Novas recomendações na prevenção da morte súbita do lactente
CLUBE DE LEITURA
Novas recomendações na prevenção da morte súbita do lactente
SIDS and Other Sleep-Related Infant Deaths: Expansion of Recommendations for a
Safe Infant Sleeping Environment Pediatrics
Camila Mota Neves*
*Interna de Formação Específica de Medicina Geral e Familiar, UCSP Senhora da
Hora, ULS Matosinhos
Task Force on Sudden Infant Death Syndrome. SIDS and Other Sleep-Related Infant
Deaths: Expansion of Recommendations for a Safe Infant Sleeping Environment
Pediatrics 2011 Nov; 128 (5): 1030-9.
Resumo
Em 1992 a Academia Americana de Pediatria (AAP) publicou a sua primeira
recomendação sobre a síndrome da morte súbita no lactente (SMSL), na qual
aconselhava a colocação dos lactentes em decúbito dorsal durante o sono. Apesar
da queda na incidência desta síndrome, este declínio atingiu um patamar nos
últimos anos.
Por outro lado, particularmente desde que a AAP publicou a sua última
recomendação em SMSL, em 2005, verificou-se um aumento na incidência de outras
causas de morte súbita e inesperada associada ao sono, nomeadamente mortes
atribuíveis à asfixia, ao estrangulamento e a causas mal definidas ou não
especificadas de morte no primeiro ano de vida.
Recentemente, a AAP expandiu as suas recomendações e, em vez de se concentrar
apenas na SMSL, foca-se num ambiente de sono seguro que pode reduzir no
lactente o risco de morte por várias causas relacionadas com o sono, incluindo
a SMSL.
A SMSL é a morte súbita e inexplicada de um lactente aparentemente saudável e
em que uma autópsia falha na demonstração de uma causa adequada. A morte súbita
infantil inesperada (SUID) é um termo usado para descrever qualquer morte
súbita e inesperada, seja explicada ou não (incluindo SMSL), que ocorra durante
o primeiro ano de vida. Após investigação dos casos, a SUID pode ser atribuída
a asfixia, infecção, aprisionamento, ingestão de tóxicos, doenças metabólicas,
arritmias ou trauma (acidental ou não acidental).
As mais recentes recomendações da AAP centram-se no conjunto de SUID que
ocorrem durante o sono.
Recomendações
Os lactentes devem dormir em decúbito dorsal até ao ano de vida. Quando o
lactente adquire a capacidade de se virar na cama, deve ser deixado na posição
que adopta naturalmente. O decúbito lateral não é seguro nem recomendado. Não é
recomendada a elevação da cabeceira da cama.
Deve ser usado um colchão firme e bem adaptado ao berço ou alcofa, coberto por
um lençol ajustado.
O lactente deve dormir na mesma divisão dos pais, mas no seu próprio berço ou
alcofa, sendo que só deve ser colocado na cama dos pais para a alimentação ou
para conforto.
Não devem ser colocados objectos na cama do lactente nem devem ser usadas
almofadas, fraldas, gorros, babetes, protectores de berço ou outras peças que
lhe possam tapar a cabeça e causar estrangulamento ou asfixia.
As mulheres grávidas devem receber cuidados pré-natais regulares e devem evitar
a exposição ao fumo do tabaco, ao álcool e às drogas ilícitas durante a
gravidez e após o nascimento.
A amamentação está associada a um menor risco de SMSL. O efeito protector do
leite materno aumenta se for em exclusividade. De qualquer forma, a amamentação
materna, mesmo que associada ao leite adaptado, é por si só protectora.
A chupeta deve ser oferecida, pois reduz o risco do SMSL, apesar de o mecanismo
ser desconhecido. Caso o lactente a rejeite não se deve forçar o seu uso. O
efeito protector da chupeta persiste mesmo se esta cair da sua boca, não sendo
necessário recolocá-la se ela cair durante o sono. Não deve ser dada a chupeta
enquanto o recém-nascido ainda não estiver bem adaptado à mama da mãe. As
chupetas não devem estar ligadas à roupa por fios ou bonecos passíveis de
estrangulação ou asfixia.
Deve ser evitado o sobreaquecimento do quarto do lactente, apesar de não haver
uma temperatura ideal definida. Os lactentes devem ter no máximo mais uma
camada de roupa do que um adulto.
