Tradução e validação da versão portuguesa do Geriatric Oral Health Assessment
Index (GOHAI)
Introdução
A avaliação da condição da saúde oral deve considerar, não só critérios
normativos &- indicadores clínicos - como também a autoperceção individual,
interpretando-a e contextualizando-a na sua vida diária. A autoperceção da
saúde oral e o seu impacto na qualidade de vida da população encontra-se
sugerida na literatura por vários autores1,2,3.
Conhecer a informação recolhida, através desta abordagem dual, constitui um
fator de prognóstico, permitindo melhorar as políticas de saúde, estabelecendo
prioridades baseadas nas necessidades de tratamento da população4.
As políticas de saúde pública têm hoje de responder aos desafios que se colocam
aos grupos prioritários da população, como os idosos, para assegurar cuidados
de saúde oral devido ao envelhecimento acelerado das populações dos países
desenvolvidos, em que Portugal se inclui5,6. A saúde desperta constantemente a
procura de melhores cuidados prestados à população levando à necessidade de
refletir sobre as novas competências que nos permitam lidar com esta situação
específica do idoso7,8.
A autoperceção da saúde oral é uma medida multidimensional que, refletindo a
experiência subjetiva dos indivíduos sobre o seu bem-estar físico e
psicossocial, determina a procura por tratamentos dentários9.
Geriatric Oral Health Assessment Index (GOHAI); Oral Health Impact Profile
(OHIP); Oral Impacts on Daily Performances (OIDP) e Oral Health-Related Quality
of Life (OHRQOL)3 são exemplos de instrumentos que, aplicados como
questionários, permitem avaliar a autoperceção da saúde oral.
Destes, o GOHAI foi desenvolvido especificamente para a população idosa10.
Desde o seu desenvolvimento que o GOHAI tem sido traduzido e validado em muitos
países ocidentais como a Alemanha, Espanha e França, que a exemplo de Portugal
têm uma sociedade envelhecida11,12,13.
A avaliação da qualidade de vida através do GOHAI permite perceber a aptidão de
funcionamento de um indivíduo, em toda a sua rotina e a forma como ele próprio
compreende todo o seu bem-estar, melhorando, deste modo, a decisão clínica e
providenciando melhores cuidados de saúde oral2,3,5,6.
Assim, é cada vez maior a necessidade de implementar este tipo de instrumentos
para que a sociedade tenha conhecimento da condição epidemiológica da saúde
oral do idoso, de modo a desenvolver ações sociais de prevenção, diagnóstico e
intervenção. São, da mesma forma, imprescindíveis para melhor orientar os
profissionais nas ações de saúde e elaboração de políticas de saúde pública
como programas educativos, preventivos e curativos2,3,5,6.
Considera-se, portanto, útil traduzir e validar para a língua portuguesa este
instrumento de avaliação com a finalidade de disponibilizar aos profissionais
de saúde um instrumento adequado, para a medição da autopercepção da saúde oral
do idoso.
Métodos
Considerações éticas
Este estudo foi submetido à Comissão de ética da Direção Geral da Saúde (DGS),
tendo sido obtido um parecer favorável, parecer n.° 61/2010, através do
Gabinete de Assuntos Jurídicos, ética e Responsabilidade desta entidade
pública. Foi também seguido, com sucesso, o processo de autorização das autoras
da versão original do Development of the Geriatric Oral Health Assessment Index
(GOHAI), Kathryn A. Attchison e Teresa A. Dolan. Os critérios de inclusão no
estudo foram os seguintes: idade igual ou superior a 65 anos; concordar
participar no estudo; capacidade de compreender e assinar o consentimento
informado; estarem inscritos, em 2008, no Agrupamento de Centros de Saúde de
Lisboa Norte e serem utentes dos centros de saúde onde estavam a responder ao
questionário. Foi entregue a todos os indivíduos pertencentes à amostra um
texto e impresso de Consentimento Informado, em português. A participação foi
voluntária, gratuita e não remunerada e a todos os indivíduos da amostra foi
explicado o objetivo e a justificação da pesquisa. Foram excluídos do estudo os
indivíduos que se recusaram a participar e que não reuniam os critérios de
inclusão, anteriormente descritos. Este estudo não recebeu financiamento para a
sua realização.
Amostra
A versão final do GOHAI em português foi aplicada a 162 idosos, utentes dos
Centros de Saúde de Alvalade, Benfica, Lumiar e Pontinha. A amostra foi de
conveniência, os indivíduos foram selecionados de entre os que esperavam a
consulta, entre fevereiro e junho de 2012. A entrevista foi feita face-a-face
com o cuidado do entrevistador não influenciar as respostas do entrevistado.
