Infecção viral da vinha nos Biscoitos (ilha Terceira) - Açores
INTRODUÇÃO
A região dos Biscoitos na ilha Terceira nos Açores é mundialmente conhecida
pela vinha em curraletas destinada à produção de Vinhos Licorosos de Qualidade
Produzidos em Região Demarcada (VLQPRD). As castas predominantes são Verdelho
branco e Verdelho roxo mas também estão presentes Terrantez, Arinto e Boal
branco.
Vários estudos, há muito publicados, referiam a presença dos nemátodes vectores
do vírus do urticado da videira nas ilhas de S. Miguel e Terceira nos Açores
(Sequeira e Dias, 1964; Sturhan, 1973; Bravo, 1983; Lamberti et al., 1994;
Bravo & Lemos, 1997). Testes serológicos aí realizados nos anos 80-90 do
século passado evidenciam também a importância do vírus do urticado da videira
nessas ilhas (Lamberti et al, 1994).
Atendendo ao declínio progressivo que se tem verificado nestas vinhas foi
feita, no âmbito do projecto Interfruta-II, a avaliação do actual estado
sanitário destas videiras em relação aos principais vírus de que são
hospedeiros e para os quais é possível a detecção serológica, nomeadamente
Grapevine leafroll associated virus-1(GLRaV-1), Grapevine leafroll associated
virus-2(GLRaV-2), Grapevine leafroll associated virus-3(GLRaV-3), Grapevine
leafroll associated virus-7(GLRaV-7), Grapevine fanleaf virus(GFLV), Arabis
mosaic virus(ArMV), Grapevine virus A(GVA), Grapevine virus B(GVB)e Grapevine
fleck virus(GFkV) conforme caracterizados (Buchen-Osmond, 2002; Fauquet et al.,
2004) no Quadro 1.
Quadro 1 ' Caracterização dos vírus da videira prospectados.
MATERIAL E MÉTODOS
Em Fevereiro de 2006 foi realizada uma prospecção em sete vinhas nos Biscoitos
(ilha Terceira). A amostragem teve em conta a predominância das castas. Em cada
vinha, e por curraleta, foi marcada uma videira e, em cada videira, foram
colhidas duas varas em zonas opostas da planta. Foram colhidas no total 300
varas de 150 videiras. As varas foram mantidas a 4ºC até serem testadas. Os
testes ELISA-Enzyme linked immunosorbent assay (antissoros AGRITEST, SRL, Bari,
Itália) foram realizados na UTAD entre Maio e Outubro de 2006. Cada amostra
consistiu em lenho de uma vara (de cada videira foram analisadas duas varas,
correspondendo a duas amostras). Cada uma foi testada em duplicado, em placas
Nunc immunoplate Maxisorp, usando 100µL/alvéolo, extracto 1:10 p/v em tampão
Tris-HCl, pH 8,2, ao qual foi adicionado 2% PVP, 1% PEG e 0,05% Tween20. O
substrato cromogénico da fosfatase alcalina foi p-nitrofenil fosfato sendo
consideradas positivas as amostras com absorvância a 405nm superior a três
vezes a absorvância dos controlos negativos.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
As vinhas da ilha Terceira (Biscoitos) possuem uma elevada infecção viral. No
Quadro 2 evidencia-se a infecção detectada por vinha, nas sete vinhas
amostradas, para os nove vírus testados.
Quadro 2 – Infecção detectada por ELISA, para nove vírus, nas sete vinhas nos
Biscoitos (ilha Terceira, Açores).
De forma global a infecção total detectada nas sete vinhas em estudo é
apresentada no Quadro 3. Os resultados dos testes serológicos efectuados em
videiras de curraletas distintas mostraram que 100% das videiras amostradas
estavam infectadas com o Vírus do enrolamento foliar da videira do tipo 3
(GLRaV-3). Outros vírus também presentes em grande número de videiras são o
Vírus do urticado da videira (GFLV) e o Vírus do mosaico de Arabis (ArMV),
existindo GFLV com maior incidência (55,3% e 36%, respectivamente). De destacar
ainda a infecção por GVA (32,3%). Os restantes vírus prospectados foram também
encontrados embora em muito menor percentagem. A infecção pelo Vírus do
enrolamento foliar da videira do tipo 1 (GLRaV-1) parece ser esporádica pois
apenas foi detectada em 2 videiras do total de 150 testadas.
Quadro 3 ' Infecção total detectada por ELISA, nas cinco castas amostradas, nas
sete vinhas nos Biscoitos (ilha Terceira, Açores).
Verifica-se que quando a análise de videiras infectadas é feita pelo valor
conjunto das duas varas, a percentagem de infecção é superior à percentagem de
infecção detectada quando se considera que uma vara é uma amostra, o que
salienta a importância da amostragem alargada na planta (Quadro 3).
