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EuPTCVHe0871-34132005000100001

EuPTCVHe0871-34132005000100001

variedadeEu
Country of publicationPT
colégioLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0871-3413
ano2005
Issue0001
Article number00001

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Ingestão de Cálcio e Vitamina D numa Amostra Urbana de Mulheres Portuguesas

INTRODUÇÃO Depois de as preocupações nutricionais terem reflectido sobretudo a prevenção de estados de carência graves (1), a importância da ingestão alimentar e a necessidade de suplementos de cálcio e vitamina D é recentemente abordada no contexto da redução do risco de um importante número de patologias crónicas como a osteoporose, a hipertensão arterial ou o cancro colorectal, frequentes nas sociedades da abundância (2, 3, 4).

Acompanhando as provas científicas, a Comissão Europeia reviu recentemente as doses recomendadas para ingestão de cálcio e vitamina D na União Europeia, bem como os limites superiores toleráveis, tendo em vista a sua uniformização (5,6).

Datam de 1980 os dados mais recentes de caracterização alimentar da população portuguesa, provenientes do Inquérito Alimentar Nacional (7-9). É, também por isso, importante estimar a ingestão alimentar actual destes nutrientes em amostras da nossa população, bem como avaliar a sua adequação às recomendações, em particular às do nosso espaço cultural. Esta caracterização tem particular interesse no sexo feminino e nas classes etárias mais avançadas, que é nesses grupos demográficos que se tem observado as mais elevadas prevalências de ingestão inadequada (10, 11).

Este estudo tem como objectivo descrever a ingestão alimentar de cálcio e a de vitamina D numa amostra representativa de mulheres adultas residentes na cidade do Porto, avaliando em particular a prevalência de mulheres com ingestão inferior às recomendações europeias actuais.

MATERIAL E MÉTODOS A presente amostra foi identificada durante a constituição de uma coorte de adultos, representativa dos habitantes da cidade do Porto, e avaliada transversalmente para caracterização de variáveis de saúde e alimentação (12).

O espaço de amostragem foi constituído pelas residências com telefone da cidade do Porto (mais de 95%, na cidade, durante o período do estudo, 19982003) seleccionadas através de marcação de números telefónicos ao acaso (random digit dialing). Após a identificação de uma residência procedia-se à caracterização dos seus habitantes com idade igual ou superior a 18 anos (idade e sexo) e a uma aleatorização simples para seleccionar entre eles um único participante.

Não houve substituição das recusas. Como anteriormente descrito, a proporção de participação foi de 70% (13).

Aceitaram participar no estudo 2500 adultos, dos quais 1456 eram mulheres. A idade dos elementos da amostra variou entre 18 e 92 anos, apresentando uma média ± desvio-padrão de 52,5 ± 14,9 anos.

De acordo com um protocolo descrito em pormenor (12), todas as participantes foram convidadas a comparecer no Serviço de Higiene e Epidemiologia da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, onde responderam a uma entrevista estruturada, forneceram uma amostra de sangue colhido após jejum de mais de 8 horas e realizaram um largo conjunto de exames (antropometria, electrocardiograma, ultrassonografia óssea quantitativa, provas de função respiratória) efectuados por inquiridores treinados e por médicos.

Os dados do consumo alimentar foram recolhidos por questionário semi-quantitativo de frequência alimentar, reportando-se a ingestão ao período de um ano anterior à entrevista. O questionário contem uma lista de alimentos com 82 itens, uma secção de 9 frequências, porções médias padrão e indicação de sazonalidade. Foi utilizado um manual fotográfico como suporte visual para a escolha de múltiplos e sub-múltiplos da porção média. Este questionário de frequência alimentar foi previamente validado para a população portuguesa (14). Os alimentos ingeridos foram convertidos em nutrientes através do software informático Food Processor Plus versão 5.0®.

Este programa é composto por uma base de alimentos cujos valores nutricionais foram analisados pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos da América, e tem vindo a ser actualizada e adaptada no Serviço de Higiene e Epidemiologia da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, com informações de alimentos ou pratos tipicamente portugueses.

O protocolo utilizado incluiu uma avaliação de hábitos, na qual o participante foi questionado sobre o uso de suplementos de vitaminas ou minerais durante o ano anterior ao da entrevista. No entanto, dadas as limitações práticas no tratamento dessa informação, pois nem sempre foi possível obter o período de suplementação e a composição e dosagem dos suplementos, os dados não foram utilizados no cálculo dos valores de ingestão dos nutrientes. Assim, os valores apresentados referemse exclusivamente à ingestão na dieta, avaliada pelo questionário semi-quantitativo de frequência alimentar.

