A influência da satisfação profissional no absentismo laboral
Introdução
Este artigo tem como finalidade demonstrar a influência da satisfação
profissional no absentismo laboral dos profissionais das categorias
administrativas e auxiliares de acção médica de uma instituição de saúde
pública.
No contexto dos recursos humanos afectos ao sector da saúde, em Portugal, em
particular ao nível do SNS, os sectores designados em 2006 por administrativo e
auxiliar de acção médica englobam os grupos sócio profissionais mais
representativos, conforme dados estatísticos do Ministério da Saúde. De acordo
com estes dados, estas duas categorias profissionais reuniam 35 % da totalidade
dos funcionários do SNS (10 % de administrativos e 25 % de auxiliares de acção
médica), o que demonstra a importância de manter o absentismo baixo, nestas
duas categorias, sob pena de repercussões negativas na qualidade dos serviços
que se prestam aos utentes e do normal funcionamento das instituições.
Satisfação profissional
A satisfação no trabalho tem-se mostrado de grande interesse para os
investigadores, no âmbito da psicologia do trabalho, que tendem a centrar os
seus estudos sobre o desempenho profissional do trabalhador nas relações com
outras variáveis importantes, tais como a produtividade, o absentismo e
oturnover, constituindo a satisfação no trabalho numa das variáveis dependentes
mais importantes no âmbito da investigação organizacional 1.
Conforme indicado por Robbins 2, podemos definirsatisfação profissional como
uma atitude geral do indivíduo sobre o seu trabalho, que consiste na diferença
entre a quantidade de recompensas que recebe e a quantidade que acredita que
deveria receber. A satisfação profissional deveria ser um dos objectivos
legítimos de uma organização, não porque esteja comprovado que os empregados
satisfeitos sejam mais produtivos do que os insatisfeitos, mas porque vai
influenciar a qualidade de vida dos trabalhadores. Logo, as organizações têm a
responsabilidade de proporcionar aos seus empregados trabalhos desafiantes e
recompensadores, não só ao nível monetário, mas também ao nível do crescimento
profissional.
Segundo Vala e outros 3, os factores que determinam a satisfação profissional
dos trabalhadores são asperspectivas de promoção, organização e funcionamento
do departamento onde trabalham, relação com os colegas de trabalho, remuneração
que recebem, competência do superior imediato, trabalho que realizam e
condições de trabalho, podendo cada um deles influenciar os indivíduos de
formas diferentes. Estes factores constituíram a escala de satisfação
profissional, utilizada para a construção do questionário que serviu para a
recolha de dados para este estudo.
A satisfação laboral é um indicador importante do clima organizacional e da
satisfação do cliente, sendo um elemento determinante na avaliação da qualidade
das organizações. Apesar da relação entre a satisfação e a qualidade das
organizações não ser linear, há quem aponte 4 a existência de uma relação entre
a satisfação e outras variáveis sócio-demográficas (profissão, antiguidade,
cargo ou função) e comportamentos ou intenções comportamentais, nomeadamente,
oturnover, o absentismo, o stress, entre outras. Esta influência aparece
particularizada noutros estudos como o de Herzberg e outros 5, que concluiu não
haver diferenças na satisfação devidas ao sexo, ou o de Santos 6, sobre a
ausência de influência das habilitações literárias, ao contrário do que
acontece com outras variáveis como a idade que, para alguns autores, é
considerada uma variável influente 6,7, assim como a segurança no trabalho 8.
Absentismo laboral
De acordo com Robbins 2, o custo anual do absentismo laboral estava estimado
num valor superior a 40 biliões de dólares, nas empresas norte-americanas,
sendo que um dia de falta de um trabalhador representava um custo médio de 100
dólares. Já na Alemanha, o absentismo nas empresas industriais custava mais de
35,5 milhões de dólares por ano. Estes números mostram bem a importância que
reveste para as organizações manter o absentismo baixo, sabendo nós que é
difícil, se não impossível, para uma organização, trabalhar normalmente e
cumprir os seus objectivos se os seus trabalhadores não comparecem ao trabalho.
Em Portugal, o sector da saúde pública é dos sectores económicos que apresenta
as maiores taxas de absentismo laboral, conforme nos mostram as estatísticas
oficiais, sendo as doenças não profissionais a causa mais relevante, conforme
relatórios do Departamento de Estudos, Prospectiva e Planeamento, do Ministério
da Segurança Social e do Trabalho 9.
