A revolução verde e a biologia molecular
INTRODUÇÃO
Em meados dos anos sessenta, uma revolução invulgar tentava vingar nalguns
países da Ásia, particularmente na Índia. Como outras revoluções, era feita em
nome do desenvolvimento e do progresso e reclamava mudanças políticas e
socioeconómicas; porém, ao contrário de outras, o seu sucesso não implicava o
levantamento de massas populares, derramamento de sangue nem perda de vidas
humanas. Exigia, antes, um empenhamento activo dos governos envolvidos para
realizar reformas profundas nas economias nacionais de forma a poder
concretizar-se o seu objectivo impar: aumentar a produção alimentar para
erradicar o espectro da fome e da miséria nos países mais pobres e populosos do
mundo. Não eram feitos prisioneiros, antes pelo contrário, pretendia-se
libertar centenas de milhões de pessoas das grilhetas da desnutrição e do
subdesenvolvimento e restituirlhes a dignidade humana. Era essencialmente uma
revolução tecnológica e viria a ser conhecida por Revolução Verde
1
(Gaud, 1968).
Naquela época, a maioria dos países dos continentes asiático e africano
debatia-se com graves problemas de fome crónica generalizada e a ajuda
internacional revelava-se não só incapaz de ultrapassar o problema de forma
definitiva, como era por vezes mesmo contraproducente por baixar os preços dos
produtos alimentares locais, desincentivando a produção agrícola. Tornava-se
urgente encontrar vias para os próprios países beneficiários garantirem uma
segurança alimentar mínima e, se possível, mesmo a auto-suficiência. Foi então
que os Estados Unidos se propuseram enfrentar este enorme desafio de forma
inovadora, promovendo e apoiando, técnica e financeiramente, a introdução
naqueles países de novas variedades de arroz e de trigo de elevada
produtividade, com forte resposta aos fertilizantes químicos, com o potencial,
portanto, de reduzir ou mesmo eliminar os défices crónicos de alimentos nessas
partes do mundo. A Índia tinha obtido baixíssimas produções de trigo nos anos
de 1965 e 1966, devido a atraso das chuvas de monção, tendo-se visto obrigada a
importar dez milhões de toneladas deste cereal dos Estados Unidos, num esforço
financeiro enorme que agravou a sua balança de pagamentos e o seu endividamento
externo. Era, assim, uma candidata natural para um ensaio deste novo tipo de
assistência e, apesar de resistências internas, o espectro de novos episódios
de fome com o risco inerente de desordens sociais levou o governo indiano a
aceitar a introdução das variedades de alto rendimento.
Nos anos cinquenta, sob a orientação e o impulso do cientista e melhorador
Norman Borlaug, que viria a ser distinguido com o Prémio Nobel da Paz em 1970
por este seu trabalho, investigadores da Fundação Rockefeller tinham
desenvolvido no México novas variedades de trigo, de porte mais reduzido e com
um potencial produtivo superior ao dobro do das variedades tradicionais. Estas
variedades anãs não só concentravam os ganhos de biomassa na produção de grão
(maior índice de colheita), em vez do crescimento do caule e formação de folhas
adicionais, como também suportavam e respondiam melhor a elevadas doses de
fertilizantes sem risco de acama, o que conjuntamente tornava possível as suas
altas produtividades. Mais tarde, nas Filipinas, investigadores da mesma
Fundação, juntamente com colegas da Fundação Ford, criaram igualmente
variedades de arroz de palha curta, também com resposta acentuada aos
fertilizantes e com produções de grão espectaculares
2
(Khush, 2001). Foram estas variedades de palha curta de trigo e arroz que foram
introduzidas na Índia e noutras regiões da Ásia nos anos sessenta e cujo
cultivo intensivo permitiu o aumento imediato da produção alimentar, aliviando
a fome de milhões de pessoas e reduzindo a necessidade de importação de
cereais. Na Índia, entre 1965 e 1983 - em menos de vinte anos, portanto - a
produção de trigo mais do que triplicou e o país passou de deficitário a auto-
suficiente, chegando mesmo a dispor de stocks por vezes importantes. Na América
Latina, onde a Revolução Verde tivera início ainda nos anos cinquenta, alguns
países, como o México, por exemplo, quadruplicaram a produção de trigo entre
1950 e 1980 e passaram de importadores a exportadores de cereais
3
! No cômputo geral dos países em desenvolvimento, graças à Revolução Verde, a
produção cerealífera aumentou 33% entre 1972 e 1982, quase o dobro do acréscimo
de 18% verificado no mesmo período de tempo nos países industrializados.
