Alteração da Diversidade de Espécies Arbóreas nos Povoamentos Florestais entre
1995 e 2005 (Portugal Continental)
Introdução
A importância que a biodiversidade tem vindo a ocupar na agenda internacional,
nomeadamente nas conferências ministeriais sobre "Protecção das Florestas
da Europa" (MCPFE), conduziu a que nos Inventários Florestais Nacionais
(IFN) de 1995 e 2005 a avaliação da diversidade florestal passasse a ter uma
importância crescente nos levantamentos efectuados, com a recolha de parâmetros
relevantes para a monitorização da diversidade associada aos povoamentos
florestais (DGF, 1999; DGF, 2001). No entanto, a análise exploratória efectuada
neste trabalho, com o objectivo de determinar se tinham ocorrido alterações
significativas da diversidade do estrato arbóreo entre 1995 e 2005, recorreu à
área basal das espécies que constituem os povoamentos florestais para calcular
não só os índices de diversidade mas também para dar uma ideia da constituição
das florestas em que ocorreram essas alterações. Considerou-se importante que
esta análise fosse realizada nas regiões estabelecidas pelos diferentes PROF
(Planos Regionais de Ordenamento Florestal) uma vez que a sua criação constitui
um instrumento legal relevante que determina normas de intervenção sobre a
ocupação e a utilização dos espaços florestais, isto é, um instrumento para a
concretização da política florestal que responde às orientações fornecidas por
outros níveis de planeamento e decisão política, nomeadamente os constantes da
Lei de Bases da Política Florestal, da Estratégia Nacional para as Florestas e
da Estratégia Europeia para as Florestas (AFN, 2009).
Metodologia
O estudo da alteração da diversidade dos povoamentos florestais entre 1995 e
2005 foi realizado ao nível das unidades estabelecidas pelas regiões PROF
(Planos Regionais de Ordenamento Florestal) e incidiu sobre 1924 parcelas de
amostragem de floresta do Inventário Florestal Nacional de 1995 e 5340 parcelas
de amostragem de floresta do Inventário Florestal Nacional de 2005.
Teste do qui-quadrado
Recorremos à estatística do χ2 para pesquisar se, entre as datas em análise,
teriam de facto ocorrido alterações significativas nas parcelas de amostragem
dos PROF e identificar essas regiões. Assim, para cada PROF, e para cada um dos
inventários, determinámos a frequência das parcelas de amostragem com uma
espécie, duas espécies, três espécies e quatro ou mais espécies (número de
parcelas com uma espécie, número de parcelas com duas espécies, número de
parcelas com três espécies e número de parcelas com 4 ou mais espécies),
perfazendo no total um conjunto de quatro classes. Como podemos verificar pelos
resultados obtidos (Quadro 1) o teste do χ2 revelou que das vinte e uma regiões
PROF apenas oito apresentam alterações significativas (p < 0,05) quanto à
distribuição do número de espécies de árvores por parcela de amostragem. Numa
primeira abordagem grosseira, será interessante notar que, à excepção do
Nordeste transmontano, as regiões que registam alterações significativas entre
1995 e 2005 localizam-se no litoral (Figura 1). Além disso, ainda que o χ2 do
PROF Algarve (χ2 = 7,369) não seja significativo, está muito próximo do valor
crítico para uma probabilidade com 95% de confiança (g.l. = 3; p = 0,05; χ2 =
7,815).
Quadro 1 ' Regiões PROF com alterações significativas entre 1995 e 2005.
(Valores de Χ2 e respectivo grau de significância)
Figura 1 ' Destacam-se as regiões PROF onde as alterações entre 1995 e 2005 se
apresentaram significativas
Podemos então concluir que as alterações de número de espécies arbóreas por
parcela ocorridas entre 1995 e 2005 nos PROF Nordeste Transmontano, AMPEDV
(Área Metropolitana do Porto, Entre Douro e Vouga), Centro Litoral, AML (Área
Metropolitana de Lisboa) e Alentejo Litoral são significativas (p < 0,05)
enquanto que as alterações ocorridas nos PROF Dão-Lafões, Pinhal Interior Norte
e Ribatejo são altamente significativas (p < 0,001).
Diversidade e série de Hill
É frequente confundir-se diversidade de um habitat e/ou ecossistema com a sua
riqueza em espécies, isto é, o número de espécies diferentes que o constituem.
Por isso, têm vindo a ser propostos vários índices para quantificar a
diversidade de um sistema e, ainda que de algum modo sejam indicadores
razoáveis da diversidade, de facto, são mais indicadores da sua entropia
(TOTHMERESZ, 1995; RICOTTA, 2003; KEYLOCK, 2005). Torna-se, assim, fundamental
converter a entropia de um sistema no número real de elementos que o
constituem. É este número, que em ecologia e noutras ciências, está no centro
do conceito de diversidade e não a entropia porque esta não revela o número de
espécies de uma amostra (JOST, 2006).
