Estudo de microcitose numa população jovem adulta assintomática
INTRODUÇÃO
A microcitose numa população jovem adulta aparentemente saudável é normalmente
um achado laboratorial aquando da realização de um hemograma. É definida como
um volume globular médio abaixo de 80fL, podendo estar ou não associada a
anemia. As causas mais frequentes de microcitose são as anemias ferropénicas,
as hemoglobinopatias e as talassémias.1
A anemia por carência de ferro tem várias etiologias, sendo as mais frequentes,
na idade jovem adulta, uma dieta nutritiva deficiente, perdas de sangue por
problemas gastrointestinais, perdas menstruais na mulher, diminuição da
absorção por doença celíaca e infecção por Helicobacter pylori.2,3,4,5
As hemoglobinopatias e as talassémias são um conjunto de alterações
hereditárias da molécula de hemoglobina que resultam de mutações nos genes
responsáveis pela síntese das cadeias de globina da hemoglobina. Estas
alterações podem-se traduzir em modificações estruturais da síntese das cadeias
de globina (chamadas alterações qualitativas ou hemoglobinopatias) e/ou na
diminuição ou ausência da síntese destas mesmas cadeias (alterações
quantitativas ou talassémias).
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), mundialmente, 270 milhões
de pessoas (5% da população mundial) possuem genes que determinam hemoglobinas
anormais. Estudos epidemiológicos mostram que 300 a 400 mil crianças nascidas
vivas por ano apresentam estas patologias. A sua distribuição nas diferentes
populações é muito variável, atingindo prevalências mais elevadas nas de origem
mediterrânica, africana e oriental.6
Em Portugal os estudos apontam para uma prevalência de cerca de 1%,
correspondendo a 5 a 10 novos casos diagnosticados por ano (0,45% portadores de
β-talassémia e 0,32% portadores de drepanocitose). A maior prevalência
encontra-se nos distritos de Lisboa, Setúbal e Faro, sendo também referenciados
os distritos de Beja, Évora, Santarém e Leiria como prevalentes. O número
crescente de doentes com drepanocitose, sobretudo na área da grande Lisboa, é
reflexo da imigração da década de 70, proveniente das antigas colónias de
África.7,8
Sabemos que a hemoglobina (Hb) no adulto é constituída por quatro cadeias de
globina (2 alfa e 2 não alfa) e quatro grupos contendo ferro - heme. O tipo de
hemoglobina depende da composição das cadeias de globina. Assim, no adulto
existe cerca de 97% de HbA (α2β2), 2,2-3% de HbA2 (α2δ2) e 0,5-1% de Hb F
(α2γ2).
A drepanocitose, ou anemia de células falciformes, surge quando há uma
substituição anómala de um aminoácido na cadeia β da HbA (ácido-glutâmico por
valina) resultando a chamada HbS. Esta hemoglobina em desoxigenação polimeriza,
dando origem à distorção da forma do eritrócito e à sua rigidez, resultando uma
anemia hemolítica crónica e episódios vaso-oclusivos.9 Estas manifestações
clínicas passam despercebidas num portador heterozigótico, considerando-se
assintomático.
Se houver uma outra substituição na mesma posição da cadeia β da HbA (ácido-
glutâmico por lisina) surge-nos a HbC. Estas alterações na sequência dos
aminoácidos alteram a carga eléctrica total da hemoglobina facilitando a sua
detecção através da alteração da zona de migração na eletroforese.
