Regulação da Absorção Intestinal de Glicose: Uma Breve Revisão
INTRODUÇÃO
O conhecimento dos mecanismos homeostáticos que controlam os níveis de glicose
plasmática é fundamental no controlo e tratamento de patologias como a
obesidade, a diabetes e a síndrome metabólica. A absorção intestinal de glicose
proveniente da dieta desempenha um papel fundamental na regulação dos níveis de
glicose plasmática (1). O conhecimento relativo à modulação do transporte
intestinal de glicose, com vista a compreender e discutir os mecanismos
envolvidos na alteração da sua absorção intestinal, reveste-se pois de grande
importância (2). Por isso, o objectivo principal desta revisão consiste em
elencar os principais mecanismos envolvidos na absorção intestinal de glicose,
realçando a sua preponderância na prevenção e terapêutica de doenças cuja
fisiopatologia envolve uma alteração do transporte intestinal de glicose.
GLICOSE: IMPORTÂNCIA E TRANSPORTE MEMBRANAR
O epitélio intestinal, desde o duodeno ao cólon, é constituído por enterócitos
ligados entre si por junções apertadas. Este epitélio é responsável por
inúmeras funções, entre as quais o transporte e metabolismo de nutrientes:
monossacarídeos, aminoácidos, ácidos gor
dos, minerais como o sódio, o potássio, o bicarbonato e o cloreto, protões e
água (3).
A glicose é o principal substrato metabólico para a actividade normal do ser
humano ao longo do seu ciclo de vida. A sua principal fonte no organismo
corresponde aos glícidos provenientes da dieta (uma dieta ocidental normal pode
fornecer cerca de 180 g de glicose por dia) (4). Os glícidos da dieta,
essencialmente polissacarídeos, são digeridos enzimaticamente a unidades mais
simples, os monossacarídeos (maioritariamente glicose, galactose e frutose),
antes da sua absorção no intestino delgado ao nível dos enterócitos das
vilosidades intestinais (5, 6). O transporte intestinal de monossacarídeos é
influenciado pela sua qualidade e quantidade presente no lúmen intestinal, sendo
os mais bem documentados os que dizem respeito à glicose, frutose, galactose,
manose, xilose e 3-O-metilglicose (7-9). O corpo humano tem uma necessidade
obrigatória de glicose de aproximadamente 200 g por dia, sobretudo para
satisfazer as necessidades metabólicas do cérebro (10). Se a concentração de
glicose no sangue se situar abaixo de 40 mg/dL (2.2 mol/L) pode ocorrer coma,
convulsões ou até mesmo morte (11). Por outro lado, níveis que excedam os 180
mg/dL (10 mmol/L) (correspondendo a hiperglicemia) podem estar associados a
complicações a curto e a longo glicose, ou de outros monossacarídeos, para
realizar a prazo (10). Como tal, a regulação da concentração de sua função de
transporte (12, 14).As 5 primeirasisoformas glicose plasmática está fortemente
dependente de vários (GLUT1-GLUT5) parecem ser as principais, tendo sido
mecanismos homeostáticos (11).
Nos mamíferos, o transporte transmembranar de glicose e outros açúcares é
levado a cabo por duas famílias de proteínas transportadoras: uma, formada por
transportadores activos, que requerem o consumo deATP e dependentes do ião
sódio (SGLT), e outra, formada por transportadores de glicose por difusão
facilitada (GLUT), que não requerem energia transportando a glicose a favor do
seu gradiente de concentração (12, 13).Ambos exibem diferentes especificidades
para os substratos e diferentes propriedades cinéticas e padrões de expressão
tecidular, o que garante que a captação celular de glicose está assegurada
perante uma grande variedade de condições metabólicas (13). Pelo menos 3, e até
6, transportadores de glicose dependentes do sódio (SGLT1-SGLT6, genes da
família SLC5A) já foram identificados no intestino, rim, músculo, neurónios e
tiróide. Através destes transportadores, o gradiente electroquímico do ião
sódio gerado pela bomba de sódio e potássio (ATPase-Na+/K+) é utilizado para
transportar a glicose contra o seu gradiente de concentração (transporte activo
secundário) (5, 12). Destes transportadores transmembranares, o SGLT1 é
proeminentemente expresso no epitélio do intestino delgado (duodeno, jejuno e
íleo) (5). Quanto ao outro mecanismo de transporte, engloba uma família de
catorze membros de transportadores facilitados de glicose (GLUT1-GLUT14, genes
da família SLC2)independentes do sódio, que utilizam o gradiente de
concentração da as mais estudadas no que respeita à sua caracterização em
situações fisiológicas e fisiopatológicas (15).
