Questionário dos Conhecimentos da Diabetes (QCD): propriedades psicométricas
A diabetes mellitus é uma doença característica dos países desenvolvidos e em
vias de desenvolvimento, representando um dos principais problemas de saúde que
causa incapacidade e mortalidade1. Calcula-se que 10% dos gastos globais em
saúde sejam utilizados no tratamento desta patologia2. Torna-se, por isso,
necessária uma intervenção efetiva por parte dos profissionais de saúde no que
respeita à prevenção e tratamento desta doença.
O conhecimento e a adesão ao regime terapêutico é um aspeto fundamental para um
eficaz controlo da diabetes, em que o indivíduo tem um papel ativo e
colaborativo no planeamento e implementação do regime de tratamento. Vários
fatores interferem na adesão ao regime terapêutico. Gonder-Frederick, Cox e
Ritterband3 identificaram 3 categorias de variáveis: individuais, sociais e
ambientais. As variáveis individuais incluem as crenças pessoais de saúde, as
competências de coping, a psicopatologia, o distress psicológico, a
personalidade e as características demográficas. As variáveis sociais integram
o suporte social, as características da família, as responsabilidades
parentais, as interações com os profissionais de saúde, o impacto da diabetes
nas pessoas significativas e os fatores sociodemográficos. Por último, as
variáveis ambientais contemplam o sistema de saúde, o ambiente geral, o
ambiente no trabalho/escola, os programas comunitários e os fatores culturais.
A adesão ao regime terapêutico da diabetes mellitus implica frequentemente
alterações nos estilos de vida do indivíduo em diferentes áreas, como na
alimentação, na medicação e no exercício físico4, com implicações diretas no
seu quotidiano. A complexidade do tratamento da doença constitui uma barreira à
adesão ao regime terapêutico e contribui para um ineficaz controlo da doença,
sendo "um tratamento extremamente desafiante pelo grau de envolvimento
ativo fora do comum que exige ao doente" (p.34)5.
O conhecimento que o indivíduo possui sobre os determinantes da saúde é
fundamental para que possa tomar decisões conscientes tendo como objetivo
comportamentos saudáveis. O mesmo é válido para a doença e tratamento, em que o
conhecimento é fundamental para o desenvolvimento de competências na gestão do
regime terapêutico. Como referem Almeida e Matos6, "dada a complexidade
do cuidado diário da diabetes, o doente e a família precisam de saber como
lidar com a doença, desde o executar diário de tarefas ao saber fazer
ajustamentos no regime de insulina ou na dieta" (p. 63). Apesar do
conhecimento, por si só, não ser suficiente para a mudança comportamental, a
literatura tem demonstrado que este é essencial na adesão ao regime
terapêutico1,7,8.
Uma das teorias mais validadas na compreensão dos comportamentos associados à
doença e tratamento é a teoria de autorregulação de Leventhal et al.9. Com base
nesta teoria, as pessoas formam crenças pessoais sobre a sua doença e
tratamento que se podem agrupar em várias dimensões: identidade, causa,
consequências, duração, cura e controlo, e estado emocional. Os conhecimentos
sobre a doença e tratamento são passíveis de influenciar e ser influenciados
por estas crenças, estando comprovado que estas afetam igualmente a adaptação à
doença10,11. Assim, um instrumento de medida baseado nesta teoria poderá ser
uma mais-valia na compreensão e adequação das práticas clínicas, privilegiando
uma abordagem centrada no cliente. A avaliação dos conhecimentos da pessoa
acerca da sua doença e tratamento é um passo importante na identificação das
suas crenças e recursos, possibilitando um plano de tratamento personalizado e
eficaz. No caso da diabetes, a identificação de áreas de desconhecimento acerca
da doença e tratamento pode ajudar a orientar a educação do cliente e a
identificar crenças que poderão prejudicar a sua recuperação. Existem várias
escalas que permitem identificar o nível de conhecimentos sobre a diabetes, mas
que são dirigidas a pessoas com níveis de literacia mais elevados. Apesar de se
encontrarem referências na literatura a uma escala traduzida para português,
esta está mais focada em aspetos clínicos, não contemplando as dimensões que
formam as crenças pessoais12.