Oabsentismo laboral pode-se então definir como um fenómeno de etiologia
multifactorial 10, caracterizado por ausências não previstas ao trabalho, que
têm reflexos directos ou indirectos nos custos das empresas, sendo que, no
sector da saúde, este fenómeno tem repercussões negativas na qualidade dos
serviços prestados aos utentes.
Para Mallada 11, no seu estudo sobre a gestão do absentismo ao trabalho nas
empresas espanholas, o absentismo é toda a ausência de um indivíduo ao seu
posto de trabalho, nas horas que correspondem a um dia de trabalho, dentro da
jornada legal de trabalho, sendo que as férias e os feriados não são
considerados. Para além disso, considera que o absentismo é um fenómeno
sociológico, que tem directamente a ver com a atitude do indivíduo e da
sociedade perante o trabalho. Tudo o que proporcione uma atitude positiva e
adequada, tal como a integração, a satisfação e a motivação, faz com que ocorra
um absentismo menor; em contrapartida, tudo aquilo que deteriore a relação do
trabalhador com a organização, nomeadamente a estagnação da carreira, tarefas
monótonas e repetitivas, baixo salário e falta de reconhecimento, entre outros,
leva a um aumento do absentismo.
Uma vez que o combate ao absentismo laboral passa pela sua prevenção, é
necessário um conhecimento aprofundado das suas causas e relações. Tendo em
conta que o absentismo laboral numa unidade hospitalar pode pôr em causa a
qualidade dos serviços prestados e que a população em estudo representava 35 %
da totalidade dos funcionários do SNS, mostra-se pertinente o desenvolvimento
de estudos sobre o absentismo existente, nestas categorias profissionais
(administrativa e auxiliar de acção médica).
A literatura sobre as reacções comportamentais a condições organizacionais
adversas tem considerado, essencialmente, dois tipos de resposta por parte dos
trabalhadores de uma organização à insatisfação: oturnovere o absentismo. Sobre
este último, é de salientar a existência de estudos em que se verificou existir
uma relação efectiva entre a satisfação profissional e o absentismo. Com
efeito, Locke 12 verificou que existe uma relação negativa e consistente entre
a satisfação profissional e o absentismo, tal como noutros estudos mencionados
por Robbins 2, bem como as relatadas por Hackman e Lawler 8, em que as faltas
são consideradas como consequências e efeitos da insatisfação. Outros autores,
citados por Francês 7, referem a ausência de influência.
Com a realização deste trabalho procuramos verificar de que forma a satisfação
profissional pode influenciar o absentismo e quais os factores que lhe estão
relacionados. Assim, de forma a servir de linha de orientação para este estudo,
criámos a seguinte pergunta de partida:A satisfação profissional dos
administrativos e auxiliares de acção médica, de uma instituição de saúde
pública, difere de acordo com o seu grau de absentismo percebido?A resposta
positiva a esta pergunta constituiu a hipótese de investigação.
Método
Sujeitos
De acordo com oBalanço Social de 2006, a população em estudo era constituída
por um total de 1971 funcionários de uma grande instituição de saúde pública,
distribuídos pelas diversas categorias profissionais, sendo as categorias com
mais indivíduos, a de enfermagem, seguida pelos serviços gerais (incluía
auxiliares de acção médica e de apoio e vigilância), médica e administrativa.
A amostra do presente estudo cifrou-se em 200 indivíduos, englobando 77
administrativos e 123 auxiliares de acção médica, representando 35 % e 30 %,
respectivamente, da população em estudo. Tratou-se, essencialmente, de uma
população do género feminino, com apenas 16 % pertencendo ao género masculino.
Os inquiridos eram maioritariamente casados, com o ensino secundário e
complementar (37 % com o ensino básico e 3 % com licenciatura) e encontravam-se
na base das suas categorias profissionais (60 %). Dos restantes, 21 % dos
administrativos e 19 % dos auxiliares de acção médica possuíam já categoria
diferenciada. A maioria em estudo tinha mais de 16 anos de antiguidade (30 %),
com apenas 5 % dos indivíduos tendo entrado na organização há menos de 1 ano.
Setenta por cento pertenciam aos quadros permanentes da instituição e apenas 30
% eram contratados.
