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EuPTCVAg0871-018X2011000200021

EuPTCVAg0871-018X2011000200021

variedadeEu
ano2011
fonteScielo

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O factor de coberto vegetal, para árvores e Arbustos, em modelos de erosão hídrica

INTRODUÇÃO A conservação do solo e da água constitui prioridade fundamental na gestão adequada de bacias hidrográficas e do uso dos terrenos. O combate à erosão hídrica dos solos e o controlo dos escoamentos são dois dos principais aspectos a ter em conta nestas estratégias de gestão. Em várias regiões do mundo, nomeadamente em zonas de climas mediterrânicos do Sul da Europa, é comum uso misto do solo, e observam-se cobertos arbóreos e arbustivos, muitas vezes associadas a culturas arvenses, no subcoberto. A análise e tratamento destes cobertos não tem sido objecto de estudos pormenorizados, no que respeita ao seu comportamento hidrológico e os modelos de quantificação da erosão são, praticamente, omissos neste aspecto.

Neste contexto, pretendeu-se compreender os principais efeitos destes cobertos, em termos do processo de intercepção da precipitação, nomeadamente, retenção e gotejo, e estabelecer uma componente a incluir em modelos de erosão, que permita quantificar o factor de coberto vegetal quando se verifique a ocupação do solo por cobertos arbóreos e arbustivos e a sua associação com culturas no subcoberto, designadamente, para aplicação na equação universal da perda de solo revista (RUSLE), em que a quantificação do coeficiente C se encontra estabelecida, para culturas agrícolas.

O trabalho experimental utilizou um simulador de chuva, tendo-se obtido valores do diâmetro das gotas (gotejo) das folhas de espécies características dos sistemas de uso do solo mais comuns no Sul de Portugal, nomeadamente sobreiro (Quercus suber L.); azinheira (Quercus ilex L. ssp. rotundifolia Lam) e carrasco (Quercus coccifera L.), e quantificado valores de retenções (iniciais e finais) na superfície das folhas.

A partir dos resultados obtidos estabeleceram-se cenários para o comportamento hidrológico dos cobertos. Estimou-se a energia cinética para diferentes alturas de queda e, consequentemente, valores de ajustamentos a aplicar ao factor C tradicionalmente associado a culturas agrícolas.

A metodologia desenvolvida permite estimar valores do factor C a considerar em cobertos arbóreos e arbustivos, isolados, em que o valor médio, a atribuir a uma determinada área resultará da ponderação dos valores de C relativos às culturas agrícolas e aos referidos tipos de coberto, em função das áreas ocupadas e densidade de ocupação respectiva.

MATERIAL E MÉTODOS Quantificação da erosão hídrica Para quantificação da perda de solo por erosão hídrica as variáveis envolvidas nos processos associados a este fenómeno são as características do clima (Coutinho e Tomás, 1995), as propriedades do solo, a fisiografia das encostas (espaço interfluvial), as características da superfície do terreno e as actividades humanas e coberto vegetal (uso do solo).

A Equação Universal da Perda de Solo Revista (USLE/RUSLE) (Wischemeier e Smith, 1978; Renard et al. 1997), apresentada em seguida, traduz o modelo que permite quantificar a erosão hídrica:

E = R . K . LS . C . P (1),

onde, E - perda de solo por erosão hídrica (distribuída) (t. ha. ano -1); R - erosividade da precipitação (MJ. mm. h -1. ha -1. ano -1); K - erodibilidade do solo (t.h MJ -1. mm -1); L S - factor fisiográfico (comprimento ' declive, adimensional); C - factor de coberto vegetal (adimensional); P - factor de prática agrícola (adimensional).

Nesta equação, a estimativa do factor relativo ao coberto vegetal é bastante complexa, dado que o factor C traduz o efeito de protecção do solo, pelo coberto vegetal, podendo variar entre os valores de um, quando o terreno não apresenta nenhuma cultura (área protegida 0 %), e próximo de zero, quando a área do solo protegida atinge um valor da ordem de 100%. O valor anual médio do efeito de protecção do solo, pelo coberto vegetal resulta da ponderação, em período médio, do factor de coberto, em cada período do calendário agrícola, tal como, solo lavrado (após pousio), cama de sementeira, sementeira, estabelecimento da cultura, maturidade, colheita e pousio; com a incidência da precipitação (em %), em cada período do referido calendário. Para a estimativa deste factor é, também, fundamental um conhecimento razoável das medidas de gestão do coberto.

