Resumos das Comunicações Orais do 15.º Congresso Nacional de Medicina Familiar:
Espinho, Setembro 2010
Resumos das Comunicações Orais do 15.o Congresso Nacional de Medicina Familiar
Espinho, Setembro 2010
Os Editores responsáveis pela selecção dos Resumos do Congresso Nacional de
Medicina Familiar, na categoria de Qualidade, seguiram os critérios definidos
pelo Corpo Editorial no Editorial «Para além da avaliação da Qualidade»,
publicado no número de Maio/Junho de 2010.1 Assim sendo, não foi seleccionado
qualquer Resumo de Qualidade uma vez que os trabalhos apresentados limitam-se
somente à Avaliação da Qualidade. Os autores devem investir preferencialmente
na Garantia e Melhoria da Qualidade, tendo como finalidade a aquisição de
conhecimentos ou procedimentos que optimizam ou modificam os cuidados de saúde
prestados.
Referência bibliográfica
1. Heleno B, Pinto D. Para além da avaliação da Qualidade. Rev Port Clin Geral
2010;26:244-6
INVESTIGAÇÃO
Prevalência de asma por grupos etários e sexo na população de Matosinhos
Jaime Correia de Sousa,* Maria Espírito Santo,** Tânia Colaço,** Filipa Almada-
Lobo,*** Yonah Yaphe****
*USF Horizonte, Aces de Matosinhos, Professor Auxiliar Convidado da Ecs da Um;
**USF Horizonte, Aces de Matosinhos;
***USF Porta do Sol, Aces de Matosinhos;
****Professor Auxiliar Convidado da Ecs da Um
Introdução: A asma constitui um importante problema de saúde pública; trata-se
de uma das doenças crónicas mais frequentes na criança e no jovem, com
tendência de crescimento da sua incidência e prevalência. Numerosos trabalhos
epidemiológicos realizados em todo o mundo depararam com dificuldades
metodológicas pelo facto da asma não ser fácil de definir e caracterizar em
temos epidemiológicos. Estudos realizados em Portugal permitiram estimar a
prevalência da doença mas os dados disponíveis apresentam uma razoável
variabilidade. Não sendo conhecida a prevalência de asma no Concelho de
Matosinhos os autores realizaram um estudo nesta população com o objectivo de
aumentar o conhecimento epidemiológico da mesma.
Objectivos: Estimar a prevalência da asma, por grupos etários e sexo, na
população de doentes inscritos na USF Horizonte; comparar as características
dos indivíduos da amostra com a do Concelho de Matosinhos.
Métodos: Estudo observacional transversal analítico realizado entre 1 de
Fevereiro e 30 de Julho de 2009 na USF Horizonte. Foi obtida uma amostra
aleatória estratificada de 588 utentes inscritos na USF Horizonte com recurso
ao SINUS. Os dados foram colhidos através da aplicação de dois questionários:
um dirigido ao doente sobre sintomas respiratórios e um outro, destinado ao
médico, onde era assinalada a situação do doente em relação à asma. Através de
um algoritmo de decisão foram inicialmente classificados em asmáticos, não-
asmáticos e duvidosos. Numa segunda fase, foi realizada uma entrevista de
avaliação dos casos duvidosos.
Resultados: Foram obtidos dados de 579 doentes (taxa de resposta de 98,4%). Na
fase inicial foram identificados 33 doentes com asma. Na segunda fase, foram
identificados mais 26 asmáticos, 3 permaneceram como duvidosos e 517 foram
considerados não-asmáticos. Foi assim diagnosticada asma em 59 pessoas, sendo a
prevalência de 10,24 (IC 95%: 8,16 a 12,32). Não foi encontrada diferença
estatisticamente significativa na prevalência nem por género nem por idade. A
idade média dos doentes com asma foi de 27,0 anos (IC 95%: 20,95 a 33,16), não
sendo significativamente diferente da idade dos não asmáticos.
Conclusão: A prevalência de asma encontrada no presente estudo foi mais elevada
da que foi obtida noutros estudos, embora alguns tenham encontrado prevalências
acima de 10%. Serão necessários mais estudos noutras regiões de Portugal a fim
de confirmar os presentes dados.