Com base nestes pressupostos, Sousa e McIntyre11 desenvolveram o Questionário
dos conhecimentos da diabetes (QCD) que visa identificar os conhecimentos que o
indivíduo possui sobre a doença e tratamento. O presente trabalho visou avaliar
as características psicométricas do QCD, no sentido de verificar se este reúne
os critérios psicométricos necessários à sua utilização com segurança na
investigação no domínio da diabetes e na prática clínica.
Método
Participantes
Neste estudo participaram 249 indivíduos inscritos em centros de saúde do
distrito do Porto, com diabetes mellitus tipo 2 diagnosticada há mais de 12
meses, com idade igual ou superior a 40 anos e que aceitaram participar no
estudo, tendo por base uma amostra sequencial e de conveniência. A participação
foi voluntária e sujeita a consentimento informado.
Foram estudados 166 (66,7%) participantes do sexo feminino e 83 (33,3%) do sexo
masculino, com uma idade média de 66,4 anos (DP = 10,5), não havendo diferenças
estatisticamente significativas na idade entre homens e mulheres (t[247] =
0,38; p = 0,703). No que se refere ao estado civil, verificámos que 53,0% das
mulheres e 89,2% dos homens são casados. Os homens apresentam maior
escolaridade (M = 4,36; DP = 2,79) do que as mulheres (M = 2,84; DP = 2,11),
apresentando esta diferença significado estatístico (t[246] = 4,79; p =
0,0001). Quanto à situação laboral, a grande maioria, quer do sexo feminino
(88,0%) quer do sexo masculino (80,7%), já não se encontra ativa.
Relativamente à caracterização clínica da amostra, mais especificamente à idade
do diagnóstico da diabetes, não se encontraram diferenças significativas entre
os 2 sexos (t[246] = -1,09; p = 0,278), sendo que nas mulheres a idade média
foi de 56,1 anos (DP = 11,9) e nos homens de 57,8 anos (DP = 11,1). A duração
média da doença nos participantes foi de 9,7 anos (DP = 8,2; Min. = 1; Máx. =
44). Do total da amostra, 234 pessoas faziam antidiabéticos orais. É de realçar
que 49,2% dos participantes referiram não ter qualquer ajuda familiar no
tratamento da sua doença, relatando dificuldades na gestão do regime
terapêutico na componente alimentação 24,6% dos diabéticos, na componente
medicação 5,9% e no exercício físico 29,7%. A comparação destas dificuldades
entre os participantes femininos e masculinos evidenciou que apenas no
exercício físico as mulheres mostraram maior dificuldade (χ2 = 3,85; p = 0,03).
Questionados acerca de outros problemas de saúde, 71,5% referiu problemas de
visão, 55,8% hipertensão arterial, 48,2% hipercolesterolemia, 38,2% diminuição
na sensibilidade dos membros inferiores, 32,5% hipertrigliceriemia, 30,5%
problemas do coração, 24,9% problemas renais e 14,1% antecedentes de AVC.
Contudo, apenas uma pequena percentagem de participantes relacionou estes
problemas de saúde com a sua diabetes. A maior parte da amostra (54,6%) referiu
antecedentes familiares de diabetes.
Instrumentos
Utilizaram-se os seguintes questionários: o questionário sociodemográfico e
clínico11 e o QCD11. O questionário sociodemográfico e clínico contém 13 itens
de formato variado (perguntas fechadas e abertas) que questionam acerca dos
aspetos idade, sexo, estado civil, escolaridade, situação laboral, profissão
atual ou anterior, agregado familiar, idade do diagnóstico, início do
tratamento com antidiabéticos orais, dificuldades específicas sentidas com o
tratamento, apoio de pessoas significativas, problemas de saúde existentes,
familiares com diabetes mellitus e seu parentesco.