No trabalho desenvolvido pretende-se quantificar o factor cultura/coberto (C') quando se verifique ocupação do solo por cobertos arbóreos e arbustivos, e o seu eventual agrupamento com culturas agrícolas, cujo valor a atribuir para uma determinada área resultará da ponderação dos valores de C relativos às culturas agrícolas e os referidos aos diferentes tipos de coberto, em função das áreas e densidade de ocupação respectiva.

Conceitos e comportamento hidrológico do coberto vegetal Na análise da precipitação que atinge o solo podem considerar-se duas componentes: a que atinge o solo sem ter sido interceptada pelo coberto arbóreo ou arbustivo (precipitação directa); e, a que chega após ter sido interceptada pelas folhas, ramos e tronco. Na Figura 1 representa-se, esquematicamente, o modelo conceptual do coberto vegetal na intercepção da precipitação e indica-se a ênfase que é atribuída à modelação do gotejo.

Figura 1 ' Modelo conceptual do coberto vegetal na intercepção da precipitação.

Na precipitação sujeita à intercepção pelo coberto pode-se considerar que uma parte origina escoamento pelo tronco, outra parte gotejo na periferia do copado e a restante gotejo, sobre o solo, após as sucessivas intercepções sofridas em várias camadas de folhagem, que se apresentam no trajecto das gotas.

O processo de intercepção pode ser dividido em três diferentes etapas.

Considera-se em primeiro lugar a fase de impacto da gota e a retenção superficial, desde o momento em que a folha começa a acumular água até ficar saturada. Durante a segunda etapa, em condições de saturação da superfície da folha, a água que a atinge vai contribuir para o seu gotejo. A última etapa ocorre quando terminada a precipitação ainda se mantém gotejo até se estabelecer o nível de equilíbrio da retenção final à superfície das folhas. O total de água interceptada é a soma da água retida pelo coberto e gotejo nas referidas etapas (Antunes, 1995).

Face à complexidade do processo de intercepção da precipitação pelo coberto vegetal (Herwitz e Slye, 1995), admitiu-se, inicialmente, a folha como uma sub- rotina do modelo, tendo-se considerado como referência a folha do sobreiro.

Posteriormente, aplicou-se a referida sub-rotina, definida para cada folha isoladamente, a um conjunto de folhas, no sentido de simular um coberto arbóreo ou arbustivo, em que o grau de complexidade para análise do fenómeno de intercepção e determinação do diâmetro das gotas é bastante maior. Além de se atender a aspectos como a área foliar, a forma, a espessura, a morfologia do bordo e o ângulo de exposição, em relação ao solo, adicionou-se o efeito de sobreposição, entre folhas e ramos, em várias camadas, e a própria arquitectura dos ramos e folhas, que confere diferentes tipos de geometria ao copado. Estes aspectos são condicionantes dos valores de índice de área foliar (LAI) e de matéria lenhosa (WAI) e, consequentemente, do comportamento hidrológico global dos cobertos.

Da precipitação que incide no copado, uma parte atinge a primeira camada (dos estratos da folhagem) e a restante vai atingir as camadas seguintes ou atingir o solo, sem ser interceptada. Convém referir que, a partir da segunda camada, folhas que além de receberem a precipitação atmosférica não interceptada, estão sujeitas ao gotejo proveniente de camadas anteriores, pelo que é essencial conhecer-se a fracção de sobreposição entre camadas. Para se efectuar a análise desenvolveram-se os conceitos de número médio de camadas e de coeficiente de sobreposição entre camadas.

No modelo desenvolvido (Antunes, 1995; Coutinho e Antunes, 2000) houve a preocupação de descrever e quantificar, sempre que possível, as características morfológicas do coberto, aspecto fundamental para a análise de sensibilidade do comportamento e, consequentemente, para modelação dos processos, no que à intercepção diz respeito.

