H. Hasenauer (Compilador), Sustainable Forest Management. Growth Models for
Europe
H. Hasenauer (Compilador), Sustainable Forest Management. Growth Models for
Europe
Springer-Verlag, Berlin. 398 págs., Preço: 175,00 em 2006
Luís Soares Barreto
Professor Catedrático Jubilado, ISA/UTL
Este livro apresenta os resultados do projecto ITM (Implement Tree Growth
Models for Forest Management ' www.boku.ac.at/itm, que decorreu de 2001 a 2004,
e teve financiamento da UE. O projecto evoca a transição de uma silvicultura
centrada em povoamentos puros, regulares e no corte raso final, apoiada nas
tabelas de produção, para uma vocacionada para os povoamentos irregulares
mistos (PIM), privilegiando o planeamento da extracção de árvores consideradas
individualmente, ou em pequenos grupos, e preocupada com as funções múltiplas
dos ecossistemas florestais, para justificar o estabelecimento e utilização de
modelos da árvore individual (MAI). Pretende promover a expansão do esforço
feito neste domínio, na Europa Central (berço das tabelas de produção, nos
séculos 18 e 19) e do Norte, a outras regiões geográficas europeias. Trata-se,
pois, de uma obra colectiva, com autores oriundos de vários países da UE, e de
um projecto envolvendo outras entidades, para além de instituições académicas e
de investigação.
O livro está organizado em duas partes. Na primeira, que se estende do primeiro
ao oitavo capítulo, abordam-se conceitos gerais ligados à elaboração de MAI e
sua utilização. O capítulo 1 descreve a estrutura dos MAI, dados necessários e
áreas requerendo mais investigação. A consideração das exigências e satisfação
dos utilizadores finais e potencialidade da utilização dos MAI ocupam o
capítulo 2. A tipologia e padronização dos MAI é analisada no capítulo 3. As
descrições sumárias dos MAI utilizados no projecto são feitas no capítulo 4. Um
dos aspectos de mais difícil modelação ' a regeneração ' ocupa o capítulo 5. A
predição e planeamento da produção lenhosa dos PIM é o tema do capítulo 6. A
integração dos MAI em sistemas de suporte da decisão aborda-se no capítulo 7.
Esta primeira parte é encerrada com o capítulo (8) dedicado à avaliação dos
MAI, que é o mais curto do livro ' treze páginas, incluindo duas e meia de
bibliografia.
A segunda parte é dedicada à apresentação de aplicações de MAI a situações
concretas, estendendo-se dos capítulos 9 a 17. Ilustram casos de aplicação dos
MAI aos seguintes problemas; a) modelação da regeneração em povoamentos mistos
regulares e em PIM (cap. 9); b) análise de cenários de extracção de lenho (cap.
10); c) incorporação de MAI em sistemas de apoio a decisões visando critérios
múltiplos (cap. 11); d) o uso dos MAI fora da área de calibração, na selecção
de regimes de tratamento (cap. 12); e) apoio à formulação de políticas
florestais (cap. 13); f) optimização da produção de cortiça no montado (cap.
14); g) a aplicação dos MAI a florestas da Eslováquia (cap.15); h) conversão de
povoamentos puros regulares em PIM, na Dinamarca (cap. 16); i) modelação da
talhadia, na Grécia (cap. 17).
Dado o principal objectivo do livro, enfatizado no seu sub-título, insiro uma
anotação sobre os modelos caracterizados no capítulo 4.
O modelo BWINPro (págs. 59 a 63), estabelecido na Baixa Saxónia, Alemanha,
permite simular o crescimento da floresta, desenvolver estratégias de
ordenamento, podendo também ser usado no apoio ao inventário de parcelas
permanentes, predizer o crescimento, volume de desbastes e cortes finais, ao
nível da empresa.
O MOSES 3.0 (págs. 64 a 70) é um MAI dependente da distância (cf. capítulo 3),
estabelecido a partir de inventários feitos na Austria e Suíça. Uma sua
aplicação, na Grécia, é apresentada no capítulo 17.
O modelo PrognAus for Windows 2.2 (págs. 71 a 78) é baseado no austríaco
PrognAus (independente da distância).
O modelo SILVA 2.2 (págs. 78 a 84) é dependente da posição da árvore,
considerada no espaço a três dimensões. Com esta informação, o núcleo do modelo
estabelece as relações de competição entre as árvores. Tem sede na Universidade
Técnica de Munique, Alemanha, e assenta numa ampla base de dados de origem
alemã e suíça. É aplicável tanto a povoamentos puros como mistos. O seu
principal objectivo é apoiar a tomada de decisões no ordenamento florestal. É
também um instrumento de pesquisa, pois simula os efeitos da mudança do regime
e da estação. É aplicado nos capítulos 11 (integrado num sistema de apoio à
decisão, Alemanha), 14 (Portugal), 15 (Eslováquia) e 16 (Dinamarca).
