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EuPTCEEx1646-88722014000100004

EuPTCEEx1646-88722014000100004

variedadeEu
Country of publicationPT
colégioEx-Tech-Multi Sciences
Great areaExact-Earth Sciences
ISSN1646-8872
ano2014
Issue0001
Article number00004

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Estudo das perceções da comunidade da Palmeira (Ilha do Sal, Cabo Verde) sobre a Sustentabilidade das Pescas

1. INTRODUÇÃO Cabo Verde é um arquipélago, situado no oceano Atlântico, separado por cerca de 500 Km do continente africano. Formado por dez ilhas e alguns ilhéus, o arquipélago de 4.033 km2 situa-se entre a latitude 14° 23' N e 17° 12' N e a longitude 22° 40' O e 25° 22' O.

Sendo um país insular, Cabo Verde pertence à região da Macaronésia juntamente com os arquipélagos dos Açores, Canárias e Madeira, onde a pesca desempenha um papel fundamental, que contribui para diminuir a dependência da importação de alimentos, garante o retorno de divisas, que alavancam outros setores, promovendo o desenvolvimento económico. A pesca é ainda a principal fonte de proteína animal consumida no arquipélago e atividade geradora de emprego.

A atividade pesqueira constitui, hoje, um dos principais desafios ao processo de desenvolvimento regional, sobretudo em relação à necessidade de conciliar a conservação dos sistemas naturais e a utilização racional dos recursos provenientes destes, favorecendo a adoção de um modelo de desenvolvimento que associe os aspetos sociais, ecológicos e económicos.

Cabo Verde é um país muito rico em diversidade de peixes, conseguindo reunir espécies características das zonas temperadas da África e das Caraíbas, que dificilmente se encontram noutros locais sendo, no entanto, a sua abundância relativamente baixa (ver Almeida et al., 2004).

O arquipélago possui uma extensa zona económica exclusiva (ZEE), de aproximadamente 750.000 km2, com uma produção pesqueira próxima de 10.000 toneladas anuais. Cabo Verde é um arquipélago onde se vive basicamente da agricultura, pesca, pecuária, atividades industriais e o turismo.

A pesca contribui para a criação de emprego, redução do êxodo rural, equilíbrio da balança de pagamentos e segurança alimentar. Para além disto, os recursos marinhos têm grandes possibilidades de gerar riqueza através da sua revalorização, designadamente com a promoção do ecoturismo.

Como afirma Morin (2011), a cultura enquanto conhecimento e o conhecimento enquanto cultura são a dialética que movimenta, interage e sentido à vida e às práticas de pesca que, por sua vez, se refletem em saberes que permitem aos pescadores se relacionarem com o meio onde estão inseridos de maneira íntima, proporcionando a criatividade e a sabedoria.

O conhecimento da variação dos ciclos ambientais e da bioecologia dos recursos é imprescindível para o pescador e para a pescaria. Segundo Diegues (1999), permite que desenvolvam práticas apropriadas de manejo, a fim de assegurar os seus meios de subsistência. É nesta visão que este trabalho pretende explorar o conceito de sustentabilidade junto dos pescadores da comunidade da Palmeira.

Na comunidade, mais de 126 pescadores vivem exclusivamente da pesca, sendo 52 botes para a pesca artesanal e 2 embarcações de pesca industrial e semi-industrial. 32% da comunidade vive da pesca e 25% da pesca artesanal, que é uma atividade limitada quando comparada com a pesca industrial, mas preponderante para a alimentação e renda das famílias (INDP, 2012).

Desta forma, o presente trabalho teve como objetivo principal a análise dos aspetos socioeconómicos, a atividade pesqueira e a forma de comercialização do pescado, a vida dos pescadores e a perceção ambiental sobre a sustentabilidade da pesca artesanal com a finalidade de reunir subsídios que permitam que a exploração pesqueira seja feita em moldes sustentáveis, perpetuando a disponibilidade desse recurso para toda a sociedade.