Para a modelação da precipitação interceptada pelo coberto interessa conhecer os valores do gotejo que após retenção na folhagem atinge o solo. Com base nestes valores e nas retenções superficiais estabelece-se o valor da precipitação que efectivamente atinge o solo. Obtêm-se, também, os valores de energia cinética da precipitação por gotejo, os valores do coeficiente correctivo ao factor de coberto e, por último, o valor do factor de coberto a afectar à parcela do subcoberto.

Desenvolvimento experimental Para o estudo foi necessário construir um simulador de chuva e houve que proceder à respectiva calibração, com o objectivo de se garantirem as características adequadas da chuva artificial, nomeadamente, a intensidade, a distribuição e o diâmetro das gotas formadas (Antunes, 1995). Para a precipitação simulada na área de trabalho as intensidades podem variar entre 20 e 40 mmh-1.

Ao nível da análise do comportamento da folhagem, relativamente à medição da retenção superficial e do gotejo, para se poder estimar o valor da área das folhas das espécies em análise, foram obtidos ramos de sobreiro, azinheira e carrasco nas zonas de Portel, Évora, Monsanto e Sintra. Procedeu-se à análise estatística das características da dimensão das folhas (várias centenas), uma vez que se pretendia garantir que na simulação seriam utilizadas folhas consideradas representativas das espécies em estudo. No Quadro 1 indicam-se as características principais de folhas de sobreiro, azinheira e carrasco utilizadas no presente estudo.

Quadro_1 ' Características das folhas de sobreiro, azinheira e carrasco, do Sul de Portugal.

Nos ensaios foram medidos os volumes do gotejo e de retenção nas folhas. Para as determinações efectuadas foram consideradas folhas com áreas foliares, textura, tipo de bordo e inclinações diferentes.

Na metodologia de cálculo dos diâmetros do gotejo foram contados os números de gotas e medidos os volumes totais de gotejo e da precipitação em recipientes de controlo. A determinação do diâmetro das gotas (em mm) foi obtida por um procedimento volumétrico global da quantidade de água gotejada e número de gotas medidas. Admitiu-se a forma esférica das gotas.

Nas Figuras 2 e 3 observam-se fotografias que indicam a forma de recolha de gotejos em duas situações: folha isolada e cascata de folhas, respectivamente.

Figura 2 - Esquema para recolher gotejos - Folha isolada.

Figura_3 - Esquema para recolher gotejos - Cascatas de folhas.

Das classes de comprimento de folhas, anteriormente indicadas no Quadro_1, foram seleccionadas, folhas de dimensões classificadas como pequena, média e grande, para a realização das medições. Para cada uma destas dimensões de folha foram efectuados três medições, num total de nove ensaios que foram posteriormente replicados (Paulo, 1998), conduzindo aos resultados na gama dos valores apresentados no Quadro 2 e Quadro 3.

Quadro 2 ' Produção de gotas em folhas de sobreiro, azinheira e carrasco, do Sul de Portugal.

Quadro 3 ' Retenções foliares em sobreiro, azinheira e carrasco, do Sul de Portugal.

No Quadro 2 indicam-se para as classes de comprimento das folhas utilizadas, os valores máximo, mínimo e médio do volume das gotas e os respectivos diâmetros.

O valor da retenção (em mm) foi obtido pela diferença entre a estimativa do volume da precipitação e do volume de gotejo dividida pela área de cada folha.

No Quadro 3 apresentam-se, para as principais classes de comprimento das folhas utilizadas no presente estudo, os valores de retenções foliares em sobreiro, azinheira e carrasco.

Uma vez determinado o diâmetro das gotas é possível calcular a respectiva energia cinética ao atingir o solo, por unidade de gotejo no subcoberto (Epema e Riezebos, 1983). O valor ponderado da energia, correspondente a diferentes dimensões de folhas, constitui a erosividade média do gotejo. A energia correspondente a diferentes diâmetros e alturas de queda foi determinada analiticamente.

Da comparação deste valor com o da erosividade da precipitação de referência ' 1 mm de precipitação com intensidade de 20 mm.h-1 - (Epema e Riezebos, 1983) resulta o factor de correcção do coeficiente de coberto arbóreo. O valor médio da energia da precipitação natural é de cerca de 20,2 J.mm-1.m-2. A energia cinética correspondente ao gotejo no subcoberto, varia entre cerca de 4,5 a 27,8 J.mm-1.m-2, respectivamente, para quedas médias de 0,5 e 5,0 m.

