Teste de dependência à nicotina: validação linguística e psicométrica do teste
de Fagerström
1. Introdução
Dispor de uma medida válida da dependência tabágica é essencial tanto para fins
de tratamento como para investigação. Segundo alguns autores (Etter, 2005), os
instrumentos mais utilizados para medir a dependência física são o Questionário
Fagerström de Tolerância (FTQ - Fagerström Tolerance Questionnaire), o
Teste de Fagerström para a Dependência da Nicotina (FTND - Fagerström
Test for Nicotine Dependence) e o Índice do Peso de Fumar (HSI -
Heaviness of Smoking Índex).
O primeiro, composto por oito perguntas, foi desenhado em 1978 com o objectivo
de obter uma medida curta e de auto-preenchimento da dependência da nicotina
(Fagerström, 1978).
A utilização deste questionário foi, no entanto, inicialmente posta em causa
devido a algumas limitações de natureza psicométrica, incluindo a sua estrutura
factorial, níveis baixos de fiabilidade e má selecção das perguntas (Heatherton
et al.,1991). Lichtenstein e Mermelstein (1986), por exemplo, detectaram a sua
multifactoriedade, com apenas um dos factores a contribuir significativamente
para a explicação da variância. Os mesmos autores e Pomerleau et al. (1990)
detectaram fraca coerência interna, com algumas perguntas a correlacionarem-se
mais alto com medidas bioquímicas e de comportamento do que a pontuação total.
Nasceu, deste modo, o Teste de Fagerström para a Dependência da Nicotina
(Heatherton et al.,1991), uma versão modificada do Questionário Fagerström de
Tolerância. É composto por seis das perguntas originais, tendo sido eliminadas
as perguntas referentes à taxa de nicotina e à inalação. Foi efectuada uma
revisão das pontuações nas perguntas sobre o tempo até ao primeiro cigarro do
dia e sobre o número de cigarros diários. Estas duas perguntas tinham, por sua
vez, dado origem a uma versão mais curta denominada Índice do Peso de Fumar
(Heatherton et al.,1989). Embora as restantes perguntas não acrescentem muito
em relação à previsão de níveis bioquímicos, estão relacionadas com
comportamentos da cessação tabágica e têm sido consideradas úteis na discussão
entre o doente e o médico sobre a dependência da nicotina.
O Teste de Fagerström já foi validado e aplicado em diversos contextos, como é
o caso da dependência da nicotina entre adolescentes (Prokhorov et al.,2000;
O'Loughlin et al.,2002; Nonnemaker et al.,2004) ou entre estudantes
universitários (Sledjeski et al.,2007) de uma amostra de cidadãos brasileiros
(Halty et al.,2002) ou de fumadores ligeiros (Etter, Duc e Perneger, 1999). Foi
também utilizado num estudo de impacto da idade de iniciação na dependência da
nicotina (Park et al.,2004), num estudo de diferenças de comportamento entre
homens e mulheres (Psujek et al.,2004) ou numa avaliação do êxito de programas
de cessação tabágica (Raherison et al.,2005). Vários outros trabalhos
realizaram estudos comparativos da escala de Fagerström face a medidas
alternativas (Hughes et al.,2004; John et al.,2004; Etter, 2005; Storr ,
Reboussin e Anthony, 2005; Piper, McCarthy e Baker, 2006; Wellman et al.,2006).
Alguns autores aplicaram ainda a análise factorial à escala de Fagerström
(Radzius et al.,2003; Richardson e Ratner, 2005).
Em Portugal, e apesar de já existirem versões desta escala a serem utilizadas
na prática clínica, não conhecemos qualquer publicação com a validação desta
escala. As versões existentes diferem mesmo entre si em alguns aspectos
significativos. Assim, o objectivo do presente estudo foi a construção de uma
versão do teste FTND devidamente validada, quer linguisticamente quer em termos
psicométricos, para a língua e cultura portuguesas.
2. Adaptação cultural e linguística
Segundo as orientações reconhecidas pela comunidade científica, a adaptação
cultural e linguística pressupõe a utilização da técnica de tradução-
retroversão de Brislin (1970), composta por quatro fases fundamentais: (i)
definição conceptual; (ii) tradução/retroversão; (iii) testes piloto; e (iv)
revisão final.
A primeira fase passa por uma clarificação dos conceitos que são medidos pelas
várias componentes do questionário e tem por objectivo garantir que a versão em
português reflecte de igual modo esses conceitos. Assim, num primeiro momento
enquadrado nesta fase, contactou-se o autor Karl Fagerström e realizou-se uma
pesquisa em bases de dados bibliográficas. Conclui-se que, de um modo geral,
esta escala é muito simples e poucas dúvidas levanta em termos semânticos.