O QCD foi desenvolvido com vista a avaliar o conhecimento das pessoas acerca da
doença e tratamento. Como foi referido, a definição dos domínios do
conhecimento a avaliar teve por base o modelo de autorregulação de Leventhal,
que define várias dimensões de representação cognitiva da doença: identidade,
consequências, causa, duração, controlo/cura e reações emocionais13. Estas
dimensões inspiraram as facetas de conhecimento sobre a diabetes avaliadas pelo
QCD. A versão original do QCD de 35 itens foi objeto de um estudo piloto que
produziu uma versão inicial de 28 itens organizados nas seguintes dimensões:
Identidade, Causas, Duração, Tratamento, Limitações, Controlo e Complicações da
diabetes. No presente estudo, que visou uma análise mais aprofundada das
características psicométricas do QCD, optámos pela aplicação da versão
original, que continha 35 itens, uma vez que alguns dos itens eliminados
pareciam ter pertinência clínica (tabela_1). Estes itens tinham sido revistos
por um painel de peritos que opinou sobre a sua relevância e correção clínica,
assim como o formato de resposta.
Os itens do QCD usados neste estudo apresentam um formato com 3 opções de
resposta, tal como na versão original: verdadeiro (V), falso (F) e não sei
(NS). O total das respostas corretas (soma das respostas V e F corretas)
constitui uma medida dos conhecimentos sobre a doença e tratamento. A análise
das respostas por domínio em termos de respostas incorretas e "não
sei", permite identificar áreas de desconhecimento acerca da doença e
tratamento.
Para que os resultados de cada dimensão variassem entre 0-100, facilitando a
sua interpretação e comparabilidade, a pontuação de cada participante nas
diferentes dimensões em análise foi calculada através de uma fórmula [∑/
Mx*100], sendo ∑ o somatório das respostas corretas do participante na
dimensão; e o Mx a pontuação máxima possível de obter nessa dimensão.
Procedimento
Todos os participantes no estudo foram devidamente esclarecidos sobre o
objetivo do mesmo e sobre a confidencialidade dos dados. Assegurou-se a
participação voluntária e o consentimento informado.
Devido ao baixo nível de escolaridade dos participantes o preenchimento do
questionário foi efetuado, na maioria (81,1%) por heterorrelato. Os
investigadores foram orientados a não influenciarem as respostas dos
participantes, sendo apenas permitida a repetição do item 2 vezes.
O estudo de fidelidade foi realizado através do cálculo dos coeficientes de
consistência interna (Cronbach alfas) e do coeficiente de correlação teste-
reteste (intervalo de 30 dias), numa subamostra de 123 pacientes. A validade de
constructo foi estudada através de análises fatoriais exploratórias e análises
fatoriais confirmatórias. A análise fatorial exploratória incluiu a análise de
componentes principais através do método de rotação Varimax. Para avaliar se a
estrutura fatorial encontrada se mostrava ajustada a um modelo teórico,
procedemos a uma análise fatorial confirmatória com recurso ao AMOS (versão 21,
SPSS-IBM). Seguimos os índices e respetivos valores descritos por Marôco14 para
avaliar a qualidade do ajustamento do modelo (CFI, PCFI, TLI e RMSEA).
Resultados
Apresentaremos de seguida, os resultados relativos ao estudo de validade
(análises fatoriais exploratórias e confirmatórias), seguidos dos resultados
relativos à fidelidade (consistência interna e teste-reteste).
Estudo de validade
Para testar a validade de constructo do QCD procedeu-se a análises fatoriais
exploratórias e confirmatórias. O modelo inicial, obtido por análise fatorial
exploratória com o total dos 35 itens e sem fixação do número de fatores, gerou
uma matriz de 11 componentes que explicavam 60,69% da variância nos valores do
QCD. Todavia, a composição dos 11 fatores não era suportada por um modelo
teórico coerente. Procedeu-se a uma segunda análise fatorial exploratória,
forçando a 7 fatores, para analisar a sobreposição com o modelo sugerido pelos
autores no estudo da versão original11, não se reproduzindo a estrutura
fatorial do QCD na sua versão original. A variância explicada por esta solução
fatorial foi de 47,86%. Foram realizadas análises exploratórias subsequentes,
com indicação de 4, 5 e 6 fatores, que também não produziram soluções
coerentes.