A β-talassémia está presente quando num dos genes do par do cromossoma 11
existe uma mutação que leva a uma redução da síntese das cadeias β (β+/normal)
ou a ausência da sua síntese (β0/normal), resultando uma anemia ligeira
hipocrómica e microcítica (β-talassémia minor). Se os dois genes estiverem
mutados mas com capacidade de produzirem algumas cadeias β (β+/β+) a anemia é
moderada (β-talassémia intermédia), tornando-se severa e dependente de
transfusões (β-talassémia major) quando não existe qualquer produção (β0/β0).10
A α-talassémia existe quando há uma mutação num ou mais dos quatro genes do
cromossoma 16 que determinam a síntese das cadeias α. Assim, com três genes
funcionantes (-α/αα) a diminuição da produção das cadeias α é reduzida, estando
o VGM e o HGM no limite da normalidade (α-talassémia silenciosa). Microcitose,
com ou sem anemia hipocrómica, é expressa quando só há dois genes activos (-α/-
α) – traço de α-talassémia homozigótica α+, ou no traço de α-talassémia
heterozigótica α0 (—/αα), tornando-se mais severa com um só gene (—/-α) - α-
talassémia intermédia ou doença da HbH, e incompatível com a vida na ausência
total da sua produção – hemoglobina de Bart.11
A Hb Lepore é formada por duas cadeias de globina alfa e duas outras que contêm
um gene de fusão delta beta. Em heterozigotia expressam um fenótipo semelhante
a uma talassémia minor.12
Nas talassémias o desequilíbrio na síntese das cadeias da globina conduz a uma
redução da velocidade de síntese da hemoglobina e consequentemente uma
hiperplasia eritróide compensatória com aumento da produção dos glóbulos
vermelhos com tamanho e conteúdo reduzido.13
A identificação da causa de microcitose e a detecção precoce de portadores de
hemoglobinopatias e talassémias numa população jovem adulta e em idade
reprodutiva é de todo o interesse pois, se por um lado permite fazer um
reconhecimento epidemiológico destas patologias, por outro, pode conduzir à
instituição de medidas preventivas e promotoras de saúde, como seja um
aconselhamento e orientação genética.
Objectivo: quantificar e identificar as causas de microcitose de uma população
jovem adulta assintomática candidata a ingressar no Exército Português e
previamente apurada nas provas físicas exigidas para o efeito.
MÉTODOS
Este estudo foi concebido no Laboratório de Análises Clínicas do Hospital
Militar de Belém em cooperação com o Gabinete de Classificação e Selecção de
Lisboa (GCSL), que selecciona candidatos a ingressarem no Exército Português,
estendendo-se o limite territorial de Coimbra até ao Algarve. Todos os estudos
analíticos do sangue e urina foram aqui executados, sendo o consentimento
informado do estudo e a informação final da aptidão da responsabilidade do
respectivo Gabinete.
A população estudada foi de 2558 jovens, entre Janeiro e Novembro de 2010,
sendo 2102 do sexo masculino (82,1%) e 456 do sexo feminino (17,8%), com idade
média de 20 anos (amplitude 17-29 anos e moda 19 anos). Toda a população foi
estudada através de hemograma efectuado no equipamento Pentra ABX da Horiba.
Todos os jovens que apresentavam um volume globular médio (VGM) inferior a 80fL
foram considerados casos de microcitose. Nestes, foi executado, para além do
preconizado na rotina (hemograma, bioquímica, marcadores virais), um esfregaço
sanguíneo corado com May-Grunwald-Giemsa, doseamento do ferro e ferritina por
quimioluminiscência no equipamento Architect da Abbott, e uma eletroforese de
hemoglobina no equipamento Minicap da Phadia, cujo fundamento técnico é a
electroforese capilar. O critério usado para definir o grupo da anemia
ferropénica foi ter ferritina inferior ou igual a 15ng/mL na ausência de
parâmetros inflamatórios.14Foi feito o levantamento do local de nascimento e de
residência de todos os casos.
O tratamento estatístico dos dados foi feito utilizando o programa SPSS.
RESULTADOS
Dos 2558 candidatos ao ingresso no Exército Português, 81 (3,2%) apresentavam
microcitose com um VGM < 80 fL. O estudo do ferro, da ferritina e da
eletroforese de hemoglobina permitiu separar estes jovens em quatro grupos
(Figura_1).
Grupo I: constituído por dez jovens (oito do sexo masculino) portadores de uma
heterozigotia para HbS (valor médio de 32,3%±3,46%), maioritariamente nascidos
no distrito de Lisboa (40%), seguindo-se os nascidos nas ex-colónias (Angola,
Cabo-Verde e São Tomé e Príncipe) e habitantes no distrito de Setúbal (30%) -
Figura_2. Comparativamente aos candidatos sem microcitose, este grupo
apresentava valores mais baixos de hemoglobina (13,9±2,5g/dL versus 15,2±1,2g/
dL), de VGM (73,4±7,41fL versus 90,3±3,7fL) e de hemoglobina globular média
(HGM) (23,9±3,23pg versus 30,4±1,2pg). A prevalência de drepanocitose na
população total estudada foi de 0,39%.
