Saúde e bem-estar em meio urbano: das políticas à prática
"Tornar a visão de uma cidade saudável em realidade necessita de coragem,
comprometimento político e abertura à inovação e experimentação".
Introdução
O constante esforço em alcançar o crescimento económico despertou o ser humano
para a fragilidade dos recursos naturais e da sua limitação. A perceção dos
limites da capacidade dos ecossistemas e da necessidade de assegurar que as
gerações futuras consigam subsistir encaminhou a humanidade para o
aperfeiçoamento do seu desenvolvimento social e económico, com o objetivo de
preservar o planeta e os seus recursos. O poder que o homem possui de construir
e de criar contrasta com a sua capacidade de destruir e de aniquilar1. A
exploração exagerada dos recursos naturais levou a um vasto número de problemas
como a desertificação, a extinção de espécies, as alterações climáticas, a
poluição, a erosão do solo, a sobre-exploração das energias fósseis, entre
outros.
As cidades suportam a maioria da população mundial e a expectativa será para
aumentar a população. Sensivelmente, há um século atrás, somente 2 em 10
pessoas no mundo viviam em cidades. No ano de 2030, prevê-se que 6 em 10
pessoas viverão nas áreas urbanas e, em 2050, 7 em 10 pessoas. Em 2009, a
população mundial urbana era de 3,4 biliões e em 2050 estima-se que atinjam os
6,4 biliões2.
O elevado e desordenado crescimento urbano tem colocado uma pressão contínua
sobre os recursos, as infraestruturas e os equipamentos, afetando, por vezes
negativamente, os padrões de vivência das populações que vivem nas cidades3,
produzindo um impacto profundo no ambiente global, quer em termos de consumo de
recursos, quer em termos de produção de resíduos e poluição.
Tendo por referência as exigências de sustentabilidade, foi surgindo, ao longo
do tempo, a necessidade de se adotarem novas políticas e estratégias que tentam
conciliar, entre outros, o ordenamento do território, as políticas urbanas e as
políticas ambientais, que, naturalmente, terão influência na saúde da
população.Com base na evolução do próprio conceito de saúde, o qual tem tido
significados diferentes ao longo dos tempos, passando de perspetivas redutoras
como "ausência de saúde" ou "ausência de doença" para
perspetivas mais abrangentes que encaram a doença ou a saúde como resultado de
vários fatores, tais como fatores biológicos, psicológicos, sociais e
ambientais, surge o movimento das cidades saudáveis, lançado pela Organização
Mundial da Saúde (OMS), em 1987, e que hoje engloba cerca de 1400 cidades e
vilas em toda a Europa, incluindo 30 cidades portuguesas.
O projeto Cidades Saudáveis surge como promotor da saúde e da qualidade de
vida, assente na participação da comunidade e da cooperação multidisciplinar e
intersetorial, na construção de estratégias capazes de satisfazer as
necessidades de um desenvolvimento sustentável. É um projeto a ser desenvolvido
a médio/longo prazo, com vista a aproximar os diversos agentes civis no
trabalho de defesa de uma vida saudável para os seus habitantes4.
Este movimento visa, essencialmente, a promoção da saúde da população residente
em meio urbano e surge como uma estratégia para implementar a promoção da saúde
ao nível local. As cidades que aderem a este movimento assumem o compromisso de
colocar a saúde na agenda política e de desenvolverem ações com vista à
melhoria da qualidade de vida e do bem-estar da população, intervindo ao nível
dos determinantes da saúde ' fatores que influenciam a saúde individual e
coletiva5.
Neste artigo, pretendemos demonstrar como é que o Município de Viana do Castelo
(MVC) tem vindo a operacionalizar este conceito de cidade saudável nas suas
políticas de governação urbana e apresentar o resultado de alguns estudos
efetuados e outros ainda em curso, no âmbito da qualidade ambiental. A aposta
na melhoria do ambiente urbano foi considerada uma prioridade de intervenção no
início da primeira década dos anos 2000, no âmbito do Programa de
Requalificação Urbana e Valorização Ambiental, designado Programa Polis. Este
programa revelou-se como um instrumento fundamental para a concretização dos
objetivos propostos pela OMS para o Projeto Cidades Saudáveis (PCS), que ao
basear-se na estratégia da Saúde para Todos, na Carta de Otawa6 e na Agenda
Local 21, fundamentou as ações para promover a integração planeada para a
saúde.