O conceito de diversidade apenas toma um significado real quando, para além da
riqueza específica, se considera igualmente a abundância das diferentes
espécies existentes. Dois habitats podem ter um mesmo número de espécies
diferentes e, no entanto, um ter uma diversidade maior do que o outro devido a
possuir uma distribuição mais equitativa das espécies que o compõem. Deste
modo, riqueza e abundância são dois valores fundamentais, e inseparáveis, para
a determinação da diversidade. Se índices de diversidade diferentes medem
aspectos diferentes da distribuição das espécies, e a equitabilidade não pode
ser resumida a um valor, deveremos recorrer a uma série de valores que
caracterizem o número total de espécies diferentes de um habitat e/ou
ecossistema e a sua abundância para obtermos uma caracterização mais adequada
da sua diversidade (WHITTAKKER, 1965; HILL, 1973).
Recorrendo à riqueza específica (S), ao índice de Shannon modificado (SHDImod),
ao índice de Simpson modificado (ISmod) e ao inverso da proporção da espécie
mais abundante (IA) (Quadro 2), a série de Hill dispõe sequencialmente, pela
ordem enunciada, os quatro índices indicadores da riqueza em espécies do
ecossistema e da sua abundância, e faz variar o intervalo da diversidade de um
ecossistema entre a riqueza S (correspondendo à diversidade máxima) e o valor 1
(correspondendo à ausência de diversidade). Quanto menor for o declive da curva
gerada pela sequência dos índices, maior a equitabilidade e consequentemente a
diversidade. Quando o limite de S tende para 1 e quanto maior for o declive da
curva da série de Hill, menor a diversidade. A assímptota horizontal em S=1 é
interpretada como ausência de diversidade, ou como a presença de uma única
espécie que domina o habitat e/ou ecossistema.
Quadro 2' Equações dos índices da série de Hill
Resultados e discussão
Convém desde logo referir que na presente abordagem sobre a diversidade dos
povoamentos florestais e sua alteração entre 1995 e 2005, o valor da riqueza S
é o número de espécies de árvores diferentes em cada parcela de amostragem; e,
como também já tínhamos referido, o parâmetro utilizado para calcular a
abundância e, consequentemente, a diversidade dos outros índices da série de
Hill recorreu-se à área basal G, calculando-se a proporção da área basal das
espécies em cada parcela de amostragem. Deste modo, a tabela em anexo com os
valores dos índices da série de Hill (Anexo_1) e os respectivos gráficos para
as regiões com alterações significativas (Quadro 3) reflectem a média da
riqueza e dos índices de diversidade das parcelas de amostragem dos PROF e não
os da totalidade da região.
Quadro_3
' Gráficos das séries de Hill dos PROF em que existiram diferenças
significativas no número de espécies por parcela entre 1995 e 2005
Acrescentamos ainda que a variável área basal G também nos serviu de indicador
descritivo da constituição da floresta dos PROF. Não utilizamos
propositadamente a palavra composição da floresta uma vez que, por definição,
ela refere-se à percentagem de coberto das espécies dos povoamentos florestais
e não às existências, ou ocupação dos diâmetros do lenho das espécies arbóreas
(área basal ' m2/ha). Assim, a floresta dos PROF será descrita de uma maneira
qualitativa, baseada nas proporções relativas das áreas basais das espécies nas
parcelas de cada um dos Inventários Florestais Nacionais (1995 e 2005), de modo
a podermos dar uma panorâmica de que tipo de floresta estamos a falar. A tabela
do Anexo_2 apresenta a percentagem média das áreas basais das espécies que
ocorrem nas parcelas inventariadas em 1995 e 2005 para todas as regiões PROF.
PROF Nordeste transmontano
A floresta desta região é constituída essencialmente por sobreiro(Quercus
suber), pinheiro-bravo (Pinus pinaster), castanheiro (Castanea sativa) e
carvalho-negral (Quercus pyrenaica). Como se pode observar no Quadro_3 os
valores das séries de Hill deste PROF registaram um aumento de 1995 para 2005
levando-nos a concluir que houve um aumento da diversidade do estrato arbóreo
dos povoamentos florestais desta região.
PROF AMPEDV
A floresta da Área Metropolitana do Porto, Entre Douro e Vouga é constituída
sobretudo por eucalipto (Eucalyptus sp) e pinheiro-bravo (Pinus pinaster).
Apesar disso, como se pode observar pelo gráfico das séries de Hill do Quadro_3
relativamente a este PROF, é a região que apresenta maiores valores de riqueza
S, manifestando igualmente um aumento da diversidade entre 1995 e 2005.
PROF Dão-Lafões
A floresta do PROF Dão-Lafões é constituída essencialmente por pinheiro-bravo
(Pinus pinaster) e eucalipto (Eucalyptus sp). Como se pode constatar no Quadro
3, o gráfico deste PROF evidencia um aumento da diversidade do estrato arbóreo
desta floresta.