Este êxito inicial da Revolução Verde criou as maiores expectativas entre os
países dado-res e levou o norte-americano Lester Brown, então responsável pela
assistência técnica e ajuda alimentar aos países do terceiro mundo e um dos
grandes apoiantes desta experiência, num livro publicado em 1970 ' Seeds of
Change. The Green Revolution and Development in the 1970's ' (Brown, 1970) a
expressar uma grande esperança num futuro sem fome, baseado na melhoria das
culturas agrícolas pelas modernas tecnologias e mudanças nas estratégias dos
governos, com políticas orientadas para o crescimento do sector agrícola e
aumento da qualidade de vida das suas populações. Esperança vã. Apesar dos
notáveis aumentos de produção de alimentos que possibilitou, particularmente
durante o período de explosão demográfica dos anos sessenta e setenta, a
Revolução Verde não resolveu os problemas de fome e de miséria do mundo;
infelizmente, estes problemas não só continuam actuais como se têm agravado
mesmo nalguns países onde as necessidades alimentares cresceram mais do que a
produção devido ao aumento populacional ou a conflitos internos. A FAO calcula
que nos países em desenvolvimento mais de 950 milhões de pobres sofrem de fome
crónica ou aguda (Sanchez, 2009), grande parte na Ásia ' 200 milhões, pelo
menos, na Índia - e, a nível mundial, cerca de um terço da população não dispõe
de uma nutrição mínima adequada a levar uma vida activa saudável! A
ultrapassagem desta situação requer modificações profundas em diversos
domínios, principalmente na política de distribuição e acesso aos alimentos e
no controlo do crescimento populacional, mas requer também, naturalmente, a
continuação do aumento da produção de alimentos. Felizmente, vislumbram-se
novas oportunidades de aumentos significativos da produção e produtividade
agrícolas globais, através da conjugação de programas clássicos de melhoramento
com a engenharia genética para a criação mais rápida de novas variedades com as
características agronómicas desejadas, capazes de conseguir aquele objectivo
por métodos de produção mais sustentáveis, não poluidores do solo e da água. De
facto, não deve escamotear-se que a Revolução Verde, com a utilização intensiva
de fertilizantes, pesticidas e herbicidas sintéticos, bem como com as copiosas
irrigações que requeriam os ganhos de produção conseguidos com as variedades de
alto rendimento, tiveram elevados custos para o ambiente, da degradação dos
solos à poluição das águas subterrâneas, e tal deve estar presente em futuros
programas de aumento da produção agrícola. Além disso, a adopção generalizada
de um reduzido número de variedades de alto rendimento levou ao desaparecimento
de milhares de variedades tradicionais e, consequentemente, à redução da
diversidade genética destas culturas, numa perda irreversível. Finalmente,
note-se ainda que dum ponto de vista socioeconómico a Revolução Verde causou um
aumento das desigualdades sociais, agravou o fosso entre pobres e ricos e
originou migrações maciças para as cidades (Evenson and Gollin, 2003). Em
contraposição, Kesavan e Swaminathan (2006) fazem notar que se não se tivessem
verificado os aumentos de produtividade das culturas de trigo e de arroz
possibilitadas pela Revolução Verde, a Índia teria sido obrigada a converter
cerca de 80 milhões de hectares de floresta para conseguir as produções de
cereais obtidas em 2006!
