Efeito da fertirrega com azoto e potássio num olival sobre os teores de
nitratos e de potássio do solo
INTRODUÇÃO
O olival nacional ocupa uma área que ultrapassa os 333.500 hectares e
caracteriza-se por ser dominantemente de sequeiro, representando os olivais de
regadio cerca de 15% do total (INGA, 2005). A rega do olival, utilizando
dotações de água e épocas de aplicação adequadas, pode contribuir para o
aumento da quantidade de azeitona produzida, com benefícios económicos e
sociais para os agricultores.
A utilização de sistemas de rega localizada permite a aplicação de
fertilizantes através da água e, assim, colocar à disposição das oliveiras os
nutrientes necessários nas épocas de maior consumo, de modo a obter boas
produções, em quantidade e qualidade. Todavia, é necessário estabelecer quais
os nutrientes e os níveis mais adequados a utilizar em fertirrega para as
condições pedoclimáticas e variedades cultivadas dominantes no país, tendo
presente que a preservação do ambiente deverá ser garantida.
Relativamente ao azoto, o nutriente mais utilizado em olivicultura, uma
deficiente gestão da sua aplicação poderá provocar perdas acentuadas por
volatilização, desnitrificação e arrastamento ao longo do perfil do solo,
reduzindo a sua disponibilidade para as plantas. A lixiviação excessiva pode
conduzir a contaminação das águas subterrâneas com nitratos, problema que
existe em várias regiões do mundo (Rehman et al., 1999; Gårdenås et al., 2005).
O potássio é um nutriente cuja deficiência ocorre com alguma frequência no
olival. Quando aplicado ao solo, parte do potássio pode ser fixado nos minerais
de argila ou ser lixiviado, ficando o restante em solução ou adsorvido nos
colóides do solo. Factores como a quantidade e intensidade de precipitação, a
textura do solo, a natureza e o teor dos minerais de argila e o grau de
saturação do solo influenciam as perdas de potássio por lixiviação (Tisdale et
al., 1985; Mengel e Kirkby, 1987; Portela, 1989).
Com o presente trabalho pretende-se avaliar o impacto da adubação azotada e
potássica, veiculada através da água de rega, sobre os teores de nitratos e de
potássio (extraível e de troca) do solo, a diferentes profundidades.
MATERIAL E MÉTODOS
O ensaio de fertirrega encontra-se instalado na Herdade dos Lameirões, em
Safara, concelho de Moura, num olival da cultivar Cobrançosa. Este olival foi
plantado em 1990 com o compasso de 3,5 m x 7,0 m em solos das famílias Cpc
(barro preto calcário não descarbonatado de margas) e Pcx (solo calcário pardo
de xistos associados a depósitos calcários) (Cardoso, 1974), correspondendo,
respectivamente, a um Vertissolo e a um Calcissolo, segundo o sistema WRB (IUSS
Working Group WRB, 2006). As texturas são franca, franco-argilosa e argilosa;
os valores de pH(H2O) oscilam entre 7,6 e 8,6, embora os dominantes sejam 8,2 e
8,3; os teores de carbonatos variam entre 0,6 e 52,3% CaCO3; predominam os
teores baixos e médios de matéria orgânica (entre 10 e 25 g kg-1), os teores
baixos a altos de fósforo extraível (entre 11 e 90 mg kg-1 P) e muito altos de
potássio extraível (> 200 mg K kg-1); os teores de magnésio extraível são muito
altos (200 a 1000 mg Mg kg-1), a capacidade de troca catiónica é
maioritariamente alta (entre 20 e 30 cmol(+) kg-1), o potássio de troca é médio
a alto (entre 0,25 e 1,00 cmol(+) kg-1) e o grau de saturação em bases é muito
alto (100%).