2. MATERIAL E MÉTODOS 2.1.Área de estudo O porto de pesca de Palmeira e a sua comunidade piscatória ficam localizados a uma distância de 3 km (quilómetros) do centro, a oeste dos Espargos. A comunidade conta com uma população residente estimada de 1420 indivíduos (INDP, 2010). Estão registados na capitania marítima da ilha 1.090 (mil e noventa) pescadores e 789 (setecentas e oitenta e nove) embarcações, das quais 422 (quatrocentas e vinte e duas) com motor (INDP, 2010). A comunidade piscatória em estudo vive da faina da pesca e de outras atividades complementares. A localização ilha do Sal é evidenciada na figura_1.

2.2.Metodologia Além do levantamento bibliográfico, para a coleta das informações foram elaboradas entrevistas semiestruturadas e inquéritos, contendo perguntas fechadas relacionadas às características socioeconómicas, perfil dos pescadores, dinâmica da atividade pesqueira, registro de campo, além do registro in loco de informações pertinentes às características ambientais.

O tipo de pesquisa classifica-se como descritiva e analítica, ou seja, a pesquisa realizada, através de entrevistas, coleta de dados em campo e observação. Segundo Deslandes (2004), a metodologia não apenas contempla o momento exploratório de campo (escolha do espaço da pesquisa, escolha do grupo de pesquisa, estabelecimento dos critérios de amostragem e construção de estratégias para entrada em campo), como também determina os instrumentos e procedimentos a serem utilizados na análise dos dados.

Dos 468 pescadores das comunidades piscatórias da ilha do Sal, 126 pertencem à comunidade do Porto da Palmeira. Para este estudo, teve-se o cuidado de inquirir um pescador por cada embarcação, num total de 27 pescadores. Os dados secundários foram obtidos junto das autoridades/entidades reguladoras da atividade pesqueira da Palmeira. A localização da localidade em estudo está evidenciada na figura_2.

O trabalho que aqui se apresenta baseia-se nos fundamentos da pesquisa-ação com metodologia de pesquisa, onde se visou estabelecer uma estrutura coletiva, participativa ativa para a captação de informações (Thiollent, 1992).

As entrevistas foram realizadas de forma fragmentada e aleatória ao longo do período de amostragem: alguns pescadores foram entrevistados no momento em que retornavam da atividade pesqueira, quando indicavam outros pescadores para futuras entrevistas (método da bola-de-neve) (Goodman, 1961). Outras entrevistas foram realizadas nos locais de desembarque, nas embarcações e até mesmo nas residências dos pescadores. Nos questionários, procurou-se obter informações referentes às características das embarcações utilizadas, número de tripulantes, instrumentos de navegação e material de segurança, assim como os tipos de artes de pesca, as espécies capturadas por arte de pesca, as áreas de pesca e a conservação do pescado a bordo.

Os dados obtidos foram analisados e organizados em Excel, utilizando o programa SPSS (IBM SPSS, versão 15) para análise e apresentação gráfica. A análise de dados foi feita através das informações relativas às temáticas abordadas nos questionários e, de acordo com as respostas, foi possível apresentar resultados especificando os respetivos percentuais, utilizando estatística descritiva.

3.RESULTADOS No inquérito aplicado, procurou-se caracterizar o perfil dos entrevistados.

100% dos inquiridos na amostra são do sexo masculino. Destes, a maioria, 19 indivíduos, tem mais de 40 anos de idade, representando 70% dos inquiridos (Figura_3). Ao cruzar a variável idade e anos de atividade constatamos que 18 indivíduos (66,6%) têm mais de 20 anos a dedicar-se à pesca.

Quanto à escolaridade observou-se que cerca de 74% são analfabetos. Ao fazer o cruzamento das variáveis idade e nível de escolaridade verificou-se que o pescador inquirido acima dos 40 anos de idade não tem o grau completo (Figura_4).