Obtida a versão mais actual da escala original em inglês enviada pelo autor,
dois tradutores portugueses, fluentes em inglês, produziram, independentemente
um do outro, as respectivas traduções, após o que se passou a uma fase de
reconciliação entre ambas as traduções. Foram detectadas poucas discrepâncias,
tendo-se obtido uma primeira versão em português. Esta versão foi então sujeita
a uma retroversão por um tradutor cuja língua-mãe era o inglês e procedeu-se a
uma análise comparada com a versão original. Na segunda pergunta, a expressão
"custa-lhe" foi traduzida para "does it bother you",
talvez um pouco mais suave do que a expressão original "do you find it
difficult"; no entanto, decidiu-se manter esta expressão na versão
portuguesa final por se considerar que representa um grau de intensidade mais
próximo do "do you find it difficult" (em nosso entender,
"does it bother you" estaria mais próximo de algo como
"incomoda-o").
O terceiro passo compreendeu dois testes-piloto com futuros utilizadores do
questionário: os respondentes e os peritos na área terapêutica da pneumologia
ou da cessação tabágica. No teste de revisão clínica foi pedido a uma
pneumologista que analisasse a versão portuguesa, com base na versão original e
que comentasse e fornecesse sugestões de alteração, caso considerasse
conveniente. Os comentários desta especialista incidiram essencialmente na
introdução e na terceira, quinta e sexta perguntas e foram todos no sentido de
introduzir uma linguagem mais familiar e acessível aos futuros utilizadores.
No que respeita aos respondentes, procedeu-se a um teste de compreensão com o
objectivo de avaliar a clareza, a compreensão, a adaptação do questionário às
condições dos respondentes e a relevância cultural em português. Neste teste
foi utilizada uma amostra de sete fumadores, a quem foi pedido que respondessem
ao questionário, sendo posteriormente entrevistados. A idade média foi de 53,9
anos e a idade mediana de 52 anos. O tempo de preenchimento variou de um a seis
minutos, com uma média de três minutos e uma mediana de dois minutos.
Nas entrevistas foi-lhes perguntado se tinham encontrado quaisquer dificuldades
ao preencher o questionário, nomeadamente de compreensão de frases ou de
palavras. Houve o cuidado de garantir que os indivíduos compreendiam, de forma
idêntica, as perguntas que constituem este pequeno questionário. Em caso de não
compreensão de qualquer parte do questionário, e após se lhes explicar o seu
objectivo, foi-lhes pedido uma sugestão de formulação da pergunta.
Em termos gerais, nenhum respondente considerou o questionário difícil, com
excepção, em alguns deles, das duas últimas perguntas. Assim, na quinta
pergunta, houve alguma dificuldade em responder com as alternativas de resposta
"sim/não". Por se tratar de uma pergunta escrita de uma forma de
certo modo complexa, considerou-se que talvez fosse preferível refazer a
pergunta e as opções de resposta. Em vez da formulação original
5. Fuma mais nas primeiras horas depois de acordar do que no resto do dia?
⁰ Sim
⁰ Não
passaria a ser
5. Fuma mais nas primeiras horas depois de acordar ou no resto do dia?
⁰ Fumo mais nas primeiras horas depois de acordar
⁰ Fumo mais no resto do dia
Também a sexta pergunta foi considerada complexa por alguns respondentes e
levantou algumas dificuldades por ser um pouco ambíguo se se estava a dar mais
importância a fumar mesmo quando muito doente ou a fumar na cama. Assim, para a
pergunta
6. Fuma mesmo quando está tão doente que passa a maior parte do dia na cama?
⁰ Sim
⁰ Não
foi equacionada a seguinte alternativa:
6. Se estiver muito doente, de cama, fuma ou não?
⁰ Sim
⁰ Não
No total, as entrevistas duraram de 8 a 28 minutos, com uma média de 21 minutos
e uma mediana de 20 minutos. Com base nestas entrevistas e no relatório clínico
de revisão, a versão provisória portuguesa sofreu algumas modificações.
Por fim, no quarto passo foi realizada uma revisão final para garantir que não
persistiam quaisquer erros gramaticais ou de pontuação e que a apresentação do
questionário respeitava a da versão original. Em apêndice apresentam-se as
perguntas que constituem a versão portuguesa final do FTND.
É de sublinhar também a alteração do título para "Teste de Fagerström
sobre a sua dependência tabágica" (TFDT). Outra alteração, que ocorreu já
na fase da validação psicométrica, diz respeito à eliminação da frase
introdutória que fazia referência ao «vício» por oposição ao «hábito». Estas
alterações estão relacionadas com a própria indefinição à volta do verdadeiro
objectivo deste teste. Construído no fim da década de 70 do século passado e
com a pontuação estabilizada já no início da década de 90, foi elaborado numa
época em que os procedimentos terapêuticos de cessação tabágica estavam
associados à dependência da nicotina e aos substitutos desta substância
Actualmente, já existem outras formas terapêuticas que não passam
necessariamente pela substituição da nicotina, mas pela introdução de
substâncias activas que se ligam a alguns receptores do sistema nervoso,
actuando como a nicotina (agonista principal), aliviando os sistemas de
abstinência, e contra a nicotina (antagonista), ocupando o seu lugar. De
qualquer modo, decidimos alterar para adição.
Outro aspecto é a distinção, pouco evidente neste teste, entre hábito tabágico
e vício ou adição. Por vezes, na realidade, o problema que se coloca é mais a
necessidade de alterar hábitos do que tratar a dependência da nicotina,
constituindo mais um problema psicológico do que químico.