O ensaio foi delineado com três repetições completamente casualizadas e nove
tratamentos experimentais (T1 - N1K1; T2 - N1K2; T3 - N1K3; T4 - N2K1; T5 -
N2K2; T6 - N2K3; T7 - N3K1; T8 - N3K2; T9 - N3K3), resultantes da combinação de
três níveis de azoto (N1=0, N2=50 e N3=100 kg ha-1 de N) e três níveis de
potássio (K1=0, K2=42 e K3=84 kg ha-1 de K).
Cada talhão experimental é composto por seis oliveiras seguidas na linha, sendo
as quatro centrais consideradas úteis (árvores sobre as quais incidiram as
observações). A separar as árvores dos diferentes talhões encontra-se, no
mínimo, uma oliveira de bordadura.
O método de rega usado foi o de gota-a-gota. Os gotejadores, encontram-se
afastados entre si de 1,0 m, são auto-compensantes e têm um débito de 3,6 L
hora-1.
A condução da rega foi efectuada de forma a proporcionar ao olival condições de
disponibilidade hídrica que permitissem manter a cultura em conforto hídrico.
Efectuou-se a monitorização do estado de humidade do solo através de método
tensiométrico, tendo-se utilizado sensores de matriz granular (Watermark Mod.
200ss Irrometer Co) colocados a 0,25, 0,45 e 0,65 m de profundidade na zona do
bolbo humedecido. A estratégia de rega seguida foi de procurar manter a zona de
maior absorção de água pelas raízes sempre acima de um potencial de -80
centibar, efectuando o menor número possível de regas semanais para diminuir as
perdas por evaporação.
As árvores de todos os tratamentos experimentais receberam a mesma quantidade
de água de rega, tendo esta decorrido entre Março e Dezembro. Em 2007 foram
aplicados 1912 m3 ha-1 de água, enquanto em 2008 se aplicaram 1863 m3 ha-1. A
precipitação anual registada na Herdade dos Lameirões nos dois anos foi de,
respectivamente, 334 mm e 417 mm. A água de rega apresentou um pH de 8,0-8,2 e
um teor alto de bicarbonatos. Os valores dos restantes parâmetros analisados
não estavam associados a qualquer tipo de restrição para uso da água na rega,
sendo o teor de nitratos inferior a 4,5 mg L-1.
A fertilização através da água de rega foi efectuada de forma individualizada
por talhão experimental. O adubo azotado utilizado foi a solução 32 N
(densidade=1,325 a 15ºC e 32% N, encontrando-se metade do azoto na forma
amídica, um quarto na forma amoniacal e um quarto na forma nítrica), enquanto o
adubo potássico usado foi o sulfato de potássio (51% de K2O).
As soluções envolvendo os dois adubos foram aplicadas separadamente, através de
injectores, com uma periodicidade semanal. A adubação azotada teve início em
finais de Março e prolongou-se até meados de Setembro. Cerca de metade das
unidades fertilizantes de azoto foi aplicada entre o início da floração (início
a meados de Maio) e o endurecimento do caroço (início de Julho). A adubação
diferenciada com o potássio teve início em meados de Abril e prolongou-se até
finais de Outubro, sendo que cerca de 40% deste nutriente foi aplicado a partir
de Agosto.
Efectuou-se anualmente uma aplicação de 1 kg de boro por hectare por via
foliar, através de um adubo doseando 18,5% de boro na concentração de 0,5 %
(0,5 kg de adubo em 100 L de água).
Em 2007 realizou-se, em todos os talhões experimentais, a colheita de amostras
de terra às profundidades de 0-0,2 m, 0,2-0,4 m e 0,4-0,6 m, na zona de
influência dos gotejadores, antes do início da fertirrega (Março) e após o seu
final (Novembro). Em Outubro de 2008, após o término da adubação, efectuou-se
nova colheita de amostras de terra na mesma zona às profundidades de 0-0,2 m,
0,2-0,4 m, 0,4-0,6 m e 0,6-0,8 m.
