FORMAÇÃO DE UMA CÂMARA DE PROVA
ORGANOLÉPTICA DE AGUARDENTES VELHAS E
SELECÇÃO DE DESCRITORES SENSORIAISa,b
INTRODUÇÃO
A análise sensorial tornou-se uma técnica indispensável na avaliação da
qualidade de qualquer produto destinado ao consumo, seja no domínio agroalimentar, no domínio da química, da cosmética ou noutros (Masson, 1997).
A análise quantitativa descritiva consiste na pesquisa de um mínimo de
descritores, que permitam dar um máximo de informação sobre as propriedades
sensoriais do produto a analisar; medir a intensidade da sensação percebida
para cada um dos descritores escolhidos e construir, com o conjunto de
descritores quantificados, o perfil do produto.
Este tipo de análise tem sido aplicada em diversos produtos alimentares
(Barthelemy, 1990; Cantagrel e Lavergne 1989; Kotserdis et al., 1997; Stone
et al. 1974 ).
No âmbito do projecto de investigação, já referido, a decorrer em colaboração
com várias entidades, entre as quais a Adega Cooperativa e a Comissão
Vitivinícola Regional de Lourinhã, procedeu-se à selecção e formação de um
grupo de prova para aguardentes velhas, que constituirá a câmara de provadores
daquela Comissão Vitivinícola Regional. Neste trabalho são apresentados os
passos executados até à formação desta câmara e os resultados relativos à
selecção de descritores e elaboração da respectiva ficha de prova.
MATERIAIS E MÉTODOS
Câmara de prova - selecção e formação
O trabalho de formação da Câmara de prova iniciou-se com a adequada
propaganda do seu programa e forma de funcionamento, tendo em vista a
inscrição de candidatos. Esta divulgação foi feita pela imprensa e rádio
regional, bem como por folhetos distribuídos pelos cafés, casas comerciais e
escolas.
O curso decorreu nas instalações do Centro de Formação Profissional
Vitivinícola, da EVN, tendo a parte prática sido efectuada na sua sala de
prova.
Pré-selecção
Com a finalidade de seleccionar pessoas com um mínimo de acuidade sensorial,
a formação da câmara de prova incluíu um período de pré-selecção, no fim
do qual se avaliou, através de testes de baixo grau de exigência, a capacidade
de identificação dos gostos elementares e de aromas mais vulgares em
aguardentes.
Constou de três sessões: a) duas partes teóricas (uma hora cada), com breve
introdução à fisiologia dos sentidos, localização e acuidade, seus
condicionantes, condições ambientais decorrentes e nomenclatura ; b) duas
práticas (uma hora cada) de identificação e treino de gostos elementares e
soluções aromáticas; c) uma sessão (duas horas) de teste de avaliação sumária
da capacidade de identificação e quantificação de gostos e de aromas. Assim,
foram preparadas soluções aquosas para: identificação dos quatro gostos
elementares; ordenação de diferentes teores de ácido e de doce; e identificação
de três aromas usuais em aguardentes. A resposta totalmente correcta a estes
testes pontuava 20 valores, tendo sido considerado que notas inferiores a dez
significavam convite a desistência.
Curso de prova
Após a pré-selecção teve lugar o curso propriamente dito, com sete sessões,
tal como na pré-seleccão, semanais, de manhã, com uma primeira parte teórica
(uma hora) e uma segunda de prática de tempo igual. Na parte teórica foram
aprofundados os conhecimentos sobre: fisiologia dos sentidos; acuidade sinergia, fadiga, adaptação; características de um provador; técnica de prova;
sistemas de prova; tipos de prova; e fichas de prova. Igualmente nesta parte
do curso foram fornecidos elementos para o aprofundamento do conhecimento
sobre o produto, que no caso é a aguardente, nomeadamente: vinho para
aguardente; destilações; defeitos provocados pelas destilações; envelhecimento
de aguardentes; origem e características estruturais da madeira de carvalho;
secagem/maturação das madeiras; tecnologia de tanoaria; e as condições de
envelhecimento.