Para considerar que uma participante apresentava ingestão inadequada procedeu-se à comparação dos valores obtidos através do questionário semi-quantitativo de frequência alimentar com os valores de referência diários propostos pela Comissão Europeia. Assim, para o cálcio, consideraram-se adequadas ingestões diárias iguais ou superiores a 900 mg, tomando-se 2500 mg como valor limite superior de ingestão adequada (5).

Para a vitamina D, os valores mínimos adequados usados foram 5 e 10 µg/dia respectivamente para mulheres com idade inferior a 60 anos e igual ou superior a 60 anos. O valor limite superior usado foi 50 µg/dia (6).

As variáveis dependentes quantitativas contínuas (ingestão de cálcio, ingestão de vitamina D) apresentavam uma distribuição significativamente diferente da normal (Shapiro-Wilk, respectivamente W=0,973 e W=0,858, p< 0,0001, para ambas). Por isso são descritas através da mediana, apresentando-se no entanto adicionalmente a média e o respectivo desvio padrão, para comparação com os resultados de outras publicações. A prevalência de ingestão inadequada foi obtida como uma proporção, usando-se o método binomial exacto, e aceitando uma aproximação à aleatorização simples, para calcular os intervalos de confiança a 95% para cada estimativa pontual. O significado estatístico da tendência linear para valores crescentes da prevalência de ingestão inadequada com o aumento da classe etária (P para a tendência) foi estimado calculando a prova do Qui-quadrado para a tendência.

RESULTADOS

Ingestão de cálcio A tabela 1 apresenta os resultados obtidos para a ingestão alimentar diária de cálcio, que variou entre 169,1 e 2690 mg/dia. O grupo etário com idade inferior a 30 anos apresentou menos frequentemente ingestão de cálcio inferior a 900 mg/dia (41,0%). A maior prevalência de ingestão inferior à recomendada, 58,1%, observou-se em mulheres com 70 ou mais anos de idade, mas não se observou um aumento significativo da prevalência de ingestão inadequada com a idade. Nesta amostra, apenas dois indivíduos apresentavam ingestões de cálcio superiores a 2500 mg/dia.

Ingestão de vitamina D A tabela 1 apresenta também os resultados obtidos para a ingestão alimentar diária de vitamina D, que variou entre 0,5 e 17 µg/dia. A prevalência de ingestão alimentar de vitamina D inferior à recomendada variou entre 70,5%, para as mulheres na classe etária com menos de 30 anos e 96,0% entre 60 e 69 anos de idade, aumentando significativamente com a idade (P para a tendência <0.001). Nenhum indivíduo atingiu ou ultrapassou 50 µg/ dia, o limite superior recomendado pela Comissão Europeia.

Como se observa na Figura 1, é muito elevada a proporção de participantes com ingestão inadequada de ambos nutrientes, variando entre 37,7% no grupo etário de menos de 30 anos e 50,6% a partir dos 70 anos. A prevalência de ingestão inferior às recomendações para os dois nutrientes em simultâneo aumentou linearmente, de forma significativa, com a classe etária (p para a tendência <0,05).

DISCUSSÃO Questionário de frequência alimentar Os questionários de frequência alimentar, que fornecem uma boa estimativa da ingestão de nutrientes na dieta, são a escolha mais comum em estudos epidemiológicos com o intuito de classificar os indivíduos em categorias de ingestão nutricional para a análise do risco. No entanto, é questionável o seu uso para a avaliação da adequação alimentar de nutrientes, que utilizam medidas padronizadas, além de apresentarem uma lista necessariamente incompleta de alimentos disponíveis para consumo e agregarem mais do que um alimento no mesmo item (15). Estas limitações podem ter como consequência sub ou sobrestimativas da ingestão nas populações.

De facto, a reprodutibilidade e a validade deste questionário semi-quantitativo de frequência alimentar desenvolvido para a população portuguesa, foram estudadas (14). Com este questionário, as estimativas individuais de ingestão calórica e de nutrientes, para a generalidade das variáveis consideradas e em média, foram mais altas do que as estimadas pelos registos alimentares, nomeadamente no que diz respeito ao cálcio.

Assim, será importante ter em conta esta limitação do instrumento usado, no sentido em que as prevalências de inadequação da ingestão de cálcio e vitamina D relativamente aos valores de referência poderão subestimar a realidade da nossa população.

Outro aspecto importante e mais geral prende-se com o processo de desenvolvimento das chamadas DRIs Dietary Reference Intakes, que desde 1993 se propôs que substituíssem as tradicionais RDAs - Recommended Dietary Allowances, pois passaram a valorizar-se outras importantes dimensões, como o papel no risco de doenças crónicas ou os níveis máximos tolerados, valorizando quatro indicadores e não apenas uma referência singular como acontecia com as RDA (16).

