Home   |   Structure   |   Research   |   Resources   |   Members   |   Training   |   Activities   |   Contact

EN | PT

EuPTCVAg0871-018X2008000100023

EuPTCVAg0871-018X2008000100023

variedadeEu
Country of publicationPT
colégioLife Sciences
Great areaAgricultural Sciences
ISSN0871-018X
ano2008
Issue0001
Article number00023

O script do Java parece estar desligado, ou então houve um erro de comunicação. Ligue o script do Java para mais opções de representação.

A «MORTE DA SEMENTE» SUA IMPORTÂNCIA NA TECNOLOGIA PÓS-COLHEITA DO CACAU

A TECNOLOGIA PÓS-COLHEITA DO CACAU A partir do cacau comercial, depois de submetido à torra e a um conjunto de outras operações complementares, obtém-se o chocolate e outros produtos afins.

Duas características principais são sempre procuradas pelo industrial no cacau comercial que trabalha.

A primeira é a possibilidade do cacau, por efeito da torra, exibir o «flavour» a chocolate, tão característico e apreciado.

A segunda é o teor em gordura dos cotilédones que ultrapassa com frequência os 52% em matéria-prima de boa qualidade e que depende, entre outras, das condições de cultura, nomeadamente o estado mais ou menos perfeito em que se encontram os frutos e as sementes quando se colhem Quanto mais elevado for o teor de gordura, maior é o valor comercial do cacau, em igualdade de outras características da semente. A gordura extraída, por processos mecânicos ou por solventes, recebe o nome de «manteiga de cacau», é muito valorizada pelo seu emprego na preparação de chocolates de muito boa qualidade, para fins medicinais, farmacêuticos e cosméticos. O seu valor comercial é tão acentuado que por vezes o industrial prefere cacaus ricos em gordura, embora de menos qualidade no que se refere ao desenvolvimento do «flavour» que virão a produzir.

Os teores de gordura dos cotilédones atingem o valor conveniente se a colheita dos frutos for feita com eles maduros, pois a tecnologia pós-colheita nada lhe acrescenta e pouco ou nada a modifica.

O «flavour» a chocolate resulta de um conjunto de compostos, a maioria dos quais não existe na semente quando é colhida, mas são formados durante a tecnologia póscolheita. Uma semente retirada do fruto, lavada, seca e torrada nunca exibirá o «flavour» a chocolate que se referiu.

Por esse motivo, a tecnologia pós-colheita do cacau é assim de enorme importância para se reunirem no cacau comercial as características que o fazem um produto tão apreciado.

Sumariamente a tecnologia pós-colheita do cacau compreende as fases seguintes: 1. Colheita dos frutos. Deverá ser feita quando eles se encontrem bem maduros, ou próximo disso. A maturação e colheita decorrem ao longo do ano, embora com épocas do ano com maior concentração de frutos maduros.

2. Quebra (abertura) dos frutos. Realizada normalmente no campo. Abrem-se os frutos, retira-se do seu interior as sementes envolvidas numa polpa branca e açucarada e reúnem-se em recipientes de preferência estanques para que as perdas de polpa se reduzam ao mínimo. Separam-se as sementes com defeitos visíveis (germinadas quando entre a colheita e a quebra se passa muito tempo, sementes pedradas, sementes geminadas, sementes atacadas por fungos, etc.) que devem ser tratadas à parte para produzirem um cacau de «segunda qualidade». A massa constituída pelas sementes de cacau e polpa que as envolve é conhecida como «cacau em goma». Esta massa deve ser conduzida o mais rapidamente possível para os locais onde vai continuar a tecnologia. Como regra geral, inicia-se muito rapidamente uma fermentação alcoólica à custa dos açúcares da polpa, facilitada pela temperatura ambiental e pela existência de uma flora de microorganismos muito rica que se multiplica nos recipientes de colheita e transporte de umas operações para as seguintes.

3. Fermentação. É uma operação complexa que no seu conjunto ultrapassa a fermentação no conceito microbiológico.

Durante esta fase desenvolve-se uma fermentação alcoólica com base nos açúcares da polpa, à custa de leveduras e depois uma oxidação do álcool formado em ácido acético, provocada principalmente por bactérias acéticas, seguindo-se transformações físico-químicas muito importantes nos cotilédones, algumas das quais correlacionadas com a formação dos percursores do «flavour» a chocolate desenvolvido durante a torra. Normalmente é a fase da tecnologia pós-colheita mais longa, chegando a demorar nalguns locais 9 e mais dias.

4. Secagem. Tem por objectivo fundamental reduzir a humidade das sementes a teores tais que garantam a sua conservação.

Nalguns casos, principalmente quando a secagem é feita ao sol e é relativamente lenta, continuam a dar-se, durante as primeiras fases da secagem, transformações nos compostos dos cotilédones iniciadas durante a fermentação. Por isso, alguns autores costumam chamar a esta primeira fase da secagem uma «segunda fermentação».