A solução fatorial mais consistente do ponto de vista empírico e conceptual foi
de 3 fatores, a qual passamos a descrever. Esta solução implicou a eliminação
de 11 dos 35 itens da versão original (itens 2, 3 e 4 da dimensão Identidade;
itens 1 e 6 da dimensão Causas; itens 2 e 5 da dimensão Tratamento; item 4 da
dimensão Limitações; itens 1, 3 e 5 da dimensão Complicações) por apresentarem
carga fatorial inferior a 0,40, seguindo as recomendações de Pestana e
Gageiro15. Analisando a relação de cada um dos itens com a respetiva dimensão,
considerou-se ainda oportuno a eliminação de mais 4 itens por não apresentarem
coerência conceptual com os restantes itens do fator em que estavam alocados
(os itens 1, 2 e 3 da dimensão Limitações e o item 1 da dimensão Controlo). Na
totalidade, 15 dos 35 itens originais foram eliminados na versão atual de
validação.
A estrutura trifatorial final contempla 20 itens e apresenta uma variância
explicada de 42,75% (tabela_2), tendo a dimensão Tratamento, controlo e
complicações 10 itens (variância explicada de 24,33%), a dimensão Duração 5
itens (variância explicada de 9,61%) e a dimensão Causas também 5 itens
(variância explicada de 8,81%). Verifica-se que o item 6, "Devido à
diabetes, outros problemas de saúde podem surgir sem o diabético dar por
isso" satura em 2 dimensões (Tratamento, controlo e complicações e
Causas), contudo, com uma carga fatorial superior na dimensão Tratamento,
controlo e complicações, pelo que foi aí alocado.
Adicionalmente procedeu-se a análise fatorial confirmatória para testar a
adequação do modelo trifatorial encontrado para o QCD. O modelo revelou uma
qualidade de ajustamento razoável, mas com possibilidade de o melhorar (CFI =
0,801; PCFI = 0,704; RMSEA = 0,076). Após a eliminação de outliers e a
correlação dos erros de medida entre os itens 2, 7 e 4 com o item 1, e ainda
correlacionados os erros dos itens 2 com o 9, e o 5 com o 6, todos pertencentes
à componente Tratamento, controlo e complicações, foi possível obter um melhor
ajustamento que suporta a validade fatorial deste instrumento (CFI = 0,908;
PCFI = 0,774; TLI = 0,892; RMSEA = 0,052). A figura_1 apresenta os valores dos
pesos fatoriais estandardizados e a fiabilidade individual de cada um dos itens
no modelo final.
Ainda como estudo da validade de constructo, realizaram-se correlações de
Spearman entre as 3 subescalas do QCD. O Tratamento, controlo e complicações
apresenta uma correlação com a Duração de rs = 0,28; p = 0,000 e com as Causas
de rs = 0,28; p = 0,000. A Duração apresenta uma correlação com as Causas de rs
= 0,18; p = 0,005. Verifica-se que estas dimensões apresentam correlações
baixas a moderadas entre si, o que apoia a especificidade das mesmas.
Estudo de fidelidade
Para avaliar a consistência interna dos valores obtidos nos itens do QCD,
calculou-se o coeficiente alfa de Chronbach para as 3 subescalas (tabela_3). Os
valores alfa de Cronbach obtidos foram de 0,75 para a subescala de
conhecimentos ao nível do Tratamento, controlo e complicações, de 0,74 para a
subescala Duração e de 0,61 para a subescala Causas. Estes valores indicam uma
consistência interna adequada embora os coeficientes alfa sejam relativamente
modestos (< 80). Isto deve-se provavelmente ao facto de haver baixa variância
dos itens, havendo um viés positivo no sentido de conhecimentos elevados nas
várias dimensões. O valor mais baixo da subescala Causas poderá ter ainda a ver
com o menor número de itens desta subescala.