Ingestão de cálcio Na União Europeia, a ingestão recomendada de cálcio para adultos foi fixada entre 900 e 1200 mg/dia. Este intervalo foi determinado através da informação fornecida por estudos de base populacional e em situações de homeostasia do cálcio, pretendendo compensar as perdas fisiológicas, de forma a atingir a retenção máxima necessária à deposição óssea (5).

Os resultados agora obtidos mostram que é frequente a ingestão inadequada de cálcio entre as mulheres da população do Porto, e que essa frequência aumenta com a idade. Estudos transversais de ingestão de cálcio em populações adultas não institucionalizadas mostraram prevalências altas de ingestão inferior às recomendações, particularmente no sexo feminino e em idosos, tanto nos EUA (10) como na Europa (11, 17). A tabela 2 resume os resultados de alguns desses estudos, devendo as comparações entre eles ter sobretudo em conta os valores medianos ou médios de ingestão, e não as proporções de ingestão inadequada, pois esses valores variaram consoante os limites utilizados à data e no país de realização do estudo.

As medianas de ingestão de cálcio, referentes ao período 1999 - 2000, por idades e para mulheres caucasianas, foram apresentadas no relatório do Inquérito Nacional de Saúde e Nutrição dos Estados Unidos da América do Norte (NHANES 1999-2000, 2004). Numa amostra de 2260 mulheres, os valores encontrados foram 684 mg/dia antes dos 40 anos, e 563 mg/dia a partir dos 60 anos (10).

Os dados do questionário de frequência alimentar do estudo EPIC-Itália foram usados no estudo InCHIANTI, em 802 mulheres, de 21 a 103 anos, tendo a ingestão diária variado entre 889 ± 328 mg/dia em 154 mulheres com idade inferior a 65 anos e 701 ± 255 mg/dia em 113 mulheres 85 com ou mais anos (11). No estudo EPICAlemanha (17), para duas coortes de mulheres entre 35 e 64 anos obtiveram-se medianas de ingestão de cálcio de 633 mg/dia (n=898) e 777 mg/dia (n=1013). Na amostra do Porto, a mediana de ingestão para esta classe etária (n=922) foi 886 mg/dia. Em ambos estudos se recorreu a questionários de frequência alimentar. Num estudo espanhol, realizado em 2003, numa amostra de 65 mulheres institucionalizadas, com idade média 81±6,6 anos, a ingestão mediana de cálcio foi 794 mg/dia (18).

Em 1996, no estudo SENECA, que caracterizou o perfil nutricional de amostras europeias de idosos com 75 a 80 anos, nas duas amostras portuguesas (n=14 e n=80), as medianas de ingestão de cálcio no sexo feminino foram de 554 (Coimbra) e 548 (Vila Franca de Xira) mg/ dia (19). Na nossa amostra, a mediana de ingestão para esta classe etária foi 806 mg/dia (n=67). Esta diferença poderá ser explicada por diferenças na metodologia dos estudos, incluindo as características geográficas das populações base, a dimensão da amostra, as propriedades específicas do método de inquirição da ingestão alimentar, ou por mudanças nos hábitos alimentares das mulheres que entretanto atravessaram períodos diferentes até atingir essa faixa etária.

Ingestão de Vitamina D Observou-se também nas mulheres da população urbana do Porto uma prevalência muito elevada de ingestão de vitamina D inferior à recomendada com uma tendência significativa para aumentar com a idade. Estes valores resultam da conjugação de uma ingestão decrescente quando as doses recomendadas aumentam com a idade. Como noutros estudos, europeus e norteamericanos, as mulheres e os idosos estão em particular carência (20, 21).

No presente estudo apenas se descreveu a ingestão destes nutrientes, e assim se aproximou de forma simplificada a quantificação da potencial população em risco. Não se analisaram, por isso, determinantes da ingestão nem se avançou na identificação mais pormenorizada de grupos de risco, como se poderá esperar de acordo com a educação, o estado de saúde ou comportamentos e estilos de vida.

Para além da informação indirecta resultante da ingestão, o melhor indicador funcional é a concentração sérica de 25-hidroxivitamina D (6). Em amostras de base populacional, a variabilidade nessa concentração é um indicador da grande importância da exposição solar (22) mas tanto em amostras da população geral como de grupos em maior risco, por exemplo devido a reduzida exposição solar, parece ser muito elevada a prevalência de concentrações séricas de 25-hidroxivitamina D inferiores às recomendadas (23, 24) Apesar da importância do conhecimento da exposição sérica permanece a necessidade prática de utilizar valores de referência para a ingestão de vitamina D, e a maioria dos países possui até recomendações próprias, tomando em conta grupos da população com exposição solar insuficiente (6). Em Portugal, em particular, nem sequer se identificaram trabalhos descrevendo concentrações de 25-hidroxivitamina D em amostras populacionais.