Sabendo que o ambiente tem impacto na saúde da população e que o ruído e a
poluição atmosférica são 2 vetores fundamentais a ter em conta no planeamento
estratégico da cidade, é ainda de salientar a contribuição de outras dimensões
para qualidade de vida e bem-estar da população. Foi com base na proposta de
indicadores da OMS, que o MVC levou a cabo a criação de um índice de
sustentabilidade urbana, que permitirá, no futuro, a obtenção de informação
relevante da cidade. De momento, o MVC está em fase de conclusão do diagnóstico
da cidade em termos de sustentabilidade urbana, informação que será inserida no
Observatório Urbano da Cidade. Nos capítulos subsequentes faz-se uma descrição
dos vários passos deste processo.
Saúde, ambiente e qualidade de vida: contextualização teórica
As grandes mudanças sociais e as alterações do sistema de produção que se
verificaram nos finais do século XVIII, como resultado da industrialização,
acarretaram graves problemas causadores e/ou facilitadores da propagação de
doenças, sobretudo doenças infecciosas, devido à grande aglomeração de pessoas
nas cidades e em áreas industrializadas, com fracas condições de habitabilidade
e salubridade7.A tentativa de resolução destes problemas passou pelo
desenvolvimento de medidas de saúde pública, essenciais para as mudanças nos
padrões de saúde e doença do mundo desenvolvido de então, levando à aplicação
do modelo biomédico à saúde pública, baseada na teoria do germe.
Porém, apesar da pertinência da aplicação deste modelo, sobretudo no combate às
doenças infecciosas8, a omissão das significações pessoais e das representações
que as pessoas fazem sobre o seu estado de saúde, mostra que o modelo apenas
considera as perturbações que se processam ao nível da dimensão física da
pessoa, centrando-se essencialmente na doença, no agente patogénico e no
hospedeiro. As novas exigências da saúde, sobretudo com a emergência, a partir
de meados do século XX, de "novas epidemias" que não têm origem em
organismos patogénicos mas são antes de cariz comportamental, tornam a teoria
do germe não aplicável8.
A constatação de que nos países desenvolvidos as doenças de etiologia
comportamental são as que mais contribuem para a mortalidade chama a atenção
dos profissionais da saúde para a importância da modificação dos comportamentos
e dos estilos de vida das populações, emergindo, assim, uma nova conceção de
saúde que é hoje encarada como um dos fatores essenciais para o desenvolvimento
sustentável. Deve assumir-se como um assunto central, que interessa aos mais
variados profissionais como aos decisores políticos, que têm o poder e a
responsabilidade de intervir, disponibilizando serviços, promovendo e regulando
atividades que afetam a saúde e estabelecendo os parâmetros para o
desenvolvimento. A multiplicidade de fatores de diferentes níveis que
determinam a saúde da população são mais evidentes ao nível das populações
residentes em áreas urbanas, pois o ambiente urbano, no seu sentido amplo '
físico, social, económico e político ' afeta direta ou indiretamente todos os
aspetos da saúde e do bem-estar dos cidadãos.
Segundo Galeo9, o que distingue o século XX do século anterior, assim como as
cidades das áreas não urbanas é, em grande medida, o grau em que pessoas se
tornaram a influência primária ao nível do ambiente físico. Segundo estes
autores, a construção humana ambiental inclui a habitação, que pode influenciar
tanto a saúde física como mental, incluindo doenças como a asma e outras
patologias respiratórias, lesões e problemas psicológicos. A exposição ao
ruído, problema urbano comum, pode contribuir para danos auditivos, hipertensão
e doenças cardíacas.
Magagnin10 refere que alguns problemas, decorrentes do processo de crescimento
desordenado e acelerado que hoje muitas cidades enfrentam, resultam, em grande
medida, da falta de políticas orientadoras do crescimento espacial das zonas
urbanas, levando à necessidade de adoção de novos métodos de planeamento que
possam traduzir a mais recente visão da urbe, sustentável e com qualidade de
vida.
Associado a este conceito de planeamento das cidades está o conceito de
qualidade de vida, que, segundo Bossard, é essencialmente subjetivo, já que
depende do grau de satisfação dos indivíduos face a um conjunto de necessidades
e aspirações. O sossego, a segurança, os baixos índices de poluição e os
espaços verdes constituem elementos fundamentais do que é genericamente
designado por "qualidade de vida", variando de pessoa para pessoa e
de lugar para lugar e de classe para classe, como referem Bader e Benschop11,
Benschop12, Giddens13 e Silva14, pois os modos de vida e principalmente os
recursos e os contextos laborais condicionam fortemente as condições de saúde,
sobretudo as profissões de desgaste e de risco acrescido. Qualidade de vida é,
portanto, um conceito que pode ter diferentes significados, estando associado,
por um lado, às diversas situações e modos de vida e, por outro, a práticas,
hábitos e estilos de vida das pessoas, bem como às representações que estas
detêm face a si próprias, aos outros e em relação ao lugar onde vivem. Tudo
isto, remete para a importância fulcral do espaço e do contexto sócioespacial
como variáveis corresponsáveis pela qualidade de vida, quer em meio rural,
quer, sobretudo, em meio urbano, tal como o argumentaram Remy e Voyé15.