Em termos demográficos, grande parte dos pescadores inquiridos têm entre 3 a 6 filhos, enquanto 22% não têm filhos. Ao cruzarmos a variável idade com o número de filhos, na faixa etária dos 41 - 50 anos 44,4% da prole é maior, seguidos dos 20 - 30 anos e 51 - 60 anos, ambos com 18,5%. Quanto ao nível de ensino dos filhos, evidenciou uma rutura com a realidade dos pais/ pescadores, uma vez que cerca de 63% dos filhos destes se encontram a estudar. Destes, cerca de 33% encontram-se a frequentar o ensino secundário e os restantes estão no ensino de nível superior.

A maior parte dos pescadores entrevistados, 54,5%, nasceu noutras ilhas, particularmente em Santo Antão, 44,5%, e 11% em São Vicente, enquanto o restante é natural da Ilha do Sal (figura_5). Tal deve-se ao facto de, nos últimos anos, a Ilha do Sal ter atraído milhares de migrantes de outras ilhas devido à sua dinâmica económica, principalmente na oferta de novas oportunidades de trabalho geradas pelo turismo.

Quanto à origem das embarcações, 63% são da Ilha do Sal, 25,9% de Santo Antão e 7,4% da Brava. Também de modo a permitir uma análise mais concisa do ano de construção foi adotada uma escala, sendo que 22,2% dos barcos foram construídos entre 1990 - 1996, 29,6% entre 2000 - 2006 e 37% de 2007 a 2012, porém 3,7% dos inquiridos não souberam responder sobre a origem das embarcações. Quanto à forma de aquisição das embarcações, 40,7% dos pescadores mandou construir a embarcação, 37% comprou com dinheiros próprios a embarcação construída, 18,5% adquiriu embarcações através de projetos subsidiados e 3,7% não responderam.

A maior parte das embarcações utilizadas na comunidade é de madeira e fibra (55,6%), 25,9% exclusivamente de madeira, 14,8% de fibra de vidro e 3,7% de chapa.

A frota analisada durante o estudo, na comunidade da Palmeira, apresenta 2 tipos básicos de embarcações, sendo a esmagadora maioria constituída por botes, sendo o mais pequeno com 4,5 metros de comprimento e 1,90 metros de largura, com capacidade para 700 quilos. O maior barco de pesca tem 37 metros de comprimento, 12 metros de largura, e tem capacidade para 40 toneladas (Figura 6).

Das embarcações observadas, 74,1% utilizam motor de popa e 22,2% motor de rabeta. O combustível utilizado maioritariamente é a gasolina (92,6% dos pescadores inquiridos) e 7,4% utiliza o gasóleo.

Referente ao número de tripulantes das embarcações verifica-se que este varia.

Constata-se que as embarcações com redes de emalhar possuem entre 13 e 14 pessoas; as com rede de arrasto 3 a 9 pessoas; as de linha de mão 2 a 9 pessoas; e, por último, a embarcação com rede de cerco com 9 tripulantes.

Das vinte e sete embarcações analisadas na comunidade da Palmeira 78% não possuem qualquer tipo de instrumento de navegação; em 22% embarcações constata- se a presença de um ou outro instrumento, nomeadamente a bússola - uma vez que esta é considerada pelos pescadores o principal instrumento de navegação e orientação na pesca.

Relativamente aos equipamentos de segurança observou-se que 59% das embarcações não possuem tais equipamentos contra 41% que afirmam possuir alguns, tais como coletes de segurança, extintor, boia, bote salva-vida, etc. À semelhança de outras comunidades piscatórias estudadas pelo INDP (vários números), na Palmeira os barcos de pesca não possuem infraestruturas, nem instrumentos que auxiliam a navegação (Figura_7).

Os dados da pesquisa revelaram que a arte de pesca mais utilizada na localidade da Palmeira é a linha de mão, de acordo com 77,8% dos pescadores inquiridos, seguido da rede de arrasto, rede de emalhar e rede de cerco, este último com apenas 3,7% (Figura_8). Estes tipos de redes possuem características idênticas, no entanto apresentam variações de tamanho, malha, procedimento e espécie-alvo de captura.