Ao analisarmos a presença dos vírus prospectados por castas (Quadro 4)
verifica-se que o Vírus do enrolamento foliar da videira do tipo 3 (GLRaV-3) e
o Vírus do urticado ou nó-curto da videira (GFLV) estão presentes em todas as
castas. O Vírus do mosaico de Arabis (ArMV) e o Vírus A da Videira (GVA) foram
detectados em todas as castas excepto na casta Boal branco (mas apenas uma
planta estava incluída na amostragem). O Vírus do marmoreado da videira (GFkV)
foi detectado em Verdelho branco, Verdelho roxo e em Terrantez. O Vírus B da
Videira (GVB) foi detectado também em Verdelho branco, Verdelho roxo e em
Arinto. Os vírus associados ao Enrolamento foliar da videira do tipo 2 (GLRaV-
2) e ao Enrolamento foliar da videira do tipo 7 (GLRaV-7) foram apenas
encontrados em Verdelho (roxo e branco) e o Vírus associado ao Enrolamento
foliar da videira do tipo 1 (GLRaV-1) foi apenas detectado numa planta de
Verdelho branco. É também de referir que existe elevada percentagem de
infecções mistas de dois ou mais vírus na mesma planta.
Quadro 4 – Infecção detectada por ELISA, em cinco castas, nas sete vinhas nos
Biscoitos (ilha Terceira, Açores).
Estratégia de intervenção fitossanitária -As vinhas na ilha Terceira
(Biscoitos) possuem uma elevada infecção viral e como todos os vírus da videira
são transmitidos pelo material de propagação vegetativa é essencial que não
seja usado material destas vinhas para re-enxertia e/ou para início de novas
plantações.
É conhecido o efeito negativo, qualitativo e/ou quantitativo, de alguns vírus
da videira nomeadamente dos vírus GLRaV-3 e GFLV, que se detectaram com maior
incidência nos Biscoitos (Bovey et al., 1980; Pearson & Goheen, 1988;
Santos et al., 2003).
O vírus do enrolamento da videira do tipo 3 (GLRaV-3), totalmente disseminado
na região prospectada, afecta a qualidade das uvas pelo atraso que causa na
maturação, acréscimo de acidez e decréscimo dos açúcares (logo reduzindo o
etanol potencial do mosto) e redução das antocianinas e polifenóis, podendo
levar a uma perda de pigmentação nos cachos na ordem de 50% nas castas tintas
(Over de Linden & Chamberlain, 1970; Pearson & Goheen, 1988; Cabaleiro
et al., 1999; Gugerli, 2003).
Para GLRaV-3, para além da transmissão por enxertia, há referência a várias
espécies de cochonilhas vectores das famílias Coccidae e Pseudococcidae,
nomeadamente Planococcus citri, P. ficus, Pseudococcus longispinus, Ps. viburni
(=Ps. affinis), Ps. calceoridae, Ps. maritimus, Phenococcus aceris, Pulvinaria
vitis, Heliococcus bohemicus e Parthenocanium corni(Tanne et al., 1989,
Engelbrecht & Kasdorf, 1990; Belli et al., 1994; Golino et al., 1995;
Cabaleiro & Segura, 1997; Petersen & Charles, 1997; Golino et al.,
2000; Sforza & Greif, 2000; Golino et al., 2002, Gugerli, 2003; Sforza et
al., 2003; Cid et al., 2006). Algumas destas espécies são também vectores de
GVA nomeadamente Pseudococcuss longispinus, Planococcus ficus, Planococcus
citri e Neopulvinaria innumerabilis (Roscieglione et al., 1983; Fortusini et
al., 1997; Bunchen-Osmond; 2004). De salientar que a cochonilha escura,
Pseudococcus viburni, foi identificada pela primeira vez na videira na ilha
Terceira e na ilha do Pico em 2005 (Bettencourt et al., 2006) e está em estudo
o seu potencial como espécie vector de isolados de GLRaV-3 e de GVA da ilha
Terceira.
Assim, será aconselhável a prospecção de cochonilhas nas curraletas para
averiguar a necessidade de intervenção cultural, nomeadamente eliminar e
queimar, na altura da poda, os sarmentos atacados e, se viável, raspar o
ritidoma das plantas afectadas. É de salientar que a presença na vinha de
vários organismos auxiliares poderá levar à limitação natural das cochonilhas
(Amaro, 2001).
O vírus do urticado da videira (GFLV), que apresenta estirpes cromogénicas e
estirpes deformantes, é um vírus com características degenerativas para o
hospedeiro e pode causar perdas quantitativas na produção da videira de cerca
de 60% (Pearson & Goheen, 1988; Martelli & Taylor 1989; Taylor e Brown,
1997; Andret-Link et al., 2004). Os nemátodes Xiphinema index, X. italiae e X.
diversicaudatum são vectores destes vírus (Cohn et al., 1970; Martelli &
Taylor 1989. A sua aquisição pode ser feita pelas formas jovens ou adultas do
vector, existindo grande especificidade entre estes vírus e a espécie de
nemátode.