Relativamente ao absentismo, 53 % da amostra disse não ter faltado dia nenhum
ao trabalho, no ano de 2006. Quantos aos restantes, os motivos mais frequentes
das ausências relatadas deveram-se a doença do próprio (59 %), seguindo-se
motivos familiares e pessoais (23 %), e questões sociais, nomeadamente
casamento e nascimento, entre outros motivos (18 %).
Procedimento
Duzentos sujeitos, correspondendo a cerca 10 % do efectivo da empresa e 35 % da
população em estudo, preencheram o questionário, elaborado com o objectivo de
determinar se a satisfação profissional influenciava o absentismo laboral. Este
questionário constituiu uma adaptação daEscala de Satisfação profissional, de
Lima, Vala e Monteiro 1, constituída por oito itens de resposta fechada em que
se perguntava aos inquiridos o grau de satisfação relativamente: àsPerspectivas
de promoção, Organização e Funcionamento do departamento onde trabalhava,
Relação com os colegas de trabalho, Remuneração que recebia, Competência do
superior imediato, Trabalho que realizava, Condições de trabalho e a Satisfação
profissional no seu todo. Utilizou-se uma escala tipoLikert, de 5 pontos (1 =
nada satisfeito; 5 = muito satisfeito). Na última parte do questionário
perguntava-se se tinha faltado no ano anterior (sim ou não) e quais os motivos
dessas ausências (familiares, saúde ou sociais), juntamente com as questões
relativas às variáveis sócio-demográficas, também categorizadas (sexo, idade,
estado civil, habilitações, antiguidade, categoria profissional, nível na
carreira e tipo de vínculo).
O questionário foi distribuído a uma amostra de conveniência de 237 indivíduos
(35 % da população), nas duas categorias profissionais em análise, onde houve a
preocupação de respeitar a proporção de elementos destas categorias em cada um
dos serviços da instituição (81 administrativos e 156 auxiliares de acção
médica). Dos 237, conseguiram-se obter 200 questionários correctamente
preenchidos (77 administrativos e 123 auxiliares de acção médica).
Resultados
Fazendo uma análise descritiva dos resultados das respostas ao questionário,
verificou-se que as médias da escala de Satisfação profissional se situaram
próximo de 3,0, o que quer dizer que a amostra em estudo se encontrava
medianamente satisfeita, excepto nasPerspectivas de promoção (2,7) e
naRemuneração (2,4), ainda que com apreciável dispersão de opiniões (DP > 1). A
média mais elevada foi a daRelação com os colegas (4,0), seguida daCompetência
do superior imediato e doTrabalho que realizava, ambos com 3,8.
Com o objectivo de identificarmos um conjunto menor de variáveis ou factores e
de forma a reduzir a complexidade da análise, com um mínimo de perda de
informação, recorremos ao estudo factorial da escala. Assim, após extracção dos
componentes principais e rotaçãovarimax, foram obtidos dois factores (ou
componentes), com valores próprios (eigenvalues) superiores a 1, os quais
explicaram 55 % da variância total do questionário, conforme indicado na tabela
1. Desta forma, com apenas dois factores, conseguimos obter 54,5 % da
informação que se obteria com todos os 8 itens iniciais, o que vem em abono da
validade de constructo do questionário.
Tabela 1
Saturações de cada item da escala de satisfação profissional, após rotação
Varimax, e respectiva percentagem de variância explicada
Aqui, o factorSatisfação fundamental refere-se ao conjunto dos itens
relacionados com a satisfação profissional, ao nível orgânico e social; o
factorCondições materiais comporta os itens relativos à satisfação com a
retribuição sobre o trabalho. Os valores da consistência interna de cada factor
(Alfa de Cronbach) são relativamente fracos (Satisfação fundamental,
0,74;Condições materiais, 0,60), o que se compreende devido ao reduzido número
de itens em cada factor.
Retomando a hipótese central desta investigação (a satisfação profissional está
relacionada com a taxa de absentismo laboral da população em estudo), e
partindo dos factores de satisfação anteriormente identificados, cruzámos com a
variável independenteDias de falta no ano transacto, tendo verificado a
existência de uma relação entre estas duas variáveis (p < .01). Neste sentido
apurámos que, ao nível do factorSatisfação fundamental, os sujeitos que
disseram nunca ter faltado ao trabalho (N = 105) tinham uma média de 3,7,
superior aos que disseram ter faltado (N = 95; Média = 3,5). No factorCondições
materiais, verificámos que ambas as médias tinham valores semelhantes (2,5; p <
.90).