No Grupo I englobamos também outros dois jovens adultos que apresentavam outras
alterações na molécula da hemoglobina. Um é do sexo masculino, residente e
nascido em Santarém, portador de uma hemoglobina Lepore (HbA=84,7%, HbA2=2,6%,
HbF=2,3% e HbLepore=10,4%) e o outro, do sexo feminino, residente em Lisboa e
nascido no Brasil, portador de HbC, (HbC=32,6%, HbA=66,4% e HbA2=1%). A
prevalência para a Hb Lepore e HbC foi de 0,039% – Figura_1.
Grupo II: caracterizado por um aumento do doseamento da HbA2 (valor médio de
4,77%±0,63%), ferro e ferritina normais, glóbulos vermelhos (GV) de
6,16±0,51x106/mm3 (versus 5,01±0,37x106/mm3), Hb de 12,7±1,11g/dL (versus
15,2±1,2g/dL), VGM de 64,4±4,57fL (versus 90,3±3,7fL) e HGM de 20,7±1,75pg
(versus 30,4±1,2pg). Verificou-se presença de anisocitose, avaliada em lâmina e
no hemograma pelo Red Distribuition Widht (RDW=16,5±1,27% versus 12,8±0,9%), de
dianócitos ou células em alvo em 56,2% dos jovens e de pontuado basófilo em
68,8%. A prevalência deste grupo associado à β-talassémia foi de 0,63% – Figura
1.
Este grupo era constituído por dezasseis jovens (treze do sexo masculino) sendo
37,5% nascidos e a residir no distrito de Faro, seguindo-se o distrito de
Lisboa (25%) e o de Setúbal (12,5%) – Figura_3.
Grupo III: com um total de 21 jovens, dos quais 15 do sexo feminino,
maioritariamente habitantes no distrito de Lisboa (57%), tendo 38% nascido
neste mesmo distrito e 28% fora de Portugal (Angola, Moçambique, Guiné, São
Tomé e Príncipe e Brasil) – Figura_4. Caracteriza-se este grupo por valores
mais baixos de ferritina <15 ng/mL (valor médio 6,31±3,11ng/mL versus
93,7±43,9ng/mL), de Hb (11,5±1,96g/dL, versus 15,2±1,2g/dL), de VGM (72,6±
6,39fL versus 90,3±3,7fL) e de HGM (23,7±2,76pg versus 30,4±1,2pg). A
anisocitose está presente em 80,9% (RDW=16,3±2,36% versus 12,8±0,9%), seguindo-
se a poiquilocitose (52,4%) e eliptocitose (19%). Todos os jovens com ferritina
<15ng/mL foram integrados no grupo III, referente aos candidatos com
ferropenia. Da análise do valor de hemoglobina podemos constatar que 13
indivíduos (9 do sexo feminino) apresentam valores de hemoglobina <12 mg/dL,
portanto com anemia, e 8 (6 do sexo feminino) apenas têm depleção das reservas
de ferro. A prevalência deste grupo com anemia ferropénica/ferropenia foi de
0,82% - Figura_1.
Grupo IV: com 32 jovens que, apesar de terem valores baixos de VGM (76,8±2,27
versus 90,3±3,7fL), não apresentam anemia (Hb=14,3±1,49g/dL) nem alterações na
electroforese de Hb. A HGM é variável, encontrando-se a maior parte com valores
abaixo da normalidade (25,7±1,34pg versus 30,4±1,2pg). O valor de glóbulos
vermelhos está também aumentado (5,58±0,44x106/mm3 versus 5,01±0,37x106/mm3). O
ferro e a ferritina estão normais. A conjugação de todos estes parâmetros faz-
nos inferir o diagnóstico para uma α-talassémia. Este grupo vive
maioritariamente no distrito de Lisboa (43,8%) seguindo-se o de Setúbal (25%) e
de Faro (15,6%) – Figura_5. A prevalência desta alteração foi de 1,25% – Figura
1.
