Anti-hipertensores - quem tem afinal a pole-position?
Anti-hipertensores – quem tem afinal a pole-position?
Joana Gomes
USF Lagoa, ULS Matosinhos
Kronish IM, Woodward M, Sergie Z, Ogedegbe G, Falzon L, Mann DM. Meta-analysis:
impact of drug class on adherence to antihypertensives. Circulation 2011 Apr
19; 123 (15): 1611-21.
Introdução
A hipertensão arterial (HTA) é a doença crónica mais comum em países
desenvolvidos e o seu tratamento associa-se a redução de risco cardiovascular.
Esta metanálise pretendeu avaliar o impacto da classe farmacológica de anti-
hipertensor na adesão à terapêutica.
Métodos
Foram seguidas as guidelines para a realização de metanálises de estudos
observacionais. Seleccionaram-se artigos publicados em inglês, com indivíduos
≥18 anos, em ambulatório. Foram considerados estudos que usavam a renovação da
prescrição como critério de avaliação da adesão terapêutica, artigos que
comparassem duas classes diferentes de anti-hipertensores e que possuíssem
dados para cálculo de medida de risco de adesão e a sua variância.
Consideraram-se componentes de adesão à terapêutica a adesão ao tratamento
(mais de 80% dos dias com medicação) e a persistência da terapêutica.
Resultados
Após aplicação dos critérios de inclusão e exclusão foram seleccionados 17
artigos para análise qualitativa e 15 para análise quantitativa. Na análise
qualitativa verificou-se uma persistência global média entre 35-84%. Com
excepção de 1 estudo, a adesão aos antagonistas dos receptores da angiotensina
(ARA) foi a melhor quando comparada com as outras classes (p<0.05) e, com a
excepção de dois estudos, a adesão aos diuréticos foi a pior (p<0.05). Na
análise quantitativa, os riscos relativos de adesão (RR) foram: ARA versus
inibidores da enzima conversora da angiotensina (IECA), RR 1.33 (IC 95% 1.13-
1.57); ARA versus bloqueadores dos canais de cálcio (BCC), RR 1.57 (IC 95%
1.38-1.79); ARA versus bloqueadores β, RR 2.09 (IC 95% 1.14-3.85) e ARA versus
diuréticos, RR 1.95 (IC 95% 1.73-2.20). O risco de adesão aos diuréticos foi o
mais baixo. A persistência média foi mais elevada para os ARA, seguida de IECA,
BCC, bloqueadores β e diuréticos. O benefício relativo de ARA vs IECA foi maior
nos estudos com afiliação farmacêutica mas a diferença entre ARA e diuréticos
manteve-se quando tida em conta esta variável. O controlo para viés de
publicação eliminou as diferenças de adesão entre ARA e IECA e entre
Bloqueadores β e diuréticos.
Discussão
Existe relação entre adesão terapêutica e classe de anti-hipertensor. Os
doentes medicados com ARA têm duas vezes mais probabilidade de aderir ao
tratamento quando comparados com doentes tratados com bloqueador β ou
diurético. Os diferentes efeitos adversos dos fármacos e as crenças de
profissionais de saúde e doentes em relação aos fármacos são causas prováveis
para as diferenças encontradas. Os ARA eram prescritos em proporção inferior à
verificada na prática clínica; os resultados não podem ser generalizados para
os doentes medicados com mais do que uma classe terapêutica; a análise foi
conduzida utilizando múltiplos testes estatísticos; existe heterogeneidade
considerável entre os estudos e não foram revistos estudos publicados noutras
línguas para além do inglês.
Conclusão
A adesão à terapêutica anti-hipertensora parece ser influenciada pela classe
farmacológica utilizada. Os médicos deverão ter especial cuidado em avaliar a
adesão à terapêutica anti-hipertensora, especialmente em relação a diuréticos e
bloqueadores β.