Estudo da referenciação no agrupamento de centros de saúde de Gondomar
Miguel Azevedo,* Miguel Melo*
*USF Fânzeres – ACES Gondomar
Introdução: A referenciação do Médico de Família (MF) para os Cuidados
Secundários é uma prática com custos significativos para o SNS, podendo a
referenciação excessiva e a subreferenciação gerar prejuízos para a saúde dos
utentes. O conhecimento da realidade da referenciação constitui uma prática de
boa qualidade, ao permitir uma reflexão sobre os cuidados prestados. Os estudos
sobre a referenciação entre níveis de cuidados de saúde são escassos em
Portugal; a taxa de referenciação em 2003 numa realidade urbana do Norte foi de
10,11%, embora o Estudo Europeu sobre Referenciação tenha revelado, em
Portugal, uma taxa de 5,56%. Torna-se por isso útil a realização de um estudo
actual, de base institucional, com um grande grupo populacional para o
conhecimento da Taxa de referenciação.
Objectivo: Determinar a taxa de referenciação no ACES Gondomar (ACESG) no ano
de 2009 e analisar factores associadas aos processos de referenciação.
Metodologia: Estudo observacional, analítico transversal. População de estudo:
todas as referenciações efectuadas para os Cuidados Secundários, em 2009, em
todo o ACESG (175.603 inscritos; 97 MF). Foi efectuada um censo da população de
estudo. Foram consultadas as bases SINUS, SIARS e dados sobre a referenciação
codificados por P1-Alert relativamente ao ACESG – todas as referenciações no
ACESG, em 2009, foram efectuadas pelo P1-Alert. Os dados dos pedidos de
Medicina Física e Reabilitação (MFR) foram retirados do SAM. Foi efectuada
análise univariada e bivariada em folha de cálculo.
Resultados: A taxa de referenciação em 2009, no ACESG, foi de 3,7% (20.323
referenciações / 548.707 consultas totais). Existe maior taxa de referenciação
entre utentes do sexo feminino e maior referenciação no escalão etário entre 20
e 65 anos. As especialidades mais referenciadas são Oftalmologia (19,7%),
Cirurgia Geral (11,0%), Ortopedia (7,9%). Verifica-se uma fraca associação (r=-
0,18) entre a taxa de referenciação e os anos de experiência clínica dos MF. O
valor da taxa de referenciação duplica (7,74%) se for incluída a MFR.
Discussão: A taxa de referenciação em 2009, no ACESG, encontra-se ligeiramente
abaixo dos valores descritos em estudos Portugueses. Será necessária mais
investigação para verificar se este valor sugere uma tendência decrescente na
referenciação, ou se traduz uma melhor preparação do MF ou até se é
consequência de a quase totalidade do ACES ser constituído por USF's.
Perfil do hiperfrequentador nos Cuidados de Saúde Primários
Hermínia Teixeira,* José Agostinho Santos,* Alexandra Machado,* Joana Gomes,*
Luís Filipe Cavadas* Marlene Sousa,* Paulo Pires,* Sofia Esquível*
*CS da Senhora da Hora – ULSM
Introdução: A problemática dos hiperfrequentadores nos Cuidados de Saúde
Primários (CSP) tem impacto a nível humano, económico e social. O conhecimento
das características destes utentes e dos principais motivos de recurso às
consultas pode contribuir para uma maior racionalização e melhoria dos cuidados
prestados.
Objectivos: Descrever as características socio-demográficas e antecedentes
patológicos dos utentes hiperfrequentadores nos CSP.
Metodologia: Foi efectuado um estudo descritivo da população de utentes
hiperfrequentadores entre Janeiro de 2007 e Dezembro de 2009, inscritos nas
listas de 6 Médicos de Família (MF) de um Centro de Saúde. Obtiveram-se dados
sócio-demográficos e antecedentes patológicos crónicos. Foram testadas
associações entre variáveis com os testes X-quadrado, t-Student e Kruskal-
Wallis. O nível de significância adoptado foi 0.05.