3. Metodologia
Nesta secção descreve-se a metodologia seguida no processo de validação
psicométrica do TFDT, nomeadamente a selecção de respondentes, o questionário
de validação, a validação psicométrica propriamente dita e a análise
estatística dos dados.
3.1. Amostragem
Para validar a versão portuguesa do TFDT, foram recolhidas amostras compostas
pelos fumadores que acorreram, de 3 de Março a 24 de Abril de 2008, a consultas
de medicina no trabalho (amostra 1) e consultas de Pneumologia e Desabituação
Tabágica (amostra 2). O processo de recrutamento foi sequencial.
A amostra 1 foi composta por 45 funcionários da Universidade de Coimbra
convocados de uma forma aleatória pelo Gabinete de Segurança, Higiene e Saúde
no Trabalho desta Universidade para uma avaliação global do estado de saúde e
detecção de alguns problemas de saúde. Trata-se de uma amostra representativa
de todos os docentes e funcionários da Universidade. Apenas aos fumadores foi
solicitado que preenchessem os questionários.
A amostra 2 corresponde a 219 doentes que se apresentaram para uma primeira
consulta de Desabituação Tabágica ou para uma consulta de Alergologia e
Pneumologia Geral no Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia, ou nos Centros de
Diagnóstico Pneumológico de Amarante e de Gondomar. Para alguns destes doentes
foram recolhidos dados de CO exalado bem como a avaliação por parte do médico
da sua dependência tabágica.
O Quadro I apresenta as características gerais das duas amostras parcelares e
da amostra total.
Quadro I
Características gerais das amostras
Deste modo, a amostra total consistiu em 264 adultos, com idades compreendidas
entre 17 e 78 anos (média de 42,4 e desvio padrão de 13,2) com 61,8% de homens.
Em relação às habilitações literárias, quase metade (48,5%) possuía, no máximo,
o ensino básico e menos de um terço (29,9%) o ensino superior.
De acordo com o Inquérito Nacional de Saúde 2005/ /2006 (INSA e INE, 2006), 80%
da população portuguesa fumadora é do sexo masculino e cerca de 70% tem 45 ou
mais anos de idade. Assim, na amostra utilizada no presente estudo existe uma
relativa sobre-representação das mulheres e das camadas mais jovens.
Consideramos não ser necessário qualquer tratamento estatístico de pós-
estratificação na medida em que o objectivo deste estudo não é encontrar
valores normais representativos da população, mas somente validar o TFDT. No
entanto, a presente amostra (em especial a amostra 2) já pode ser considerada
como representativa dos doentes fumadores em tratamento nas unidades de
Pneumologia.
3.2. Questionário de validação
Desde meados da década de 60 têm sido desenvolvidos modelos teóricos sobre o
comportamento dos fumadores e várias formulações conceptuais têm sido propostas
no sentido de explicar as motivações e perspectivas dos fumadores (Pomerleau et
al.,2003). Deste modo, os instrumentos de avaliação da dependência tabágica,
entre os quais se inclui o TFDT, têm-se baseado nestes fundamentos teóricos. O
questionário utilizado neste estudo para a validação do TFDT complementou a
versão portuguesa do teste com um conjunto de perguntas que, de acordo com a
literatura, são também elas potencialmente relevantes no que diz respeito à
dependência tabágica.
De entre as perguntas do TFDT podem destacar-se o tempo até ao primeiro cigarro
do dia (pergunta 1) e o número de cigarros por dia (pergunta 4). Teoricamente,
a primeira pergunta é importante na previsão da dependência tabágica
(Heatherton et al.,1989; Kozlowski et al.,1981), de medidas bioquímicas como a
cotinina, a nicotina e o monóxido de carbono (Heatherton et al.,1989) e do
êxito de pro-gramas de cessação tabágica (Kozlowski et al.,1981; Kabat e
Wynder, 1987). Em relação a esta variável que mede o tempo (em minutos) até ao
primeiro cigarro do dia, a classificação da variável TPCD em quatro categorias
(≤ 5, 6-30, 31-60, 61+) foi considerada superior à classificação com apenas
duas categorias (fumadores imediatos: ≤ 30, fumadores tardios: > 30).
A variável que representa a frequência diária de consumo de tabaco tem sido
encarada como tendo validade facial em relação à dependência tabágica
(Brantmark, Ohlin e Westling, 1973). Já a sua capacidade de prever a
abstinência tem sido objecto de resultados contraditórios. Para a utilização
desta variável são utilizadas quatro classes (1-10, 11-20, 21-30, 31+), sendo
pertinente a inclusão de um "ponto de corte" entre 1 e mais maços
de tabaco.
Esta escala também mede a dificuldade dos fumadores em deixar de fumar em
locais proibidos (pergunta 2) ou quando estão muito doentes, de cama (pergunta
6), tendo em conta ainda qual o cigarro que é mais difícil aos fumadores
deixarem de fumar (pergunta 3) e em que parte do dia fumam com mais frequência
(pergunta 5).