Na comunidade da Palmeira, cerca de 44 % dos pescadores inquiridos afirmam que pescam no alto mar, 33% disseram que concentram suas pescarias a quilómetros da costa e apenas 19% atuam noutras ilhas, sendo que 4% não responderam. questionados sobre o tempo de pesca, 74,1% dos inquiridos indicam a duração de apenas algumas horas, 18,5% duram menos de 5 dias e 7,4% não responderam.

A capacidade de armazenamento de gelo para as embarcações inquiridas varia entre 30 quilos a 30 toneladas. Destas, a capacidade de pescado para tal quantidade de gelo é de 60 quilos por 40 toneladas de pescado. Tal se deve ao facto de as embarcações variarem de comprimento, largura e capacidade. A frota pesqueira local, na sua maioria, não utiliza qualquer sistema de conservação do pescado, sendo que 59% dos pescadores inquiridos afirmam ainda que, embora as embarcações tenham capacidade para colocar gelo, estes deixam o peixe sem o gelo, justificando que o tempo de pesca (em horas) não deteriora o produto. 33% dos inquiridos utiliza a caixa de "isópor" (esferovite) com gelo e apenas 7,4% têm urnas com gelo para fazer a conservação.

O financiamento da pescaria é feito muitas das vezes pelo próprio proprietário, como afirmam 85% dos inquiridos e apenas 15% pelo armador. A partilha da pescaria em 48% dos botes é distribuída em partes iguais (proprietário, barco, motor e pescadores). Outras vezes faz-se a distribuição a meias, sendo que apenas 3,7% dos pescadores inquiridos são assalariados.

Quanto ao desembarque do pescado, é feito no Porto da Palmeira (100% dos pescadores), o que influencia diretamente a distribuição e compra do produto, sendo 96% destinado ao consumo local e apenas 4% enviado para a cidade da Praia - capital do país.

Dos inquiridos, a maioria, 66,7% pertencem à Associação de Pescadores da Palmeira - a única associação desta natureza na comunidade - enquanto 33,3% não pertencem a nenhuma associação ou cooperativa.

Quanto ao rendimento do pescado obtido ao longo de uma semana verificou-se que se apresenta de forma variada por cada pescador, em virtude do método usado para pesca e também pelo tempo despendido na atividade. O rendimento mensal dos pescadores locais que dependem exclusivamente da pesca como atividade profissional ronda os 30 a 400 Euros.

A atividade piscatória é tida como uma atividade dura, com rendimentos reduzidos. Assim, questionados sobre o modo de vida na pesca, 67% acha que é razoável enquanto 33% diz que é uma vida satisfatória.

Outro aspeto abordado durante as entrevistas está na perceção dos pescadores quanto à diminuição das espécies capturadas nos últimos tempos, em que 78% dos entrevistados responderam que pescavam as mesmas espécies que atualmente, como, por exemplo, a cavala (Decapterus macarellus). Este peixe foi identificado como o peixe preferido pelos pescadores e consumidores. As estatísticas de pesca mostram oscilações das capturas, com uma tendência crescente de 2004 a 2006, demonstrando com isso uma sobre-exploração da espécie (Tariche et al. 2012).

Embora sem informação científica suficiente, é provável que também outras espécies como ochicharro (Selar crumenophthalmus) e a cavalabranca (Decapterus punstatus) estejam sob as mesmas condições de exploração intensiva, ocasionando a sua diminuição.

Segundo os pescadores, atualmente pescam-se algumas espécies, entre as quais a bicuda (Sphyraena), a façola (Priacantídeos), o sargo (Sparidae), o espadim azul (blue marlin) (Istiophoridae) e o barbo (Galeoides decadactylus), que não se pescavam antigamente.

Quando questionados sobre o período de defeso da cavala preta (Decapturus macarellus), do grupo das lagostas costeiras (lagosta verde) (Panulirus regius), lagosta castanha (Panulirus echinatus) e lagosta de pedra (Scyllarides latus), bem como do da lagosta rosa(Palinurus charlestoni), a opinião dos pescadores é favorável: 44,4% dos inquiridos acha o período muito bom, 44,4% acha que é bom.