As variedades de palha curta de trigo e de arroz que tornaram possível a
Revolução Verde foram fruto de um trabalho árduo e longo de melhoramento
genético convencional. Nos recuados anos cinquenta, o processo de produção de
uma nova variedade combinando as características agronómicas desejadas era
realizado pelo cruzamento de linhas parentais apropriadas, seguida de uma
cuidadosa e paciente selecção da descendência, num processo geralmente demorado
e de resultados imprevisíveis; por vezes, no final de muitos anos e
cruzamentos, não se obtinham variedades com desempenho superior aos
progenitores. De facto, durante muitas décadas, a prática de melhoramento
genético era um processo largamente empírico, pois desconhecíamos não só os
genes responsáveis pelas características procuradas como desconhecíamos os
mecanismos de controlo da sua expressão. Ultimamente, porém, esta situação tem
vindo a alterar-se progressivamente.
Identificação dos genes do nanismo do trigo e do arroz.
Passaram várias décadas até se perceber a base genética da redução do porte das
plantas de trigo e de arroz que fizeram a Revolução Verde. Há cerca de dez
anos, a ciência fez um progresso significativo nesta área com a identificação
dos genes reguladores da altura do trigo que permitiram a produção das plantas
semi-anãs - os genes Rht (de Reduced height), localizados nos cromossomas 4B
(Rht-B1b) e 4D (Rht-D1b) do genoma da planta (Peng et al., 1999). Cada gene
provoca uma redução semelhante na estatura da planta, mas os seus efeitos são
aditivos. É importante fazer notar que os alelos Rht não afectam o crescimento
dos entre-nós das espigas no período da sua expansão, de modo que o crescimento
final destas é idêntico ao das plantas de estatura normal, permitindo assim as
elevadas produções das plantas de altura reduzida. Estas plantas possuem
mutações com ganho de função (semidominantes) naqueles genes, que se demonstrou
codificarem proteínas alteradas que provocam uma ausência de resposta às
hormonas promotoras do alongamento dos entre-nós, as giberelinas (GA)4;
mutações em qualquer dos seus locialteram a intensidade da resposta da planta
àquela hormona e produzem graus variáveis de nanismo.
Esta foi a primeira vez que foram identificados tais genes no trigo, que se
verificou serem ortólogos dos genes GAI (Gibberellic Acid Insensitive) de
Arabidopsis (Koorneef et al., 1985) e dos genes D8 (Dwarf8) do milho (Fujioka
et al., 1988), previamente caracterizados, para os quais também eram conhecidas
mutações que produziam plantas de porte reduzido insensíveis às giberelinas
5
. Sabe-se que em todos os casos, as regiões amino-terminal das proteínas
produzidas (gai, rht-D1 e d8), exibem alterações na sua estrutura,
principalmente num domínio altamente conservado designado DELLA
6
, que está envolvido na sinalização das giberelinas (Fig. 1). As mutações de
Rht-B1b e Rht-D1b são muito semelhantes, envolvendo ambas substituições de
nucleótidos que originam codões de paragem que conduzem à formação de proteínas
truncadas na região DELLA, mas que são ainda assim activas. As proteínas DELLA
funcionam como repressores intracelulares (localizados principalmente no
núcleo) da acção das GA, isto é, são responsáveis pela repressão da transcrição
dos genes de resposta às GA na ausência da hormona. Quando esta está presente,
a ligação ao seu receptor promove a interacção das proteínas DELLA com o
complexo GA-receptor e induz a sua degradação, pelo que a repressão é suprimida
(Fig. 2). De facto, a associação das proteínas DELLA com o complexo GA-receptor
provoca a ubiquitinação daquelas proteínas e o seu subsequente reconhecimento e
degradação pelo complexo proteossómico7. Os domínios DELLA são essenciais para
a interacção destas proteínas com o receptor das GA na presença da hormona e,
portanto, são suficientes para inactivar a função repressora destas proteínas.