A Tabela 3 resume a variação observada na ingestão de vitamina D em amostras de mulheres não institucionalizadas. A importância destas constatações e a validade das comparações estão muito dependentes da exposição à radiação UV, a fonte alternativa à ingestão alimentar, mas fortemente dependente da localização geográfica.

Considerando os estudos citados, nos Estados Unidos os valores médios de ingestão de vitamina D eram 4,5 µg/dia em mulheres acima dos 50 anos e 3,9 µg /dia até essa idade (21). No EPIC-Alemanha, as medianas de ingestão de vitamina D eram 1,7 µg/dia (n=898) e 1,5 µg/dia (n=1013) (17), e no estudo espanhol (18), a mediana de ingestão de vitamina D era 2,2 µg/dia. Na nossa amostra, a ingestão mediana foi 3,35 µg/dia.

Na sequência da directiva da União Europeia sobre vitaminas e minerais com efeito nutricional ou fisiológico, um relatório dos Centros Colaboradores da OMS (2) considerou de forma consensual que o cálcio e a vitamina D eram eficazes e seguros na prevenção e tratamento da osteoporose, constituindo um componente essencial de qualquer estratégia integrada de controlo da doença, particularmente em indivíduos com carências nutricionais.

No Plano Nacional de Saúde de 2004 apresentou-se uma estimativa de 500 mil mulheres portuguesas com osteoporose (25). Entre nós, o facto de a ingestão inadequada ter atingido 58% para o cálcio e 96% para a vitamina D reforça a importância de estratégias preventivas para a correcção destes valores, particularmente atentas ao facto de a ingestão adequada destes nutrientes ser mais importante nas idades associadas com o atingimento do pico de massa ósea (26).

A fraqueza muscular no idoso e, portanto, a susceptibilidade a quedas, tem também sido associada a níveis séricos reduzidos de vitamina D (27). Os ensaios clínicos parecem demonstrar que a suplementação em colecalciferol é eficaz na prevenção de quedas, quando utilizadas doses elevadas (800 UI) (28). Um outro ensaio sugeriu a existência de uma associação entre a suplementação com colecalciferol em doses elevadas (4000 UI) e a melhoria significativa numa escala de bemestar geral (29). Ainda recentemente, foi proposto para a vitamina D um papel supressor da síntese de renina e, portanto, na redução da pressão arterial (30).

É consensual que o consumo de cálcio sob a forma de lacticínios está associado à optimização da regulação da pressão arterial, podendo reduzir de forma apreciável a morbilidade e mortalidade cardiovasculares (31, 32, 33).

Uma meta-análise de ensaios clínicos de suplementação com cálcio mostrou um efeito significativo na redução das pressões arteriais sistólica e diastólica. Este efeito ocorre independentemente da suplementação ser alimentar ou não (34). Na população urbana do Porto, a prevalência de hipertensão era 58,8%, e entre os hipertensos, 64,1% tinham conhecimento da sua patologia e apenas 46,9% eram tratados farmacologicamente, 52,7% das mulheres e 37,6% dos homens (35). Estes resultados reforçam a importância do controlo da hipertensão arterial nesta população.

Foi também observada uma associação entre ingestões adequadas de cálcio e redução do risco de cancro do cólon distal, em ambos os sexos (36). A vitamina D em doses elevadas foi também proposta como factor protector na neoplasia avançada do cólon (37), tendo sido sugerido um papel protector, no cancro do recto em mulheres, para ingestões elevadas de ambos os nutrientes (4). Foi descrita a possibilidade de sinergismo entre o cálcio e a vitamina D na diminuição do risco desta patologia e, consequentemente, proposta a co-suplementação com estes nutrientes na sua prevenção (38). Estes resultados têm particular interesse em Portugal, onde o cancro colo-rectal representa a segunda causa de morte por cancro em homens e em mulheres e onde, no período 1988 - 1998, se verificaram aumentos na mortalidade por cancro colo-rectal de 3,3% em homens e 0,8% em mulheres (39).

Em resumo, as ingestões de cálcio e vitamina D na população feminina do Porto são frequentemente inferiores às doses recomendadas, como aliás acontece noutras populações. Esta inadequação é particularmente notória para a vitamina D. O aumento da ingestão alimentar ou a suplementação nestes nutrientes, depois de considerado com a devida atenção o contributo da exposição à luz solar, poderão ser estratégias importantes em Portugal, principalmente em mulheres idosas, nomeadamente tendo em vista a prevenção de algumas das patologias mais relevantes na nossa sociedade.


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