5. Dansagem (dansing). É uma técnica hoje praticamente desaparecida com tal, embora substituída por outras acções. Tem por objectivo melhorar o aspecto exterior do cacau, retirando-lhe pedaços de polpa que se não destacaram completamente durante a fermentação e poderão ser sede de fixação de humidade durante o armazenamento. O nome vem do facto de a operação ser feita com os pés de operários que realizavam o trabalho enquanto «dançavam» sobre as sementes.

6. Terragem. Hoje uma técnica completamente abandonada. Consistia em envolver as sementes, quando passavam para a secagem, por uma camada de terra argilosa vermelha que dava ao produto uma cor mais uniforme, mascarava defeitos da semente e incluía no produto final a massa da terra incorporada. Tinha ainda a vantagem de proteger melhor a semente dos ataques de pragas e doenças enquanto o cacau estava armazenado.

7. Escolha, calibragem e classificação.

Durante esta operação «afina-se» a qualidade do produto final. Por via manual, mecânica ou pelas duas, retiram-se as «matérias estranhas», as sementes indesejáveis, as sementes partidas, os restos de polpa, restos das cascas dos frutos, objectos metálicos e outros que acompanham as sementes, de forma que o cacau comercial resultante tenha uma boa apresentação, o que se associa a uma cor adequada e tanto quanto possível uniforme.

O cacau é depois calibrado separando-se geralmente lotes de «bago grado» e de «bago miúdo» ou «sem escolha».

8. Conservação. O cacau, depois de «pronto», passa para armazéns adequados onde devem reunir-se as condições para uma boa conservação. Particularmente importante é o controlo da humidade das sementes que não deve ultrapassar o «factor de segurança», o que nem sempre é fácil conseguir-se nas zonas produtoras em que a humidade relativa ambiental é muito elevada. O cacau armazenado deve ser vigiado quanto ao aparecimento de pragas e doenças típicas dos produtos armazenados. Os riscos de ataques aumentam com a humidade relativa ambiental e com os teores de humidade do cacau comercial.

A humidade do cacau comercial nunca deve exceder 7%.

Algumas transformações operadas durante a fermentação Embora todas as fases da tecnologia póscolheita do cacau sejam importantes para a obtenção de um cacau comercial de boa qualidade, é durante a fermentação que se dão ou devem dar as transformações mais acentuadas no exterior e no interior das sementes. Por esse facto esta fase da tecnologia exige um maior acompanhamento e tem merecido maior investigação.

Chegado o cacau em goma vindo do campo aos locais onde se vai realizar a fermentação ele vai ser colocado em «caixas» de madeira com uma altura que não deve exceder 1 m, onde à custa dos açúcares da polpa e dos microorganismos existentes nas paredes das caixas e resultantes de utilizações anteriores ou trazidos do campo e em condições ambientais favoráveis de temperatura e humidade relativa, como é normal nas zonas produtoras, declara-se uma fermentação alcoólica. Como se trata de uma reacção exotérmica, verifica-se uma aumento de temperatura da massa que chega a atingir cerca de 30-32º. Logo que no meio existir álcool resultante daquela reacção, as bactérias acéticas existentes no meio em grande quantidade, oxidam-no para ácido acético. O cacau nesta fase tem um cheiro marcado a vinagre. É também uma reacção exotérmica mas com maior número de calorias libertadas.

A primeira transformação dá-se enquanto houver açúcares, a segunda logo que houver álcool. Estas duas reacções realizam-se simultaneamente na mesma massa de cacau durante um certo período. Por efeito do calor libertado por sobreposição destas reacções, actuando em conjunto, a temperatura da massa atinge cerca de 50-52º. Raramente se verificam temperaturas superiores a estes. A fermentação alcoólica inicia-se praticamente quando o cacau em goma entrou nas «caixas» de fermentação e algumas vezes ainda no campo ou durante o transporte, principalmente quando atrasos na condução do cacau em goma do campo.

Como regra, embora dependendo dos volumes de cacau, da quantidade de açúcares que a polpa doseia, da temperatura ambiental e da «infecção» das caixas por operações anteriores, a fermentação alcoólica começa logo nas primeiras horas após a entrada nas caixas e a fermentação acética pouco tempo depois e logo que exista álcool no meio.

Em ensaios de fermentações «comerciais» que fizemos com cerca de 600kg de «cacau em goma» em caixas de madeira com 1 m de espessura de cacau, realizadas em S. Tomé no fim da «gravana» e princípios da época das chuvas, obtiveram-se globalmente os resultados seguintes: A fermentação é a operação mais delicada e mais demorada da tecnologia pós-colheita do cacau. Qualquer redução do tempo em que decorre, sem que a qualidade do produto final seja com isso afectada, reflecte-se numa melhor utilização do equipamento em que se realiza e em economia de mão de obra.