DISCUSSÃO DE RESULTADOS
Todos os jovens candidatos a ingressarem no Exército Português que apresentavam
microcitose eram assintomáticos e tinham previamente passado nas provas físicas
exigidas para o efeito. A caracterização destas microcitoses foi feita com base
no hemograma (contagem de glóbulos vermelhos, determinação da hemoglobina e
análise dos índices hematológicos – VGM<80fL), no doseamento do ferro e
ferritina e na execução da electroforese capilar para estudo da hemoglobina. Os
resultados obtidos permitiram separar os candidatos em quatro grupos de
patologias distintas: Grupo I, portadores heterozigóticos de drepanocitose e
portadores de outras alterações da molécula da hemoglobina, como seja a HbC e a
Hb Lepore; Grupo II, portadores de β-talassémia; Grupo III, com anemia
ferropénica; e Grupo IV, suspeitos de α-talassémia.
A caracterização e diagnóstico das hemoglobinopatias e talassémias é feita por
análise do ADN através de técnicas de biologia molecular. No entanto, o estudo
efectuado pode fornecer um diagnóstico presuntivo e parece ter interesse numa
abordagem de rastreio numa população jovem em idade reprodutiva com o intuito
de fornecer informação que conduza a um aconselhamento e/ou orientação
genética.
A electroforese capilar é uma metodologia recente capaz de detectar e separar
variantes estruturais de hemoglobina, fazendo o seu doseamento com igual ou
melhor precisão que o método convencionado como referência, o HPLC-
cromatografia líquida de alta pressão.15,16,17 Alterações estruturais na cadeia
da globina capazes de modificar a carga eléctrica total da molécula da
hemoglobina são detectadas através da migração na electroforese. Desta forma
caracterizámos o grupo I e II. Cotton et al18 descrevem a electroforese capilar
como um método de rotina com excelente precisão para a determinação da HbA2. O
aumento da HbA2 é o parâmetro mais importante para identificar os portadores de
β-talassémia, sendo referido que, quando determinada por electroforese capilar,
permite fazer o diagnóstico.18 No entanto, existem casos em que esta não se
encontra aumentada e os resultados devem ser interpretados conjuntamente com os
parâmetros hematológicos e bioquímicos.19,20 Estão descritos valores que rondam
a normalidade de HbA2 em portadores de β-talassémia em situações de anemia
ferropénica.21 Assim, todos os jovens caracterizados no grupo III (anemia
ferropénica), deveriam corrigir a sua anemia com ferro e fazer novamente uma
electroforese de hemoglobina, caso mantenham a microcitose. No entanto, os
valores de VGM na talassémia são referenciados como valores mais baixos (VGM =
64,4±4,57 fL) relativamente aos da anemia ferropénica (VGM=72,6±6,39fL) e a
contagem total de glóbulos vermelhos está aumentada (6,16±0,51x106/mm3 versus
4,86±0,64x106/mm3) como constatamos também neste estudo. O valor da anisocitose
foi muito semelhante nas duas situações. Já a observação do esfregaço de sangue
permitiu constatar na β-talassémia a presença de pontuado basófilo, estando
este descrito como sendo mais frequente em indivíduos de origem mediterrânea ao
invés dos africanos, sendo esta atribuída a uma deficiência da enzima
pirimidino 5`nucleotidase (responsável pela degradação do ácido
ribonucleico).22,23 Também a presença de dianócitos ou células em alvo são
característicos da β-talassémia, consequência da redução do conteúdo
citoplasmático sem alteração da quantidade de membrana do glóbulo vermelho. Na
anemia ferropénica foi mais constatada a presença de glóbulos vermelhos com
formas anormais, destacando-se dentro destas a eliptocitose. Este grupo III é
constituído por jovens que maioritariamente apresentam anemia mas existem
outros que apresentam só depleção das reservas de ferro.14
A presença de HbS na electroforese de hemoglobina caracterizou os portadores de
drepanocitose que, curiosamente e ao contrário do esperado, apresentavam também
microcitose. Barbara Bain refere que a existência de microcitose em portadores
de drepanocitose advém da existência de outra hemoglobinopatia para além da
caracterizada na HbS.23 Pelo facto de a nossa condição de estudo ser um
VGM<80fL, não podemos avaliar a prevalência desta patologia na ausência de
microcitose nem diagnosticar a causa subjacente, para além do doseamento do
ferro e ferritina que caracteriza a existência simultânea de uma anemia
ferropénica e a análise da electroforese de hemoglobina que nos aponta para a
presença de uma talassémia simultaneamente. A presença de anemia ferropénica
foi constatada apenas num jovem também portador de drepanocitose, que
apresentava valores de ferritina muito baixos (2,5ng/mL). Noutros dois
candidatos, o doseamento da HbA2 estava acima de 3% e abaixo de 4%, o que faz
suspeitar da presença simultânea de β–talassémia e drepanocitose. Todos os
outros jovens tinham valores normais de ferro e ferritina, bem como doseamentos
de HbA2. Estes últimos fazem-nos excluir à priori a existência simultânea de
outra hemoglobinopatia com possibilidade de ser detectada na electroforese,
fazendo suspeitar por exclusão de partes de uma α-talassémia.
