Gestão da Doença: Uma solução para a redução da despesa em saúde?
Gestão da Doença – Uma solução para a redução da despesa em saúde?
Wennberg DE, Marr A, Lang L, O'Malley S, Bennet G. A Randomized Trial of a
Telephone Care-Management Strategy. N Eng J Med 2010;363:1245-55.
Introdução
Os gastos em saúde são elevados e continuam a crescer nos Estados Unidos da
América. Uma estratégia para reduzir esta despesa consiste na prestação de
apoio na gestão de cuidados médicos, incluindo apoio na tomada de decisões,
através de intervenções por telefone. Intervenções deste tipo promovem a
capacidade de auto-gestão e melhoram a comunicação médico-doente. Isto é feito
na expectativa de que doentes mais envolvidos na prestação de cuidados de saúde
se transformarão em melhores consumidores dos serviços de saúde, levando à
obtenção de melhores resultados a custos inferiores. Contudo, não têm sido
desenvolvidos esforços no sentido de quantificar a potencial redução de custos
através destas intervenções. Neste sentido, o objectivo deste estudo consistiu
na avaliação da efectividade de uma estratégia de gestão de cuidados médicos na
redução dos custos em saúde numa população detentora de seguro de saúde.
Métodos
Procedeu-se à realização de um estudo de melhoria de qualidade, estratificado e
aleatório, com um total de 174.120 participantes. Recorrendo a modelos
preditivos, os participantes foram estratificados de acordo com a previsão de
despesa futura em saúde e mediante a probabilidade de virem a necessitar de
serviços de saúde. Posteriormente, os participantes foram distribuídos
alternadamente por dois grupos.
Foram testadas duas estratégias (uma em cada grupo) – apoio convencional vs.
apoio reforçado. A principal diferença entre estas duas estratégias consistiu
no número de participantes seleccionados para prestação de apoio, sendo que na
primeira utilizou-se um cut-off inferior para despesas futuras previstas em
saúde ou utilização de recursos de saúde e um maior número de problemas de
saúde a serem abrangidos pelo programa. Os problemas de saúde incluídos foram
insuficiência cardíaca, doença pulmonar obstrutiva crónica, doença coronária,
diabetes, asma e risco de vir a necessitar de intervenção cirúrgica
(revascularização cardíaca, cirurgia lombar, cirurgia da anca, cirurgia do
joelho, histerectomia e prostatectomia). Uma vez seleccionados os indivíduos
que iriam beneficiar do programa de apoio, a estratégia de intervenção foi
idêntica para os dois grupos.
Os indivíduos seleccionados foram contactados por telefone, quer através dum
Sistema Interactivo de Resposta por Voz (IVR), quer por técnicos de saúde, de
acordo com a situação. Recorreu-se à utilização de software que fornecia
processos e informação consistentes, incidindo sobre tomada de decisões em
conjunto, auto-cuidados e motivação para alterações comportamentais. A mesma
intervenção telefónica foi aplicada aos dois grupos. Em caso de não atendimento
da chamada, ao grupo de apoio reforçado foram feitas cinco tentativas de
contacto telefónico ao passo que ao grupo de apoio convencional foram feitas
três tentativas.
A avaliação de resultados foi feita após um ano, incidindo sobre a despesa em
cuidados de saúde e o número de admissões hospitalares.
Resultados
No início do estudo, a despesa em saúde e a utilização de recursos de saúde
eram semelhantes nos dois grupos.
Ao fim de um ano, como previsto pelo desenho do estudo, mais pessoas do grupo
de apoio reforçado foram abrangidas pelo programa de intervenção (25,8% vs.
7,8% no grupo de apoio convencional). 10,4% dos elementos do grupo de apoio
reforçado e 3,7% dos elementos do grupo de apoio convencional receberam
intervenção por técnicos de saúde, tendo os restantes recebido por IVR. O total
das despesas médicas e farmacêuticas mensais por pessoa no grupo de apoio
reforçado foi USD$7,96 (3,6%) mais baixo que no grupo de apoio convencional
(USD$213,82 vs USD$221,78, P=0,05), sendo isto em grande parte devido a uma
redução de 10,1% nas admissões hospitalares. O custo mensal da intervenção foi
inferior a USD$2,00 por pessoa, levando a um balanço final de redução de custos
de saúde de USD$6,00 por pessoa por mês.
