Exposição aos raios UVs: Aconselhamento altera comportamento
Exposição aos raios UVs: Aconselhamento altera comportamento
José Agostinho Santos
USF Lagoa, ULS Matosinhos
Referência: Lin J, Eder M, Weinmann S. Behavioral counseling to prevent skin
cancer: a systematic review for the U.S. Preventive Services Task Force. Ann
Intern Med 2011 Feb 1; 154 (3): 190-201.
Introdução
Mais de dois milhões de casos de cancro de pele são diagnosticados anualmente
nos EUA e a incidência de melanoma tem vindo a aumentar.
Objectivo
Rever a evidência disponível para actualização das recomendações de 2003 do
USPSTK, procurando responder a cinco questões-chave: 1. Existe evidência
directa de que o aconselhamento para comportamentos de fotoprotecção reduz o
cancro de pele? 2. O aconselhamento médico altera comportamentos de
fotoprotecção? 3. Este aconselhamento tem efeitos adversos? 4. Os
comportamentos alteram os outcomes relacionados com o cancro cutâneo? 5. Os
comportamentos de fotoprotecção têm efeitos adversos (como redução da
actividade física, humor disfórico, aumento da incidência de cancros não-
cutâneos por défice de vitamina D)?
Fonte de dados
Artigos originais publicados na Medline e Cochrane Central Register of
Controlled Trials, provindos de referências cruzadas ou escritos por peritos,
em Fevereiro 2010.
Seleção de estudos
Foram incluídos artigos em inglês que estudassem o aconselhamento em
comportamentos de fotoprotecção (como evicção solar do meio-dia ou do
bronzeamento artificial, uso de roupas fotoprotectoras e uso de creme
protector) e a associação entre estes comportamentos e o cancro da pele ou
potenciais efeitos adversos. Cada estudo foi avaliado usando os critérios
específicos do USPSTK e de Newcastle-Ottawa Scale. Todos os estudos de fraca
qualidade foram excluídos.
Resultados
A heterogeneidade das populações, dos aconselhamentos e das medidas de
exposição aos raios UVs não permitiu uma síntese quantitativa dos resultados.
Estes foram sintetizados de forma qualitativa e estratificados segundo adultos,
jovens adultos (18-21 anos), adolescentes e crianças. Não foram encontrados
estudos que respondessem à questão-chave 1. Onze ensaios clínicos aleatorizados
e controlados (ECACs) de qualidade moderada-boa analisaram o efeito do
aconselhamento sobre o comportamento de fotoprotecção. Em jovens mulheres (4
ECACs = 1030 indivíduos), um aconselhamento focado no fotoenvelhecimento da
pele conduziu a uma diminuição do bronzeamento artificial e da exposição aos
UVs. Em adolescentes (1 ECAC = 819 indivíduos), um aconselhamento com suporte
informático diminuiu a exposição solar ao meio-dia e aumentou o uso de creme
protector nos 24 meses de follow-up. Em adultos (5 ECAC = 7443 indíviduos) e
nas crianças (1 ECAC = 728 pais), o aconselhamento conduziu a um acréscimo
ligeiro (estatisticamente significativo, porém clinicamente duvidoso) dos
comportamentos de fotoprotecção. Estudos observacionais de qualidade moderada
procuraram dar resposta à questão 4: 6 estudos cohorte e 25 caso-controlo
documentaram que uma exposição solar intermitente e intensa na infância está
associada a um risco aumentado de carcinoma espinocelular, basalioma e
melanoma. Com base num ECAC (n = 1621), o uso de protector solar regular pode
prevenir o carcinoma espinocelular, não sendo claro se previne o basalioma ou
melanoma. Pouca evidência foi encontrada para as questões 3 e 5, não parecendo
que os comportamentos de fotoprotecção e o aconselhamento tenham efeitos
adversos.
Conclusão
ECACs sugerem que o aconselhamento médico pode aumentar os comportamentos de
fotoprotecção e diminuir o bronzeamento artificial, particularmente em jovens
mulheres e adolescentes. Existem, porém, limitações como medições divergentes
de exposição solar e uso de creme protector, avaliação inadequada de
confundidores ou presença de viéses de memória.
Comentário
Um paralelismo pode ser estabelecido entre a clínica do Médico de Família (MF)
e um clube de leitura. Tal como uma consulta ao seu paciente, um journal club
implica ler (ou mesmo ouvir) o artigo, questionar determinados aspectos perante
dados que vai obtendo, aguardar uma resposta orientadora, estar atento a
detalhes e captar o essencial. Pressupõe também inspeccionar o seu desenho,
auscultar o estudo, palpar as suas limitações e percutir os resultados sobre a
sua comunidade. O MF avalia-o e planea uma conclusão para sua prática.