Relativamente à fidelidade teste-reteste, a estabilidade temporal do QCD foi
avaliada através de coeficientes de correlação de Spearman entre os valores de
cada dimensão e os valores encontrados no intervalo de 30 dias. Os resultados
demostram que a correlação entre os conhecimentos na dimensão Tratamento,
controlo e complicações foram de rs = 0,91; p = 0,0001. A estabilidade na
dimensão Duração foi de rs = 0,93; p = 0,0001 e na dimensão Causas foi de rs =
0,97; p = 0,0001, valores indicativos de uma estabilidade temporal elevada.
Estatísticas descritivas e influências demográficas e clínicas
Caracterizou-se a amostra em relação aos níveis de conhecimentos acerca da
doença e tratamento de acordo com o QCD. Tendo em conta que o máximo de cotação
possível de alcançar em cada subescala é de 100, a análise das estatísticas
descritivas (média e desvio padrão) das 3 subescalas do QCD, mostra que os
participantes apresentam mais conhecimentos específicos no Tratamento, controlo
e complicações da diabetes (M = 88,07; DP = 16,76), seguido pelos aspetos
relacionados com a Duração da doença (M = 83,94; DP = 25,19). Por outro lado,
questões relativas às Causas, nomeadamente o que origina a diabetes, foi a
dimensão onde as pessoas evidenciaram mais desconhecimento (M = 74,94; DP =
26,25), porém com valores ainda elevados de conhecimentos nesta dimensão.
Analisando as medidas de tendência central nestas variáveis, constatamos que a
moda em cada uma das dimensões foi de 100 e que a mediana se situa entre a
média e a moda, dando a indicação de que se trata de uma distribuição
assimétrica positiva (Med Tratamento, controlo e complicações = 90; Med Duração
= 100; Med Causas = 80).
Procedeu-se ao estudo da relação entre variáveis sociodemográficas e clínicas e
os valores do QCD em termos da idade, escolaridade, sexo e tempo de doença
(tempo decorrente desde o diagnóstico da doença até à avaliação atual).
Realizaram-se coeficientes de correlação de Spearman entre as variáveis
contínuas e testes t de Student para a variável categórica (sexo). Constatou-se
que a idade da pessoa não apresenta correlações significativas com as dimensões
do QCD. Verificou-se uma correlação baixa significativa entre a escolaridade e
as dimensões Tratamento, controlo e complicações (rs = 0,20; p = 0,002), e a
Duração (rs = 0,17; p = 0,008), sugerindo que participantes mais escolarizados
têm maiores conhecimentos acerca da diabetes nas dimensões referidas.
Analisando os resultados em função do sexo, verificou-se que apenas na dimensão
Tratamento, controlo e complicações as mulheres demonstram menos conhecimentos
(M = 86,45; DP = 17,30) do que os homens (M = 91,33; DP = 15,30), com
resultados estatisticamente significativos (t[247] = 2,18; p = 0,03). Em termos
da variável clínica considerada, não se encontrou correlação significativa
entre o tempo de doença e os níveis de conhecimento em qualquer dimensão do
QCD.
Discussão
O QCD foi desenvolvido com o objetivo de avaliar os conhecimentos que as
pessoas com diabetes possuem acerca da sua doença e tratamento, abordando as
principais dimensões que o modelo de representações de doença de Leventhal
preconiza. O estudo das características psicométricas do instrumento na
presente amostra resultou numa versão de 20 itens com bons índices de validade
e fidelidade. O instrumento em estudo teve uma boa aceitação junto dos
participantes, mostrando-se útil para pessoas mais idosas e com menos
literacia.
A análise fatorial exploratória não confirmou as dimensões propostas por
Leventhal et al. indicando que as pessoas nesta amostra têm uma perspetiva
menos diferenciada dos conhecimentos sobre a sua doença e tratamento. Assim, a
solução fatorial encontrada engloba 3 dimensões em vez das 7 esperadas:
Identidade, Causas, Duração, Tratamento, Limitações, Controlo e Complicações.