Discussão
Estudos prévios obtiveram resultados discordantes na avaliação deste tipo de
intervenção, nomeadamente nos resultados relativos à redução de custos, à
utilização dos recursos de saúde, e ao benefício da redução de cut-offs de modo
a incluir nestes programas doentes com menor risco. Esta inconsistência deve-se
ao facto dos estudos serem realizados sobre populações diferentes, com
metodologias diferentes.
Uma limitação deste trabalho consiste no facto do seu desenho não permitir
tirar conclusões sobre quais os componentes da estratégia implementada foram
responsáveis pela redução de custos observada. De igual modo, o trabalho também
não permite concluir sobre a redução de custos total do programa, uma vez que
foi desenhado de modo a obter resultados sempre em relação a outro programa de
intervenção, em tudo semelhante, mas menos abrangente.
Apesar das suas limitações, o programa de gestão de cuidados prestados por
telefone utilizado neste estudo reduziu os custos médicos e o número de
hospitalizações.
Comentário
Tal como nos Estados Unidos, também Portugal enfrenta gastos cada vez mais
elevados na área da saúde. Entre 2000 e 2008, a despesa total em saúde aumentou
4,9% por ano, atingindo em 2008 um montante de 17.287 milhões de euros, segundo
o Instituto Nacional de Estatística.
1
O peso da doença crónica na despesa da saúde está a aumentar devido ao
envelhecimento da população e redução da mortalidade associada a esta
patologia. Segundo O'Reilly,
2
a doença crónica é responsável por 60% de todas as mortes, 80% das consultas
de medicina geral e familiar, 60% da ocupação de camas hospitalares e 60% de
admissões no serviço de urgência. Dos doentes com doença crónica, 5% consomem
42% da ocupação de camas. Sendo o internamento responsável por grande parte da
despesa em saúde, facilmente se depreende que um pequeno número de pessoas com
doença crónica é responsável por uma grande parte das despesas.
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Face ao aumento de despesa na área da saúde, torna-se premente desenvolver
estratégias que permitam a prestação de cuidados a menores custos, sem impacto
negativo na qualidade dos serviços prestados. Neste sentido, recorre-se cada
vez mais ao conceito de «gestão da doença» (Disease Management), definido pela
Associação Americana de Gestão da Doença como «um sistema de intervenções e de
comunicações coordenadas de cuidados de saúde para populações, com condições
nas quais os esforços de auto-cuidados são significativos».
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Trata-se de um método de redução de custos na área da saúde associado à
melhoria da qualidade de vida, através da prevenção ou minimização dos efeitos
da doença no indivíduo, habitualmente de uma doença crónica, através de
cuidados integrados complementares aos cuidados clínicos.
O presente estudo veio comprovar o benefício da implementação deste tipo de
estratégia na redução de custos da saúde. De facto, a aplicação deste programa
de apoio reforçado levou a uma redução de 10% das admissões hospitalares,
traduzindo-se numa redução de custos de 3,6%, face à aplicação de um programa
de apoio convencional.
No entanto, tal como os próprios autores apontam na discussão do seu trabalho,
estudos prévios semelhantes apresentaram resultados contraditórios. No geral,
nota-se que as intervenções de Gestão da Doença mais efectivas são programas
que partilham algumas características: a gestão de cuidados é individualizada a
cada caso, o contacto é feito não apenas por telefone, e é fornecida uma maior
atenção ao período após a alta hospitalar.
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Deste modo, ainda não existe evidência suficiente para concluir sobre a
capacidade destes programas reduzirem a despesa dum sistema de saúde.
O facto do trabalho ter incidido sobre uma população americana, com um sistema
de saúde diferente do sistema de saúde português, pode levar à discrepância nos
resultados obtidos quando aplicado à nossa realidade.
Contudo, este estudo demonstra que um programa de intervenção dirigido e
baseado na população pode diminuir o número de admissões hospitalares, e assim
diminuir a despesa com a saúde da população como um todo. Assim sendo, tal como
concluem os autores, a estimulação do envolvimento do doente no processo de
tomada de decisões poderá ser um componente importante da reforma dos cuidados
de saúde.
Ana Santos Ferreira
USF Cova da Piedade – ACES de Almada