De todas as perguntas, a primeira e a quarta são aquelas que se espera serem as
mais responsáveis pela explicação da variância dos resultados. Recorde-se que
Índice do Peso de Fumar (IPF), já atrás mencionado, considera precisamente
estas duas variáveis, produzindo valores de 0 a 6. Porque as respostas a estas
duas perguntas do TFDT utilizam classes predefinidas, decidiu-se repetir no
questionário de validação as mesmas perguntas, solicitando-se agora um valor
quantitativo. Consegue-se assim estimativas mais precisas para a média e para o
desvio padrão, ainda que correndo o risco de os respondentes poderem considerar
que se está perguntar o mesmo duas vezes.
Também a quinta pergunta do TFDT pode conter um pouco de ambiguidade (pelo
menos foi o que deduzimos do teste de compreensão feito a fumadores), pelo que
foi incluído neste questionário uma outra pergunta sobre qual a parte do dia em
que o respondente fuma mais, sendo as alternativas de resposta apresentadas
como manhã/tarde/noite.
As perguntas 9 e 12 estão estreitamente relacionadas com as perguntas
entretanto eliminadas do Questionário Fagerström de Tolerância. No primeiro
caso, pergunta-se qual a marca de tabaco normalmente utilizada com o objectivo
de obter a taxa de nicotina (TN) consumida, embora não exista grande evidência
desta variável, só por si, ser um bom estimador daquilo que os fumadores obtêm
do cigarro. Isto é, sabe-se que a intensidade da forma como o cigarro é fumado
pode "compensar" taxas reduzidas de tártaro e de nicotina
(Fagerström, 1982; Rickert e Robinson, 1981). Deste modo, a variável TN fornece
uma informação limitada sobre a dependência tabágica. De qualquer modo,
decidimos incluí-la no nosso questionário, para efeitos de descrição da amostra
e análises exploratórias. Além do mais, uma das críticas apontadas ao FTQ,
relativamente à pergunta da TN, assentava na falta de conhecimento dos
fumadores sobre a TN dos cigarros que fumavam (Heatherton et al.,1991), já que
no FTQ as alternativas de resposta apresentavam directamente classes de TN. No
caso em estudo, esta questão não se levanta uma vez que foram os próprios
autores a realizar uma pesquisa sobre a TN de cada marca. A TN foi então
classificada em três grupos: taxa baixa (TN ≤ 0,6 mg), taxa média (TN = 0,7 mg)
e taxa elevada (TN ≥ 0,8 mg). A pergunta 12 diz respeito à inalação do fumo
(IF), normalmente utilizada em três níveis (não inala, inala às vezes, inala
sempre), e que também tem sido criticada por não discriminar graus de
dependência, com o argumento de que quase todas as pessoas fumadoras inalam o
fumo. Em relação a esta variável decidimos incluí-la no questionário apenas por
razões estatísticas de descrição da amostra. Há evidência de que os fumadores
são capazes de reportar com rigor se inalam (Herling e Kozlowsky, 1988), embora
já não sejam tão rigorosos quando reportam a intensidade das inalações
(Stepney, 1982).
Por ser uma alteração recente e serem ainda poucos os dados sobre o seu impacto
nos hábitos dos fumadores, decidiu-se também incluir uma pergunta (pergunta 11)
sobre o efeito da nova lei de proibição de fumar em locais públicos ainda nesta
parte do questionário de validação, mais relacionada com padrões de consumo.
Na pergunta 13, foi solicitado aos respondentes que avaliassem a dependência
tabágica que sentiam ter. A auto-avaliação da dependência tabágica constitui um
dos indicadores que têm sido utilizados na validade de critério (e.g. Hughes
etal., 2004; Etter, 2005). As respostas à pergunta 13 foram também comparadas
com a avaliação que os médicos fizeram sobre o mesmo tipo de dependência.
A problemática da dificuldade percebida quanto à cessação e a motivação para
deixar de fumar foi também considerada no questionário de validação. A primeira
pergunta a surgir é se o respondente sente que é difícil, ou não, deixar de
fumar (pergunta 14). Uma hipótese de trabalho que tem sido utilizada é a de que
quanto maior é a dependência tabágica, menor é a confiança do fumador na sua
capacidade para deixar de fumar e, consequentemente, maior será o grau de
dificuldade antecipado pelo próprio (e.g. Hughes et al.,2004; Etter, 2005). Na
verdade, o sentido desta causalidade pode mesmo ser invertido, ou seja, uma
linha de investigação já discutida é a de que baixas expectativas quanto ao
sucesso da cessação tabágica podem em parte explicar a manutenção da
dependência (Richardson e Ratner, 2005). Na pergunta 15, era pedido ao
respondente que indicasse se se sentia motivado para deixar de fumar nos
próximos seis meses.
O conjunto seguinte de perguntas (16 a 23) pretendia averiguar qual a posição
que os respondentes fumadores têm face a algumas situações relacionadas com a
dependência tabágica. Isto inclui, no caso de deixar de fumar, o receio de
ficar irritado (pergunta 16) ou o dos outros pensarem que se é doido em ignorar
os alertas sobre fumar (pergunta 22).