Os itens relativos ao tratamento, controlo e complicações concentram-se numa só
dimensão, o que pode ser explicado pela informação disponível acerca da doença,
em que estes 3 aspetos estão habitualmente associados. Isto é, o controlo da
doença está intimamente relacionado com o tratamento e com as consequências que
podem advir. Parece que estes aspetos da diabetes são percecionados
conjuntamente pelos participantes, o que pode também indicar alguma falta de
diferenciação, por exemplo, em relação ao significado do que está englobado no
tratamento da doença, versus o seu controlo. Este controlo refere-se
concretamente à monitorização de alguns valores como a glicemia, cetonúria e
tensão arterial. Será importante que os profissionais enfatizem a importância
de vigiar estes parâmetros, não como uma finalidade em si, pois somente o ato
de monitorizar não influencia diretamente no estado da diabetes, mas antes como
um meio de adequar o tratamento, de forma a manter a diabetes controlada,
evitando ou atrasando as suas consequências. Isto porque a nossa prática
profissional tem revelado que estes comportamentos de autovigilância, embora
fundamentais, são por vezes sobrevalorizados pelos utentes, remetendo para
segundo plano os comportamentos de autocuidado, relacionados efetivamente com o
tratamento.
As restantes dimensões reportam-se às causas e à duração da doença,
correspondendo às categorias mais valorizadas pelos profissionais de saúde e
mais distintas do ponto de vista dos conhecimentos que as pessoas têm acerca da
doença.
Os valores de fidelidade encontrados são indicativos de uma boa consistência
interna para 2 das suas subescalas. Os valores encontrados para a subescala
Causas, embora aceitáveis, são mais baixos, provavelmente devido à baixa
variabilidade na resposta aos itens e ao menor número de itens, o que afeta os
coeficientes de correlação.
As correlações teste-reteste indicam que o QCD apresenta uma elevada
estabilidade temporal, tendo sido encontrados valores de correlação superiores
a 0,90 ao intervalo de 30 dias, sugerindo que os níveis de conhecimentos acerca
da diabetes são bastante estáveis no tempo. Neste caso, os bons níveis de
conhecimentos apresentados pelos participantes na primeira avaliação não
parecem diminuir no espaço de um mês, o que é um espaço razoável. Seria
importante, em estudos futuros, avaliar a estabilidade do QCD em períodos de
tempo mais alargados (por exemplo, aos 6 meses) e também em termos do impacto
de programas educacionais dirigidos ao aumento dos conhecimentos da pessoa
acerca da sua doença e tratamento. Será importante determinar se o QCD é
sensível a uma intervenção educativa.
Tal como em estudos anteriores, os participantes da amostra revelaram bons
níveis de conhecimentos sobre a diabetes11,16,17. Em geral, verifica-se uma
baixa variância nos valores médios das subescalas, que são bastante elevados
nas medidas de tendência central (média e moda). Isto sugere que esta amostra
tem conhecimentos elevados acerca da doença e tratamento e que é bastante
homogénea a este nível. Será pertinente, no futuro, realizarem-se estudos com o
QCD em amostras menos homogéneas.
No que se refere às diferentes dimensões, os participantes demonstraram maiores
conhecimentos sobre o Tratamento, controlo e complicações e menores
conhecimentos relacionados com as Causas, resultados também encontrados por
Sousa11, Pace et al.18 e Hu, Gruber, Liu, Zhao e Garcia19. Os resultados
poderão estar relacionados com o tipo de informação que os profissionais de
saúde priorizam, ou seja, a ênfase em aspetos práticos relacionados com a
gestão do regime terapêutico. Por outro lado, os utentes poderão também
valorizar a informação com aplicabilidade no dia-a-dia. Contudo, os estudos
sobre as representações de doença que usam o modelo de autorregulação têm
indicado que a representação cognitiva que as pessoas têm sobre as causas da
doença tem implicações na adesão ao regime de tratamento20, o que sugere que a
educação para a saúde da pessoa com diabetes deve também considerar esta
dimensão.