O período de defeso da cavala preta, da lagosta costeira e da lagosta rosa fazem parte das medidas de desenvolvimento e de gestão para diferentes pescarias e diferentes horizontes temporais, visando a sustentabilidade racional dos recursos haliêuticos e o desenvolvimento do sector das pescas do Plano de Gestão dos Recursos da Pescas 2004-2014, elaborado no quadro do Plano de Acção Nacional para o Ambiente (ver Almeida et al., 2004).

Entre as principais medidas do plano constam as relativas às zonas reservadas, à proibição de práticas nocivas de pesca, ao estabelecimento do tamanho mínimo de espécies capturáveis e à fixação de períodos de defeso de espécies ameaçadas.

Em 2008, foi aprovado um conjunto de períodos de defeso para as lagostas de profundidade (01 de Julho a 30 de Novembro), para as lagostas costeiras (01 de Maio a 31 de Outubro) e para a cavala preta (01 de Agosto a 30 de Setembro).

Foram ainda estabelecidos tamanhos mínimos de captura para a dobrada (17 cm de comprimento medidos da ponta do rosto à barbatana caudal), lagosta rosa (11 cm de carapaça), lagostas costeiras (9 cm de carapaça) e cavala preta (18 cm de comprimento medidos da ponta do rosto à barbatana caudal).

Questionados sobre a necessidade de se adotarem períodos de defeso para outras espécies, além da cavala e da lagosta, as opiniões divergem, uma vez que, 48% dos inquiridos acha que o defeso deveria abranger outras espécies, entre as quais, o chícharo (Selar crumenophthalmus), a garoupa (Cephalopholis taeniops), o atum (Thunnus sp.) e o espadarte (Istiophoridae sp.). 44% respondem que não necessidade de aplicar tais leis e 8% não tem opinião formada sobre o assunto.

Relativamente aos problemas que o sector da pesca artesanal enfrenta em Cabo Verde atualmente, 78% dos pescadores da comunidade da Palmeira considera que este se centra nos poucos recursos para execução da sua atividade e os restantes 22% referem a gestão dos recursos, sendo apontados também a falta de câmara frigorífica e a fraca intervenção das autoridades no controlo da atividade piscatória. Por outro lado, apontam a poluição, os acordos de pesca entre Cabo Verde e a União Europeia e os elementos externos (instabilidade do clima), como fatores que afetam a pesca no Porto da Palmeira.

A questão dos problemas ambientais aparece como um dos aspetos que mais precisa de ser trabalhado neste grupo, pois mais de metade dos 56% dos inquiridos não têm conhecimentos sobre o assunto. Alguns relatam as variáveis ambientais como fatores que interferem na pesca, como, por exemplo, o estado do mar (as marés) e o clima (condições do vento, bruma seca e chuva), impeditivas à realização da atividade ou, até mesmo, colocando em risco a vida e a saúde do pescador. O clima e a poluição do mar também foram apontados como fatores comprometedores da sua qualidade de vida e do pescado por provocarem dificuldades financeiras, principalmente quando impedem a atividade ou quando geram prejuízos para os ecossistemas marinhos, principalmente desequilíbrio ecológico.

No desempenho da sua atividade profissional, 93% dos inquiridos preocupa-se com a satisfação das gerações futuras e 7% diz que não. Usando a definição tradicionalmente adotada, o desenvolvimento sustentável é um desenvolvimento que deve responder às necessidades do presente sem pôr em risco as gerações vindouras.

A sustentabilidade ambiental da Terra está ligada diretamente a uma atitude de mudança de comportamento do ser humano no que diz respeito ao trato com a natureza. Nesse sentido, a dinâmica de exploração dos recursos naturais por parte das sociedades humanas requer cuidados no qual prevaleça a manutenção das espécies vivas da natureza. 82% dos inquiridos considera que estaria disposto a alterar alguns comportamentos, no desempenho da sua atividade, para que o recurso natural fosse preservado, enquanto que 11% refere que não e os restantes 7% não opinaram sobre tal atitude.