Em relação à avaliação da qualidade de vida, Mendes3 refere que é frequente
encontrar-se diferentes atitudes. Há os que defendem que uma definição de
qualidade de vida para toda a população e para qualquer momento no tempo é
impossível e que não deveria ser tentado. Há outros que pensam que a qualidade
de vida pode ser definida e quantificada, mas que tal não deve ser feito porque
medir algo tão sensível torna as cidades competidoras indesejáveis e conduz a
resultados/conclusões enganadores. Há ainda outros que consideram que é
possível avaliar a qualidade de vida urbana, desde que seja clara qual a
metodologia e a base estatística utilizadas, e que esta seja aplicada de uma
forma consistente.
A importância que a saúde e a qualidade de vida assumem na sociedade atual,
face às mudanças que se têm verificado nas últimas décadas, nomeadamente no que
se refere aos estilos de vida e à atenção que hoje é dada aos tempos livres e
ao lazer, bem como à procura do equilíbrio psíquico e social, levou a que a
manifestação do interesse no desenvolvimento de uma política que refletisse
estas preocupações ao nível da governação local se materializasse na adesão do
MVC, em 1997, ao movimento das Cidades Saudáveis da OMS.
Viana do Castelo cidade saudável
Caracterização socioeconómica
Situada no nordeste de Portugal, Viana do Castelo pertence à sub-região do
Minho-Lima. A cidade é capital de distrito, e registava em 2011 cerca de 38 mil
habitantes. É constituída pelas freguesias de Darque, Areosa, Meadela,
Monserrate e Santa Maria Maior. Ao nível do município, com uma área de 314,
36 km2, possui 40 freguesias e perto de 89 mil habitantes. A sua área é
limitada a oeste pelo Oceano Atlântico, a norte pelo Concelho de Caminha, a
este por Ponte de Lima e a sul pelos municípios de Barcelos e de Esposende.
Em termos de demografia, a região Minho-Lima, pela NUTS III, é a 14.ª região
com mais população no país. A sua taxa de crescimento médio anual é de 0,2%, e
regista 20,9% dos habitantes com mais de 65 anos. Viana do Castelo tem uma taxa
de crescimento médio anual de 0,5%, sendo o município mais populoso e jovem da
região Minho-Lima16.
Segundo valores de 2008, ao nível económico, a região do Minho-Lima contribui
com um PIB de 5,3%, e um PIB per capita de 7,9 mil euros. Em 2009, a região
tinha 5,5% da população ativa do norte de Portugal, e Viana do Castelo 41,8% do
Minho-Lima que ocupava, em 2007, a 11.ª posição no que se referia à produção
bruta de eletricidade, onde 67% dessa energia era proveniente de energias
renováveis e em termos nacionais representava 5,8%16.
Práticas de governação planeada para a saúde
Em 1998, o MVC deu início à sua candidatura para a Rede Europeia de Cidades
Saudáveis, já no decurso da III fase deste projeto. Paralelamente, tendo em
conta a filosofia e princípios do Projeto Cidades Saudáveis da OMS (PCS), a
cidade iniciou no ano de 2000 uma requalificação urbana apoiada pelo Programa
de Requalificação Urbana e Valorização Ambiental das Cidades (Programa Polis) e
em 2003 aderiu à Agenda Local 21.
Diríamos que se propunha uma visão articulada entre estes 2 programas ' Polis e
PCS ', que se enquadram nas novas políticas de gestão urbana: o Polis, porque o
âmbito das suas intervenções pressupunha o fomento de novas práticas sociais e
mudança nos estilos de vida, ao criar mais espaços pedonais, mais espaços
verdes, menos trânsito na cidade, etc. Por outro lado, o PCS, colocando a
tónica na prevenção e promoção da saúde, também intervém ao nível do
planeamento urbano, propondo um novo conceito ' o planeamento urbano saudável '
atribuindo um novo papel a outros profissionais (que não os da saúde),
sobretudo aos urbanistas, pois o planeamento pode ser prejudicial ou
facilitador das redes sociais, da coesão social, do acesso ao emprego e à
habitação, tendo um impacto positivo ou negativo na saúde da população.
Considerando os princípios orientadores do PCS, nomeadamente a importância da
participação comunitária e do envolvimento dos setores público, privado e
associativo, o MVC definiu uma metodologia de trabalho que inclui a criação de
equipas multidisciplinares e intersetoriais que integram parceiros estratégicos
e promovem o envolvimento da comunidade. Estas equipas funcionam como órgãos
consultores, centrando-se, essencialmente, na caracterização e na identificação
de debilidades e na consequente apresentação de propostas de solução em
diversas áreas consideradas como prioritárias para a promoção da saúde da
população.