No caso das mutações Rht, as proteínas truncadas na região DELLA continuam a
ser capazes de exercer a acção repressora dos efeitos das GA na ausência
destas, mas como aquela alteração impede a sua interacção com o receptor da
hormona quando esta está presente, não são degradadas, continuando a inibir a
transdução do sinal GA, funcionando assim como repressores constitutivos da
acção destas hormonas (V. nota_6 e figura 2).
Figura 1' Representação esquemática das proteínas DELLA, com indicação dos dois
domínios da região N-terminal (DELLA e VHYNP) responsáveis pela sua acção
repressora na sequência de transdução das giberelinas. Na região C-terminal
localizam-se os domínios típicos da família GRAS, a que pertencem as proteínas
DELLA.
Figura 2 ' Proposta do mecanismo de sinalização das giberelinas. Na ausência
das GA (lado esquerdo da figura), as proteínas DELLA reprimem a expressão dos
genes de resposta àquelas hormonas, possivelmente ligando-se a factores de
transcrição (FT) desses genes e retendo-os em complexos inactivos; quando as GA
se acumulam (lado direito da figura), as proteínas DELLA associam-se ao
complexo GA-Receptor (representado na figura por GID1, receptor nuclear das GA
no arroz) através de vários motivos do domínio DELLA e essa interacção vai
desencadear a degradação das proteínas DELLA, eliminando a sua acção repressora
e promovendo a expressão dos genes de resposta às GA.
O mecanismo pelo qual as proteínas DELLA reprimem a expressão dos genes de
respostas às GA não foi ainda exactamente determinado, sendo possível que o
façam por via múltiplas e, possivelmente, indirectas, por exemplo interagindo
com activadores de transcrição desses genes que são assim retidos em complexos
inactivos (Feng, 2008) (Fig. 2). Só em 2008 foi revelada a base estrutural do
reconhecimento das GA pelo seu receptor e da interacção das DELLA com o
complexo GA-receptor, em plantas de arroz (Shimada et al., 2008). No arroz, o
receptor é uma proteína nuclear, GID1 (GIBBERELLIN INSENSITIVE DWARF1)
8
(Ueguchi-Tanaka et al., 2005), que forma uma cavidade na sua região N-terminal,
coberta por uma tampa amovível, onde se vai ligar a hormona GA, que é aí
retida por interacções polares e não polares com aminoácidos de GID1. Quando a
tampa se fecha, com GA no interior da bolsa, julga-se que a parte exterior da
tampa, hidrofóbica, interaja com as proteínas DELLA, indo determinar a sua
degradação (Fig. 2). O mecanismo que leva à ubiquitinação das proteínas DELLA e
sua subsequente degradação não está esclarecido, sendo possível que envolva uma
alteração conformacional no domínio GRAS da proteína, situado na região C-
terminal (Fig. 2). Nalgumas plantas, as proteínas DELLA estão fosforiladas, mas
o significado ' se al-gum ' desta fosforilação para o mecanismo de acção/
degradação das proteínas permanece desconhecido (Schwechheimer et al., 2009).
Mais recentemente, foi proposto que a glicosilação das proteínas DELLA é
requerida para a sua acção, por estar envolvida na interacção da proteína com o
receptor da hormona, mas falta suporte bioquímico para esta proposta
(Schwechheimer et al., 2009).