4. DISCUSSÃO Os dados neste estudo indicam que a atividade da pesca é desenvolvida, na sua maioria, por homens com idade acima dos 35 anos, similar à encontrada nas outras ilhas. A média de idade dos pescadores a nível nacional é de 40 anos. No entanto, entre as ilhas, este valor varia entre os 37 e 43 anos. Em São Vicente recenseou-se o pescador mais velho de Cabo Verde (87) anos, e na ilha de Santiago o pescador mas novo com apenas 12 anos, enquanto as ilhas de Boavista e Maio são as que têm a média mais alta, 43 e 42 anos respetivamente (INDP, 2011).

Estes dados refletem o fato de os pescadores em atividade não serem jovens.

Porém, pelo fato de a maioria deles pescar mais de 20 anos, deduz-se que entraram jovens para a atividade de pesca. Portanto, a situação parece estar mudando atualmente, uma vez que poucos jovens estão se iniciando na pesca, o que pode ser um indício do declínio da atividade. Por outro lado, uma vez que a escolaridade é obrigatória até ao sexto ano, isso pode indicar ainda que a escola impede que os jovens comecem a atividade tão cedo.

Constatou-se que o valor recebido na atividade pesqueira não é suficiente para o sustento da família, sendo que os pescadores, na sua maioria, e respetivas mulheres se dedicam a outras atividades remuneráveis, nomeadamente vendedeiras ou empregadas de limpeza para complementar o rendimento da pesca. Além disso, constatou-se ainda que a falta de infraestruturas para armazenamento e transporte do pescado obriga muitos pescadores a venderem, o quanto antes, o seu produto.

Os pescadores procedentes de outras localidades passaram a residir na ilha principalmente porque constituíram família ou porque procuravam novas oportunidades de trabalho geradas pelo turismo, pela pesca e pela sua opção profissional. Segundo Almeida et al. (2004), a nível do sector operam pescadores em dedicação exclusiva ou a tempo parcial. A pesca é uma alternativa durante os maus anos agrícolas.

Na atividade pesqueira cristaliza-se a divisão de género do trabalho. À semelhança de muitas outras comunidades piscatórias, espalhadas pelos cinco continentes, a maioria dos pescadores é constituída por homens que começaram a pescar com seus pais ou parentes, seguindo a tradição da família, aprendendo a pescar sozinho ou observando outros pescadores.

No tocante ao grau de escolaridade observado, um dos maiores problemas sociais que envolvem os pescadores artesanais do município poderá ser o alto índice de analfabetismo existente entre os integrantes desta profissão. Além do problema causado pela falta da educação escolar, a maior parte dos entrevistados possui apenas o ensino básico incompleto.

Apesar de muitos percalços na história de Cabo Verde, a instrução da população foi desde muito cedo reconhecida como uma das vias de ascensão económica e social e o analfabetismo, corretamente visto como um dos fatores fundamentais e determinantes da pobreza (INDP, 2001). Nesta ótica, o processo de instrução teve como estratégia abranger um cada vez maior número de pessoas nas idades pré-escolares e escolares, assim como, também, os adultos, através de programas específicos de alfabetização. Cabo Verde tem uma elevada cobertura escolar com uma taxa bruta de escolarização de 67% para mulheres e 82% para homens, em 2000 (INDP, 2001).

A maior parte das embarcações, 40,7%, foi encomendada, enquanto 37% foi comprada e 3,7% não souberam responder qual a forma de aquisição. Esses dados não diferem dos dados apresentados pelo INDP, que constatou que a maioria das embarcações das ilhas de Cabo Verde era de propriedade dos pescadores.

Depois de 1992, alguns projetos foram implementadosem Cabo Verde e executados pelo INDP, com diferentes fontes de financiamento, sendo uma parte com recursos internos e outra com recursos dacooperação bilateral oumultilateral, tentando ambos a melhoria das condições de vida das comunidades piscatórias.

É predominante a arte de pesca com anzol e linha na localidade em estudo.