Elaborado o perfil de saúde e o respetivo Plano de Desenvolvimento em Saúde
(PDS), foram estabelecidas as prioridades de intervenção, a partir das quais se
têm vindo a desenvolver um conjunto de programas e projetos em diferentes
áreas, com vista à promoção da saúde e prevenção da doença, em articulação com
os vários parceiros, contando com o apoio ativo por parte dos prestadores de
cuidados de saúde, considerados como fundamentais em todo este processo. Por
outro lado, a filosofia subjacente a esta prática, é a de que os cidadãos
deverão estar consciencializados de que a saúde também é da responsabilidade
pessoal, não deve estar apenas dependente dos profissionais de saúde, a
"controlarem" a saúde e a doença e que o seu envolvimento e
participação são fundamentais neste processo.
Carta ambiental da cidade
Uma avaliação dos níveis de saúde no meio urbano é um mecanismo importante na
perceção dos resultados das políticas e planos de saúde dos diversos setores.
Nas últimas décadas pudemos assistir a um ressurgimento do valor da vida urbana
como paradigma de qualidade de vida e à consciencialização de que a qualidade
da vida humana está diretamente ligada ao ambiente. E quando falamos em
ambiente não estamos a falar apenas de problemas relacionados com o mundo
natural, "mas de problemas que derivam dos sistemas económicos, de opções
políticas e das desigualdades sociais"17 que afetam de forma diferenciada
os diversos espaços da cidade.
Ainda que, à partida, existisse por parte da população a perceção de que a
cidade de Viana do Castelo não necessitava de nenhum plano estratégico de
intervenção a nível ambiental, perante os compromissos assumidos com a OMS e
com a aplicação do Programa Polis, havia que avaliar a qualidade do seu
ambiente, a fim de se verificar a existência de potenciais efeitos negativos na
saúde da população.
As preocupações ambientais urbanas na cidade de Viana do Castelo centravam-se
essencialmente nas emissões de ruído e de poluentes atmosféricos provenientes
do tráfego rodoviário que circula e atravessa a cidade, pelo que, em 2002, a
Câmara Municipal decidiu promover a elaboração da Carta Ambiental da cidade,
que englobou a avaliação do ruído e da poluição atmosférica e cujos resultados
são aqui apresentados.
Não sendo possível aqui descrever de forma aprofundada os modelos usados para a
caracterização do ruído e da qualidade ambiental da cidade, optou-se por
apresentar uma breve explicação dos critérios utilizados para a recolha de
informação.
Metodologia de avaliação da qualidade do ar e do ruído ambiental
Metodologia de avaliação da qualidade do ar
A monitorização ambiental é uma das preocupações do município de Viana do
Castelo. O controlo das emissões e da concentração dos diferentes compostos
poluentes emitidos essencialmente pelo tráfego automóvel e a vigilância da
qualidade do ar da cidade permitem que se venha, posteriormente, a avaliar o
impacte sobre a saúde dos cidadãos.
A metodologia seguida na monitorização da qualidade do ar resume-se a 4 fases:
1. Avaliação da qualidade do ar através de medições de campo e de um software
de dispersão de poluentes;
2. Elaboração das Cartas de Poluição Atmosférica (NO2, CO, CO2, O3, PM10 e
C6H6);
3. Cálculo do índice de qualidade do ar (cityAIR);
4. Elaboração da Carta de Qualidade do Ar;
5. Avaliação da população exposta.
Metodologia de avaliação do ruído
À semelhança do que acontece com a monitorização da qualidade do ar, a
metodologia seguida na monitorização do ruído resume-se a 4 fases:
1. Avaliação do ruído através de medições de campo e de um software de previsão
de ruído;
2. Elaboração da Carta de Ruído Urbano da cidade;
3. Elaboração da Carta de Criticidade Acústica;
4. Avaliação da população exposta.
Atendendo às características físicas da área urbana, das fontes de emissão de
poluentes atmosféricos urbanos e ruído, das condições de dispersão de poluentes
atmosféricos e propagação de ruído e dos dados climáticos, elementos
condicionadores dos fenómenos atrás enunciados, foram utilizados modelos
matemáticos de simulação de ruído e de emissão e dispersão de poluentes
atmosféricos, suportados por uma plataforma SIG, para avaliar a qualidade
ambiental urbana na cidade de Viana do Castelo.
Dadas as características de sazonalidade da cidade estudada, desenvolveram-se 2
cenários, ambos de longo termo - um representativo do verão e outro do inverno.