Analisou-se, seguidamente, a influência das oito variáveis sócio-demográficas
consideradas no instrumento utilizado para recolha de informação. Destas,
apenas asHabilitações literárias, aCategoria profissional e oNível na carreira
pareceram ter alguma influência sobre a satisfação. No entanto, e uma vez que a
finalidade do estudo tinha a ver com a relação entre o absentismo e o grau de
satisfação, desdobrámos a amostra entre os que disseram não ter faltado no ano
transacto e os que admitiram o contrário, colocando as variáveis sócio-
demográficas no papel de moderadoras.
Começámos por verificar (com valores doQui-Quadrado sempre significativos), que
o cruzamento da percentagem de sujeitos que declararam ter faltado era sempre
inferior à oposta, relativamente àsHabilitações literárias,Categoria
profissional eNível na carreira, excepto entre osAdministrativos diferenciados,
em que a percentagem de declarações de falta era superior (57 %) às de ausência
de falta.
Seguidamente e tal como mostram as tabelas 2, 3 e 4, no caso dos que disseram
não ter faltado, nenhuma das variáveis sócio-demográficas apresentou diferenças
quanto ao grau de satisfação, no factorSatisfação fundamental. No entanto, ao
colocarmos o factorCondições materiais como variável dependente, apareceram
diferenças significativas entre os graus relativos àsHabilitações, Categoria e
Nível na carreira. Ainda dentro da fracção que declarou não ter faltado,
dissociámos este factor nos seus itens, para concluir que a diferença se
reportava, fundamentalmente, àsPerspectivas de promoção, no caso
dosAdministrativos, e àRemuneração, no caso dosAdministrativos diferenciados.
Ainda relativamente àsPerspectivas de promoção, nos possuidores doNível básico
de habilitações, a média da satisfação foi de 3,2, e de 2,2 (p < .00) nos que
possuíam habilitações ao nível doSecundário, complementar e superior; bem como
entre osAuxiliares de acção médica (3,0) e osAdministrativos (1,9). De notar,
entretanto, que, enquanto a quase totalidade dosAuxiliares tinha apenas a
habilitação básica, mais de dois terços dosAdministrativos possuía habilitação
ao nível do secundário, complementar ou superior.
Tabela 2
Médias obtidas por nível de habilitações, em cada factor, e respectiva
significância da diferença, nas condições de falta e não falta ao trabalho
Tabela 3
Médias obtidas por categoria profissional, em cada factor, e respectiva
significância da diferença, nas condições de falta e não falta ao trabalho
Tabela 4
Médias obtidas por nível na carreira, em cada factor, e respectiva
significância da diferença, nas condições de falta e não falta ao trabalho
Relativamente aos que declararam ter faltado, a ausência de diferença em todas
as variáveis sócio-demográficas, quanto ao grau de satisfação, no
factorSatisfação fundamental, deixou de se verificar quando dissociado o factor
nos seus itens (tabela 5), revelando a existência de diferença (p < .01) entre
osAuxiliares (3,7) eAdministrativos (4,1), no itemRelações com os colegas.
Alteraram-se, também, as relativas ao factorCondições materiais, deixando de
haver diferença relativamente àCategoria profissional (nem mesmo
nasPerspectivas de promoção). Relativamente àsHabilitações, passou a haver
diferença em todos os itens do factor (tabela 6). Entre os que disseram ter
faltado, oEstado civil revelou-se igualmente importante, com ossolteiros a
mostrarem-se mais satisfeitos (3,2) que oscasados (2,2) mas só relativamente
àremuneração (p < .03), como se compreende. Neste caso, e uma vez que a
distribuição do estado civil era homogénea nos vários grupos, a avaliação do
grau de satisfação parece não ter sido contaminada por outras variáveis.