Adicionalmente, teve-se em conta aspectos muitas vezes associados ao fumar,
como é o caso de se considerar que liberta a tensão (pergunta 17), faz sentir-
se bem após algum tempo sem fumar (pergunta 18), sentir-se relaxado e mais
alegre (pergunta 23) ou ajuda a concentrar e a trabalhar melhor (pergunta 19).
Em contraponto, aspectos negativos sentidos por quem fuma foram também
incluídos, como é o caso do fumador se sentir com vergonha quando tem de fumar
(pergunta 20) ou incomodar os outros quando fuma (pergunta 21). Todos estes
aspectos foram extraídos da Escala das Vantagens de Fumar de Velicher (Velicher
et al.,1985) em que aos respondentes é pedido que dêem a sua concordância a
cada uma das frases.
A análise de Pomerleau e colegas também é passível de ser aplicada a este
conjunto de questões. Estes autores distinguem entre o "reforço
negativo" que tem a ver com o alívio dos sintomas negativos que o fumador
associa à abstinência e o "reforço positivo" associado ao bem-estar
ou ao prazer induzido (na óptica do fumador) pelo acto de fumar. No
"reforço negativo" incluem-se por exemplo as perguntas 16 e 18
enquanto que no "reforço positivo" incluem-se as perguntas 17, 19 e
23. A dependência física da nicotina estará mais associada à dependência
tabágica via "reforço negativo" do que via "reforço
positivo" (Pomerleau et al.,2003).
Antes de solicitar aos respondentes os seus dados pessoais, perguntou-se ainda
(pergunta 24) se fumam mais entre amigos. A importância dos hábitos (de que o
"fumador social" é um exemplo) no contexto da dependência tabágica
tem vindo a ser cada vez mais reconhecida. A pergunta 24 pode dar-nos assim
alguma indicação sobre a existência de um efeito de consumo neutro, isto é, não
relacionado com o efeito negativo da abstinência ou com o efeito positivo do
consumo (Pomerleau et al.,2003).Neste efeito neutro também se podem enquadrar
comportamentos automáticos como, por exemplo, fumar um cigarro com o café ou no
fim de uma refeição.
Por fim, solicitou-se os dados pessoais dos respondentes para fins de
caracterização da amostra. Destaca-se ainda neste grupo a pergunta 28 com a
qual se procurou saber quantas vezes, nos últimos 12 meses, o respondente
tentou deixar de fumar e conseguiu durante pelo menos 24 horas. Esta pergunta
complementa as perguntas 14 e 15. Relativamente ao papel da pergunta 28,
enquanto indicador de dependência, este é um pouco ambíguo. Por um lado, e pelo
que acima foi dito, espera-se que a uma elevada dependência esteja associado um
reduzido número de tentativas de cessação (Etter, 2005). Contudo, os modelos
teóricos sobre dependência também sugerem que o sentimento de remorso conduz a
numerosas tentativas de cessação falhadas (Nonnemaker et al.,2004). Ainda
assim, na pergunta 28, refere-se um período de 24 horas de abstinência o que
indicia algum grau de autonomia (logo, menor dependência).
3.3. Validação psicométrica
A validação psicométrica do TFDT incluiu a aplicação de critérios de qualidade,
em especial das propriedades psicométricas de fiabilidade e da validade. Para
testar a fiabilidade teste-reteste, aplicou-se duas vezes o TFDT a uma amostra
de 11 fumadores. O êxito deste teste depende do valor do coeficiente de
correlação entre os dois momentos. Testou-se a coerência interna através do
coeficiente alfa de Cronbach em que o critério recomendado é ser superior ou
igual a 0,7 (Nunnally e Bernstein, 1994).
A validade de conteúdo foi garantida pela fase da equivalência semântica e
linguística, em especial pelo teste de compreensão com peritos e fumadores.
Para testar a validade de critério foram avaliadas as relações entre o valor da
escala e algumas variáveis comparadoras, como o CO exalado e a auto-avaliação
da dependência tabágica. A validade de construção foi testada através da
análise factorial, tendo em conta as seis perguntas que constituem o TFDT.
3.4. Análise estatística
O valor total da escala de dependência tabágica foi calculado através da soma
dos códigos das respostas às perguntas individuais. Esta soma permitiu
classificar a dependência tabágica em baixa (pontuação total de 0 a 3), média
(de 4 a 6) e alta (de 7 a 10).
Encontraram-se as características das várias perguntas, as correlações entre
elas e entre cada uma delas e o valor total. Para determinar a associação entre
as variáveis do TFDT (variáveis independentes) e as variáveis dicotómicas
utilizaram-se modelos univariados de regressão logística. Para variáveis
contínuas utilizaram-se modelos univariados de regressão linear.
Para a determinação da validade discriminante utilizou-se o teste t de Student
para a comparação de médias de amostras independentes, tendo em conta o valor
do CO exalado.
Os dados foram introduzidos em Microsoft Access, com validação dos códigos das
respostas introduzidas; foi feito um controlo de qualidade de alguns
questionários aleatoriamente seleccionados e o tratamento estatístico foi
realizado com o apoio do SPSS versões 15 e 16.