O modelo STAND (págs. 85 a 95) é um sistema de apoio à tomada de decisão na
gestão de florestas regulares, desenvolvido na Finlândia.
Não sendo um especialista em design gráfico, devo confessar que o número e
qualidade das ilustrações impressionou-me agradavelmente. O índice remisso,
numa obra tão abrangente pareceu-me um tanto limitado.
Para além do apreço pelo enorme esforço que o livro espelha, ele tem também o
mérito de estimular uma reflexão sobre os caminhos por onde a ciência florestal
está a enveredar. Nesta perspectiva, e porque a matéria é de facto relevante,
gostaria de adir, ao já expendido, os comentários complementares que passo a
expor, e permitem o enquadramento mais amplo que a obra e o seu propósito
seminal merecem.
A eleição dos PIM como paradigma de organização da floresta sob ordenamento
veio confrontar-nos com uma teoria muito débil sobre a geometria e dinâmica dos
povoamentos florestais, nomeadamente dos mistos. Confrontados com a então
inexistência de um modelo de competição fiável e geral para as árvores, a
resposta foram os MAI que são um caso particular dos modelos baseados no
indivíduo (IBM ' individual-based models; e.g., Grimm e Railsback, 2005). Os
MAI são, pois, uma maneira de contornar esta lacuna teórica, da ecologia
florestal. Naturalmente que os investigadores que deles se ocupam são dignos de
todo o apreço e respeito da comunidade científica, pelo seu empenho na procura
da solução para um problema de grande importância prática: simular povoamentos
mistos.
Na minha opinião, este esforço não nos leva muito longe e pode mesmo
desencorajar uma abordagem mais criativa, flexível, fecunda e abrangente, no
contexto de uma metodologia hipotético-dedutiva.
Vejamos algumas características menos atractivas dos MAI.
Estes modelos não são uma abordagem ecologicamente coerente, pois são
empíricos. Por exemplo, há mais de uma abordagem na elaboração dos MAI
(capítulos 3 e 4). Numa perspectiva epistemológica, à semelhança das tabelas de
produção, os MAI são dominantemente modelos empíricos e regressivos, que do
ponto de vista teórico pouco acrescentam à ciência florestal. Tornam-se por
isso difíceis de comparar entre si, generalizar e comunicar dada a sua
complexidade, sendo o software que os aplica muito susceptível a erros de
programação e à propagação de erros de arredondamento, não sendo estes últimos
detectáveis (e.g., Groot, Gauthier e Bergeron, 2004; May e Conery, s.d.). A sua
incorporação em modelos de apoio à gestão não é geralmente fácil, embora não
seja impossível.
Verificando-se o efeito borboleta determinístico nos povoamentos mistos
(Barreto, 2005: 118-121), os MAI revelam elevada susceptibilidade aos valores
iniciais dos dados entrados, muitas vezes de obtenção cara e morosa, dado o seu
pormenor (e.g., Schmid, et al., 2006). Um PIM de grande extensão não é
uniforme, mas tem uma estrutura caleidoscópica. Há um mosaico de áreas com
diferenças nas proporções das espécies presentes e das idades dos seus
indivíduos que se vão alterando com o tempo. Fazer o inventário rigoroso
exigido, duma floresta destas, para aplicar os MAI, dentro da sua lógica
interna de desagregação e na perspectiva de exploração de árvore individual, é
um trabalho ciclópico que quando estivesse concluído já as "cores" do
caleidoscópio tinham mudado de lugar.
No detalhe que impõem à sua elaboração, podem conduzir a situações insólitas,
como por exemplo tratar conjuntamente variáveis aleatórias do meio e as
próprias intervenções culturais (e.g., tanto quanto pude perceber, o exposto na
pág. 286).
Para se estabelecer um MAI fiável, são precisas décadas de medições de boa
qualidade e extensão, incluindo variáveis geralmente ignoradas, como a altura
da copa de cada árvore e a regeneração (págs.11-14). O MAI europeu com mais
destaque - SILVA 2.2 - recorre a séries temporais de dados, de florestas
alemãs, com mais de um século (Pretzsch, et al., 2008). Nalguns países, mesmo
europeus, ultrapassar uma situação de carência desta natureza pode levar muitos
anos, se dispuserem de recursos para isso, com inconvenientes para a gestão dos
seus patrimónios florestais. Deve-se também registar que poucos inventários de
PIM eram feitos no passado, na maioria dos países europeus. Provavelmente, não
terá sido por acaso que os MAI surgiram no Canada, passaram aos E.U.A.,
entraram na Europa pela Suécia e depois estenderam-se a países ricos e com
longeva tradição de investigação florestal, tais como a Alemanha, a Áustria e a
Suíça (pág. 43). Como não se ignora na pág. 157, com a admitida mutabilidade
actual do clima, quando se dispuser dos dados, corre-se o risco de as condições
do meio, em que as florestas medidas cresceram, já não perdurem.