Acresce que em cada dia de fermentação o cacau perde, em média, cerca de 1% de matéria seca e por isso a redução do período de fermentação constitui uma preocupação que deve estar presente.

A morte da semente e as condições para modificações na composição dos cotilédones Na composição da semente de cacau existem compostos polifenólicos, proteínas, aminoácidos livres, açúcares e outros constituintes que vão ser mais ou menos intensamente afectados durante a fermentação, entendida como se referiu e cuja transformação vai provocar a formação dos «percursores» do «flavour» a chocolate que se desenvolverá durante a torra.

No caso vertente, interessa concentrar a atenção nos compostos fenólicos que na semente do cacau são essencialmente de dois tipos: as cianinas e as catequinas.

Na semente fresca de cacau estes compostos encontram-se concentrados em células especiais dos cotilédones, cuja presença é facilmente assinalável nos cacaus forasteros pela cor violácea devido à presença das cianinas. As catequinas também estão presentes nas mesmas células, mas são incolores.

Nas células dos cotilédones onde aquelas células estão dispersas ou reunidas em pequenos grupos, estão presentes sistemas enzimáticos diversos responsáveis pelas transformações operados naqueles e noutros compostos da semente.

Para que a transformação daqueles compostos ocorra, é necessários que os conteúdos celulares daqueles dois tipos de células se misturam, o que é possível quando as paredes celulares se tornarem permeáveis.

Este mecanismo consegue-se com a «morte da semente». Quando o cacau em fermentação atinge temperaturas de 50-52 ºC e em meio ácido, facilitado pela presença de ácido acético, a semente não perde a sua capacidade de germinar, mas também as paredes celulares atingem a permeabilidade referida permitindo assim a mistura dos seus conteúdos.

Das substâncias polifenólicas, as cianinas são as primeiras a ser transformadas libertando a aglucona (cianidina de cor violácea) e o açúcar a que estava ligada. Logo após a morte da semente o pigmento púrpura difunde-se por todas as células dos cotilédones deixando assim de se distinguir as células coradas, a cianidina é rapidamente decomposta em compostos incolores ou condensa-se nos chamados «taninos flavónicos».

Esta transformação exige condições de anaerobiose, facilitadas pela massa de cacau em fermentação que deixa em si poucos espaços para a retenção de ar e decorre imediatamente a seguir à morte da semente.

Os compostos polifenólicos do tipo catequina condensam-se e dão origem aos «taninos catéquicos», acastanhados, ou combinam-se com aminoácidos e proteínas para darem compostos muito importantes dos percursores.

O primeiro tipo de reacções provoca a perda de adstringência e o acastanhamento dos cotilédones e se é certo que não interferem decisivamente na formação dos percursores, constituem um índice fácil de observar da forma como decorre o processo.

Na condensação das catequinas interferem enzimas polifenólicos (polifenoloxidases) que actuam na presença do oxigénio..

Sendo assim, desejando-se que a evolução dos compostos flavónicos se realize em condições de anaerobiose, a condensação das catequinas impõe um arejamento, o que neste caso é conseguido remexendo a massa do cacau em fermentação na mesma caixa ou, com mais eficiência, fazendo passar o cacau de uma para outra caixa, com a consequente entrada de ar.

Uma fermentação bem orientada, em que se facilitem as transformações referidas, exige uma primeira fase que deve decorrer na ausência ou rarefacção de ar e uma segunda onde a presença de oxigénio é fundamental.

Conhecer, em termos práticos, quando termina a primeira e começa a segunda é de enorme importância, não para se criarem as condições ideais ou próximo disso, mas também para encurtar o tempo de fermentação, pelas razões brevemente indicadas.

A experiência demonstra que o pigmento púrpura se difunde rapidamente a seguir à morte da semente, corando por igual todas as células dos cotilédones e exsudando para o espaço que se forma entre aos cotilédones e o tegumento e aparecendo à superfície da casca nos pontos em que ela é mais frágil, isto é, na extremidade correspondente ao embrião.

Logo que a semente apresentar a coloração violácea na região referida, deve considerar-se terminada a primeira fase da fermentação, o que decorre nas primeiras 36-38 horas, conforme o volume das sementes e condições ambientais e deve começar-se imediatamente com o remeximento do cacau ou a sua passagem para outra caixa.

Desta forma, consegue-se obter um produto final de boa qualidade, bem fermentado num período total de fermentação de 96-120 horas e não os 7-12 dias como às vezes sucede.

As caixas de fermentação ficam livres mais cedo, poupa-se mão-de-obra e perde-se muito menos matéria seca.


transferir texto