Resultados: Dos 582 indivíduos avaliados, 444 são do sexo feminino (76.3%). A
média de idades foi 55.4 anos (mulheres 54.3, homens 58.6; p=0.006) com uma
idade mínima de 20 anos e máxima de 95 anos. Os hiperfrequentadores têm em
média 6,6 anos de escolaridade (± 4.02). Setenta e cinco por cento dos
indivíduos são casados ou vivem em união de facto, 46.2% estão activos numa
profissão e 35% são reformados. Em relação ao tipo de família verifica-se que
70% fazem parte de uma família nuclear. Cerca de 85% dos indivíduos possuem
doença física crónica e 40% têm doença psiquiátrica crónica diagnosticada. Há
maior prevalência de doença psiquiátrica crónica (p < 0.001) e de patologia
múltipla (p = 0.01) nos indivíduos mais consumidores de consultas. Os
indivíduos com doença física crónica são significativamente mais velhos (idade
média: 58.0 anos vs 40.1 anos; p < 0.001) e os indivíduos com doença
psiquiátrica crónica são significativamente mais novos (idade média 53.7 anos
vs 56.6; p = 0.035).
Discussão: O típico hiperfrequentador dos CSP é um indivíduo do sexo feminino,
na sexta década de vida, com baixo nível de escolaridade, inserido numa família
nuclear e com doença crónica. A doença psiquiátrica crónica está presente em
cerca de metade dos hiperfrequentadores, particularmente nos mais consumidores
de consultas. Estes resultados são semelhantes aos encontrados na literatura e
poderão auxiliar o MF na gestão e planeamento da consulta.
Relato de Casos
Depressão e doença orgânica: implicações na abordagem diagnóstica
Patrícia Ferreira,* Margarida Coelho*
*CS do Lumiar
Enquadramento: A depressão afecta cerca de 20% dos utentes que recorrem aos
cuidados de saúde primários. Este relato de caso procura realçar o facto de que
a depressão, doença comum, pode mascarar ou ser mascarada por outra doença
orgânica mais rara, acarretando inúmeras dificuldades adicionais na abordagem
diagnóstica.
Descrição de caso: Homem, 35 anos, 9.o ano de escolaridade, motorista,
solteiro, família nuclear na fase VI de Duvall. História pessoal de epilepsia e
síndrome depressivo com tentativa de suicídio em 2007. Após múltiplas idas ao
serviço de urgência por vómitos alimentares, com melhoria ligeira após
medicação com metoclopramida, recorre ao seu médico de família, por instalação
súbita de assimetria da face, compatível com paralisia facial periférica.
Recomendada a suspensão da terapêutica e a instilação de colírio. Após decisão
partilhada com o doente foi requisitada tomografia computadorizada crânio
encefálica. Regressa à consulta por diminuição de força nos membros inferiores
e dificuldade na marcha, não objectivadas ao exame neurológico. Foi reforçada a
necessidade de cumprir a terapêutica antidepressiva. Após um mês, perante o
agravamento do quadro clínico, foi internado para investigação que culminou no
diagnóstico de doença desmielinizante em fase aguda, provável Esclerose
Múltipla (EM). Após o diagnóstico, o doente apresentou fadiga e dor
generalizada com compromisso social e abstinência laboral, que culminou em nova
tentativa de suicídio. Retomou a psicoterapia e a terapêutica farmacológica.
Ingressou novamente no sistema educativo procurando outra actividade laboral.
Discussão: O médico de família lida com uma população com queixas iniciais e
indiferenciadas, pelo que habitualmente considera primeiro a doença mais
provável, sendo por isso mais vulnerável ao erro de diagnóstico. Perante a boa
evolução da paralisia facial e após exclusão de outras lesões neurológicas, o
quadro clínico foi interpretado como agravamento do quadro depressivo, o que
conduziu a demora no diagnóstico de outra comorbilidade. Após o diagnóstico de
EM, a fadiga crónica terá mascarado outros sintomas depressivos, conduzindo à
subvalorização do quadro depressivo, com custos significativos para o doente.
Neste caso está patente a tendência do clínico de interromper a investigação,
assim que um diagnóstico é identificado, um erro cognitivo comum que conduz
frequentemente a erros de diagnóstico.