Sabe-se há muito da existência de nemátodos vectores do vírus do urticado da
videira nas ilhas de S. Miguel e Terceira nos Açores (Sequeira e Dias, 1964;
Sturhan, 1973; Bravo, 1983; Lamberti et al., 1994). Por isso, não é de
estranhar a grande dispersão de Nepovirus encontrada nas curraletas, embora não
deva ser negligenciada a provável acção do Homem, pela utilização de material
de enxertia contaminado.
É importante avaliar a actual incidência de nemátodes vectores de Nepovirus nos
vinhedos da ilha Terceira. Admite-se que a presença destes vectores nos solos
seja ainda uma constante existindo as condições de perpetuação da doença
nomeadamente videiras infectadas e nemátodes vectores pelo que, e devido à
importância da vitivinicultura na economia agrícola da região, torna-se
fundamental lutar contra os nemátodes e contra o vírus.
A luta contra estes agentes não será fácil de realizar, principalmente quando
se trata de culturas perenes, como a vinha. Relativamente à luta contra os
nemátodes fitopatogénicos em geral, a luta química tem sido a mais utilizada,
com 1,3-dicloropropeno em pré-plantação e apenas no ano da plantação (Lemos et
al., 1997; Garrido, 2007). Contudo, esta forma de luta apresenta graves
inconvenientes, nomeadamente o custo, a falta de especificidade dos
nematodicidas e os efeitos secundários em relação ao Homem e outros animais e
ao agro-ecossistema vinha. Além disso, estes nemátodes conseguem existir a
profundidades de 3,5 metros, associados à raiz da videira.
A utilização de plantas com efeito alelopático é, numa óptica de viticultura
sustentável, uma medida que poderá ser aplicada na região. Existem numerosas
espécies de plantas que possuem compostos que podem ter um efeito nematodicida
ou nematoestático (Jaeger, 2003). Esses compostos pertencem principalmente ao
grupo dos isotiocianatos, glicósidos cianogénicos, poliacetilenos, alcalóides,
ácidos gordos e derivados, terpenoides, fenólicos entre outros (Chitwood, 2002,
Argentieri et al., 2008). Aballay e Insunza (2002) testaram o efeito
alelopático de oito espécies de plantas em Xiphinema index, tendo verificado
que nas parcelas onde Brassica napus foi utilizada como cultura de cobertura, e
depois incorporada no solo, houve uma redução significativa da população de
nemátodes. A acção alelopática de B. napus é devida à produção de
glucosinolatos que quando são hidrolisados originam tiocianatos e
isotiocianatos, entre outros compostos (Campos et al., 1994).
Assim, para a melhoria do estado sanitário e consequentemente da produtividade
e rentabilidade das vinhas nos Açores, e neste caso particular nos Biscoitos,
consideramos que deverá proceder-se à replantação das castas utilizadas, que
terão que estar certificadas para a isenção de todos os vírus que constam da
Directiva europeia (Directiva nº 2005/43/CE), onde estão incluídos nomeadamente
os vírus GLRaV-3 e GFLV. Para que a replantação seja eficiente de modo a
garantir que as castas não voltem a ser infectadas, deverá haver uma redução
substancial dos vectores no solo antes de se efectuar esta replantação. Não é
de aconselhar a utilização de nematodicidas de síntese, por todos os efeitos
negativos já referidos. Parece-nos que uma opção sustentável será a utilização
de Brassica napus como cultura de coberto vegetal, fazendo-se depois a sua
incorporação. É necessário contudo determinar quais as variedades de B. napus
mais indicadas para o clima e solo da região dos Biscoitos e que
simultaneamente tenham teores elevados de glucosinolatos. Será também
conveniente determinar qual a melhor época para efectuar a incorporação da
cultura, tendo como objectivo o controlo dos nemátodes. Simultaneamente dever-
se-á ainda estudar até que profundidades actuam estes compostos na luta contra
os nemátodes. Só uma luta sustentável permitirá a eliminação gradual e eficaz
destes vírus da cultura da vinha nos Açores e um aumento no rendimento dos
vitivinicultores a médio prazo.
CONCLUSÕES
A elevada infecção viral detectada na região dos Biscoitos em 2006 está de
acordo com idêntica prospecção realizada no ano anterior nas vinhas utilizadas
para produção de VLQPRD nas Ilhas do Pico e Terceira (ver Bettencourt et al,
este Congresso SPF).
Apesar de a maioria da transmissão das viroses na videira se dar devido à
utilização indevida de bacelos e/ou garfos infectados, será também importante
uma estratégia de protecção sustentável, tal como foi referido anteriormente,
relativamente aos vectores conhecidos das duas viroses detectadas com maior
incidência, nomeadamente cochonilhas das famílias Coccidae e Pseudococcidae
(vectores de GLRaV-3, mas também de GLRaV-1, GVA, GVB) e nemátodes do género
Xiphinema (vectores de GFLV e ArMV).