Produziram-se, para cada um dos cenários, mapas de ruído e mapas de
concentrações dos poluentes atmosféricos característicos de ambiente urbano,
procedendo-se subsequentemente ao seu cruzamento com os limites legais e com a
população residente. Esta combinação foi a base para a identificação das zonas
de criticidade acústica e de criticidade de poluição atmosférica,
respetivamente em termos de níveis de ruído e concentrações das espécies de
poluentes estudadas, e dos índices de exposição da população a esses níveis de
poluição.
Resultados obtidos
Poluição atmosférica
Das espécies estudadas, somente o NO2 apresenta valores acima dos limites
legais nos cenários de inverno e verão.
Da observação cuidada dos mapas de poluição atmosférica desenvolvidos (mais
informação consultar os documentos18,19) constata-se que as concentrações de
PM10, NO2, CO, CO2 e C6H6 se encontram mais elevadas nas zonas adjacentes às
vias de maior tráfego (via que atravessa a cidade e via marginal). Exceção
feita ao ozono, por se tratar de um poluente secundário, as concentrações mais
elevadas não se encontram sobre as vias de maior tráfego, fontes de emissão dos
percursores deste poluente.
O índice de qualidade do ar, cityAIR, classifica a qualidade do ar da cidade e
varia consoante as concentrações dos 5 poluentes urbanos principais: monóxido
de carbono (CO), dióxido de azoto (NO2), ozono (O3), benzeno (C6H6) e
partículas (PM10).
Para cada área, é considerada para além das concentrações dos poluentes, uma
variável binária, que assume o valor um no caso da respetiva concentração estar
abaixo do limite e o valor zero no caso de haver violação de limite.
Este modelo implementa-se através da Equação 1 que combina uma média ponderada
(somatório das concentrações ponderadas pelos pesos) com o efeito neutro/
absorvente da variável binária de violação ao limite legal (produtório das
variáveis binárias)20:
Onde: wi ' é o peso relativo do poluente i; ci ' concentração normalizada do
poluente i; vi ' variável binária de violação do limite para o poluente i,
em que:
Aos valores numéricos do índice de qualidade do ar, que variam entre 0,0 e 1,0,
são associadas menções qualitativas de qualidade, que variam entre muito boa e
muito fraca, de acordo com a Tabela_1.
A Figura_1 ilustra o índice de qualidade do ar, na cidade de Viana do Castelo,
para o cenário mais desfavorável ' cenário de verão, calculado de acordo com a
Equação 1.
Em termos de qualidade do ar, o cálculo do índice proposto cityAIR (Tabela_2)
mostra que à exceção de uma área limitada (Figura_1), a qualidade do ar na
cidade de Viana do Castelo é boa ou muito boa. Esta situação é ainda mais
favorável no cenário de inverno e, em termos espaciais, merece destaque o claro
benefício que a pedonalização do centro histórico acarreta.
Pelo contrário, a qualidade de ar muito fraca localiza-se pontualmente na
Avenida 25 de Abril e na via de acesso poente ao IC1, devendo-se às
concentrações de NO2 que ultrapassam o limite legal originando um índice
cityAIR igual a zero, no verão.
As concentrações das espécies de poluentes que serviram de base ao cálculo do
cityAIR são médias de longo termo (médias anuais), isto é, são representativas
da qualidade média do ar urbano no cenário de verão e de inverno. Dos
resultados obtidos concluiu-se existirem 3 zonas que apresentam tendencialmente
qualidade de ar mais fraca, propondo-se, por essa razão, a consideração destas
zonas com um estatuto de primeira prioridade num plano de mitigação futuro.
Ruído ambiental
A situação acústica da cidade de Viana do Castelo para os períodos dia-
entardecer-noite do cenário de verão é ilustrada na Figura_2 e é sintetizada
através das Tabela_3, Tabela_4.
A cidade de Viana do Castelo é uma cidade pouco ruidosa. Os dados apurados
representados levam-nos a concluir que as freguesias urbanas de Monserrate e
Santa Maria Maior são as que se apresentam com pior clima acústico, seguindo-se
a Meadela e Areosa e por fim Darque.
Relativamente ao centro histórico (zona pedonal), verifica-se que se encontra,
de uma forma geral, em conformidade com o RGR, em qualquer dos 2 cenários
analisados bem como nos períodos composto dia-entardecer-noite e noite.
O modelo de previsão de ruído permitiu quantificar de forma contínua no espaço
os níveis de ruído existentes na cidade, possibilitando também o cálculo da
população exposta aos níveis de incomodidade acústica. Os dados de ruído e de
população, combinados através do índice de criticidade acústica, permitiram
identificar zonas críticas que deverão assumir um estatuto de primeira
prioridade num plano de mitigação futuro. Os resultados determinados revelam e
atestam os fenómenos existentes no espaço urbano, nomeadamente os relacionados
com as principais fontes de ruído urbano ' o tráfego automóvel.