Algumas variáveis sociodemográficas demonstraram ter influência nos
conhecimentos acerca da diabetes. Verificámos que os diabéticos com maior nível
de instrução sabem mais sobre a sua doença. Fitzgerald et al.21 e, mais
recentemente, Hu et al.19 também confirmaram maiores conhecimentos sobre a
diabetes nas pessoas com mais formação académica. Um estudo efetuado com uma
população de pessoas não diabéticas, mas onde esta doença tinha elevada
prevalência geográfica, revelou que as pessoas com maior nível educacional
tinham maiores conhecimentos acerca da patologia22.
Neste estudo, as mulheres evidenciaram menos conhecimentos, o que poderá estar
relacionado com o menor nível de escolaridade das mesmas, sendo essa diferença
apenas significativa na dimensão Tratamento, controlo e complicações. Al-
Sarihin et al.23 também encontraram diferenças nos conhecimentos acerca da
diabetes entre homens e mulheres, argumentando que a baixa literacia que elas
possuem estará na base desses resultados.
O tempo de convívio com a doença não influenciou os conhecimentos globais
acerca da diabetes. Frequentemente, nesta patologia, não se verifica uma
deterioração visível do estado de saúde a curto/médio prazo. Como referem
Leventhal e Benyamini9, a forma como as pessoas percecionam os seus sintomas
influencia o seu comportamento. É assim de esperar que, perante pouca
sintomatologia da doença, as pessoas não se sintam motivadas a procurar mais
informação, principalmente quando consideram que já possuem a necessária para
lidar com a doença no dia-a-dia. As políticas de saúde têm vindo a reforçar a
necessidade de proporcionar aos clientes recursos informativos que lhes
permitam compreender a sua doença e tomar decisões esclarecidas. Esta aposta
pode refletir-se numa população mais esclarecida acerca da diabetes. Assim, no
caso desta amostra, os conhecimentos acerca da doença foram elevados,
independentemente do estádio da doença.
Os resultados relativos à influência de fatores demográficos nos níveis de QCD
permitem identificar grupos-alvo para intervenção educativa. As mulheres e os
utentes com menor escolaridade parecem necessitar de mais atenção em termos
educacionais acerca da diabetes.
Este questionário, tendo como referencial teórico o modelo de autorregulação de
Leventhal, permite avaliar os conhecimentos que as pessoas têm sobre a sua
diabetes em 3 dimensões importantes da sua doença: Tratamento, controlo e
complicações, Causas e Duração. Estas dimensões têm comprovada relevância em
termos das crenças acerca da doença e tratamento e subsequentemente, nos
comportamentos de adesão terapêutica, que são essenciais à gestão e controlo da
doença. O QCD pode ser um instrumento importante a utilizar pelos técnicos de
saúde para identificar áreas de desconhecimento acerca da diabetes e orientar
as intervenções educativas.
Através deste trabalho foi possível verificar que o QCD revela ser um
instrumento fiável e válido para avaliar os conhecimentos gerais que as pessoas
possuem sobre a sua diabetes. As opções metodológicas assumidas na realização
deste estudo seguem as recomendações mais clássicas de avaliação de
instrumentos de medida24. Porém, o estudo dos aspetos psicométricos deveria ser
ponderado com o cruzamento de aspetos mais clinimétricos25. Seriam desejáveis
novos estudos, em amostras semelhantes, que comprovassem os resultados apurados
na análise fatorial confirmatória, para assim confirmar o modelo teórico
tridimensional. Na prática clínica poderá ser um instrumento útil para orientar
a educação para a saúde. Em termos de futuros estudos, será importante
continuar a testar a validade do QCD, especialmente com populações com maior
variabilidade de nível de conhecimentos sobre a doença.
Investigações futuras sobre o impacto de campanhas comunitárias ou intervenções
individuais ou de grupo, destinadas a aumentar os conhecimentos da pessoa com
diabetes sobre a sua doença e tratamento, poderão beneficiar do uso do QCD para
avaliar os conhecimentos pré e pós-intervenção.