Instrumento de recolha de dados
O processo de tradução e validação de um instrumento para recolha de dados, na
forma de questionário, consiste basicamente em 3 etapas, sendo elas a tradução,
a aplicação do questionário numa amostra de indivíduos para validação e a
análise dos dados obtidos através da aplicação do instrumento14.
O questionário original GOHAI, é constituído por 12 perguntas, relacionadas com
a influência dos problemas de saúde oral nas dimensões, física, psicossocial e
dor ou desconforto:
• a função física, representada pelo padrão de mastigação, fala e
deglutição10,13,15,16,17,18,19,20,21,22;
• a função psicossocial, representada pela preocupação com a saúde oral,
satisfação ou insatisfação com a aparência, autoconsciência sobre a sua saúde
oral e evitar o contacto social devido a problemas
orais10,13,15,16,17,18,19,20,21,22;
• a dor ou desconforto, representada pelo uso de medicação para aliviar a dor
ou desconforto10,13,15,16,17,18,19,20,21,22.
Para Atchison & Dolan10, as opções de resposta podem ter de 3-6 categorias
(de "sempre" a "nunca"). Neste estudo optou-se pela
escala de frequência simplificada sugerida pelas autoras com 3 categorias
"sempre", "algumas vezes" e "nunca", com
valores de 1, 2 e 3, respetivamente.
Para obtenção do índice final realizou-se a soma simples dos valores, numa
escala de 12-36. O maior valor indicou valores de elevada autoperceção a
respeito da saúde oral10. De acordo com a Sociedade Americana de Geriatria23,
nas questões diretas, quanto mais prevalente a categoria "sempre",
mais elevada é a autoperceção e piores serão as condições de saúde oral,
verificando-se o contrário para a questão inversa.
O índice GOHAI classificou a autoperceção em "elevada" (34-36
pontos), "moderada" (30-33 pontos) e "baixa" (< 30
pontos) pelo critério de Atchison & Dolan10 para escala simplificada.
Para a definição dos itens que compõe cada uma das 3 dimensões (Física,
Psicossocial e Dor ou Desconforto), não havendo uma solução única, foi
utilizada a seguinte metodologia: métodos de cluster hierárquico de variáveis
(Complete Linkage); análise crítica qualitativa das dimensões e avaliação da
classificação das dimensões pela comparação com outros artigos.
Tradução
O GOHAI foi traduzido para a língua portuguesa. O processo envolveu a tradução
de inglês para português por 2 tradutores bilingues cuja primeira língua era o
português e a retroversão de português para inglês, por 2 tradutores bilingues
cuja primeira língua era o inglês. Foi então constituído um grupo de discussão
com os tradutores e os autores do estudo para analisar e comparar a versão
original do GOHAI com a versão traduzida, dando especial atenção aos tempos
verbais, expressões coloquiais e cultura local. Foi feito um pré-teste sendo
aplicadas as alterações necessárias de forma a obter um questionário semântica
e conceptualmente equivalente à versão em inglês. Por exemplo, nas perguntas 1
e 6 o questionário em inglês especifica "dentes e próteses", mas em
Portugal quando se questiona sobre problemas nos dentes, consideram-se
implícitas as próteses, pelo que se procedeu à alteração das questões; nas
questões 3 e 5 são utilizados os termos "engolir confortavelmente"
e "comer sem sentir desconforto". Como estas expressões não são
frequentes na língua portuguesa fez-se a alteração na pergunta 3 para
"teve dor ou desconforto para engolir" e na pergunta 5 para
"sentiu algum desconforto ao comer". No questionário em inglês as
questões 3 e 5 são questões inversas, o que não acontece na versão portuguesa
por uma questão de clareza e compreensão das mesmas.
Estudo piloto
Seguiu-se o estudo piloto &- aplicação da versão portuguesa a uma amostra por
conveniência de 39 indivíduos com idade igual ou superior a 65 anos no Centro
de Saúde do Lumiar, de forma a avaliar a capacidade de leitura desta versão. Os
idosos foram selecionados de entre os que esperavam a consulta, entre fevereiro
e junho de 2011, e a entrevista foi feita face-a-face.
Foram obtidos bons resultados preliminares na aplicação do questionário (alfa
de Cronbach de 0,65). Após os últimos ajustes aos tempos verbais e expressões
coloquiais, realizou-se a codificação e categorização das respostas, de acordo
com a escala de frequência simplificada sugerida pelas autoras e já explicada
anteriormente.
Versão final
Após o estudo piloto com 39 indivíduos idosos, passou-se à aplicação da versão
final do GOHAI em português a 162 idosos. A recolha de dados foi realizada
através de questionário. Na primeira parte foram preenchidos os dados para a
caracterização sociodemográfica, na segunda foram elaboradas questões acerca da
saúde oral do idoso e na terceira parte aplicou-se o GOHAI.