Índice de sustentabilidade urbana
A carta ambiental da cidade de Viana do Castelo foi concluída e apresentada
publicamente em 2008. No entanto, antes da sua conclusão e mediante os
resultados parciais que se iam obtendo ao longo da sua elaboração, o MVC foi
introduzindo as propostas de melhoria no seu plano estratégico, nomeadamente na
substituição do pavimento de algumas artérias da cidade ' troca do
paralelepípedo em granito por asfalto ' na colocação de barreiras antissom no
parque ecológico urbano, no aumento das áreas pedonais e consequente diminuição
do tráfego automóvel, principal causa de ruído e poluição atmosférica na
cidade.
Ainda assim, os vetores considerados relevantes no domínio da avaliação
ambiental urbana foram apenas o ar e o ruído, pelo que o MVC, na consolidação
das suas políticas ambientais, considerou relevante avaliar e monitorizar
outros indicadores ambientais visando criar o índice de sustentabilidade
urbana.
Este índice é desenvolvido para a cidade de Viana do Castelo, a partir dos
indicadores ambientais de saúde propostos pela OMS21, na III fase do projeto
Cidades Saudáveis e é composto por vários indicadores comuns, possibilitando a
comparação de resultados com outras cidades que adotem a mesma metodologia. A
avaliação dos indicadores foi feita através de um conjunto mais ou menos
alargado de subindicadores.
A avaliação da sustentabilidade da cidade de Viana do Castelo recorre a uma
metodologia multicritério e tem como base a lista de indicadores propostos pela
OMS na III fase do projeto Cidades Saudáveis21. A descrição de cada indicador e
subindicadores adotados encontram-se no anexo_1.
A identificação/construção de subindicadores caracterizadores de cada indicador
baseou-se no julgamento da equipa de investigação do Gabinete Cidade Saudável
(GCS). Através de vários brainstorms foi selecionada a listagem de
subindicadores, bem como a metodologia para a sua avaliação. Relativamente à
sua relevância, isto é, o estabelecimento de um sistema de pesos de cada
subindicador, resultou também da mesma equipa de investigação4.
A obtenção da avaliação geral da cidade com base nesta metodologia permitirá a
comparação da sua situação atual com outras cidades promotoras do projeto
Cidades Saudáveis da OMS e, deste modo, fazer com que a cidade reflita sobre o
seu trabalho desenvolvido nesta matéria.
Modelo hierárquico de decisão
Como já referido, o índice de sustentabilidade urbana de Viana do Castelo
assenta numa avaliação multicritério que permitirá executar uma combinação
estruturada de múltiplos indicadores. Mas para isso é necessário identificar de
que forma os indicadores estão estruturados hierarquicamente, bem como a
definição do grau de importância relativo de cada indicador.
Os indicadores de sustentabilidade urbana são descritores que depois de
normalizados, ponderados e agregados, resultam no índice de sustentabilidade
urbana da cidade. A combinação de indicadores, através de uma regra de decisão,
inclui tipicamente procedimentos de normalização, ponderação e agregação,
constituindo estes os aspetos mais críticos do processo de avaliação.
Num processo de decisão que envolve múltiplos indicadores, é necessário
quantificar a importância relativa de cada um. A atribuição de diferentes
importâncias e prioridades a cada um dos indicadores pode ser representada
através de valores quantitativos (designados tipicamente por pesos) ou através
de expressões ordinais (denominadas por prioridades).
O objetivo em definir pesos é quantificar a importância relativa dos
indicadores e consequentemente dos seus scores, em termos da sua contribuição
para o índice global de sustentabilidade urbana.
Na Figura_3, podemos observar a árvore de decisão constituída por 3 níveis de
decisão resultando num índice sumário que permitirá avaliar o empenho da cidade
de Viana do Castelo em matéria de sustentabilidade urbana. A descrição dos
vários indicadores e subindicadores utilizados na árvore de decisão descrita
nesta figura encontra-se no anexo_1.
A geração de pesos pode ser conseguida através de vários métodos. Não existe um
método consensual para a atribuição de pesos, encontrando-se na literatura
várias metodologias para este efeito22, nomeadamente os baseados em escala de
pontos23, baseados nas comparações de indicadores Par-a-Par, os baseados na
distribuição de pontos e os baseados no ordenamento de indicadores. No caso do
índice de sustentabilidade urbana, os 14 indicadores propostos pela OMS terão
um peso relativo atribuído através de uma consulta aos habitantes da cidade que
destacarão quais os indicadores mais relevantes na avaliação deste índice.