Tabela 5
Médias obtidas em cada item do factor satisfação fundamental dos indivíduos
que declararam ter faltado ao serviço e respectiva significância da diferença
Tabela 6
Médias obtidas por categoria profissional em cada item do factor condições
materiais dos indivíduos que declararam ter faltado ao serviço e respectiva
significância da diferença
Resumindo a acção moderadora das variáveis sóciodemográficas entre o absentismo
e a satisfação:
Entre os que disseram não ter faltado, as diferenças de avaliação do grau de
satisfação parecem concentrar-se no itemPerspectivas de promoção, com a média
mais negativa nosAdministrativos, em geral com habilitações mais elevadas e,
sobretudo, nosAdministrativos diferenciados (1,9), em claro contraste (p < .00)
com osAuxiliares diferenciados (3,4). A maior habilitação literária potencia as
razões de menor satisfação mas parece não ser suficiente, por si só, para
provocar a falta ao serviço;
Entre os que afirmaram ter faltado, se exceptuarmos oEstado civil como razão
de falta e apesar da diferença relativa às habilitações se estender a todos os
itens do factorCondições materiais, é nasRelações entre colegas, na categoria
dosAuxiliares (sobretudo no nível de base) que parece residir a razão mais
forte de absentismo;
Um resultado obtido, de interpretação não totalmente clara, prende-se com o
facto dos sujeitos do nívelAdministrativo diferenciado, que disseram não ter
faltado, revelarem menos satisfação com asPerspectivas de promoção (1,9) do que
os que afirmaram ter faltado (2,5; p < .02) quando, em princípio, deveria ser
exactamente ao contrário. No entanto, como já vimos, os sujeitos deste nível
foram os únicos em que a percentagem dos que disseram ter faltado foi superior
à dos que disseram não ter faltado.
Discussão
Com este estudo pretendemos contribuir para o desenvolvimento da investigação
sobre a satisfação profissional em meio hospitalar, através de uma pesquisa
sobre o impacto e influência desta no absentismo laboral.
Recordando a hipótese central desta investigação,a satisfação profissional
difere de acordo com o grau de absentismo laboral (percebido) da população em
estudo, podemos, assim, concluir que este objectivo foi conseguido. Isto porque
ficou provado, com esta investigação, feita através dos 200 questionários que,
efectivamente, a satisfação profissional influencia o absentismo laboral da
amostra em estudo.
Recordemos, entretanto, que satisfação profissional é uma atitude geral do
indivíduo sobre o seu trabalho e consiste na diferença entre a quantidade de
recompensas que recebe e a quantidade em que acredita que deveriam receber 2;
consideramos que a amostra em estudo estava menos satisfeita relativamente à
retribuição que auferia pelo seu trabalho, tanto ao nível da remuneração como
nas perspectivas de promoção. Se os indivíduos consideram que o que recebem do
seu trabalho não é equivalente às suas expectativas, tal provoca, obviamente,
insatisfação, com todas as suas consequências.
Todavia, a influência sobre o absentismo não se dava sempre, nem em todos os
aspectos que compõem a satisfação profissional mas, fundamentalmente, nos
relativos ao factorSatisfação fundamental, exclusivamente naRelação com os
colegas, na categoria profissional dosAuxiliares de acção médica; e no
factorCondições materiais, sobretudo nasPerspectivas de promoção, na categoria
dosAdministrativos. AsHabilitações literárias influenciaram fortemente esta
última relação, dado que a maior parte dosAuxiliares possuía apenas o ensino
básico, ao contrário da quase totalidade dos seus colegasAdministrativos.
Estas conclusões particularizam as relatadas nos estudos realizados por Hackman
e Lawler 8, em que as faltas são consideradas como consequências e efeitos da
insatisfação, não apoiando, assim, as conclusões de outros autores, citados por
Francês (1980), sobre a ausência de influência. Relativamente a cada uma das
variáveis independentes utilizadas neste estudo, verificou-se que osexo, tal
como em outros estudos elaborados relativos a este tema, não apresentou
qualquer diferença em termos de satisfação 5. Também não foi encontrada
qualquer relação significativa com a variávelidade que, para alguns autores, é
considerada uma variável influente 6,7, assim como aconteceu com a
variávelantiguidade, ou mesmo com ovínculo laboral, não apoiando, assim, a
existência de uma relação significativa entre a segurança no trabalho e a
satisfação, encontrada por autores como Hackman e Lawer 8. Repare-se, no
entanto, que todas as análises foram feitas dentro do objectivo da
investigação, que era relacionar satisfação com absentismo e não como
finalidades em si próprias, carecendo, assim, de prova suficiente.