Na descrição da estrutura geral dos MAI, apresentada no livro, lê-se:
"Thus stand age, one of the key driving variables within yield tables,
cannot be used and all functions must be age independent". (pág. 5), Ora,
num povoamento misto, duas árvores da mesma espécie, devido a diferenças
genéticas e de micro habitat, podem ter idades diferentes e a de menor porte
ser a mais idosa. Esta terá uma taxa relativa de crescimento menor que a mais
jovem e mais frondosa. Na modelação dos MAI, pode não estar garantido que
efectivamente o contrário não aconteça. Para ser mais sugestivo, vejamos esta
situação nos humanos. Isto é equivalente a admitir que podem ocorrer
circunstâncias em que um indivíduo com 1,60 m de altura e trinta anos de idade
pode crescer e o jovem ao seu lado, com 15 anos e 1,65 m de altura, pode
crescer menos que ele, ou mesmo não crescer. A idade é uma variável biológica
muito importante que não pode ser ignorada.
Nos MAI, um dos aspectos mais problemáticos é a predição da mortalidade das
espécies, pois não consideram a capacidade competitiva de cada uma delas (uma
característica importante da sua estratégia bionómica) nem nenhuma hierarquia
competitiva explícita. Estranha forma esta de aproximar a silvicultura da
ecologia. Isto é mesmo paradoxal: preocupações ecológicas conduzem a uma
abordagem "a-ecológica" (no sentido idêntico de amoral) Ainda na pág.
10, pode ler-se: "Consequently, for a given competition situation, tree
mortality may be quite variable and this makes the collection of data for
developing tree mortality models difficult and expensive. Note that individual
tree mortality predictions may be considered as one of the most difficult tasks
within tree growth modelling" (Itálico introduzido por mim). Mas a
alteração das taxas relativas e específicas de mortalidade é o aspecto mais
importante causado pela mistura das espécies, quer seja nos PIM presentes em
qualquer paisagem, quer seja numa cultura de flagelados, em laboratório
(Barreto, 2005: cap. 11)! Anote-se que no livro as questões relativas ao
realismo biológico dos MAI não são ignoradas (págs. 156-157).
Será que os MAI são também uma consequência das capacidades que a informática
pôs ao nosso dispor no que respeita ao armazenamento e tratamento de grandes
massas de dados, aplicações potentes e fáceis de usar no domínio da
estatística, visualização geográfica (GIS) e visualização tridimensional das
florestas e que relegam para segundo plano a necessidade de um esforço criativo
para estabelecer elaborações nomológicas sobre a estrutura e dinâmica das
árvores e arvoredos? De facto, os MAI permitem apresentações gráficas do
arvoredo, a três dimensões e a cores, muito apelativas, que passaram a ilustrar
os artigos e livros que lhe são dedicados, com o inconveniente da conspícua
elevação do preço dos últimos, como aceito que seja o caso da obra em
apreciação. Assinale-se que a visualização da dinâmica da floresta a três
dimensões não favorece a compreensão das relações ecológicas que conduziram ao
resultado, pois os modelos são empíricos regressivos e não é possível
reconhecer visualmente padrões inteligíveis nos dados.
O propósito da minha teoria integrada para os povoamentos florestais (Barreto,
2003a, 2004a,b, em preparação) é preencher esta lacuna grave da inexistência de
uma elaboração nomológica que trate num continuo integrado, e coerente, as
árvores e todos os tipos de arvoredo. O que importa é não se ter de começar do
zero, mas construir uma teoria que beneficie das tabelas de produção e dos
dados já existentes, como ponto de partida para se alcançar a estrutura
nomológica dos povoamentos puros e mistos, tanto regulares como irregulares.
Uma teoria com estas características é suficientemente fecunda para também
permitir a elaboração de MAI (serão de facto generalizada e eficientemente
aplicáveis na prática?), mais inteligíveis, passíveis de programação mais
parcimoniosa e não só tirar mais partido dos dados disponíveis mas como também
revalorizá-los. Esta necessidade de novos modelos para os PIM é reconhecida no
livro, onde se pode ler "This calls for a new generation of management-
oriented forest growth models ..." (pág. 157). Louve-se o rigor e a
honestidade intelectual, num livro que pretende promover a divulgação dos
actuais MAI. Em Barreto (2003b, 2004c, 2009a, b) mostrei que é possível
modelar povoamentos mistos, tanto regulares como irregulares, no contexto da
ecologia das populações, recorrendo a uma abordagem dedutiva-nomológica, obtida
a partir da minha teoria para os povoamentos mistos (Barreto, 2004b).
Seja qual for a posição que se tenha relativamente aos MAI, esta obra não pode
ser ignorada por quem se interessa por modelação florestal. A diversidade de
tópicos da segunda parte pode motivar uma leitura selectiva.
Para complementar esta contextuação dos MAI, inserindo-os na evolução da
silvicultura europeia, o leitor pode encontrar uma resenha histórica da
modelação de florestas, na Europa, em Pretzsch, et al.(2008).