Quanto aos subindicadores, devido à sua especificidade e dos objetivos de
estudo, terão um grau de importância, atribuída pela equipa de investigação.
Indicadores em monitorização
O conjunto de indicadores e subindicadores adotados, contribuem para a
avaliação da sustentabilidade da cidade. A aquisição de informação de cada
indicador é feita de forma específica e diferenciada. Na sua maioria,
nomeadamente os indicadores e subindicadores descritivos, a aquisição de
informação recorre a autoridades locais, empresas e associações da cidade,
sendo atualizada periodicamente. No entanto, relativamente aos indicadores C1 -
Poluição atmosférica e ruído ambiental; C7 - Acesso público e espaços verdes;
C10 ' Ruas pedonais; C11 ' Ciclismo na cidade, devido à sua especificidade, a
obtenção de dados implicou a mobilização de voluntários para um levantamento no
terreno. Faz-se de seguida a descrição da metodologia adotada na caraterização
de cada um dos indicadores e referem-se as campanhas de campo de levantamento
de dados.
A avaliação do indicador C1 (Poluição atmosférica e ruído ambiental) adotou a
metodologia desenvolvida na Carta Ambiental da cidade descrita no ponto 3.2. A
informação/caracterização recolhida serviu de base para a fase agora em
desenvolvimento ' Dignóstico da Cidade (relativo a este indicador). As
metodologias de avaliação desenvolvidas em contexto Carta Ambiental serão as
adotadas em futuras avaliações.
A monitorização dos 3 indicadores (C7, C10 e C11), foi distribuída por 3 fases
distintas, garantindo que a informação levantada não fosse influenciada pelos
fatores que caracterizam cada período do ano. Assim, os dados recolhidos
transmitirão uma maior representatividade. As datas escolhidas para a
monitorização destes indicadores foram as seguintes:
Primeira monitorização: junho de 2011
Segunda monitorização: outubro e novembro de 2011
Terceira monitorização: maio de 2012
Os resultados destas campanhas não são apresentados neste artigo dado ainda não
estar concluída a fase em desenvolvimento ' Diagnóstico da Cidade.
Acesso público e espaços verdes (C7)
Atualmente, a criação e manutenção de espaços verdes em meios urbanos tornam-se
indispensáveis para o seu equilíbrio e para a promoção da qualidade de vida da
população, não excluindo ainda a sua importância como embelezamento da cidade.
Este indicador terá como objetivo identificar qual o tipo e uso dos espaços
verdes e perceber qual a frequência da procura por parte das pessoas.
Haverá 3 períodos de levantamento de dados, para cada campanha, onde será
registada a frequência da população que procura estes espaços:
Caracterização da procura de espaços verdes no período de lazer (sábado meio
da manhã, no período das 11h00 às 12h00 + quarta-feira ou quinta-feira meio da
manhã, no período das 10h00 às 11h00).
Caracterização da procura de espaços verdes com vista a deslocação para o
local de trabalho (quarta-feira ou quinta-feira em hora de pico, no período das
8h30 às 9h30).
A monitorização será efetuada no Parque da Cidade, no Jardim Público, e no
Circuito da Praia Norte (Figura_4).
Com a ajuda dos subindicadores (Anexo_1) que irão determinar a oferta dos
espaços pedonais como a sua procura, este indicador tem como objetivo
quantificar a percentagem dos utilizadores dos espaços/vias/canais para se
deslocarem a pé. As ruas pedonais oferecem à população uma forma de deslocação
amiga do ambiente e contribuem para a qualidade da saúde física.
Haverá 3 períodos de levantamento de dados, para cada campanha, onde será
registado o fluxo de pessoas que se desloca nestas ruas:
Caracterização do fluxo pedonal de lazer (sábado meio da manhã, no período
das 11h00 às 12h00 + quarta-feira ou quinta-feira meio da manhã, no período das
10h00 às 11h00).
Caracterização do fluxo pedonal que se dirige ao local de trabalho (quarta-
feira ou quinta-feira em hora de pico, no período das 8h30 às 9h30).
A caracterização da oferta de ruas pedonais, isto é, a área e extensão da rede
teve como base informação fornecida pela Câmara Municipal de Viana do Castelo.
A caracterização da procura é feita em termos do fluxo pedonal, que consiste em
calcular o número de peões por hora em determinada via. Os locais de
levantamento são a Rua Manuel Espregueira, a Av. Luís de Camões, e a Rua da
Bandeira (Figura_5).
Os modos suaves são uma das mais saudáveis, económicas e ecológicas formas de
deslocação. Numa cidade, os transportes são uma das principais fontes de
poluição. Torna-se importante haver infraestruturas que apoiem os cidadãos a
deslocarem-se de formas mais ecológicas e as ciclovias são um meio prático para
esse incentivo. O objetivo deste indicador é perceber qual a qualidade e
extensão de redes cicláveis na cidade de Viana do Castelo, bem como avaliar o
número de utilizadores.