A particularização da análise que realizámos revelou, fundamentalmente, que
estamos a lidar com duas populações significativamente diferentes quanto aos
factores que afectavam o seu sentimento de satisfação devendo, por isso, ser
analisadas separadamente. Assim, relativamente aosAuxiliares de acção médica,
trata-se de um grupo específico do meio hospitalar, que dantes efectuava as
tarefas menos diferenciadas da organização (ex. limpeza, segurança das
instalações), para as quais não era necessária nenhuma habilitação particular
daí a sua menor qualificação, em especial entre os elementos mais antigos.
Actualmente, sob a designação deAssistentes operacionais, esta classe trabalha
com outros profissionais em apoio à manutenção e limpeza de equipamento
clínico, transporte de doentes e outras tarefas elementares relacionadas com os
doentes, tendo deixado de executar tarefas de limpeza e vigilância de
instalações, que foram entregues a pessoal externo. Por outro lado, a maior
parte está confinada ao trabalho por turnos, sempre gerador de algum conflito
entre colegas e com as chefias, quando nem todos cumprem as suas obrigações,
por forma a garantir a continuidade do trabalho ao longo das 24 horas.
A categoria profissional dosAdministrativos, actualmente designada
porAssistentes técnicos, desempenha tarefas mais diferenciadas e exigentes ao
nível de habilitações, que proporcionam aos seus agentes um conhecimento dos
procedimentos deste tipo de organizações, o que lhes confere algum poder face
aos restantes grupos profissionais. Apesar disso, vêem-se limitados na sua
remuneração e subida na carreira, uma vez que, mesmo que adquiram habilitação
superior, não podiam, na altura, ascender à categoria deTécnico superior, sem
se submeterem a concurso, em igualdade de circunstâncias com outros técnicos
qualificados, exteriores à organização. Na sua quase totalidade, e ao contrário
de todos os outros profissionais da organização hospitalar, não estão sujeitos
ao trabalho por turnos, o que diminui a probabilidade de conflito entre eles.
Na posse desta informação, obtida através de entrevistas complementares com
quadros hospitalares, e com base nos resultados já relatados, podemos
estabelecer alguma análise diferenciada por categorias profissionais.
Assim, no caso dosAuxiliares, verificou-se que as suas razões de menor
satisfação, com implicações sobre o absentismo, tinham a ver com aRelação com
os colegas. Como já vimos, a maior habilitação e o estado civil de casado,
enquanto factores que contribuem para diminuir a satisfação, não foram
suficientes para influenciar a percepção do absentismo, nesta categoria
profissional. Esta deterioração da relação parece ter a ver, fundamentalmente,
com a questão do trabalho por turnos e do conflito que emerge sempre que o
funcionamento do sistema vem beneficiar uns em detrimento de outros.
Interessante este achado, pois nada indicava que as diferenças de percepção de
satisfação, ao nível da relação com os colegas, poderiam ocasionar algum efeito
sobre o absentismo, face à magnitude dos efeitos noutros aspectos.
Relativamente aosAdministrativos, aparentemente mais libertos de causas
relativas a problemas relacionais, os factores do absentismo centraram-se em
aspectos de ordem material, tais comoAs Perspectivas de promoçãoe aRemuneração.
Aqui, a maior habilitação potenciou ainda mais a menor satisfação quanto aos
aspectos enunciados, originando um índice de faltas declaradas maior do que na
categoria dosAuxiliares, não apoiando as conclusões de Santos 6, relativas à
ausência de associação entre as habilitações literárias e a satisfação. No
entanto, neste estudo, a habilitação está agregada a outros factores que,
cumulativamente, acabam por produzir efeitos na variável dependente. Para além
disso, esse maior índice de faltas apareceu associado a um índice de satisfação
superior ao dos que não faltavam. Uma explicação possível, recolhida em
entrevistas com quadros hospitalares, pode ter a ver com o facto da falta ao
serviço constituir uma forma de equilibrar a menor satisfação, daí resultando
um sentimento mais positivo em relação à organização que o dos colegas que
optam por não faltar.