Médico de família e más notícias
Vanda Marujo,* Ana Bragança,* André Tomé,* Ana Moinhos*
*Instituições UCSP São Mamede/Santa Isabel
Enquadramento: A relação médico-doente é central em Medicina Geral e Familiar.
Este caso clínico foca a dinâmica desta relação na identificação de um
diagnóstico desfavorável e como é susceptível a alterações.
Relato de Caso: P.M.A., sexo feminino, 38 anos, família nuclear, Duvall fase I,
desempregada, antecedentes pessoais de acidente de viação aos 17 anos (cirurgia
reconstrutiva da anca esquerda), depressão com ideação suicida aos 26 anos e
perturbação da ansiedade generalizada. Veio à consulta em Junho 2009 por
coxalgia incapacitante à esquerda, que relacionou com administração injectável
de AINE por cervicalgia. Pedido Rx da bacia com imagem sugestiva de
osteocondroma do ilíaco esquerdo, confirmado por TAC. Encaminhada para Consulta
de Ortopedia (CO) onde era seguida, foi desvalorizada a hipótese diagnóstica
mas pedida cintigrafia óssea que a doente protelou por 4 meses. Em Março 2010
vem à consulta com o resultado de tumor ósseo do ilíaco esquerdo, pedindo
encaminhamento informal para o IPO que recusou o caso por ausência de
especialidade, sugerindo pedido de Ressonância Magnética (RM) e biopsia pelos
Cuidados de Saúde Primários (CSP). A utente assumiu uma atitude de negação da
doença e contactou telefonicamente o Centro de Saúde (CS) revoltada com o
acompanhamento no nosso serviço: após consultar o seu Ortopedista, considerou
que deveria ter um encaminhamento mais célere e mais exames pedidos. Mostrou-se
ainda descontente por ser observada por Internos e informou que pretendia mudar
de CS. Em consulta esclareceu-se a orientação feita e explicou-se que os exames
não seriam comparticipados se pedidos pelos CSP, contudo dada a sua posição
irredutível emitiram-se as credenciais. A doente revelou ambiguidade de
sentimentos e medo de doença oncológica. Foi referenciada de urgência à CO do
Hospital São Lázaro. Na consulta seguinte mostrou-se menos revoltada, com humor
deprimido. Actualmente mantém a vigilância em Ortopedia, aguardando o resultado
da RM e biopsia óssea.
Discussão: A capacidade de gestão das más notícias é uma das competências do
Médico de Família, abarcando a habilidade comunicacional, a adequação às
alterações na relação médico-doente decorrentes da notícia e o apoio ao doente
e seus familiares na gestão do quadro clínico desfavorável. Este caso demonstra
ainda a deficiente integração dos dois níveis de cuidados de saúde e a falta de
comunicação interpares na prestação de cuidados aos utentes.
Sr. utente, permite-me que o visite?
Carla Lopes da Mota,* Pedro Manuel Oliveira,* Helena Beça*
*USF Espinho – ACES IX – Grande Porto – Gaia/Espinho
Enquadramento: A realização de um domicílio pressupõe a satisfação de uma
necessidade de cuidados assistenciais a um doente que se encontra
impossibilitado, de uma forma temporária ou permanente, de se deslocar à
Unidade de Saúde. Mas deverá ser este o único factor decisivo para a realização
de um domicílio? Factores como a avaliação do estado geral, a promoção de auto-
cuidados, o incentivo à adesão terapêutica e a avaliação da situação familiar
deverão ser também tidos em consideração.
