Método combinado de observação em microscópia óptica e electrónica de
varrimento para estudo de palinomorfos
1. INTRODUÇÃO
Em estudos de palinologia, às vezes, é difícil caracterizar sistematicamente os
palinomorfos por estes não apresentarem características morfológicas
suficientemente distintivas e/ou não se encontrarem na melhor posição para
serem identificados. Quando se efectua um estudo estatístico normalmente ficam
por identificar alguns espécimes que poderiam vir a ser utilizados como
indicadores biostratigráficos, ecológicos ou climáticos.
Ao realizar a caracterização do conteúdo palinológico num sedimento, é
necessário identificar com o muito rigor o maior número possível de formas de
pólenes e de esporos de modo a obter reconstituições o mais fiéis possíveis. A
maioria dos dinoflagelados são frágeis, muitas vezes encontrando-se dobrados e/
ou partidos tornando impossível a classificação taxonómica o que os leva a ser
considerados indeterminados.
A maioria dos palinomorfos é observada e reconhecida recorrendo ao Microscópio
Óptico (MO). O recurso a Microscópio Electrónico de Varrimento (MEV) tem custos
elevados e só é utilizado esporadicamente. Na generalidade das situações, o
reconhecimento das diferentes formas e a correspondência das imagens obtidas em
MO e MEV é feita por simples comparação morfológica o que, em muitas situações,
se revela complicado. O ideal seria poder observar o mesmo espécime em MO e em
MEV, o que não tem sido fácil de conseguir, dadas as dimensões dos
palinomorfos.
No presente trabalho, descreve-se o procedimento que visa estudar o mesmo
exemplar de palinomorfo recorrendo a estes dois equipamentos com o auxílio do
Microscópio Óptico Invertido e da Lupa Binocular. Os palinomorfos descritos
como exemplo provêm de sedimentos neogénicos; no entanto, este procedimento
pode ser efectuado em materiais de qualquer idade.
2.DESCRIÇÃO DO MÉTODO
2.1Tratamentolaboratorial
A quantidade de sedimento a tratar em laboratório depende da sua natureza. Para
material argiloso e areno-argiloso devem pesar-se em média 40 g; 10-15 g para
diatomitos e cerca de 5 g para lignitos.
Após pesagem, os sedimentos são colocados em copos de teflon por serem
resistentes ao ácido fluorídrico (HF). De seguida, procede-se à eliminação
progressiva da fracção mineral através de ataques com produtos químicos
comerciais, nomeadamente ácido clorídrico a frio (HCl a 37% para sedimentos
ricos de carbonatos até deixar de fazer efervescência) e ácido fluorídrico a
quente (HF a 51%-55% para sedimentos ricos de sílica). Em amostras não
carbonatadas, pode adicionar-se de imediato HF. O ataque com HF, com duração
média de 4h, pode ser repetido, se a percentagem de sílica for muito elevada. A
destruição da fracção mineral é mais eficaz quando os copos são colocados num
agitador orbital com aquecimento durante o tempo de espera (fig. 1).
Fig. 1 – Amostras em tratamento com banho ácido em agitador orbital.
– Samples in treatment with acid in orbital shaker.
Após a eliminação de carbonatos e silicatos adiciona-se água desionizada para
lavagem da amostra que deve ser decantada após 4 horas no mínimo. O líquido
sobrenadante é eliminado, adicionando-se HCl a quente durante cerca de 5
minutos, para solubilizar os fluoretos formados. Efectuam-se novas lavagens e
decantações através de centrifugação (2500 rpm durante 2 minutos) até a água
ficar límpida.
Em amostras muito ricas de matéria orgânica convém efectuar acetólise. Para
isso, o resíduo é colocado num tubo de ensaio de 45 ml; adicionam-se 15 ml de
solução de clorato de sódio (NaClO3), 30 ml de ácido acético glacial (CH3COOH)
e quatro gotas de HCl concentrado. Coloca-se a mistura em banho-maria à
temperatura de, aproximadamente, 90ºC durante 5 minutos. Centrifuga-se (2500
rpm durante 2 minutos) e, após três lavagens por centrifugação com água
destilada, faz-se uma lavagem com ácido acético glacial de forma a remover a
água da amostra, pois a presença desta, causaria uma reacção violenta na fase
seguinte. Segue-se o processo de acetólise propriamente dito: remove-se o ácido
acético do topo da amostra e adiciona-se a solução de acetólise de Erdtman – 9
ml de anidrido acético [(CH3CO)2O] e 1 ml de ácido sulfúrico (H2SO4) a 95%-97%.
A amostra é colocada em banho-maria (90ºC) e agitada intermitentemente durante
5 minutos. Enche-se o tubo com ácido acético glacial, centrifuga-se (2500 rpm
durante 2 minutos) e decanta-se. Faz-se nova lavagem com ácido acético glacial
seguida de mais três lavagens com água.
