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EuPTCVHe0871-34132009000100002

EuPTCVHe0871-34132009000100002

variedadeEu
Country of publicationPT
colégioLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0871-3413
ano2009
Issue0001
Article number00002

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Torcicolo Muscular Congénito: A Propósito de Um Caso Clínico A palavra torcicolo vem do latim tortum collum e define a deformidade, congénita ou adquirida, caracterizada pela inclinação lateral da cabeça para o ombro homolateral e pela torção do pescoço e rotação do queixo para o lado contralateral. O torcicolo muscular congénito é a deformidade do pescoço envolvendo primariamente um encurtamento do músculo esternocleidomastoideu que é detectada ao nascimento ou logo após o nascimento (1).

A sua incidência varia de 0,3% a 1,9% dos recémnascidos e a patogénese exacta é ainda desconhecida, embora existam várias explicações etiológicas.Aposição do pescoço podelevar a uma plagiocefalia posturale, com o crescimento esquelético, a outras dismorfias craniofaciais. Está descrita uma associação entre a presença de torcicolo muscular congénito e a existência de displasia congénita das ancas com uma incidência que pode ir até aos 20% (2).

Macdonald (1) dividiu os torcicolos musculares congénitos em 2 grandes grupos: os torcicolos com tumefacção do esternocleidomastoideu (inclui os torcicolos com tumefacção palpável, móvel e de consistência dura) e os torcicolos musculares (inclui os torcicolos com contractura do esternocleidomastoideu mas sem tumefacção palpável). Os torcicolos posturais incluem os torcicolos sem tumefacção ou contractura do esternocleidomastoideu. Na maioria das séries o termo torcicolo muscular congénito engloba os 3 subgrupos.

Na avaliação de um recém-nascido deve constar uma história clínica exaustiva, com particular ênfase para a existência de história de parto traumático ou de apresentação pélvica, e um exame físico completo com especial atenção para a palpação do esternocleidomastoideu e para o arco de movimento da cabeça e do pescoço. A avaliação neurológica, assim como a avaliação da acuidade visual e auditiva, são fundamentais para excluir outros diagnósticos diferenciais (2).

A ultrassonografia é a modalidade imagiológica de primeira escolha para a avaliação radiológica do torcicolo muscular congénito. Esta modalidade também pode ser utilizada para excluir a existência concomitante de displasia congénita das ancas (3).

CASO CLÍNICO Y.O., recém-nascido de 22 dias de idade, sexo mas-culino,internado por massa cervicalesquerda em estudo. Gestação de 39 semanas, vigiada, sem intercorrências. Pais saudáveis, não consanguíneos. Sem história de doenças heredo-familiares conhecidas. Serologias maternas: VDRL, atgHBs e HIV negativos, sem outras informações. Parto hospitalar por ventosa. Apgar ao nascimento 9/10. Antropometria ao nascimento: 3050 g/48,5 cm/ 32,5 cm.

Icterícia neonatal sem critérios para fototerapia. Sem internamentos ou cirurgias prévias. Sem alergias conhecidas. Aleitamento materno exclusivo.

Ainda não tinha iniciado o Plano Nacional de Vacinas.

À data da primeira observação por Medicina Física e de Reabilitação, apresentava bom estado geral, mucosas coradas e hidratadas, escleróticas ictéricas. Sem exantemas nem petéquias. Sinais meníngeos negativos. Fontanela anterior normotensa e pulsátil. Apirético, sem síndrome de dificuldade respiratória. Auscultação pulmonar e cardíaca sem alterações. Exame oftalmológico e otoscópico normais. Exame neurológico sumário sem alterações.

Na região cervical esquerda apresentava tumefacção dura, móvel, não aderente aos planos adjacentes, sem sinais inflamatórios. Apresentava postura em inclinação cervical esquerda e rotação cervical direita com limitação da inclinação cervical lateral direita e da rotação cervical para a esquerda quer activamente, quer passivamente. Restante exame ortopédico de acordo com a idade.

Efectuou Ecografia cervical que revelou massa intimamente ligada com o músculo esternocleidomastoideu esquerdo, vascularizada, medindo 27x13 mm no plano axial e 30 mm de diâmetro longitudinal. Efectuou também TC cervical que mostrou processo expansivo na dependência ou em contiguidade com o esternocleidomastoideu esquerdo, cuja origem e natureza não pode ser apreciada de forma conclusiva (Figura 1). A citologia aspirativa obteve resultado compatível com fibromatose do esternocleidomastoideu (Figura 2).