A caracterização da oferta de vias cicláveis e infraestruturas de apoio, isto
é, a extensão da rede e a qualidade da rede, teve como base a informação
fornecida pela Câmara Municipal de Viana do Castelo. A caracterização da
procura é feita em termos do rácio n.° de ciclistas/n.° total de veículos de 4
e 2 rodas e caracterização do número de ciclistas nas vias exclusivas para
ciclistas. Os locais de levantamento são a Rua Manuel Espregueira, a Av. Luís
de Camões, e a Rua da Bandeira.
Para o cálculo do rácio n.° de ciclistas/n.° total de veículos de 4 e 2 rodas,
foram selecionados locais representativos em 3 vias primárias na cidade. O
fluxo de ciclistas e de veículos de 4 e 2 rodas é medido nos seguintes
períodos:
Caracterização do fluxo de ciclistas e do número total de veículos
motorizados de lazer, com 2 e 4 rodas (sábado meio da manhã, no período das
11h00 às 12h00 + quarta-feira ou quinta-feira meio da manhã, no período das
10h00 às 11h00).
Caracterização do fluxo de ciclistas e o número total de veículos motorizados
com 2 e 4 rodas que se dirige ao local de trabalho (quarta-feira ou quinta-
feira em hora de pico, no período das 8h30 às 9h30).
Para calcular o número de ciclistas utilizadores das ciclovias, foram
selecionados locais representativos nas ciclovias na cidade. O fluxo de
ciclistas é medido nos seguintes períodos:
Caracterização do fluxo de ciclistas de lazer (sábado meio da manhã, no
período das 11h00 às 12h00 + quarta-feira ou quinta-feira meio da manhã, no
período das 10h00 às 11h00).
Caracterização do fluxo de ciclistas que se dirige ao local de trabalho
(quarta-feira ou quinta-feira em hora de pico, no período das 8h30 às 9h30).
Para a monitorização deste indicador foram escolhidas 4 ciclovias localizadas
na Avenida do Atlântico, na Marina, no Parque Urbano da Cidade de Viana do
Castelo, e na Rua Passeio das Mordomas (Figura_6).
As campanhas de levantamento de dados efetuadas até ao momento têm como
objetivo a caraterização da situação atual, relatório que está ao momento em
fase de conclusão. As campanhas que se seguirão farão a caraterização e
avaliação anual da sustentabilidade urbana da cidade.
Conclusão
Pretendíamos com este artigo demonstrar, ainda que de forma breve, como o MVC
tem vindo a concretizar a sua política centrada na melhoria da qualidade de
vida e do bem-estar dos cidadãos. Ainda que a sua intervenção abranja os vários
determinantes da saúde, optámos por colocar o enfoque nos determinantes
ambientais, por considerarmos ser a área, cuja intervenção se tornou mais
visível, não só por estar associada ao Programa Polis, como também pelos
resultados obtidos com os estudos que aqui apresentamos.
Em conclusão, queremos destacar que, embora os níveis de ruído e de poluição
atmosféricas na área urbana do MVC sejam considerados bons e até muito bons na
maioria dos locais, foram, no entanto, referenciados pontos onde estes níveis
saem dos padrões normais, pelo que foi necessário implementar algumas medidas
corretivas, nomeadamente ao nível dos pavimentos e na criação de barreiras
antissom em zonas de lazer, bem como na diminuição do tráfego automóvel e
aumento de áreas pedonais da cidade.
Se bem que a intenção inicial da adesão do MVC ao PCS fosse apenas colocar o
enfoque numa "ideia" de cidade, - consubstanciada na simples
colocação de outdoors nas entradas da cidade com um novo logótipo ' o
desenvolvimento e as potencialidades reveladas pelo projeto, ao longo do tempo,
estenderam-se muito para além das expectativas iniciais, acabando por resultar
na apropriação, por parte da população, deste novo conceito de cidade. Para
tal, além do elevado esforço na busca de estratégias de participação
comunitária por parte dos técnicos envolvidos, contribuiu a forte vontade
política na aposta de uma estratégia de governação orientada para a promoção da
saúde, qualidade de vida e bem-estar da população local. A este respeito, e
volvida uma década de intervenção no terreno, foi possível verificar
significativos progressos não só na consciencialização de que a promoção da
saúde e do bem-estar se traduz na responsabilidade individual e coletiva, como
também se refletiu na criação de uma nova imagem da cidade onde os conceitos de
saúde, de qualidade de vida e de bem-estar têm vindo a ganhar visibilidade.