Comentário
A HTA uma patologia muito prevalente com morbilidade e mortalidade
importantes.1,2 Existem diversas classes farmacológicas disponíveis e eficazes
no tratamento da HTA.2,3 No entanto, a efectividade dos fármacos não é apenas
determinada pela sua farmacodinâmica e farmacocinética mas também pela
probabilidade de adesão e manutenção do tratamento.4 Sabendo que a taxa de
adesão à terapêutica é baixa em doenças crónicas e que muitos dos hipertensos
não tem a sua HTA controlada, a escolha do fármaco a instituir não deve ter em
conta apenas a capacidade de baixar a tensão arterial, mas também a capacidade
manter o controlo nas 24h, a posologia, os efeitos adversos e os custos,
factores que poderão condicionar a adesão terapêutica.2,5,6 De facto, a
ausência de sintomas na HTA e a má tolerância a alguns fármacos anti-
hipertensores são das principais razões para descontinuação do tratamento ou
desrespeito pela posologia.7 Por outro lado, a idade do doente, género,
estatuto socioeconómico, ocupação, conhecimento da doença e percepção da
eficácia terapêutica também condicionam a adesão à terapêutica.5,8
Tal como os autores referem, a escolha do anti-hipertensor é baseada em
guidelines que têm como referência ensaios clínicos (Ecs) que podem não
traduzir a efectividade do fármaco. Assim, a realização de uma metanálise de
estudos observacionais é uma boa forma de traduzir a adesão ao tratamento num
contexto mais próximo do contexto clínico. Esta metanálise apresenta, no
entanto, algumas limitações. Os autores incluíram apenas estudos que comparavam
duas classes de fármacos, não sendo possível generalizar os resultados para os
doentes que não estão em monoterapia quando a evidência mostra que em cerca de
50% dos casos a monoterapia não é suficiente para o controlo tensional.9 Existe
também um viés de selecção importante, quer pela escolha de estudos apenas
publicados em inglês, quer por terem sido seleccionados apenas os estudos que
usavam a renovação da prescrição na farmácia como método de determinação da
adesão ao tratamento. Esta decisão permitiu diminuir a heterogeneidade, e desta
forma gerar medidas sumárias, mas excluiu outros métodos de medição de adesão
terapêutica (auto-declaração, contagem de medicamentos, tampas de contagem
electrónica, bases de dados farmacêuticas, prescrição electrónica).10 Os
autores consideram que uma das limitações das guidelines é a provável sobre-
estimativa da adesão nos ECs. Sabe-se que o método de determinação de adesão ao
tratamento utilizado como critério de inclusão pelos autores tende também a
sobrestimar a adesão.10 O facto de terem sido realizados muitos testes
estatísticos leva a maior probabilidade de encontrar diferenças
estatisticamente significativas onde elas não existem realmente (erro tipo I).
Os resultados deste estudo indicam que a adesão ao tratamento é, de facto,
dependente da classe farmacológica instituída. De acordo com as guidelines da
Sociedade Europeia de HTA 2007, revistas em 2009, os diuréticos tiazídicos,
bloqueadores β, BCC, ARA e IECA são eficazes e todos podem ser usados para o
tratamento da HTA, quer de iniciação quer de manutenção, em monoterapia ou
combinação.3 A escolha do fármaco deve basear-se no indivíduo, suas
características e co-morbilidades e também nos custos e efeitos laterais.3
Estas guidelines evitam estabelecer preferências entre classes de anti-
hipertensores. Os dados desta metanálise não vêm, então, alterar a prática
clínica mas antes alertar o clínico que institui tratamento anti-hipertensor
que a efectividade do mesmo depende da adesão à terapêutica e que a não-adesão
à terapêutica é um problema major no controlo da HTA.11 A terapêutica deve
continuar a ser pensada caso a caso, avaliando o doente como um todo, pois são
as suas particularidades que vão determinar a escolha da terapêutica a
instituir.