No arroz, são também conhecidos casos de nanismo, como gid1, gid2 e slr1, por
exemplo, em que os mutantes são insensíveis às GA. Contudo, a origem do nanismo
das cultivares de arroz utilizadas na Revolução Verde resulta da mutação
recessiva semi-dwarf1 (sd1 ou OsGA20ox-2) que causa a perda da capacidade de
produção da enzima GA20oxidase (GA-20ox) que catalisa a parte final da síntese
da GA20(Monna et al., 2002; Sasaki et al., 2002). O gene, localizado no braço
comprido do cromossoma 1, exibe uma ausência de 383 pares de bases que
inviabiliza a síntese da enzima normal. Note-se que o genoma do arroz contém um
outro gene que codifica igualmente uma GA20ox (GA20-ox1), mas este está
preferencialmente expresso nas partes reprodutivas da planta, ao contrário do
que sucede com sd1, que se localiza principalmente nos caules e lâmina das
folhas. A mutação sd1 é a responsável pela redução da altura do arroz, enquanto
o gene GA20ox-1 deve explicar a ausência de efeitos na produção de grão pelas
plantas de estatura reduzida (Sasaki et al., 2002). As plântulas sd1 são,
portanto, capazes de responder à aplicação exógena de GA com aumentos da sua
altura, podendo mesmo atingir o tamanho das plantas normais. O gene sd1 foi
originalmente introduzido de uma variedade chinesa Dee-geo-woo-gen, que foi
cruzada com uma variedade de palha alta da Indonésia, Peta, em 1962. Deste
cruzamento, na sequência de um programa cuidado de melhoramento, foi produzida
no IRRI a nova cultivar IR8, disponibilizada aos agricultores em 1966, que
permitiu que a produção de arroz duplicasse nas Filipinas no período de duas
décadas! Sob condições óptimas de fertilização e irrigação, IR8 chegava a
exibir uma produtividade mais de dez vezes superior às das variedades
tradicionais, tendo vindo a ser utilizado não só na Ásia, mas também na África
e América Latina. Refira-se, contudo, que anteriormente a Índia já criara uma
nova variedade, ADT-27, que também produzia bastante melhor que as tradicionais
e que estava bem adaptada às condições deste subcontinente, tendo sido esta
variedade que esteve no início da Revolução Verde para a cultura do arroz neste
país. IR8 foi designado o arroz maravilha e serviu de base a muitas
cultivares semi-anãs de arroz indica cultivadas nas áreas tropicais e
semitropicais da Ásia, mas também de arroz japonica, para cultivo nas regiões
mais temperadas da República da Coreia e da Califórnia9. Contudo, IR8 não era
perfeito: era atacado por algumas doenças e pragas e o grão exibia uma
aparência que não era do agrado geral do consumidor. Além disso, porque
continha um alto teor de amilose, endurecia depois de cozido. Por isso, logo a
seguir ao seu aparecimento, começaram os esforços por criar novas cultivares
sem estes inconvenientes. Surgiu primeiro IR36, uma variedade semi-anã com
elevada resistência a um grande número de pragas e doenças e um ciclo de vida
muito mais curto do que o de IR8 e, em 1990, foi criado o IR72 com uma
produtividade superior à de IR36.
Note-se que embora a ausência dos efeitos das GA esteja na origem dos fenótipos
de baixa estatura nas duas principais culturas da Revolução Verde, a base
genética e a função bioquímica dos genes envolvidos são completamente distintas
num e noutro caso. Lembre-se, a propósito, que o trigo tem um genoma
hexaplóide, pelo que a presença de um alelo recessivo num só dos seus
cromossomas dificilmente se reflectiria numa alteração visível do porte da
planta, o que já é possível no arroz.
Os aumentos de produtividade conseguidos com a Revolução Verde envolveram
principalmente as culturas do trigo e do arroz. Contudo, há um terceiro cereal
de enorme importância agrícola e económica, o milho, sobre o qual iremos
adicionar uma pequena nota. Estes três cereais, no seu conjunto, são
responsáveis, de forma directa ou indirecta, por mais de 50% das calorias que
ingerimos diariamente. Já se referiu acima que a mutação Dwarf8 (D8) do milho é
muito semelhante à Rht-1 do trigo, sendo ambas mutações semidominantes
insensíveis às GA, mas estão igualmente caracterizadas mutações sensíveis às
GA, designadamente d1, d2, d3 e d5. Não há dúvida de que as giberelinas são as
principais hormonas determinantes da altura da planta, mas há outras hormonas
que podem conduzir a um fenótipo semelhante. Recentemente, por exemplo, foi
descoberto um mecanismo pelo qual as auxinas reduzem a altura do milho (Multani
et al., 2003) nos mutantes br2 (brachytic2). Esta hormona é única no sentido em
que o seu transporte na planta é polar, mediado principalmente por um conjunto
de proteínas de efluxo localizadas assimetricamente na membrana plásmica,
designadas PIN. Foi demonstrado que o transporte basipetal (em direcção à base,
descendente) das auxinas no caule do milho de br2 é reduzido e a deficiência da
hormona na parte inferior do caule causa o encurtamento dos entre-nós e o
consequente nanismo da planta. Plantas de milho br2 transportam uma mutação em
genes responsáveis pela produção de P-glicoproteínas
10
, que se encontram associadas com as proteínas PIN e, possivelmente, envolvidas
no transporte vectorial da hormona. Br2 é ortólogo do gene AtPGP1, cuja mutação
causa igualmente alterações no transporte da auxina e redução do crescimento em
Arabidopsis thaliana(Geisler et al., 2005).