Fig. 1 - Imagens da TC cervical efectuada. A seta sinaliza a localização do torcicolo.

Iniciou tratamento de reabilitação que incluiu exercícios de estiramento activos e passivos, posicionamentos, estimulação auditiva, visual e cutânea. Os pais foram incentivados a participar no processo terapêutico, nomeadamente no que diz respeito aos cuidados posturais e à continuação da correcção activa.

Após 8 meses de tratamento de reabilitação, o lactente teve alta sem tumefacção cervical palpável e sem limitação do arco de movimento do pescoço.

Fig. 2 - O exame citológico mostrou a presença de fibroblastos reactivos isolados ou em grupo e células musculares multinucleadas, permitindo realizar o diagnóstico de fibromatose colli.

DISCUSSÃO E CONCLUSÃO Na maioria das séries publicadas o torcicolo muscular congénito é subdividido em 3 subgrupos: os torcicolos com tumefacção do esternocleidomastoideu, os torcicolos musculares e os torcicolos posturais. Talcomo foidescrito por Cheng (4), os torcicolos com tumefacção do esternocleidomastoideu são o subgrupo mais frequente, têm uma idade de apresentação mais precoce (geralmente até aos 3 meses de idade) e aparecem associados a maiores limitações da rotação passiva do pescoço. Existe também uma maior associação deste subgrupo a histórias de parto traumático, apresentação pélvica e displasia congénita da anca. O caso clínico apresentado inclui-se no subgrupo dos torcicolos congénitos com tumefacção e aparece associado a parto por ventosa, não apresentando displasia da anca associada.

Amaioria dos torcicolos musculares congénitos resolve com tratamento conservador (5). O tratamento conservador inclui protocolos de fisioterapia, que variam segundo os autores, mas que na generalidade incluem exercícios de estiramento activos e passivos, posicionamentos, estimulação auditiva, visual e cutânea. A educação aos pais é fundamental, nomeadamente no que diz respeito aos cuidados posturais e à continuação da correcção activa. No caso exposto, o tratamento de reabilitação foi eficaz, apesar de implicar um período longo de tratamento.

Nos trabalhos de Cheng (6), os torcicolos musculares congénitos com tumefacção do esternocleidomastoideu aparecem associados a maiores períodos de tratamento.

Este autor descreveu como factores de mau prognóstico o subtipo de torcicolo com tumefacção do esternocleidomastoideu, uma maiorlimitação da rotação passiva do pescoço aquando do diagnóstico e uma idade de apresentação tardia. Quando após 6 meses de tratamento conservador se mantém uma inclinação residual, um défice da rotação pescoço maior que 15º e uma retracção muscular ou tumefacção, o tratamento é considerado ineficaz, pelo que é proposto tratamento cirúrgico.

Este inclui as tenotomias unipolares, as tenotomias bipolares, a plastia em Z e a excisão completa do músculo esternocleidomastoideu. Segundo os estudos de Cheng (7), o subgrupo com tumefacção do esternoleidomastoideu surge como o subgrupo com uma maior percentagem de situações em que foi necessário intervir cirurgicamente.

O tratamento de reabilitação é, não importante como primeira abordagem terapêutica, como também como tratamento pós cirúrgico. O esquema de reabilitação pós-cirúrgico pode incluir tracção cervical suave, o uso de ortóteses, mobilização activa assistida, exercícios de reeducação postural e facial, entre outros. Existem estudos recentes de Collins (8), onde este autor utiliza toxina botulínica no tratamento dos torcicolos musculares congénitos refractários ao tratamento conservador. Embora a toxina botulínica pareça ter potencial promissor, são necessários mais estudos para avaliar o seu real valor nesta patologia.

O caso clínico apresentado salienta a importância do diagnóstico e tratamento precoce do torcicolo congénito, assim como coloca em lugar de relevo a participação dos pais em todo o processo terapêutico, mostrando que o tratamento de reabilitação é eficaz mesmo em torcicolos congénitos com tumefacção e limitações importantes da mobilidade cervical.


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