A α-talassémia é uma patologia genética conhecida, mais frequente do que é
constatada, pelo que muitos autores a consideram uma doença
subdiagnosticada.1,11A sua presença é suspeita num quadro de microcitose com ou
sem anemia, reservas de ferro e electroforese de hemoglobina normais.24O grau
de anemia pode variar e está dependente da alteração genotípica.11De facto, o
grupo de candidatos que corresponde a estes critérios é o que apresenta maior
frequência, grupo IV, o que de algum modo nos alerta para a necessidade de
caracterizar melhor esta população com vista a fornecer um conhecimento
informado.
A Hb Lepore é facilmente identificada na electroforese de hemoglobina capilar
pela sua migração, ao contrário da electroforese de hemoglobina convencional e
do HPLC17(nesta a eluição desta hemoglobina é concomitante com a HbA2). Num
estudo português é referida como uma hemoglobinopatia comum na população
caucasiana habitante no centro do pais.25
A HbC foi também identificada pela electroforese de hemoglobina capilar mas, ao
contrário das outras hemoglobinopatias, esta migra numa zona muito próxima da
HbA2 dificultando a precisão do seu doseamento. O baixo valor de HbA2 neste
caso pode dever-se a uma limitação da metodologia usada como é descrito por
Higgins.17
Os portadores silenciosos de α-talassémia, os portadores de traço α e β
talassémia, assim como os portadores heterozigóticos de hemoglobinopatias (HbS,
HbC, Hb Lepore) são assintomáticos, não requerem tratamento e têm uma esperança
média de vida idêntica à da população em geral26 (excepção para os portadores
heterozigóticos de HbS, quando submetidos a hipoxia). Reveste-se de grande
importância o facto de serem patologias genéticas transmissíveis à descendência
com um grau de risco dependente dos progenitores. Assim, se só um dos
progenitores for portador de uma talassémia ou de uma hemoglobinopatia, a
probabilidade de transmitir a anomalia à descendência é de 25%, aumentando o
risco para 50% se ambos forem portadores. Neste caso a probabilidade de
nascerem filhos homozigóticos, ou seja, com manifestação de doença grave por
talassémia e/ou hemoglobinopatia é também de 50%. É de todo imperativo a
identificação dos portadores, assim como de casais em risco, para orientação e
aconselhamento genético, evitando desta forma graves problemas sociais e
económicos.
A prevalência destas patologias é variável de distrito para distrito, tornando-
se premente a existência de rastreios que permitam uma maior vigilância
sobretudo nos locais de maior frequência, como sejam Lisboa, Setúbal e Faro. O
estudo não permite avaliar a prevalência em Portugal uma vez que só parte do
território é rastreada no GCSL. No entanto a existência dos locais descritos na
literatura7,8 como tendo maior prevalência são neste estudo também constatados.
Por outro lado os números encontrados não nos poderão deixar indiferentes, uma
vez que não são patologias assim tão raras.
Concluímos que a avaliação da microcitose nesta população jovem adulta
assintomática, feita a partir de uma metodologia de rotina laboratorial simples
e pouco dispendiosa, foi suficientemente robusta e capaz de identificar
anomalias genéticas e carenciais, contribuindo para um melhor controlo
epidemiológico e orientando no sentido de se instituírem medidas preventivas e
promotoras de saúde.