Para a limpeza final dos palinomorfos deverá ser eliminada a matéria inorgânica
fina (partículas de dimensão do silte ou argila) que tenha resistido ao ataque
dos ácidos, assim como matéria orgânica solúvel (compostos sapropélicos e
betuminosos). Pode utilizar-se hexametafosfato de sódio [(NaPO3)6, vulgarmente
“calgon”], diluído em água quente, para desflocular o resíduo, mantendo os
materiais finos em suspensão e tornando possível a sua eliminação nas
decantações. A duração de cada decantação será de cerca de 4 horas. Procede-se,
então, a várias lavagens até que a água esteja límpida. Segue-se crivagem
reservando os materiais inferiores a 125 µm. No final desta fase, deverá
efectuar-se observação preliminar do resíduo palinológico ao microscópio de
forma a determinar o estado de limpeza e concentração dos palinomorfos.
Quando se verifica que a eliminação da fracção mineral pelos ácidos não foi
completamente eficaz, recorre-se à separação do material orgânico por
densidades, utilizando líquidos densos, como cloreto de zinco (ZnCl2) ou
brometo de zinco (BrCl2) com densidade mínima de 2,0.
Sempre que no resíduo obtido ainda exista uma quantidade significativa de
matéria orgânica desorganizada, o mesmo deverá ser colocado em solução aquosa
com cerca de 2-3 g (conforme a quantidade de matéria orgânica) de perborato de
sódio (NaBO2H2O23H2O) e aquecido até à ebulição durante cerca de 5 minutos.
Neste procedimento é usual formarem-se bolhas; sempre que a reacção for
demasiado violenta adicionam-se algumas gotas de água com vista à sua
atenuação. Após este procedimento o resíduo deverá ser lavado três vezes
recorrendo a centrifugações (2500 rpm durante 1 minuto).
2.2 Selecção de palinomorfos para observação em microscopia electrónica de
varrimento
O resíduo final obtido deve ser colocado num frasco pequeno com glicerina
líquida (a 87-99%) de modo a formar uma suspensão. Com o auxílio de uma pipeta
retira-se uma gota da suspensão e transfere-se para uma lâmina delgada de
vidro. Com uma agulha de dissecção faz-se esfregaço da amostra ao longo da
lâmina e de seguida observa-se ao microscópio óptico invertido, o que permite
observar os palinomorfos e fazer a sua movimentação.
Para separar e movimentar os palinomorfos presentes na lâmina deve fixar-se à
extremidade da agulha de dissecção um pêlo das sobrancelhas. Este utensílio
permite deslocar para a margem do esfregaço os palinomorfos para serem
identificados, bem como seleccionar os que serão observados no MEV. Cada
palinomorfo seleccionado é transferido para outra lâmina de vidro com uma
pequena gota de glicerina (Zetter, 1989; Zetter et al., 2002) para serem
novamente observados e fotografados, sempre que possível em posição polar e
equatorial, em microscópio óptico normal (fig. 2). Este procedimento é
minucioso e deve ser efectuado com cuidado para que o palinomorfo não se perca
na transferência.
Fig. 2 – Combinação de material óptico para estudos de microscopia electrónica
de varrimento. Da esquerda para a direita, lupa binocular, microscópio óptico
invertido e microscópio óptico normal.
– Optical equipment for scanning electron microscopy studies. From
left to right: Binocular microscope; inverted microscope; optical microscope.
Após a observação em microscopia óptica, os palinomorfos são transferidos, com
o auxílio da agulha de dissecção com o pêlo da sobrancelha, para um suporte de
alumínio (“stub”) de MEV previamente limpo, utilizando o microscópio invertido
e lupa binocular. Com a ajuda de uma pipeta coloca-se uma pequena gota de
Etanol (CH3CH2OH a 99%) e o palinomorfo. O etanol tem a função de remover os
restos de glicerina que ainda estejam aderentes à superfície dos palinomorfos,
para que estes possam ser observados no MEV. É necessário colocar uma pequena
gota de etanol por palinomorfo até serem adicionados todos os palinomorfos (uma
média de oito a dez por “stub”). As gotas de etanol devem ser colocadas com
muito cuidado pois em excesso podem atirar os palinomorfos para fora do “stub”.
Posteriormente a amostra é metalizada com ouro e observada ao MEV.
3. RESULTADOS
Apresentam-se exemplos resultantes da observação combinada dos mesmos
exemplares de palinomorfos em MO e MEV (figs. 3, 4, 5 e 6):
– esporo do Género DavalliaLinné, 1753 (fig. 3): tamanho médio (26-50 µm), com
forma elipsoidal, abertura monolete; a exina possui tubérculos com pequenas
verrugas na superfície (característica morfológica foi observada por Gonzales
em 1980) características deste género, só são possíveis de reconhecer no MEV, e
que permitem distinguir este género de Polypodium.