O plano nacional de vacinação e as consultas de saúde infantil devem ser
cumpridos, sendo que as imunizações podem ter um efeito protector contra a
SMSL.
Devem ser evitados dispositivos comerciais e monitores de vigilância dos sinais
vitais para evitar o risco de SMSL.
Durante o dia e sob supervisão deve-se posicionar os lactentes em decúbito
ventral de forma a evitar o aparecimento de plagiocefalia e facilitar o
desenvolvimento muscular.
Comentário
Desde as primeiras recomendações (anos 90) de posicionamento dos lactentes em
decúbito dorsal para dormir que a incidência de SMSL na Austrália, na América
do Norte e na Europa diminuiu significativamente. Actualmente a incidência de
SMSL é inferior a 1por 1000, contrastando com a incidência de até 3 por 1000 de
há 30 anos atrás.1,2,3,4
Contudo, à medida que a incidência de SMSL diminuiu, verificou-se um aumento na
incidência (de 2,8 para 12,5 mortes por 100000 nados vivos) de mortes
atribuíveis à asfixia e ao estrangulamento.5
Por outro lado, visto que os pais, por receio, evitavam colocar os lactentes em
decúbito ventral quando acordados, começaram a surgir outras complicações
decorrentes destas recomendações, nomeadamente: atraso do desenvolvimento
motor; aumento da incidência de plagiocefalia e braquicefalia; e torcicolo
congénito.6,7,8,9,10 O atraso de desenvolvimento motor seria mais aparente aos
2 e 3 meses de idade, altura em que o lactente seria ainda incapaz de segurar a
cabeça estando em posição de pronação.9
Para além de realçar as alterações efectuadas nestas recomendações de 2011,
parece importante também analisar a evolução das sucessivas recomendações da
AAP ao longo dos anos.
Em 1992 surgiram as primeiras recomendações da AAP sobre o posicionamento dos
lactentes saudáveis na posição de decúbito dorsal ou lateral para dormir. Esta
medida inicial teve um grande impacto nas reduções da incidência da SMSL, cerca
de 40%.
Em 2000, por a SMSL permanecer uma causa importante de morte infantil, a AAP
alargou as recomendações iniciais focando-se também nas superfícies de sono, no
sobreaquecimento, na partilha do mesmo quarto mas não da mesma cama e no
tabagismo materno.
Em 2005, as recomendações da AAP puseram fim à indicação do decúbito lateral.
Pelo contrário, indicavam que os lactentes deviam dormir apenas em decúbito
dorsal e incluíram a ideia de que as chupetas poderiam reduzir o risco da SMSL.
Mantinham a ideia que o lactente deveria partilhar a mesma divisão da mãe até
aos 6 meses de idade, mas dormindo em camas separadas.
Em 2011 surge uma expansão das últimas recomendações que deixam de se focar
apenas na SMSL, para falar em ambientes de sono seguro. Mantêm recomendações
anteriores mas acrescentam que estas devem ser adoptadas em geral até aos 12
meses de idade, como por exemplo: colocar o bebé em decúbito dorsal, dormindo
no mesmo quarto mas num berço apropriado, sem objectos soltos da cama e
evitando o sobreaquecimento. Ao contrário das recomendações de 2005, nas quais
se referia especificamente que os bebés deveriam partilhar o mesmo quarto dos
pais até aos 6 meses de idade, nas recomendações de 2011 apenas é descrito no
início do texto que todas as recomendações devem ser seguidas até ao ano de
idade.
Outra novidade nestas recomendações é o papel protector do aleitamento materno,
que, apesar de ter sido mencionado desde 1992, aparece pela primeira vez como
causa de redução do risco de SMSL.
A recomendação de que crianças sejam imunizadas e tenham as suas consultas de
saúde infantil regulares é também um aspecto novo, apesar de já o terem
mencionado anteriormente, faltavam ainda evidências que correlacionassem a SMSL
e a vacinação.
Em conclusão, o foco na posição de deitar como prevenção da SMSL dando lugar à
perspectiva de um sono seguro parece ser a grande mais-valia destas novas
recomendações, que se espera travem o aumento de mortes por asfixia e
estrangulamento, valores que quadruplicaram entre 1984 e 2004.5