Análise de dados
Os dados foram tratados estatisticamente com recurso à estatística descritiva e
inferencial adequada e ao software SPSS®, versão 18.
Esta análise envolveu a avaliação da fiabilidade, através do cálculo da
consistência interna pelo alfa (α) de Cronbach, e da validade, através
da técnica da análise fatorial com extração de fatores pelo critério de Kaiser
(valores próprios superiores a um). De acordo com a literatura científica, o
valor esperado do alfa de Cronbach para o estudo de uma escala deve ser entre
0,7-0,9. Na validação do constructo pela análise fatorial, o teste de
esfericidade de Bartlett deve ser estatisticamente significativo. Esta
validação implicou a aplicação de um teste estatístico denominado de Kaiser-
Meyer-Olkin (KMO), que ajudou a verificar se os indivíduos que participaram na
resposta ao instrumento o fizeram de forma consistente. Se o valor de KMO for
superior a 0,60, podemos dizer que essa consistência ocorreu14,24.
Resultados
Os indivíduos da amostra deste estudo tinham em média 74 anos (desvio-padrão
6,8); 61,7 era do sexo feminino e 38,3 do sexo masculino. A grande maioria
encontrava-se reformada (86,4); 46,9 apresenta um nível de escolaridade até ao
4.°ano e 85,8 considera-se totalmente independente em relação às suas
atividades quotidianas. Apenas 0,6 sabia que tem um profissional de saúde oral
no centro de saúde a que pertence; 56,8 não visitava um médico dentista há mais
de um ano; 63 dos indivíduos usava prótese dentária, sendo que apenas 46,9 se
encontrava satisfeito com a mesma (Tabela_1).
Na aplicação do questionário GOHAI verificou-se que de um modo geral os idosos
avaliaram favoravelmente a sua saúde oral, sendo que 59,9 dos indivíduos
apresentam uma elevada autoperceção da sua saúde oral com valores superiores a
33, 27,8 apresentam uma autoperceção moderada (valores entre 30-33) e apenas
12,3 uma autoperceção baixa (valores inferiores a 30).
Como foi possível verificar, a aplicação do questionário GOHAI resultou em
valores médios próximos do limite superior da escala de variação de medida para
o índice global. Para a definição dos itens que compõe cada uma das 3
dimensões, aplicando-se o processo referido na metodologia, obteve-se a
seguinte distribuição: Dimensão Física, que inclui a limitação na escolha dos
alimentos, problemas na mastigação, problemas na fala e desconforto a comer,
questões 1, 2, 4 e 5, respetivamente; Dimensão Psicossocial, que inclui a
limitação e desconforto nos contactos sociais e o desconforto com a aparência,
questões 6, 7 e 11; Dimensão da Dor ou Desconforto, que inclui o desconforto ao
engolir, o uso de medicação para a dor, a preocupação e a autoconsciência sobre
os problemas da sua boca e a sensibilidade dentária, questões 3, 8, 9, 10, 12
(ver Anexo1).
Avaliação da fiabilidade &- cálculo da consistência interna
Para determinar a consistência interna da versão portuguesa do questionário
GOHAI foi utilizado o alfa (α) de Cronbach, tendo-se obtido um valor de
α=0,768.
Os valores de consistência interna relativos a cada item foram superiores a
0,71.
Análise fatorial com extração de fatores
As respostas ao questionário foram analisadas utilizando os componentes
principais da análise fatorial, Kaiser-Mayer-Olkin (KMO), Bartlet' test e a
matriz de correlação. O valor obtido de Kaiser-Mayer-Olkin (KMO) considera-se
bom, superior a 0,6 (KMO=0,726) e o Bartlet' test, considerado muito bom (X 2
(66)=505,769; p < 0,001). Com o objetivo de verificar até que ponto é que os
itens do questionário estão relacionados, utilizou-se também o coeficiente de
correlação de Spearman que mostrou que a maior parte das relações entre itens é
fraca ou moderada, com todas as correlações abaixo dos 0,3,evidenciando um bom
resultado.
Para identificar as dimensões corretas foi utilizada a análise de componentes
principais com a extração de 3 fatores (Eigenvalues superiores a um). O gráfico
do scree plot (ponto de inflexão ou cotovelo) também foi analisado. O valor
obtido da variância explicada foi de 51,81.
Discussão
A adaptação e validação portuguesa do GOHAI correspondeu à necessidade de
preencher um vazio existente na avaliação do impacto dos problemas de saúde
oral na qualidade de vida dos idosos. Trata-se de um instrumento curto, de
rápida e fácil aplicação, de baixo custo económico e que avalia a autoperceção
da saúde oral, sendo por isso importante na avaliação da necessidade e
efetividade de um tratamento dentário. Pode ser aplicado face a face, como foi
o caso deste estudo, ou pode ser autoadministrado.