Assim, tal como uma consulta obedece ao conhecido método de registo SOAP, esta
consulta ao artigo poderá assim também obedecer ao mesmo método SOAP.
Segundo uma impressão subjectiva (S), parece tratar-se de uma revisão de boa
qualidade e de grande relevância para o MF. A exposição aos raios UVs é o maior
factor de risco ambiental para todos os tipos de cancro de pele.1,2 Este
oferece ao MF, cuja mais fundamental actividade assistencial consiste na
prevenção, uma oportunidade única de alterar o status de risco e, assim, quiçá,
auxiliar na fuga à patologia. A particularidade desta oportunidade é que faz
com que o MF use uma ferramenta de fácil acesso e pouco dispendiosa: o
aconselhamento. O conteúdo deste aconselhamento tende a ser variável tanto de
médico para médico como de estudo para estudo, porém, no geral, reforçará a
necessidade de limitar a exposição solar ou de aplicar creme protector anti-
UVs.1,2 O objectivo deste estudo consistiu, essencialmente, em dimensionar para
o MF o poder das suas palavras em alterar as atitudes e a morbilidade na
comunidade no que diz respeito a esta doença.
Objectivamente (O), os resultados mostraram que o aconselhamento altera o
comportamento. Um aconselhamento em torno da aparência física diminui práticas
de exposição aos UVs entre as mulheres jovens e um aconselhamento envolvendo
suporte informático apelativo reduziu a exposição solar a meio do dia e
aumentou o uso de protector solar entre os adolescentes. Estudos observacionais
documentaram que a exposição solar intermitente na infância está associada a um
aumento do risco dos três tipos de cancro. Porém, apenas um estudo documentou
que o uso de creme protector possa prevenir o carcinoma espinocelular,
desconhecendo-se o seu benefício para os outros dois.
Assim, avaliando (A) esta evidência e fazendo o ponto da situação, o
aconselhamento médico poderá alterar comportamentos de fotoprotecção, sobretudo
em adolescentes e jovens adultas. Não existe, porém, evidência de que este
aconselhamento previna o cancro de pele.
Em 2003, o USPSTK concluiu que a evidência era insuficiente para recomendar o
aconselhamento para a prevenção de cancro de pele, uma vez que não era
conhecido se este era eficaz numa mudança de comportamentos capaz de reduzir o
cancro de pele.3 Actualmente, o USPSTK planeia uma actualização das suas
normas.
O MF poderá, assim, também planear (P) uma alteração da sua prática clínica de
acordo com esta evidência, relembrando a eficácia deste aconselhamento. O
aconselhamento deverá, portanto, focar-se em todas as medidas de diminuição da
exposição solar, uma vez que o efeito benéfico de creme com filtro protector
apenas foi documentado num só ECAC e apenas para carcinoma espinocelular. Tal
como saberá intuitivamente da sua prática clínica holística, diferentes
fórmulas de aconselhamento serão efectivas para diferentes populações.
Esta revisão demonstra o sucesso de um aconselhamento que vai de encontro às
expectativas peculiares de cada género e idade: suporte informático entre os
adolescentes e o aconselhamento orientado para os prejuízos na aparência
exterior entre as jovens adultas. Serão fórmulas de sucesso a usar para
obtenção de resultados dependentes do aconselhamento preventivo para outras
temáticas?
Talvez seja curioso o facto de uma menor alteração comportamental conseguida
entre os adultos. Será que tal refletirá uma carência de fórmulas de sucesso na
comunicação com os adultos?...
A maioria dos estudos incluídos foi realizada nos EUA, onde tradicionalmente a
pressão dos media sobre aquisição da novidade e sobre o aspecto exterior é
muito forte. Assistimos, actualmente, a uma diminuição das fronteiras culturais
entre os países. Porém, é especulável se tais resultados se repercutem na
população portuguesa.
É certo que o MF não dispõe de evidência que documente que este aconselhamento
reduz a incidência de cancro cutâneo. Quando se discute uma menor exposição
solar conseguida, discute-se, portanto, um DOE (disease-oriented-outcome).
Porém, a ausência de evidência significa simplesmente que não existem estudos
em torno desta pergunta de investigação, não querendo dizer que o
aconselhamento seja ineficaz nessa finalidade. Até que esses estudos sejam
realizados e sabendo que a exposição solar tem associação documentada com o
cancro de pele, talvez o MF possa confiar que esta alteração comportamental
induzida se revele futuramente como a mais potente arma na prevenção.