numa perspetiva integradora de valorização e
desenvolvimento, ou seja, não contemplando simples 'remendos', ou
obras isoladas, mas antes promovendo a atratividade através da instalação
generalizada de adequados equipamentos com multifuncionalidades.
A implementação da tecnologia proposta poderá justificar-se como medida isolada
quando se pretende tirar partido das diversas funcionalidades, mas justifica-se
claramente como medida complementar de outras estruturas naturais de proteção
costeira, nomeadamente dos vários sistemas dunares existentes e com elevadas
fragilidades ao longo da costa Oeste de Portugal. Esta tecnologia é igualmente
adequada para efeitos de proteção de áreas mais degradadas, como medida eficaz
de retenção e acumulação de areias, ou ainda como equipamentos complementares
de diversão, lazer e mais-valias turística e ambiental. Em princípio, será
igualmente uma boa aposta a instalação desta tecnologia em áreas onde se
justifica uma alimentação artificial com finalidades de retenção ou acumulação
de areias.
O principal investimento a efetuar para a aplicação desta tecnologia em larga
escala prende-se com a aquisição ou adaptação de um ou mais barcos com
características e dimensões adequadas e devidamente equipados, nomeadamente com
gruas, sistemas de bombeamento e outros equipamentos de menor custo. Um segundo
nível de investimento prende-se com o fabrico ou aquisição do material
geossintético, incluindo a preparação dos tubos por empresas especializadas.
Uma vez efetuados os investimentos iniciais, a construção de qualquer recife
artificial com multifuncionalidades (proteção de praias e sistemas dunares com
reduzido impacto ambiental, geração de ondas com características para a prática
de surf e importante enriquecimento ambiental da zona costeira) importará em
custos globais bastante mais reduzidos que os de qualquer estrutura tradicional
exclusivamente com funções equivalentes de proteção.
A experiência adquirida e os poucos dados de monitorização existentes com os
recifes artificiais já construídos ou em construção, nomeadamente sobre: i)
desempenho em relação à proteção costeira; ii) qualidade das ondas para a
prática de surf; iii) contribuição para o aumento da biodiversidade e, iv)
revitalização económica através do turismo, não nos permitem ser muito
objetivos em relação a qualquer das perspetivas de análise. Contudo, existem
dados importantes no que respeita a dimensões, volumes e custos de construção
que podem ser correlacionados com os correspondentes desempenhos. Em primeira
aproximação, poder-se-á inferir que os recifes artificiais com
multifuncionalidades resultarão mais simples, mais baratos e mais funcionais
que as estruturas convencionais construídas exclusivamente para efeitos de
proteção; complementarmente deverão ainda garantir os seguintes benefícios:
-Proteção de sistemas naturais com reduzido impacto visual;
- Aumento da largura da praia adjacente ao recife;
-Geração de ondas com características para a prática de surf;
-Importante enriquecimento ambiental da zona costeira;
-Criação de áreas com interessantes características para diversão e práticas de
mergulho e pesca;
-Benefícios económicos resultantes do aumento de fluxos turísticos.
Para finalizar, importa salientar que jamais serão satisfeitas as condições
ideais para a instalação de um recife multifuncional. Nesta conformidade, para
cada local, a opção final será sempre função do balanço que resultar de uma
análise ponderada entre o investimento a efetuar e o potencial retorno. Sendo
muitas as variáveis em jogo, nem todos os locais permitem atingir as mesmas
funcionalidades e nem sempre se pretendem os mesmos objetivos. Por conseguinte,
importa ter presente que os bons ou maus desempenhos de um recife artificial,
relativamente às prioridades traçadas, serão sempre função das características
locais (físicas, sociais e ambientais), da qualidade do projeto (localização,
material, geometria e dimensões) e dos aspetos construtivos (meios e
equipamentos, controlo e mão-de-obra).