Neste trabalho apresentam-se os resultados respeitantes ao azoto nítrico,
potássio extraível e potássio de troca das terras. Estes parâmetros foram
determinados de acordo com os métodos seguidos no ex-LQARS (LQARS, 1977). As
amostras de terra foram secas em estufa a uma temperatura inferior a 40 ºC e
passadas num crivo de malha de 2 mm. O azoto nítrico foi extraído com uma
solução de sulfato de cobre 0,01 M e doseado por potenciometria com um
eléctrodo selectivo de ião nitrato. O potássio extraível foi determinado pelo
método de Egner-Riehm modificado, utilizando como extractante uma solução de
lactato de amónio 0,1 N e ácido acético 0,4 N com pH compreendido entre 3,65 e
3,75, com doseamento num espectrofotómetro de emissão de plasma (ICP-OES radial
simultâneo). O potássio de troca foi extraído com uma solução de acetato de
amónio 1 M a pH=7 e doseado por fotometria de chama.
No tratamento estatístico, os dados de azoto nítrico, potássio extraível e
potássio de troca obtidos em Novembro de 2007 e Outubro de 2008, no final da
fertirrega, foram analisados em conjunto. Utilizou-se a análise de covariância
para avaliar o efeito dos tratamentos experimentais sobre os teores daqueles
elementos no solo, tendo-se usado como covariável os teores registados antes do
início da fertirrega, em Março de 2007 (excepto para a profundidade de 0,6 a
0,8 m). Na comparação a posteriori das médias correspondentes aos diversos
tratamentos experimentais usou-se o teste de Duncan (a=95%).
No Outono dos dois anos foi avaliada a produção de azeitona em todas as árvores
úteis do ensaio. Na análise de covariância, utilizou-se como covariável a
produção de 2006.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Azoto nítrico do solo
A fertilização efectuada não influenciou significativamente (p>0,05) os teores
de azoto nítrico (N-NO3-) do solo na camada de 0-0,2 m de profundidade, ao
contrário do que aconteceu (p£0,01) nas camadas mais profundas (0,2-0,4 m, 0,4-
0,6 m e 0,6-0,8 m). A adubação azotada provocou, nestas profundidades, um
aumento dos teores de azoto nítrico do solo. Esse efeito foi mais acentuado nas
duas últimas camadas e quando se aplicou o nível de azoto mais elevado (100 kg
N ha-1), tendo-se atingido teores médios superiores a 120 mg N-NO3- kg-1
(Figura 1). Apesar de o solo apresentar textura média e fina e de o adubo
azotado ter sido distribuído ao longo do ciclo da cultura, estes valores
indicam que uma quantidade apreciável de azoto na forma de nitrato foi
arrastado para as camadas mais profundas do solo, não tendo, por isso, sido
utilizado pelas oliveiras e vegetação herbácea existente no olival.
Figura 1 ' Efeito médio da aplicação de azoto sobre o teor de azoto nítrico
presente no solo no final da fertirrega no conjunto dos dois anos, 2007 e 2008
(por profundidade, valores seguidos de letras iguais não diferem
significativamente (p=0,05) entre si).
Fernández-Escobar et al. (2009) observaram, em dois olivais de sequeiro
submetidos à aplicação de doses diferenciadas de azoto, que os teores de azoto
nítrico aumentavam em profundidade quando as terras eram colhidas no Inverno,
não apresentando uma variação típica se amostradas no Outono. Nos talhões não
adubados, verificaram que os teores de azoto nítrico diminuíam nas camadas mais
profundas do solo, tal como aconteceu no presente estudo (Figura 1). Este
comportamento comprova que as condições mais favoráveis à nitrificação ocorrem
predominantemente na camada superficial do solo.
A aplicação de níveis crescentes de potássio não alterou significativamente
(p>0,05) os teores de azoto nítrico do solo nas diferentes profundidades
estudadas.