Descrição do caso: Doente, sexo feminino, 61 anos, casada, sócia-gerente de uma
pequena empresa piscatória, com antecedentes pessoais de hipertensão arterial,
excesso de peso, embolia e trombose arterial do intestino (ressecção parcial do
intestino delgado), hepatite B e tromboflebite (3 episódios desde 2008). A
utente é cuidadora do marido com antecedentes de acidente vascular cerebral em
2006, com sequelas de hemiparésia direita de predomínio braquial, marcha de
base alargada e pequenos passos, alterações de memória e alterações de
personalidade. Recorreu a uma consulta urgente em Abril de 2010 por dor e edema
da perna direita, com 12 h de evolução, após uma caminhada. Ao exame objectivo
(E.O.) apresentava dor ao toque na região gemelar da perna direita, associada a
calor e edema ligeiros; sem rubor. Por suspeita de tromboflebite é enviada ao
Serviço de Urgência (S.U.) do hospital de referência para ser observada por
Cirurgia Vascular. É solicitado à utente o agendamento de uma consulta após
alta do S.U., por suspeita de incumprimento terapêutico. São programadas por
iniciativa médica 2 consultas, às quais a doente falta. É contactada novamente
e é-lhe proposta a realização de um domicílio que a doente aceita. Em Maio de
2010 é efectuado o domicílio, encontrando-se a doente exausta, triste e em
isolamento social, estado que relaciona com o facto de ser cuidadora do marido,
muito dependente dela. Refere que não cumpre a medicação desde há cerca de 5
meses. Ao E.O., destaca-se aspecto descuidado, IMC de 30,1 e TA: 180/100mmHg.
Foram explicadas as possíveis complicações da não adesão terapêutica, prescrita
a medicação crónica, solicitado estudo analítico e imagiológico pertinente e
discutidas algumas estratégias para combater a exaustão da cuidadora.
Discussão: Tendo o MF uma comunicação privilegiada com os seus utentes, os
domicílios constituem uma ferramenta para melhorar esta comunicação, conhecer
melhor o doente, o seu ambiente sócio-familiar e promover a adesão terapêutica.
O papel do médico de família na singularidade de cada criança
Joana Ramalho,* Cláudia Antão,* Ana Maria Costa*
*Instituições USF Villa Longa
Enquadramento: A Leucoencefalopatia com Calcificações e Quistos (LCQ) é uma
doença rara sobre a qual se sabe pouco. Surge entre a infância e a adolescência
e caracteriza-se por espasticidade, ataxia cerebelosa, movimentos
extrapiramidais, epilepsia e atraso mental. Existem alguns casos de criança com
alterações oftalmológicas (doença de Coats) associados a LCQ. Os efeitos deste
diagnóstico na família são devastadores, particularmente nos pais que vêm
frustradas expectativas futuras para a sua criança, antecipando-se a
deterioração do quadro clínico e constantes avaliações médicas, tratamentos e
sofrimento associados. O relato deste caso pretende salientar a importância do
papel do Médico de Família no seguimento da criança com doença rara e crónica,
na continuação de prestação de cuidados preventivos no âmbito da saúde infantil
e no apoio e acompanhamento da família com uma criança doente.
Descrição do caso: Criança do sexo masculino de 18 meses, inserida numa família
reconstituída, índice de Graffar classe III, Apgar de Smilkstein: família
funcional. Gravidez vigiada em médico privado, sem intercorrências. Parto às 36
semanas, cesariana, RN com 1755 g e IA 9/10, sem acontecimentos relevantes no
período neonatal. Iniciou vigilância de saúde em pediatra particular. Ainda
assim, recorreu várias vezes à nossa consulta no contexto de doença aguda, numa
das quais identificámos um aumento anormal do perímetro cefálico. Após estudo
da macrocefalia, foi feito o diagnóstico de LCQ e Doença de Coats em ambos os
olhos. Tratando-se de um doença rara, os pais têm consultado médicos nas
diversas regiões do país e no estrangeiro, cada um especializado na sua área de
intervenção. Ainda assim, a criança passou a ser regularmente acompanhada na
nossa consulta de Saúde Infantil, assegurando a abordagem dos diferentes
aspectos da medicina preventiva e onde a mãe sabe que a criança é vista como um
todo: «dos pés à cabeça» (sic).
Discussão: Na Medicina Familiar é comum encontrarmos casos de doenças raras.
Nestas situações, o MF assume uma posição privilegiada pela abordagem holística
e centrada no doente. Uma doença é, por si só, um factor perturbador da
homeostasia do sistema familiar, sendo por isso fundamental que o MF esteja
atento e ajude a família na sua reorganização e definição de papéis.
REVISÕES
Rastreio universal de patologia tiroideia na gravidez: há evidência?