O valor do coeficiente de coberto para situações mistas (C') resulta da ponderação dos coeficientes de coberto aplicáveis às culturas sobre o terreno (C), sujeitas à precipitação não interceptada, com os valores correspondentes ao gotejo, tomando em consideração a respectiva altura de queda média, conforme apresentado em seguida:

C' = fC . C (2)

onde, C' - coeficiente de coberto para situações mistas (adimensional); fC - factor correctivo; C - factor de coberto vegetal ' RUSLE (adimensional).

RESULTADOS Na análise das características da retenção superficial das folhas consideraram- se dois aspectos: a retenção até ao início do gotejo; e, a retenção final. O volume de retenção é uma função da área da folha, mas compreende uma parcela significativa relacionada com a textura da superfície, incluindo a rugosidade do tecido e a incisão das nervuras. Assim, a retenção final, específica, observada apresenta valores superiores nas folhas pequenas e o volume de retenção, obviamente, é maior nas folhas grandes.

Observou-se que a dimensão das gotas (gotejo) não varia significativamente com a intensidade da precipitação simulada. Essa situação foi ainda confirmada pelo dispositivo de simulação de gotejos em cascata (Figura_3). As variações que se observaram, em função das dimensões das folhas, têm a ver com a respectiva área mas, principalmente, com particularidades da geometria geral da folha, especialmente a irregularidade da superfície e o dentado dos bordos, na vizinhança dos pontos em que se formam as gotas.

Verificou-se, em termos estatísticos da análise morfológica das folhas das três espécies estudadas, que a sua geometria, em termos práticos, era idêntica e que em termos hidrológicos apresentavam o mesmo comportamento, pelo que se podiam considerar idênticas (Coutinho e Antunes, 2000). A espécie carrasco, em termos de representatividade e uso não é relevante pelo que, nos resultados, se mencionam apenas o sobreiro e a azinheira.

No Quadro 4 apresentam-se os valores de retenção média e de diâmetro médio do gotejo, para sobreiro e azinheira.

Quadro 4 ' Valores de retenção média e de diâmetro médio do gotejo, para folhas de sobreiro e azinheira.

Nota-se que a gama de variação observada é função, fundamentalmente, das dimensões das folhas e independente das espécies consideradas. Para a retenção, os maiores valores correspondem a folhas de menor dimensão, sendo o diâmetro do gotejo influenciado pela forma do bordo da folha.

Em casos de sobreiro e azinheira com índices de área foliar (LAI) de cerca de, 5,0 a 8,0 as retenções totais podem atingir o valor de cerca de 3,0 mm.

Decorre dos resultados referidos que, em situações de cobertos mistos, é necessário na determinação do valor de C' tomar em consideração, no balanço hídrico, os efeitos de retenção na folhagem, e, na erosão, a energia cinética do gotejo.

Para a área do subcoberto, afectada pelo gotejo, o valor a adoptar para C' resulta da aplicação da expressão (2). Na referida expressão o factor correctivo (fC) é função da altura média do coberto, conforme apresentado na Figura 4.

Figura 4 - Factor correctivo do coeficiente de coberto, em cobertos mistos com sobreiro e azinheira.

CONCLUSÕES As conclusões mais significativas deste estudo são apresentadas de seguida: a) a retenção superficial (específica) da folhagem depende das características das folhas, sendo maior para folhas de menor dimensão; b) a dimensão das gotas (gotejo) depende das características do bordo das folhas e é, praticamente, independente da intensidade da precipitação; c) a erosividade do gotejo depende do valor médio da altura de queda das gotas (das folhas ao solo); d) no sobreiro e azinheira as retenções totais podem ultrapassar valores de cerca de 3,0 mm; e) para quedas médias de gotejo inferiores a cerca de 2,0 a 3,0 m, a erosividade em subcobertos arbóreos e arbustivos (sobreiro e azinheira) é inferior à da precipitação não interceptada; f) os valores obtidos permitem estimar para cobertos arbóreos e arbustivos, com maior rigor, balanços hídricos, erosividades da precipitação efectiva (sob o coberto) e factores de coberto vegetal C' (corrigidos), em situações mistas, com diversos estratos de coberto.


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