A média de idade encontrada entre os idosos deste estudo foi de 74 anos, sendo
este valor próximo dos mais recentes dados do INE26 referentes à população
idosa portuguesa e também à média encontrada noutros estudos, que variaram
entre os 67,1-73,5 anos10,13,25,26,27,28.
No que respeita à variável nível de escolaridade, destacou-se o facto de
aproximadamente 50 dos indivíduos da amostra ter uma formação igual ou inferior
ao 4.°ano de escolaridade, sendo que 13,6 refere não saber ler nem escrever. Na
análise destes valores foram considerados os dados do Inquérito ao Emprego de
2001, em que se determinaram os níveis de instrução da população idosa com base
nas categorias da International Standard Classification of Education (ISCED)
utilizada pelas Nações Unidas. Foi possível concluir que a população idosa
detém, de um modo geral, baixos níveis de instrução26.
Um outro conjunto de variáveis com grande significado na análise da situação de
saúde dos idosos tem a ver com o rendimento familiar. Assim, constatámos que
uma percentagem de 29,6 da amostra afirmou não ter um rendimento inferior a um
salário mínimo. Estes dados devem ser confrontados com os que nos são
fornecidos pelo Eurostat29 sobre o risco de pobreza dos idosos.
A média dos valores do GOHAI neste estudo (33,1) sugeriu uma elevada
autoperceção da saúde oral da população em estudo, idêntico ao que acontece na
versão original10 e noutros estudos na China30, Japão27 e Arábia31.
O instrumento revelou ser fiável por ter boa consistência interna (0,768), de
onde se concluiu a validade de todas as perguntas tal como aconteceu na versão
original em inglês10 onde se obteve um coeficiente alfa de Cronbach de 0,79.
Este valor foi em Espanha11 de 0,86; na China30 de 0,81; em França12 de 0,86;
na Suécia32 de 0,86; na Malásia28 de 0,79; no Japão27 de 0,89; na Alemanha13 de
0,92; na Turquia33 de 0,75; na Jordânia34 de 0,88; e no México4 de 0,77. Os
nossos resultados mostram uma consistência interna aproximada à versão original
e às versões traduzidas e validadas na Turquia, México e Malásia.
Da análise fatorial do instrumento resultou a discriminação de 3 fatores
fundamentais, que justificaram 51,81 da variância total dos resultados, onde a
extração de apenas um fator justificaram-se 30,1 da variância. Os valores de
consistência interna relativos a cada item foram também elevados, sempre com
valores superiores a 0,71. Verificaram-se resultados semelhantes na versão
mexicana do GOHAI4, em que na análise fatorial a extração de um fator explicou
30,6 da variância total. A medida de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) de adequação
simples foi de 0,81, também superior a 0,6 tal como no presente estudo. O teste
de esfericidade de Bartlett foi também semelhante, ambos com 66 graus de
liberdade (p < 0,001)4.
Não se verificou significado estatístico entre a autoperceção da saúde oral e
as variáveis sociodemográficas, à semelhança do que aconteceu no estudo de
Pinzón-Pulido et al.11.
Por outro lado, em França, foi demonstrado que as variáveis como o baixo nível
de escolaridade e um rendimento familiar reduzido determinam uma menor
pontuação do GOHAI12. Na China, a visita recente ao médico dentista foi
determinante para uma baixa pontuação do GOHAI30.
Conclusão
O instrumento revelou ter boas qualidades psicométricas na sua adaptação e
validação para a população portuguesa, tendo demonstrado ser de fácil e rápida
aplicação. Considera-se um instrumento válido e importante para a avaliação da
qualidade de vida da saúde oral dos idosos.
A população deste estudo corresponde à população portuguesa retratada no estudo
mais recente da evolução das características demográficas em Portugal, durante
os últimos 10 anos.
Futuramente, devem ser realizados estudos que nos permitam a utilização do
GOHAI como instrumento de medida da autopercepção da saúde oral nos idosos
relacionando o impacto de outras variáveis sobre as condições de saúde oral. A
convicção de que uma saúde oral precária é uma situação natural do
envelhecimento e que não pode ser modificada é aceite unanimemente entre os
idosos. Há necessidade de desenvolvimento de ações educativas e preventivas
para esta população, para uma maior consciencialização e mudança de valores e
hábitos que condicionam o seu comportamento3,4.
Autoria/colaboradores
O primeiro autor participou na ideia original do tema, na recolha de dados, na
análise e interpretação dos dados e na redação do artigo. O segundo, terceiro e
quarto autores contribuíram com a ideia original do tema, coordenaram o
processo de calibração e recolha de dados e fizeram a revisão crítica da versão
a ser publicada. O quinto autor contribuiu para a análise e interpretação dos
dados e revisão crítica da versão a ser publicada.