4. Resultados
Esta secção começa por seguir de perto as várias áreas do questionário,
apresentando as estatísticas descritivas correspondentes a cada pergunta. A
seguir, apresentam-se os resultados dos testes de fiabilidade e de validade da
escala.
4.1. Características dos participantes
Os resultados correspondentes ao TFDT são apresentados no Quadro II. As
distribuições de todas as perguntas deste questionário são enviesadas em que as
categorias mais baixas são escolhidas por mais de metade dos respondentes.
Consequentemente, a própria escala calculada a partir do teste (EFDT) é
enviesada, conforme se pode ver no gráfico da Figura 1.
Quadro II
Perguntas associadas à dependência tabágica
Figura 1
Distribuição dos valores da EFDT
Olhando para as proporções dos indivíduos que obtêm pontos por cada pergunta
verificamos que há menos pessoas a obter pontos por ter dificuldade em não
fumar em locais proibidos (36,0%), por lhes ser difícil terem de deixar de
fumar o primeiro cigarro da manhã (45,3%), por fumarem mais na manhã do que no
resto do dia (24,1%) e por fumarem mesmo quando doentes (22,3%). Por outro
lado, a maior parte das pessoas ganha pontos pela quantidade de cigarros
fumados por dia (71,5%) e pela necessidade de fumar nos primeiros minutos do
dia (73,0%).
A média da EFDT foi de 2,5 e a respectiva mediana de 4,0. Ligeiramente mais de
metade dos fumadores respondentes (52,9%) foi classificado pelo Teste como
possuindo uma baixa dependência e 12,5% como muito dependentes. Em relação aos
valores do Índice do Peso de Fumar, obteve-se uma média de 2,5 com uma mediana
de 3,0.
O Quadro III apresenta dados descritivos do padrão de consumo dos fumadores.
Quadro III
Padrões de hábito e de consumo
Como se pode ver neste gráfico, grande parte dos respondentes (60,3%) fumam
cigarros como uma taxa elevada de nicotina e confirma-se o argumento atrás
invocado de que quase todos os fumadores (70,2%) inalam o fumo.
Também é interessante analisar que praticamente todos os fumadores (99,6%)
começaram a ser fumadores regulares até aos 39 anos e que uma percentagem muito
significativa (37,2%) começam mesmo antes dos 15 anos de idade, conforme se
pode constatar no gráfico da Figura 2.
Figura 2
Distribuição da idade de início de fumador
Assim, o tempo em que se encontram na condição de fumadores regulares tem uma
média de 25,3 anos. O gráfico da Figura 3 apresenta a distribuição do tempo de
fumador. Em média, os indivíduos fumavam regularmente há 25,3 anos com um
desvio padrão de 13,3.
Figura 3
Distribuição do tempo de fumador
Tendo em conta que alguns doentes foram submetidos a uma análise de CO exalado,
37,0% podem ser considerados como não fumadores e, no outro extremo, 17,4% como
grandes fumadores.
É de realçar, por fim, a elevada percentagem (71,0%) de respondentes que
concordam ou concordam plenamente com a afirmação de que fumam mais quando
estão entre amigos, o que corrobora as sugestões de que a dependência tabágica
é um fenómeno mais abrangente do que a dependência química da nicotina,
incluindo, como já afirmámos atrás, o aspecto social.
O Quadro IV apresenta as respostas às perguntas correspondentes às motivações
para deixarem de fumar. Verificamos que apenas pouco mais de metade (52,9%) se
sente motivado a deixar de fumar nos próximos 6 meses e que, para 85,1% dos
respondentes, fazê-lo é mesmo difícil ou muito difícil. A prova disto é que, em
média, o número de vezes que tentaram deixar de fumar e conseguiram durante,
pelo menos, 24 horas, atingiu o valor de 1,8, com uma mediana de 0, conforme se
pode observar no gráfico da Figura 4.
Quadro IV
Motivação para deixar de fumar
Figura 4
Número de vezes, sem êxito, que tentou deixar de fumar
Por fim, pelo menos em relação a estes respondentes, a nova lei do tabaco, que
proíbe o fumo nos locais públicos, teve uma eficácia de 44,1%, pelo menos no
que respeita a alteração do hábito de fumar. Dos 116 respondentes que afirmaram
terem alterado os seus hábitos devido à lei, 96 (82,7%) explicaram de que modo
alteraram esses hábitos. Assim, 45 (56,9%) afirmaram que fumam menos, mesmo em
locais de fumadores, 38 (39,6%) declararam que cumprem a legislação e deixaram
de fumar durante o café ou após a refeição e 6 (6,3%) controlam melhor o tempo
entre cigarros, consomem antes de entrar nos locais proibidos, ficam menos
tempo nestes locais ou saem temporariamente para fumar. Apenas 7 (7,3%) evitam
deslocarem-se a esses locais.
Em relação à posição perante fumar, o Quadro Vapresenta alguns aspectos
considerados propensores para continuar a fumar e o Quadro VI alguns aspectos
inibidores que poderão contribuir para deixar de fumar.
