EFEITOS DAS LOTAGENS EM AGUARDENTES
VELHAS DE LOURINHÃ∗
INTRODUÇÃO
A lotagem de aguardentes velhas, ou seja a mistura de aguardentes de diferentes
idades, proveniências ou tecnologia de envelhecimento, enquadra-se num
processo tecnológico usual em aguardentes velhas incluindo, evidentemente,
os Cognacs e os Armagnacs (Cantagrel et al., 1991). Procedimento
semelhante é utilizado nos whiskies, mas por vezes com significado um pouco
diferente. Isto deve-se ao facto de nos Wiskies poderem ser utilizados outros
produtos como por exemplo sherries, Rums, vinhos etc. (Booth et al.,
1989).
Em qualquer dos casos acima referidos, e segundo aqueles autores, os elementos
comuns serão sempre a indispensabilidade da prática da lotagem para a
qualidade e tipo do produto final, sendo elemento indispensável a prova
organoléptica.
A lotagem ou lotação, como é chamada no vinho do Porto (Fonseca et al.
1981), é prática muito antiga e que pode tomar sentidos por vezes muito latos,
como por exemplo o lote das castas logo na vindima. De qualquer forma o
objectivo será sempre tentar melhorar a qualidade e conseguir atingir o tipo
de produto desejado. Se em bebidas espirituosas é escassa a bibliografia, o
mesmo não acontece no caso dos vinhos, onde tem havido muito trabalho que
tem contemplado o estudo de diagramas de lotagem (Little e Wei-Yi Liaw,
1974) ou de modelos matemáticos (Lemaire et al., 1985; Sergent et al., 1985)
e também de programas informáticos (Moore e Griffin, 1978; Datta e Nakai,
1992).
Assim, neste trabalho pretende-se avaliar o efeito das lotagens de aguardentes
Lourinhã envelhecidas, pela apreciação geral da prova organoléptica e também
do perfil sensorial das mesmas.
MATERIAL E MÉTODOS
Aguardentes e Lotes
As aguardentes utilizadas foram as do ensaio montado em 1996, na Adega
Cooperativa de Lourinhã (ACL) no âmbito do projecto PAMAF- 2052 (Belchior
et al., 2001) no qual foram cheias 63 quartolas (250 litros/cada), a partir de
uma mesma aguardente, e cujo o delineamento experimental foi de dois factores
(madeira e queima), e três repetições. As madeiras foram de Carvalho e de
Castanheiro e as queimas: ligeira, média e forte. Parte dos lotes (Quadro I)
foram feitos com aguardentes amostradas nos anos de 1999, 2000 e 2001, as
quais permaneceram em garrafas de vidro na Estação Vitivinícola Nacional
(EVN). Os outros lotes (Quadro I) foram obtidos com as aguardentes de 2002
daquele ensaio, que permaneceram em quartolas da Adega Cooperativa de
Lourinhã (ACL), tendo os lotes continuado em madeira, conforme se indica
no Quadro I, sendo amostrados ao fim de um mês. Os lotes de duas aguardentes
foram efectuados com 50% de cada, os de três aguardentes com 33,33% de
cada. O título alcoométrico das amostras foi acertado a 40% v/v, oito dias
antes da sessão de prova respectiva.
-Prova organoléptica
As aguardentes que deram origem aos lotes executados na EVN a partir das
aguardentes engarrafadas, foram provadas nos respectivos anos. Estes lotes, os
lotes da ACL e as suas aguardentes originárias foram provados em 2002.
A prova foi executada, como sempre, em prova cega, tendo as 30 aguardentes
sido casualizadas, e apresentadas em cinco sessões de prova, repetindo-se ao
acaso dez aguardentes, para controlo da câmara, de acordo com o procedimento
descrito em Caldeira et al. (2002). As correlações obtidas para os provadores
e relativas a repetições na mesma sessão variaram entre 0,71 e 0,94, enquanto
as referentes a repetições entre sessões apresentaram um intervalo de 0,72 a
0,87. A ordem pela qual os copos foram apresentados aos provadores, foi
diferente para cada um, de acordo com o delineamento experimental proposto
por Williams (1949), por forma a eliminar os efeitos de posição e de sequência
das amostras.