Apesar de se utilizar as redes, espinhel e garrafas, a pesca com anzol e linha é um dos principais meios de subsistência em muitas comunidades piscatórias do país, confirmada por Almeida et al. (2004) como sendo a arte de pesca mais antiga praticada em Cabo Verde, e é comum em todas as comunidades piscatórias do arquipélago, representando 63% da captura artesanal e 93% do esforço da pesca artesanal.

De acordo com Medina (1995), as embarcações mais utilizadas na pesca artesanal são constituídas por pequenas embarcações em madeira, de boca aberta e com reduzida autonomia no mar, nomeadamente para atuar em pesqueiros distantes. É uma atividade essencialmente costeira (INDP, 2010).

Com a pouca autonomia no mar conferida pelas embarcações, 44 % dos entrevistados afirmam que pescam no alto mar, 33% disseram que concentram suas pescarias a quilómetros da costa e 19% apenas atuam noutras ilhas.

Os pescadores dizem que não capturam peixe sempre nos mesmos pesqueiros. O que os norteia na escolha do local adequado para a pesca é a própria experiência, alegando que se tivessem aparelhos como GPS e sondas, seria uma ajuda, sabendo de antemão onde estavam os bancos de peixe.

Para Carvalho e Caramelo (1996), as espécies-alvo são os pequenos pelágicos como o charro-olho-largo (Decapterus macarellus), melão ou chicharro (Selar crumenophthalmus), podendo ainda aparecer nas capturas pequenos tunídeos. Corroborando tal teoria, os pescadores inquiridos afirmam que pescam outras espécies entre os quais, pequenos pelágicos como o charro-olho-largo, melão ou chicharro, gaiado (Katsuwonus pelamis), cachorrinha ou judeu (Auxis thazard), atum (Thunnus albacares) e outros tunídeos (albacora e serra).Também predominam nas capturas, os peixes demersais (garoupa, moreias, salmonete, charuteiro, sargos e chicharro), usando a cavala, a cachorrinha, o chicharro, e o olho-largo para a captura das espécies acima identificadas, mas afirmam que a produção obtida por pescaria varia, de acordo com o tipo de pescaria e o tempo da faina. Quando questionados relativamente à perceção sobre se se pescava mais ou menos do que antigamente, 78% refere que se pescava mais, 11% diz que era menos, 7% igual e 4% não souberam responder.

De acordo com Plano de Gestão de Recursos de Pesca (ver Almeida et al., 2004), a pesca artesanal é uma atividade de grande tradição em todo o arquipélago, representando uma fonte importante de emprego e, para algumas ilhas, uma das bases produtivas fundamentais e eixo de desenvolvimento. A nível do sector, operam pescadores exclusivos e em tempo parcial, em que estes últimos provêm de outros ramos de atividade, os quais constituem, por vezes, uma alternativa durante os maus anos agrícolas.

É neste contexto que um dos objetivos últimos deste instrumento de pesquisa visa analisar a vida dos pescadores da localidade de Palmeira de modo a caracterizar a sua relação com a pesca enquanto fonte de emprego. A atividade piscatória é conhecida como uma vida dura, com rendimentos reduzidos. Assim, questionados sobre o modo de vida na pesca, 67% acha que é razoável enquanto 33% diz que é uma vida satisfatória.

No tocante às dificuldades vividas durante os anos de trabalho, 78% refere que pescam as mesmas espécies que antigamente contra 22% que acha que não. Cruzando os dados com Batista et al. (2009), em que os seus entrevistados dizem que a quantidade de peixes na comunidade tem diminuído de forma considerável e quanto ao tamanho dos peixes, os resultados indicam que 65% dos pescadores são da opinião que o tamanho das espécies tem diminuído.

No estudo de Batista et al. (2009) foi solicitada a opinião dos pescadores quanto ao desaparecimento de algumas espécies. Os resultados indicaram que 96% dos pescadores opinaram que algumas espécies desapareceram na comunidade. Do relato dos pescadores da Palmeira depreende-se que houve espécies que desapareceram enquanto se pescam algumas espécies que não abundavam anteriormente, entre os quais a bicuda, a façola (Heteropriacantus cruentatus), o sargo, o espadarte e o barbo (Galeoides decadactylus).