PROF Pinhal Interior Norte
Floresta constituída principalmente por pinheiro-bravo (Pinus pinaster) e
eucalipto (Eucalyptus sp). No Quadro_3, o gráfico deste PROF revela um aumento
da diversidade entre 1995 e 2005.
PROF Centro Litoral
A floresta desta região é caracterizada por povoamentos de pinheiro-bravo
(Pinus pinaster) e eucalipto (Eucalyptus sp). No entanto, ao contrário da
primeira, entre 1995 e 2005 observa-se apenas um ligeiro incremento da
diversidade do estrato arbóreo (Quadro_3).
PROF Ribatejo
A floresta desta região é constituída na sua maioria por povoamentos de
sobreiro(Quercus suber), eucalipto (Eucalyptus sp) e pinheiro-bravo(Pinus
pinaster). Seguindo o padrão dos outros PROF, entre 1995 e 2005 a floresta
regista igualmente um aumento de diversidade.
PROF AML
A floresta do PROF da Área Metropolitana de Lisboa é constituída sobretudo por
povoamentos de sobreiro (Quercus suber), pinheiro-bravo (Pinus pinaster) e
eucalipto (Eucalyptus sp). Como se pode observar pelos gráficos do Quadro_3, os
valores dos índices de diversidade das séries de Hill deste PROF e da região
Ribatejo são muito semelhantes.
PROF Alentejo litoral
Os povoamentos florestais deste PROF são constituídos especialmente por
sobreiro (Quercus suber), pinheiro-bravo (Pinus pinaster) e eucalipto
(Eucalyptus sp). Como se pode verificar no Quadro_3, o gráfico das séries de
Hill deste PROF evidenciam apenas um ligeiro aumento da diversidade destes
povoamentos entre 1995 e 2005.
Considerações finais
Em geral os povoamentos florestais em Portugal Continental são pouco diversos
ao nível do estrato arbóreo, com uma riqueza média (S) entre uma a duas
espécies arbóreas por parcela, e com um declive acentuado nos gráficos de
representação da série de Hill, indicando que, para além de um baixo número de
espécies, os povoamentos são em geral dominados apenas por uma das espécies.
Há, no entanto, diferenças regionais e diferentes tendências ao longo do tempo.
Entre 1995 e 2005, nas unidades PROF em que o teste de χ2 evidenciou diferenças
significativas, podemos salientar que houve um aumento do número de espécies de
árvores nas parcelas, traduzido pelo aumento da riqueza S. Apesar das séries de
Hill destes PROF evidenciarem igualmente um padrão de aumento da diversidade
dos povoamentos florestais entre 1995 e 2005, as linhas traçadas pelos índices
de Shannon modificado (SHDImod), de Simpson modificado (ISmod) e o inverso da
proporção da espécie mais abundante (IA) tendem a ser cada vez mais próximas e,
em alguns casos como no PROF Centro Litoral, quase coincidentes.
O comportamento destes índices permite concluir que, entre 1995 e 2005, o
número médio de espécies arbóreas em parcelas de inventário aumentou
claramente, sendo menos nítido o aumento da equitabilidade entre espécies, o
que indica que o aumento do número de espécies por parcela se terá dado pela
introdução de novas espécies arbóreas, mas ainda sem um correspondente aumento
da abundância dessas novas espécies.
Parece assim assistir-se a uma tendência geral de aumento de diversidade dos
povoamentos florestais, encontrando-se mais espécies arbóreas em cada parcela,
mas numa situação em que os povoamentos de algumas regiões passam praticamente
de monoespecíficos (S próximo de 1) para um pouco mais ricos (S próximo de
1,5), à excepção das regiões da Área Metropolitana do Porto e Entre Douro e
Vouga e de Dão-Lafões, onde as parcelas já tinham em média cerca de 1,5
espécies e passaram a ter perto de 2 espécies por parcela. No entanto, também
nesta situação as proporções das espécies são muito desequilibradas, i.e., com
muito pouca equitabilidade entre as duas espécies dominantes (pinheiro bravo e
eucalipto), o que aliás se justifica pelo facto de os modelos de silvicultura
utilizados nessas regiões apontarem para florestas de produção baseadas
naquelas duas espécies mas nunca prevendo modelos mistos.
Em conclusão, parece assistir-se em muitas regiões a uma maior diversificação
da composição das nossas florestas, diversificação essa com uma grande
dominância das principais espécies em cada parcela. As maiores tendências para
a diversificação dos povoamentos ocorrem nas regiões do litoral, onde dominam o
pinheiro bravo e o eucalipto que, possivelmente em consequência de regeneração
natural em situações de menor gestão ou de incêndio, se misturam nos mesmos
povoamentos. Apesar dessa situação configurar um aumento da diversidade dos
povoamentos florestais, ela é muito diferente da desejada utilização de modelos
de silvicultura em povoamentos mistos, baseados em combinações bastante mais
interessantes, como por exemplo combinações entre o pinheiro-bravo e o
carvalho.
Este artigo inscreve-se no âmbito do Projecto PTDC68186/2006 ' Florestas Mistas