As diferentes matérias eram em seguida ilustradas com a prova que
testemunhava a teoria na parte prática, efectuando-se igualmente a prova do
aroma de soluções hidroalcoólicas de várias substâncias, testes e prova de
diferentes aguardentes.
Treino
Ao curso teórico-prático seguiu-se uma série de sessões de treino, agora de
quinze em quinze dias, onde continuaram a ser provados diferentes tipos de
aguardentes com diferentes idades e proveniências, bem como a análise do
aroma de soluções hidroalcoólicas de várias substâncias procedendo-se também
à realização de testes.
Aguardentes em prova
Foram provadas 17 aguardentes, de diferentes proveniências - Cognac, Instituto
Superior de Agronomia, EVN, Armagnac, comerciais portuguesas, de ensaios
com diferentes idades -, durante várias sessões, pedindo-se aos provadores
que anotassem as impressões relativas à cor, ao aroma e ao sabor.
As aguardentes foram sempre apresentadas de forma anónima (prova cega)
e aleatória aos provadores.
Pesquisa de descritores
Com base nas provas de treino, os provadores descreveram as suas sensações
de modo totalmente livre, o que possibilitou a elaboração de uma tabela de
frequência de descritores versus aguardentes, condensando-se previamente os
que eram sinónimos.
RESULTADOS
Formação da câmara
A preparação/formação da câmara foi levada a efeito em 1996, ao longo de
20 sessões. Os dados referentes ao número de participantes, resultado da préselecção e idades, encontram-se no Quadro I. Os números de fim de curso
QUADRO I
Dados de participação dos candidatos ao longo do curso
Donnés de la participation des candidats pendant le cours
referem-se aos candidatos que obtiveram diploma, atribuição esta condicionada
à frequência mínima de 80% das sessões.
Após a pré-selecção há que aferir o interesse e/ou a persistência dos candidatos.
Este é um dado que se obtém ao longo do tempo.
É interessante verificar: o número de pessoas que não se quis sujeitar a um
teste; a média de idades dos que terminaram com aproveitamento o curso; as
classes etárias mais afectadas, a dos 50-60 anos seguida da dos mais novos
(≤ 30); por último, a capacidade para a prova manifestada pelos elementos
femininos.
Descritores de aromas de soluções padrão
A análise do aroma de diferentes soluções padrão, permitiu seleccionar, para
estas, quais os descritores de aroma mais frequentes. No Quadro II são
apresentados os resultados obtidos.
QUADRO II
Descritores de aroma de diferentes soluções padrão
Descritores sensoriais (aroma e sabor) de aguardentes velhas
A recolha de termos com base na prova descritiva das 17 aguardentes conduziu
à elaboração de uma lista de 165 termos (Quadro III).
QUADRO III
Listagem de termos obtidos para o aroma e para o sabor de aguardentes velhas
Esta tabela de termos foi sujeita a uma triagem qualitativa, eliminando-se os
termos hedónicos, como por exemplo aroma fino, e os não pertinentes,
como por exemplo aroma aromático ou aroma a aguardente. Obteve-se
assim uma segunda tabela de termos mais reduzida, apenas com 133 descritores
(Quadro IV). Procedeu-se ainda ao cálculo da frequência relativa desses
descritores, também apresentada no mesmo quadro.
QUADRO IV
Listagem reduzida de termos e respectiva frequência relativa
Rôle réduit des termes et repectives fréquences rélatives
Com base nesta tabela, selecionaram-se os descritores com uma frequência
relativa superior a 3,5%, elaborando-se desta forma a ficha de prova, com
uma escala estruturada de zero a cinco valores. Ao nível do sabor, eliminaramse os descritores relativos ao aroma retronasal, por se julgar de certa forma
repetitivo, consideraram-se sinónimos o agressivo e àspero optando-se
por este e, acrescentou-se o aroma de boca.
Um tratamento idêntico, para os descritores da cor, permitiu selecionar também
cinco descritores, para as aguardentes: citrino, palha, dourado, topázio e
esverdeado.
Desta selecção resultou a ficha de prova descritiva que tem sido base do
estudo (QuadroV).
QUADRO V
Ficha de prova elaborada