Como limitações deste estudo, verificamos que, apesar do instrumento utilizado
ter revelado boas qualidades métricas, relativamente à capacidade explicativa
dos itens e ao seu agrupamento em factores, a consistência não foi muito
significativa (Alfa de Cronbach inferior a,74). Também não foi verificada a
estabilidade temporal através do teste-reteste. Contudo, o instrumento foi
sujeito a várias experimentações-piloto, sendo esta versão um produto que se
considera suficientemente testado. A articulação entre as variáveis dependentes
e independentes também se revelou interessante, reforçando a validade de
constructo do instrumento.
Outra das limitações foi o facto da amostra utilizada ter sido de oportunidade
e limitada a uma única instituição. Assim, não se pode garantir que os
resultados obtidos com estes grupos possam ser generalizados aos restantes, bem
como a outras organizações. Também, apesar do procedimento realizado ter sido
cuidado e extenso, devido ao facto de termos utilizado as chefias como
intermediários para entrega e devolução de questionários, podemos ter corrido o
risco de maior desejabilidade social nas respostas dadas. Isto por se perguntar
aos indivíduos o grau de satisfação relativamente ao superior hierárquico,
quando foi este que recebeu o questionário preenchido, o que poderá ter feito
com que os indivíduos se sentissem, de alguma forma, intimidados nas respostas
dadas. Contudo, todos os sujeitos da amostra ficaram submetidos às mesmas
circunstâncias. Da mesma forma, os índices de absentismo basearam-se nas
declarações dos próprios, tratando-se, assim, de uma percepção e não de um dado
real, com os naturais enviesamentos. No entanto, a recolha nominal dos índices,
a partir dos registos de pessoal, obrigaria a identificar os respondentes, com
efeitos ainda mais perniciosos sobre as respostas.
Finalmente, não tendo sido recolhida nenhuma medida de implicação (commitment)
com a organização, ficamos sem saber até que ponto a questão principal das
relações com os colegas está ligada com a ligação à empresa e, por
arrastamento, à produtividade, também relacionada com o absentismo.
Um comentário adicional sobre a parte metodológica merece-nos aqui algum
realce. Como se verificou, todas as variáveis incluídas no papel de
independentes (sócio-demográficas e grau de absentismo) foram categorizadas, o
que desaconselhou a utilização de modelos estatísticos com base na correlação e
na regressão. Da mesma forma, optou-se pela estatística univariada simples, em
prejuízo de modelos mistos ou multivariados. Optámos por esta abordagem
metodológica porque estávamos mais interessados em analisar pormenores sobre os
fenómenos e a população em causa, do que reunir provas irrefutáveis sobre a
hipótese formulada, daí não termos, também, executado uma revisão exaustiva da
literatura relativa ao tema. Considerámos, igualmente, utilizar as variáveis
sócio-demográficas para analisar, em pormenor, a relação proposta entre a
satisfação e o absentismo, ao invés de estabelecer análises complementares,
fora do objecto principal da investigação. Mantendo sempre presente o objectivo
da investigação, e utilizando comandos simples tiporecode ouselect if do
software, sob a forma de tentativa-e-erro, definimos e redefinimos dezenas de
sub-problemas cuja solução poderia acrescentar algo ao problema geral, até
conseguir construir um modelo global que nos pareceu suficientemente robusto.
Apesar desta abordagem acabar por se tornar algo complexa e demorada, estamos
convictos que adiantámos caminho relativamente à forma de fazer uma
investigação destinada a tirar o maior partido possível dos dados disponíveis,
face à hipótese formulada.
Relativamente às conclusões e as limitações apresentadas, recomenda-se uma
investigação suplementar com amostras de instituições análogas, que possam
aprofundar as razões de eventuais conflitos entre colegas, entre os
actuaisAssistentes operacionais, bem como sobre a ligação entre a satisfação
relativa aos aspectos materiais e o absentismo, no caso dosAssistentes
técnicos. A confirmarem-se estas conclusões, recomenda-se, igualmente, uma
atenção suplementar à justiça distributiva e procedimental aplicada ao trabalho
por turnos, nos primeiros, bem como à ligação entre o absentismo e o grau de
satisfação com aspectos materiais, no caso dos segundos. No conjunto de ambas
as categorias, também parece justificar-se uma reflexão sobre a relação entre a
aquisição de habilitações suplementares e a progressão na carreira.
Conflito de interesse
Os autores declaram não haver conflito de interesse.