Quadro V
Aspectos propensores
Quadro VI
Aspectos inibidores
Pouco mais de metade dos fumadores (58,6%) concordam que, se tentarem deixar de
fumar provavelmente ficariam irritados e ser-lhes-ia doloroso, a maioria
considera que fumar liberta a tensão (79,6%), ajuda a concentrar (55,6%) e que
se sente relaxada e mais alegre quando fuma (62,1%). Após estar sem fumar
durante um tempo, 67,3% dos respondentes reconhecem que um cigarro lhes faz com
que se sintam bem.
Constata-se aqui uma grande percentagem de respondentes (que varia entre 55,6%
e 79,6%) a concordarem ou concordarem plenamente com as afirmações relacionadas
com o "reforço negativo" (perguntas 16 e 18) bem como com o
"reforço positivo" (perguntas 17, 19 e 23).
Pelas respostas aos aspectos inibidores que, eventualmente, poderão pressionar
para que os fumadores deixem de fumar, apenas 14,5% sentem vergonha quando têm
de fumar e 42,0% concordam com a afirmação de que as outras pessoas consideram
que são doidos em ignorar os alertas sobre fumar. Apesar de manterem o seu
comportamento, 80,8% reconhecem que o fumo dos seus cigarros incomoda os
outros.
Os resultados da auto-avaliação dos respondentes como fumador e da avaliação da
sua dependência tabágica estão apresentados no Quadro VII e na Figura 5.
Quadro VII
Auto-avaliação como fumador
Figura 5
Distribuição da auto-avaliação como dependente tabágico
Verifica-se que 44,1% dos respondentes consideram ter uma dependência elevada
ou muito elevada e que 17,1% convencem-se ter uma dependência baixa ou muito
baixa.
Comparando esta auto-avaliação com a avaliação realizada pelos médicos (Quadro
VIII),constata-se existir uma relação muito forte este estas duas avaliações
(χ2= 42,3; gdl = 4; p< 0,005).
Quadro VIII
Auto-avaliação da dependência tabágica
Por fim, este quadro apresenta a relação entre a auto-avaliação da dependência
tabágica e a taxa de nicotina dos cigarros que os respondentes fumam. Embora
esta comparação seja limitada, uma vez que a taxa de nicotina nada diz nem da
quantidade de cigarros fumados nem da intensidade do fumar, verificou-se que
4,3% dos respondentes consideram ter uma dependência elevada, apesar de fumarem
cigarros com baixa taxa de nicotina; são indivíduos que provavelmente fumam com
grande intensidade e/ou uma grande quantidade de cigarros. Constata-se ainda
que 12,4% dos fumadores da amostra em causa, apesar de fumarem cigarros com uma
elevada taxa de nicotina, afirmam ter uma dependência baixa.
4.2. Fiabilidade teste-reteste
Para testar este tipo de fiabilidade, o TFDT foi administrado duas vezes a uma
amostra de 11 fumadores. O êxito deste teste depende do valor do coeficiente de
correlação entre os dois momentos. Os valores encontrados foram muito altos,
conforme se pode ver no Quadro IX.
Quadro IX
Correlação teste-reteste
É de notar que o valor encontrado para a escala original foi de 0,990 e que,
para as perguntas individuais, se encontraram valores de 0,975 a 1,000. Estes
valores provêm, provavelmente, do facto de se tratar de um questionário pouco
extenso e sem grandes dificuldades de preenchimento.
4.3. Coerência interna
Testou-se a coerência interna através do coeficiente α de Cronbach, mesmo
sabendo que uma das maiores críticas a esta escala está relacionada com os seus
níveis baixos de coerência interna. O valor encontrado na nossa amostra foi de
α = 0,660, valor baixo em relação aos valores padrão tradicionais, mas superior
ao valor ao 0,51 encontrado pelos autores (Heatherton et al.,1991) e
semelhantes aos encontrados nas populações francesa (0,70) e holandesa (0,71).
Conforme se pode ver no Quadro X,a coerência interna não pode ser
substancialmente melhorada se retirarmos qualquer uma das perguntas que compõem
o TFDT.
Quadro X
Coerência interna
4.4. Validade de critério
Foram testadas as relações entre o valor desta escala e algumas variáveis de
critério. Assim, e porque a 46 indivíduos foram medidos níveis de CO exalado,
comparámos estes valores com os obtidos pelo TFDT e com algumas outras
variáveis. O Quadro XI apresenta os resultados desta comparação. A
transformação logarítmica foi usada dada a heterogeneidade da variância.
Quadro XI
Valores do teste CO (n = 46)
Verifica-se que ambos os valores de CO e de log CO diferem entre os indivíduos
que fumam o seu primeiro cigarro do dia antes de 30 minutos após acordar e os
que fumam só após 30 minutos. Por outro lado, o número de cigarros fumados por
dia tem também um natural reflexo nos níveis de CO. Já em relação aos cigarros
proibidos, ao cigarro mais difícil de deixar de fumar, ao preferir fumar mais
de manhã do que no resto do dia ou ao fumar mesmo quando se está tão doente que
se tem de estar de cama, não foram encontradas quaisquer relações
significativas com os níveis de CO. O mesmo aconteceu com o facto de inalar, ou
não, o fumo enquanto fumam.