Paulo Pires*
*Instituições CS da Senhora da Hora – ULSM
Introdução: A patologia tiroideia na gravidez pode originar múltiplos
resultados adversos maternos e fetais. O tratamento adequado reduz o risco
destas complicações para valores próximos aos observados em grávidas sem
disfunção tiroideia. Todavia, o rastreio universal para despiste de patologia
tiroideia durante a gravidez continua controverso.
Objectivo: Rever a evidência disponível sobre o rastreio universal de patologia
tiroideia na grávida para redução da morbilidade e mortalidade materno-fetal.
Metodologia: Foi realizada uma pesquisa de normas de orientação clínica (NOC),
revisões sistemáticas, meta-análises e ensaios clínicos aleatorizados e
controlados (ECAC), na Pubmed, sítios de medicina baseada na evidência, Índex
de Revistas Médicas Portuguesas e referências bibliográficas dos artigos
seleccionados, publicados entre Janeiro de 2000 e Maio de 2010, nas línguas
portuguesa, inglesa e espanhola, utilizando as palavras-chave (termos MeSH):
thyroid disease, mass screeninge pregnancy. Para avaliação dos níveis de
evidência e atribuição de forças de recomendação foi utilizada a escala
Strenght of Recommendation Taxonomy (SORT).
Resultados: Foram encontrados 39 artigos, dos quais 5 cumpriam os critérios de
inclusão. Um ECAC demonstrou que o rastreio universal comparado com o
doseamento de hormona estimulante da tiróide (TSH) apenas em mulheres de alto
risco, não resultou em diminuição dos resultados adversos (nível de evidência
1). Os restantes quatro eram NOC: uma propõe o doseamento de TSH apenas em
mulheres consideradas de alto risco (força de recomendação B); duas afirmam que
apenas devem ser realizados testes da função tiroideia em grávidas com sintomas
e naquelas com história pessoal de patologia tiroideia (força de recomendação
C); e outra propõe o doseamento de TSH por rotina a todas as grávidas, deixando
porém a decisão para o clínico que consulta a grávida (força de recomendação
C). Todas as NOC afirmam que não existem dados suficientes que justifiquem o
rastreio universal de grávidas assintomáticas para patologia tiroideia (força
de recomendação B).
Conclusão: A evidência disponível indica que não existem dados suficientes que
justifiquem o rastreio universal de patologia tiroideia na grávida para redução
de morbilidade e mortalidade materno-fetal (SOR B). Contudo, o doseamento de
TSH deve ser realizado em mulheres consideradas de alto risco (SOR B),
tornando-se essencial identificá-las.
Utilização da valeriana nos distúrbios de ansiedade e do sono: qual a melhor
evidência?
Marlene Sousa,* Ana Nunes**
*ULS Matosinhos – UCSP da Senhora da Hora
**ULS Matosinhos – USF Oceanos
Introdução: Os distúrbios de ansiedade e do sono são problemas comuns na
população geral e constituem motivo frequente de consultas nos cuidados
primários, causando grande impacto na qualidade de vida e funcionalidade dos
indivíduos. Os extractos da raiz de valeriana são amplamente usados desde há
longa data pela população e médicos, pelas suas propriedades sedativas,
hipnóticas e ansiolíticas, pelo que se torna premente saber quais os benefícios
e riscos do uso desta substância.
Objectivo: Investigar a eficácia e segurança da valeriana para o tratamento dos
distúrbios de ansiedade e do sono.
Metodologia: Foi realizada pesquisa de normas de orientação clínica (NOC),
revisões sistemáticas (RS), meta-análises e ensaios clínicos aleatorizados e
controlados (EAC), na Pubmed, sítios de medicina baseada na evidência e Índex
das Revistas Médicas Portuguesas, usando os termos MeSH valerian, anxiety e
sleep disorders, e os respectivos DeCS, analisando-se artigos em Inglês,
Espanhol, Francês ou Português, publicados entre Janeiro de 2000 e 31 de Março
de 2010. Foram também revistas as referências bibliográficas de artigos
relevantes. Foi usada a taxonomia Strenght of Recomendation Taxonomy (SORT) da
American Family Physician.