– pólen da Família Lythraceae, Género LythrumLinné, 1753 (fig. 4): tamanho
pequeno a médio (15 a 35 µm), isopolares e com simetria radial; possuem forma
oblato-esferoidal a prolato-esferoidal: em vista equatorial são elípticos e em
vista polar subcirculares; quanto às aberturas, são hexazonoheterocolpados.
Possuem ectoaberturas tipo colpo: 3 simples e curtas e 3 compostas
(colporadas); a exina tem 1,5 µm de espessura média e ornamentação com estrias
finas e compridas.
–pólen da Família Boraginaceae, Género Borago Linné, 1753 (fig. 5): tamanho
médio (26-50 µm), isopolares, com simetria radial, relativamente elípticos em
vista equatorial e circulares em visão polar; em termos de aberturas são 10-
zonocolporados, podendo variar entre 9-11-zonocolporados; as ectoaberturas tipo
colpo são subterminais, estreitas e de extremos arredondados; exina de 4 µm de
espessura, tornando-se mais espessa na zona dos pólos; superfície coberta por
granulos, ou pequenos báculos, entre os quais é possível observar perfurações
estreitas.
– quisto de dinoflagelado de Cleistosphaeridium placacanthum Davey et al., 1966
emend. Eaton et al.,2001 (fig. 6): corpo esférico a ligeiramente ovóide e
circular em secção equatorial. Apresenta grande número de processos que estão
alinhados de forma a dividir a totalidade da superfície em placas,
aproximadamente poligonais, como áreas ou campos de tamanho variável e em que
cada campo está separado do vizinho por uma área destituída de apêndices; os
processos são sólidos, de forma variável, algo sinuosos, simples ou ramificados
com extremidades pontuadas ou em forma de martelo, dilatados na base; às vezes,
as bases de dois ou mais processos estão ligadas por estruturas semelhantes a
pontes; ocasionalmente, os ápices podem coalescer ou estar ligados por uma
estrutura delicada; não possuem arranjo equatorial especial e a superfície da
cápsula é finamente reticulada. A parede é constituída por duas camadas (o
endofragma parece ser mais espesso que o perifragma) e composta por um arranjo
de báculos próximos, dando um aspecto reticulado à superfície do quisto; o
perifragma é liso, estreitamente ligado ao endofragma, formado dentro de dobras
suturais suportando grande distância e distalmente com espinhos bífidos com
campos de contorno intratabulares representando placas equivalentes; os
espinhos são sinuosos, delgados, proximamente expandidos, simples ou
ramificados e, distalmente, bífidos. A paratabulação é 4’, 6”, 6c, 5”, 1p,
1’’’, 6s. A placa antapical tem forma de feijão. O paracíngulo é identificado
por uma fila simples de espinhos, emparelhadas ou não, com bases alongadas em
direcção ao cíngulo. O parassulco contém grupos isolados de espinhos,
representando campos de placas intratabulares, contornando uma placa sulcal
posterior, dois pares de placas medianas e uma placa sulcal anterior;
geralmente, o parassulco é bem desenvolvido estando o sulco directamente abaixo
do entalhe sulcal do arqueópilo. O arqueópilo é formado pela remoção do
opérculo simples, correspondendo às placas 1’, 2’, 3’ e 4’. O comprimento do
corpo central é de 57-63 µm, a largura 48-63 µm e o comprimento dos processos é
de 5-20 µm.
Fig. 3 – Fotografia do esporo gén. Davallia em MO (A) e MEV (B).
– Photomicrograph of spore gen. Davallia in OM (A) and SEM (B).
Fig. 4 – Lythrumsp.em MO (A) e MEV (B e C-detalhe da ornamentação da exina).
– Lythrumsp. in OM (A) and SEM (B and C-detail of the exina
ornamentation).
Fig. 5 – Boragosp.em MO (A) e MEV (B e C- detalhe da ornamentação da exina).
– Boragosp. in OM (A) and SEM (B and C-detail of the exina
ornamentation).
Fig. 6 – Cleistosphaeridium placacanthumem MO (A) e MEV (B).
– Cleistosphaeridium placacanthumin OM (A) and SEM (B).
Com o método combinado é fácil comparar resultados, sendo possível reconhecer e
evidenciar pormenores morfológicos que de outro modo não seriam observáveis.
4. CONCLUSÕES
Sempre que se efectua um estudo de paleopalinologia, a utilização desta técnica
combinada MO-MEV para observação do mesmo palinomorfo, inédita em Portugal,
possibilita o reconhecimento pormenorizado de caracteres morfológicos dos
palinomorfos e permite aumentar o número de taxaidentificados.
Para além disso, comparando os taxafósseis com os actuais permite a obtenção de
melhores informações paleoambientais.