Perspectivas para o melhoramento das plantas possibilitadas pela biologia
molecular
A descoberta dos genes moduladores da resposta às giberelinas nas plantas de
trigo e do gene responsável pelo bloqueio na síntese da hormona nas plantas de
arroz, teve um enorme significado simbólico pelo papel desempenhado pelas
variedades de palha curta destas duas culturas na Revolução Verde, mas é
particularmente importante pelas novas e promissoras perspectivas que abriu de
inserção dos genes do nanismo nos genomas de outras espécies de interesse
económico. Estes genes foram já experimentalmente introduzidos noutras
culturas, provocando a redução de altura e o aumento de produtividade
esperados, confirmando o potencial desta nova tecnologia de modificação
genética das plantas (Khush, 2001).
Até muito recentemente, as opções que se ofereciam para um necessário aumento
da produção alimentar a nível global eram essencialmente duas, a saber: a
expansão da área sob cultivo agrícola, feita à custa da ocupação de terrenos de
floresta ou outros que desempenham funções essenciais à conservação da Natureza
e, consequentemente, à preservação do frágil equilíbrio ecológico do nosso
Planeta, ou o aumento de produtividade das áreas já sob cultivo agrícola,
intensificando o recurso a fertilizantes, pesticidas e herbicidas, com os
consequentes custos ambientais. No futuro, os ganhos de produção têm de ser
conseguidos fundamentalmente por aumentos da produtividade das culturas, pois
não existe grande reserva de terra por cultivar, devendo ter-se o cuidado, no
entanto, de salvaguardar a qualidade do ambiente.
A biologia molecular, ao possibilitar a compreensão da base genética da
produtividade das plantas e a regulação da expressão dos genes envolvidos, vem
abrir uma terceira opção que não pode ser ignorada se quisermos satisfazer, de
forma sustentável, a procura global crescente de alimentos. Mesmo sob condições
favoráveis de crescimento, os ganhos de produtividade de muitas das principais
culturas estão a aproximar-se do seu máximo e novos ganhos serão cada vez mais
difíceis de conseguir. Também por isso, é essencial uma abordagem nova da
problemática de como alimentar mais de 9 mil milhões de pessoas em meados do
corrente século. A selecção empírica de características agronómicas de
interesse, praticada durante milénios e que permitiu os impressionantes
aumentos de produtividade de muitas culturas nos últimos 50 anos, deve ser
agora combinada com as técnicas de engenharia genética, entre outras, que
permitam a introdução de modificações específicas nas culturas, com maior
eficiência e rapidez.
Para isso, é fundamental a identificação dos genes responsáveis pelas
características agronómicas de interesse, sejam da redução da estatura da
planta, como se discutiu acima, do aumento da produtividade fotossintética, da
resistência a stresses bióticos ou abióticos até à melhoria da utilização da
água ' aparentemente, pelo menos, o mais complexo e difícil dos problemas em
termos de biologia e o de maior relevância em termos práticos. Há alguns anos
atrás, o então Secretário-Geral da ONU reclamou uma nova revolução na
agricultura, que designou de Revolução Azul ' more crop per drop -para
realçar a grande importância do problema da escassez crescente da água para a
produção agrícola.