A câmara funcionou com dez provadores, formados e treinados, tendo utilizado
a ficha de prova apresentada por Caldeira et al. (1999). Ficha descritiva, com
28 descritores (16 de aroma e 12 de sabor), tendo sido pedido aos provadores
para pontuarem os descritores de acordo com uma escala estruturada (0
ausência de percepção; 5 percepção máxima). Foi solicitado também que
pontuassem a apreciação geral da aguardente, numa escala de 0 a 20 valores.
Análise estatística
A significância das diferenças nos resultados obtidos foi avaliada recorrendose ao teste t de Student, para comparação de médias emparelhadas (utilizando
o software da Microsoft - Excel 2000). Compararam-se as médias da
apreciação geral e, dos descritores das aguardentes individuais com as dos
respectivos lotes.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os resultados da apreciação geral da prova encontram-se expressos no Quadro
I. A análise estatística efectuada, para comparar as notações atribuídas às
aguardentes individuais e aos lotes com elas executados, começa por indicar
para os ensaios na ACL, que os lotes são significativamente (á = 0,05) mais
bem pontuados como se verifica no Quadro II.
No que se refere às aguardentes em vidro na EVN, a totalidade dos lotes não
é significativamente superior, e é efectivamente muito pequena a diferença; a
notação média é para os lotes de 14,7 e para as aguardentes individuais de
14,6. Este facto estará relacionado com a muito maior amplitude de notações
das aguardentes individuais, que nestas variam entre 10,3 e 15,7, enquanto nas
da ACL entre 14,0 e 15,9. Assim a lotagem parece beneficiar aguardentes com
um mínimo de qualidade e também não muito afastadas. Isto acaba por se
verificar nas aguardentes em vidro na EVN, mas com os lotes que tenham
apreciação geral superior a 14,4, conforme se pode ver no Quadro III. Estas
aguardentes individuais variam entre 12,8 e 15,7, o que aproxima de qualquer
forma a notação atribuída, e torna estatisticamente significativa (α = 0,05) a
diferença da média de pontuação, sendo maior de novo para os lotes, de 15,2
valores, enquanto para as aguardentes individuais é de 14,9. É de notar também
que a variância dos lotes é muito inferior à das aguardentes individuais.
Estamos perante os mesmos factos que empiricamente já há muitos anos é
aceite na região de Cognac, e noutras de certo, que a lotagem de aguardentes
conduz a uma aguardente de maior qualidade, sendo portanto muito benéfica.
Como referem Cantagrel et al. (1991), a prova além de ser muito importante
na lotagem, é o seu principal decisor.
Ora, a maior notação dos lotes deverá reflectir alterações do perfil sensorial
das aguardentes, pelo que se procedeu à análise detalhada de descritores.
Assim, no Quadro IV, apresentam-se os descritores que se consideram mais
significativos no âmbito deste tipo de ensaios. É de todo o interesse o verificarse que:
-- o aroma a madeira é significativamente menor nas aguardentes de lote em
ambos os ensaios, o que revelará uma maior evolução das aguardentes dos
lotes, o que se verifica no respectivo descritor que aqui apresenta uma
pontuação significativamente maior que nas aguardentes individuais;
- os descritores ranço e especiarias têm pontuações significativamente maiores
nos lotes da ACL e, embora não estatisticamente significantes, são maiores
nas aguardentes de lotes da EVN, facto semelhante se verifica com os
descritores caramelo e frutos secos embora nestes casos os que são
significativamente diferentes sejam os da EVN;
- os descritores fumo e herbáceo, são significativamente menores nos lotes da
EVN, sendo os descritores caudas, acetato de etilo e borracha, de muito
menor importância pois de valores mais reduzidos, e com tendência a serem
menores nas aguardentes dos lotes, o que só vem enaltecer as suas qualidades
dado tratar-se de descritores correspondentes a características depreciativas;
- os descritores de sabor aqui estudados, apresentam-se todos com valores
das suas médias mais elevados no caso das aguardentes de lotes, sendo este
facto estatisticamente significativo em todos os das aguardentes dos ensaios
na EVN, para o que de certo contribuirá, neste caso como em muitos outros,
o número de observações, bem maior nos ensaios da EVN.
Tem-se então que os lotes são positivamente benéficos para a qualidade, tanto
em termos de apreciação geral da prova, como nos seus descritores, que com
aquela estão evidentemente relacionados, sobressaindo os descritores que mais
podem contribuir para as excelentes características dos produtos.