Resultados: Obtiveram-se 173 artigos dos quais foram seleccionados quatro que
cumpriam os critérios de inclusão: uma meta-análise, uma RS e um EAC
respeitantes à utilização da valeriana no tratamento dos distúrbios do sono; e
uma RS relativa ao uso da valeriana nos distúrbios de ansiedade. A evidência é
insuficiente acerca da eficácia da valeriana no tratamento dos distúrbios de
ansiedade (SOR A). Parece existir alguma evidência da eficácia da valeriana no
tratamento da insónia, a qual é limitada pela qualidade dos estudos existentes
(SOR B). A valeriana é bem tolerada e segura, apresentando efeitos laterais
pouco frequentes e benignos (SOR A).
Discussão: A evidência é actualmente insuficiente para recomendar a utilização
da valeriana para o tratamento dos distúrbios de ansiedade. A evidência na
insónia está limitada pelos resultados contraditórios dos estudos analisados e
pelos seus problemas metodológicos, apesar de parecer ter algum efeito na
insónia ligeira a moderada. Apesar disso a valeriana é uma substância segura.
São necessários mais EAC com amostras de dimensão adequada, estandardização das
doses e tipo de preparação de valeriana usada, do tempo de utilização da mesma
e das medidas de avaliação de qualidade de sono e ansiedade utilizadas.
Suplementação de cálcio e Vitamina D na prevenção da fractura da anca: revisão
baseada na evidência
Hermínia Teixeira,* Margarida Ferreira da Silva,** Carla Marques***
*CS da Senhora da Hora – ULSM
**USF das Ondas – ACES Póvoa de Varzim/Vila do Conde
***USF Eça de Queirós – ACES Póvoa de Varzim/Vila do Conde
Introdução: Com o envelhecimento da população nas sociedades industrializadas
tem aumentado a prevalência de fracturas originando morbilidade e mortalidade
substanciais. De todas as fracturas, as da anca são as mais frequentes e
preocupantes por provocarem incapacidade grave e institucionalização. Devido ao
seu papel no metabolismo do osso, a deficiência de cálcio e a vitamina D pode
aumentar o risco de fractura da anca. Atendendo à prevalência e severidade
deste tipo de fractura assim como ao elevado custo a ela associado, são
necessárias estratégias preventivas. Neste contexto, em Abril de 2008, a
Direcção Geral de Saúde emitiu uma circular informativa que recomenda a
suplementação de cálcio e vitamina D nas pessoas com mais de 65 anos.
Objectivo: Rever a evidência disponível sobre a suplementação de cálcio e
vitamina D na prevenção da fractura da anca.
Metodologia: Foi realizada uma pesquisa de normas de orientação clínica,
revisões sistemáticas, meta-análises e ensaios clínicos aleatorizados e
controlados, na Pubmed, sítios de medicina baseada na evidência, Index de
Revistas Médicas Portuguesas e referências bibliográficas dos artigos
seleccionados, publicados entre Janeiro de 2005 e Maio de 2010, nas línguas
portuguesa, inglesa e espanhola, utilizando os termos MeSH calcium, vitamin D e
fracture. Para avaliação dos níveis de evidência e atribuição de força de
recomendação foi utilizada a escala Strenght of Recommendation Taxonomy (SORT)
da American Family Physician.
Resultados: Foram encontrados 458 artigos dos quais 5 cumpriam os critérios de
inclusão. As 5 meta-análises, com nível de evidência 1, demonstraram a eficácia
da suplementação de cálcio e vitamina D na prevenção da fractura da anca.
Discussão/Conclusão: A evidência disponível indica que a suplementação de
cálcio e vitamina D é eficaz na prevenção da fractura da anca (SOR A). Embora
se verifiquem diferenças nos intervalos etários de estudo das meta-análises
analisadas, todas incluem indivíduos com idade média superior a 50 anos e
salientam como principal população alvo os indivíduos institucionalizados.
Relativamente às dosagens, é proposto que a dose diária de cálcio seja cerca de
1000 mg e a de vitamina D varie entre 400 a 800 UI. No futuro é necessário que
se realizem mais estudos que permitam clarificar as populações alvo, a idade de
início, as doses e a duração de tratamentopara a suplementação com cálcio e
vitamina D.
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