A ação do homem sobre o meio, a fim de saciar as suas necessidades, principalmente alimentares, é uma das grandes causas da modificação do ambiente. Rapidamente os recursos naturais foram desparecendo e por consequência, a qualidade de vida humana foi afetada.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS A prática pesqueira artesanal é uma das mais antigas atividades humanas desenvolvidas em áreas litorais.

Como se pode observar pelos resultados deste estudo, a existência da pesca artesanal na comunidade estudada assume um papel crucial na vida desses pescadores.

Os resultados apontados neste estudo demonstraram a fragilidade da pesca tradicional, bem como dos pescadores, dada a baixa expectativa dos pais em relação à sua continuidade e à desmotivação dos mais jovens em aderir a uma profissão cujos resultados financeiros e sociais não se apresentam como muitos atrativos.

Ao longo do estudo foi possível ainda perceber que, apesar de os pescadores saírem tão cedo para o mar e da vida árdua que levam, das incertezas do dia-a- dia, da escassez de pescado, muitos, por não terem conhecimento, ou porque acreditam que as causas dessa diminuição se devem apenas a outrem, não são capazes de melhorar os apetrechos, de ter alguma sensibilidade ambiental e acima de tudo de partilhar experiências, dificuldades e propor novos cenários.

Nesse sentido, e na posse dos dados analisados, podemos aferir que a relação existente entre os pescadores da comunidade da Palmeira, Ilha do Sal e o seu ambiente de trabalho se desenvolve baseado em saberes quotidianos, que lhes permitem ter um certo cuidado quanto ao uso e manejo dos recursos naturais marinhos. Desse modo a conceção deles acerca do cuidar do ambiente é permeada de saberes não-científicos e, por conta disso, muitos dizem "não ter qualquer conhecimento sobre os problemas ambientais".

Convém ressaltar que a visível preocupação quanto à conservação dos recursos pesqueiros, ao uso de materiais de pesca inadequados e à captura de espécies em período de defeso revela um conhecimento particular dos pescadores, levando-os a uma inquietação sobre a forma errada de pescar, comprometendo, sem dúvida, o futuro daqueles que dependem dos recursos naturais marinhos e também a continuidade da atividade.

No geral, este estudo e a revisão bibliográfica preparatória do mesmo indicou que existem evidências de que a pesca em Cabo Verde e, principalmente, na Comunidade da Palmeira não tem ocorrido em moldes sustentáveis. Depois de identificadas as principais espécies piscatórias capturadas e de conhecer a dinâmica da vida dos pescadores, urge propor cenários de sustentabilidade para as pescas em Cabo Verde. É evidente que a implementação da redução da capacidade de pesca em Cabo Verde, quando o excesso da capacidade é um dos principais problemas que afligem os gestores de recursos pesqueiros, é uma política inaceitável, quando se verificam altas taxas de desemprego, tradição na atividade pesqueira e falta de alternativas sustentáveis nesta comunidade.

O governo de Cabo Verde tem poucas alternativas de estabelecer direitos de prioridade e redução de capacidade, devendo adotar medidas que visem a educação, políticas de crédito e uso de novas tecnologias. A educação precisa ser o elemento emergente no processo de transformação para uma organização social entre esses pescadores, pois a sua ausência na atual conjuntura política e económica faz-se sentir na avaliação dos custos de produção e nos níveis de qualidade de vida dessas comunidades. A educação e a organização dos pescadores, bem como a descentralização e a gestão participativa dos recursos pesqueiros são condições fundamentais para a sustentabilidade da pesca.

A recomendação deste estudo é no sentido de que os órgãos governamentais estudem as comunidades piscatórias das nove ilhas habitadas, de modo a que ampliem as políticas voltadas para o incentivo à pesca artesanal, com financiamentos a juros baixos, que possibilitem a esse grupo um melhor equipamento para o armazenamento do pescado, a implementação de tecnologias de cultivo de peixes em cativeiro, e criação de um amplo programa de educação ambiental, que oriente as populações quanto à preservação dos seus recursos naturais, com vista à sua sustentabilidade.


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