No entanto, apesar de apenas duas das perguntas do Teste (perguntas 1 e 4)
estarem relacionadas com o nível de CO exalado, o grau de dependência tabágica
dado pelo mesmo apresenta um poder discriminativo face ao mesmo nível de CO.
Comparou-se também a auto-avaliação da dependência tabágica com o grau de
dependência obtido com a aplicação do TFDT. Os resultados são apresentados no
Quadro XII.
Quadro XII
Auto-avaliação da dependência tabágica e grau de dependência EFDT
Pela análise deste quadro conclui-se por uma relação muito significativa
(c2=33,0; gdl=4; p<0,005) entre a auto-avaliação da dependência tabágica e o
grau de dependência fornecido pela escala EFDT.
4.5. Validade de construção
Ao aplicar a análise factorial (método das componentes principais) às perguntas
que compõem o TFTD encontrámos os dois factores apresentados no Quadro XIII.
Quadro XIII
Matriz rodada dos factores
Deste quadro e do modelo que explica 59% da variância retiramos dois factores:
consumo de cigarros (F1), envolvendo principalmente as perguntas 6, 4 e 2 e
fumo matinal (F2), envolvendo as perguntas 3 e 5. A variável TPCD (pergunta 1)
aparece nos dois factores embora com maior peso no Factor 1. Estes resultados
estão em sintonia com Lichtenstein e Mermelstein (1986), Heatherton et al.
(1991) e outros (ver revisão bibliográfica em Richardson e Ratner, 2005). A
interpretação que tem sido feita destes resultados é a de que o fumo matinal
avalia o grau de urgência em repor o nível de nicotina após o período nocturno
de abstinência, enquanto que o outro factor parece avaliar os padrões de
consumo diários e tem sido interpretado como uma medida da persistência com que
se mantém o nível de nicotina num determinado patamar durante o período de
vigília (Richardson e Ratner, 2005).
Os valores de coerência interna das perguntas que compõem cada um dos factores
são, respectivamente, 0,66 e 0,53. O gráfico da Figura 6 apresenta a posição de
cada uma das perguntas no espaço formado por estes dois factores.
Figura 6
Factores no espaço rodado
De reparar que a detecção destes dois factores pode colocar em risco a noção de
que existe apenas um factor EFDT, dedutível do facto de se trabalhar com um
índice total composto pela soma dos códigos associados às perguntas. Ou seja, é
possível que alguns indivíduos obtenham um valor baixo num dos factores e um
valor alto no outro; um índice composto irá produzir uma média destas duas
dimensões, não sendo por isso capaz de evidenciar diferenças subtis
relativamente aos perfis de dependência.
5. Discussão
Em face dos resultados obtidos na fase da validação psicométrica do TPDT,
considera-se que o conjunto composto pelas perguntas apresentadas no Apêndice
cumpre o objectivo do presente estudo - a construção de uma versão do
teste FTND devidamente validada, quer linguisticamente quer em termos
psicométricos, para a língua e cultura portuguesas. É de destacar os altos
valores de reprodutibilidade e a produção de poucos dados omissos. Mais, os
testes de validade de critério apontam para um bom desempenho da escala EFDT,
em especial das perguntas 1 e 4 contra o CO exalado e a auto-avaliação da
dependência tabágica.
No entanto, persistem alguns problemas que decorrem, em grande medida, do facto
deste teste estar demasiado datado, pois a própria definição de adicção sofreu
muitas alterações desde então (Hughes et al., 1996). A própria alteração do
título original de escala de dependência da nicotina para dependência tabágica,
proposta pelos autores deste estudo, vai ao encontro destas preocupações.
Quatro das seis perguntas que compõem o TFDT cobrem o mesmo constructo e, pelo
menos, duas perguntas têm um desempenho mais fraco na coerência interna. Além
disto, apenas duas perguntas têm poder discriminativo face aos níveis de CO
exalado. Estes problemas podem, no entanto, ser minorados acrescentando
perguntas que meçam outros aspectos da adicção. Estão nesta situação, por
exemplo, a informação sobre tentativas, sem êxito, de deixar de fumar, bem como
perguntas sobre a auto-avaliação da dependência e sobre comportamentos neutros
(que possam indiciar algum automatismo no acto de fumar).
Em suma, algumas dúvidas persistem em relação à continuação da utilização do
TFDT para medir a adicção aos cigarros. Assim, consideramos que os
profissionais e os investigadores não devem confiar apenas nos resultados desta
escala e devem incluir outras perguntas sobre a adicção não incluídas na versão
original.
Talvez faça sentido, como afirma Etter (1999), desenvolver-se outro
questionário mais de acordo com as definições actuais da dependência tabágica,
um pouco até acompanhando a tendência do tratamento em que a substituição da
nicotina tem dado lugar em algumas circunstâncias a outras formas terapêuticas
que passam pela introdução de substâncias activas que se ligam a alguns
receptores do sistema nervoso. Naturalmente, todo o imenso trabalho
desenvolvido em torno do TFDT não poderá ser ignorado em investigações futuras.