Potássio extraível no solo
Os teores de potássio extraível do solo não sofreram alterações significativas
(p>0,05) nas quatro camadas estudadas como resultado da fertilização azotada e
potássica realizada. Contudo, na camada superficial (0-0,2 m) houve um
acréscimo de 61% nos teores de potássio extraível quando se aplicou o nível
mais alto de potássio relativamente à ausência de aplicação deste elemento
(Figura 2).
Figura 2 ' Efeito médio da aplicação de potássio sobre o teor de potássio
extraível presente no solo no final da fertirrega no conjunto dos dois anos,
2007 e 2008 (por profundidade, valores seguidos de letras iguais não diferem
significativamente (p=0,05) entre si).
Os teores mais elevados de potássio extraível observaram-se na camada
superficial, para cada nível de aplicação. A diminuição dos teores de potássio
extraível ao longo do perfil do solo e a inexistência de diferenças
significativas (p>0,05) entre os níveis estudados está de acordo com o referido
por Portela (1989) que salienta que as perdas de potássio por lixiviação não
têm, em geral, muito significado nos solos com alta capacidade de troca
catiónica e quando a pluviosidade é baixa.
Num olival de sequeiro plantado em solos calcários da região de Elvas, Marcelo
et al. (2005) verificaram que os teores de potássio extraível aumentaram na
camada superficial do solo (0-0,2 m) com a aplicação de níveis crescentes de
potássio (0, 67, 133 e 200 kg ha-1 de K), tendo duplicado com a aplicação,
durante 10 anos, da dose mais elevada.
Potássio de troca no solo
A fertilização provocou um efeito significativo (p£0,05) nos teores de potássio
de troca do solo nas camadas de 0-0,2 m e 0,2-0,4 m, ao contrário do que
aconteceu nas camadas mais profundas. Assim, a aplicação de 42 e 84 kg ha-1 de
K através da água de rega conduziu a um aumento dos teores de potássio de troca
naquelas camadas relativamente aos tratamentos em que não se fez qualquer
adubação potássica (Figura 3). Todavia, os teores não variaram
significativamente (p>0,05) entre si para os dois níveis mais elevados de
potássio aplicados.
Figura 3 ' Efeito médio da aplicação de potássio sobre o teor de potássio de
troca presente no solo no final da fertirrega no conjunto dos dois anos, 2007 e
2008 (por profundidade, valores seguidos de letras iguais não diferem
significativamente (p=0,05) entre si)
Marcelo et al. (2005) observaram, também, um aumento nos teores de potássio de
troca nas profundidades de 0-0,2 m e 0,2-0,5 m com a aplicação de níveis
crescentes de potássio, tendo os valores da primeira camada quadruplicado
quando foi aplicado o nível mais alto de potássio (200 kg ha-1 de K).
Os teores de potássio de troca são, igualmente, mais elevados na camada
superficial, sugerindo que a maior parte do potássio fica retido nesta camada e
que o seu transporte na vertical é, nas condições estudadas, pouco expressivo.
Um comportamento idêntico foi observado por Zeng et al. (2000) em pomares de
pistácio onde aplicaram níveis crescentes de potássio, embora o deslocamento
deste elemento em profundidade tenha estado dependente da capacidade de
retenção dos dois solos estudados, sendo maior no solo de textura mais ligeira.
Produção de azeitona
A fertilização efectuada não influenciou significativamente (p>0,05) a produção
de azeitona nos dois anos experimentais. A produção média obtida em 2007 e 2008
foi, respectivamente, de 10731 kg ha-1 e 6020 kg ha-1.
CONCLUSÕES
O período experimental deve ser alargado de modo a permitir obter conclusões
mais definitivas. Todavia, os resultados obtidos apontam para que, nas
condições experimentais do presente estudo, níveis de aplicação de azoto
superiores a 50 kg ha-1 de N são excessivos, uma vez que conduzem a teores
elevados de nitratos nas camadas mais profundas do solo, sem afectar a produção
de azeitona. Esta não foi, igualmente, influenciada pelo potássio, não obstante
a sua aplicação ter enriquecido neste elemento as camadas mais superficiais do
solo.