O arroz foi o primeiro cereal cujo genoma foi completamente sequenciado, em
2005, tendo-se seguido o do sorgo (Sorghum bicolor), em 2009 ' e sem dúvida que
em breve conheceremos o de outros, como os do milho e trigo ' mas entretanto
conheceu-se o de algumas outras plantas, o que veio permitir análises genómicas
comparativas que irão acelerar o conhecimento das funções e interacções dos
genes. O desafio que se coloca agora é o de saber tirar partido da informação
fornecida pela sequenciação dos genomas das culturas para identificar os genes
responsáveis pelas características desejadas para se conseguir uma maior e
melhor produção de alimentos. É expectável que muitas das características
agronómicas relevantes sejam controladas por múltiplos genes, mas,
surpreendentemente, tem vindo a verificar-se que tal não é necessariamente o
caso e que a resistência a alguns importantes stresses é controlada por um só
ou por um pequeno número de genes. Para dar apenas dois exemplos, a resistência
ao encharcamento no arroz parece ser principalmente controlada por um só gene
(Surridge, 2002) e a resistência à seca no sorgo é explicada, em grande parte,
pela existência de cópias adicionais de poucos genes da planta (Pennisi, 2009).
Reparese, portanto, que alguns importantes desafios colocados à alteração das
plantas podem ser resolvidos, pelo menos em parte, manipulando de forma
correcta o seu próprio genoma, sem necessidade da introdução de genes de outras
espécies. Sem dúvida que a engenharia genética permite eliminar a dependência
da variabilidade genética existente na espécie em causa, pela transferência de
genes de espécies diferentes, até provenientes de organismos de outros reinos,
criando espécies transgénicas.
O número destas espécies tem estado em constante crescimento e poderá, em
breve, incluir muitas das principais culturas agrícolas, à medida que avançam
as metodologias para inserção de genes. O sucesso desta tecnologia poderá ser
avaliado, em parte, pela expansão da sua área de cultivo, que subiu de cerca de
3 milhões de ha em 1996 para qua-se 30 milhões em 1998 - um aumento de 10 vezes
nos três primeiros anos de comercialização ' e atingiu em 2008, a nível
mundial, mais de 125 milhões de ha. Há uma guerra em curso entre opositores e
defensores dos organismos transgénicos, mas é inquestionável que estes têm o
potencial de aumentar a produtividade das culturas sem a utilização de
agroquímicos poluentes, por um lado, mas também o de melhorar o valor nutritivo
dos alimentos. Esta tecnologia pode oferecer novas oportunidades para se
conseguir uma indispensável segurança alimentar a nível mundial que não se
devem desperdiçar, sem prejuízo de se dever estar atento e alerta a eventuais
perigos que transportem consigo. Muitas vezes a oposição aos transgénicos tem a
ver com procedimentos de multinacionais que inviabilizam a possibilidade de
estender a cultura destas plantas aos mais necessitados, os países mais pobres,
ao estabelecerem preços das suas sementes que as tornam inacessíveis. Há outras
preocupações válidas, como a possibilidade de cruzamento das culturas
transgénicas com as indígenas e é importante que antes da generalização desta
revolução biotecnológica na agricultura seja inequivocamente demonstrado que
não comporta riscos inaceitáveis, nomeadamente para a saúde humana e para o
ambiente. Seria desastroso trocarmos os perigos conhecidos de poluição
provocados pelo uso e abuso de fertilizantes e pesticidas no passado por riscos
desconhecidos e de dimensão imprevisível eventualmente causados pela utilização
comercial de plantas transgénicas. Permanecerá sempre um grau de risco variável
e cada caso requererá um estudo particular; na decisão final terão de ser
ponderados os riscos e benefícios e optar-se pelo mal menor ou pelo bem maior,
consoante as circunstâncias.
Infelizmente, a discussão das aplicações da biologia molecular à agricultura
têm-se centrado, quase exclusivamente, na problemática dos transgénicos, mas é
chegada a altura de olhar com outra abrangência para esta nova área do
conhecimento e certamente que os resultados para a humanidade serão
gratificantes.