ABSORÇÃO INTESTINAL DE GLICOSE: MODELO CLÁSSICO E MODELO DO GLUT2 APICAL
De acordo com o modelo clássico de absorção intestinal de glicose, esta é
captada activamente do lúmen intestinal para o interior do enterócito pelo
SGLT1, localizado na membrana apical (5) (Figura 1). O SGLT1 possui um local de
ligação ao sódio, e é essa ligação que induz uma alteração conformacional no
transportador, tornando-o acessível à glicose (8, 9). Desse modo, por cada
molécula de glicose transportada, dois iões sódio, cujo gradiente
transmembranar é gerado pela ATPase-Na+/K+localizada na membrana basolateral,
são transportados na mesma direcção (5). Depois, a glicose acumulada é
libertada passivamente do enterócito para a circulação sanguínea através de
duas vias distintas: a) uma, maioritária, que envolve o GLUT2 (Figura 1) e
outra b) por transporte envolvendo vesículas intracelulares, que requer
fosforilação da glicose a glicose-6-fosfato, transferência da glicose-6-fosfato
para o retículo endoplasmático e posterior libertação da glicose livre
(desfosforilada) para a corrente sanguínea. De realçar que uma pequena fracção
intracelular da glicose pode ser usada como substrato metabólico no enterócito
(5, 6).
Fig. 1. Modelo clássico de absorção intestinal de glicose no enterócito. Na
membrana apical a glicose é transportada activamente para o espaço intracelular
principalmente pelo transportador activo de glicose dependente do sódio
(SGLT1). Na membrana basolateral a glicose é transportada, a favor do gradiente
de concentração, do enterócito
Simultaneamente, durante o transporte intestinal de glicose via SGLT1, outras
moléculas são também transportadas com vista a manter a osmolaridade do
conteúdo absorvido: a) dois aniões, o cloreto e o bicarbonato, acompanham, por
uma via distinta do SGLT1, o transporte de sódio com vista a manter a
electroneutralidade, e b) água (funcionando o SGLT1 como um canal específico de
transporte de água - aquaporina). O co-transporte de glicose, sódio e água
(estequiometria de 1:2:249 moles respectivamente) pelo SGLT1 e o transporte
associado de cloreto e bicarbonato estão na base do desenvolvimento da terapia
de re-hidratação oral, um dos avanços médicos mais importantes do século XX (5,
16). O transporte realizado pelo SGLT1 é reversível, ou seja, a taxa e a
direcção do co-transporte de sódio e glicose dependem do gradiente
electroquímico do sódio e da glicose (5). O SGLT1 (clonado pela primeira vez
por Hediger e colaboradores em 1987) (6) transporta glicose e galactose com
afinidades semelhantes e elevadas (constante de afinidade ou Km=0.1-0.6 mM para a
glicose) mas com capacidade de transporte (actividade para elevadas
concentrações de substrato ou Vmax) baixa, sendo a sua actividade inibida pela
floridzina (um inibidor competitivo com uma constante de inibição ou Ki=0.1 mM)
(5, 17).
Relativamente ao GLUT2, trata-se de um transportador de glicose por difusão
facilitada, independente do sódio, com baixa afinidade (Kmpara a glicose >50 mM)
e alta capacidade de transporte de glicose, e que para além da glicose
transporta também a frutose, a galactose e a manose (1, 6). Este transportador
é inibido pela citocalasina B e floretina, sendo este último, um inibidor
específico (6).
Na sua essência, o modelo clássico de absorção intestinal de glicose é simples,
explicando a sua absorção numa grande variedade de condições, principalmente
perante baixas concentrações luminais de glicose (da ordem dos 5 mM), ou seja,
quando a concentração de glicose no lúmen intestinal é inferior à plasmática e,
portanto, característica do período anterior à refeição. Qualquer molécula de
glicose é rapidamente captada pelo SGLT1, ideal para esta situação, pois trata-
se de um transportador de alta afinidade e baixa capacidade e o único capaz de
transportar a glicose contra o seu gradiente de concentração. Contudo, este
modelo não explica a absorçãointestinalperante altas concentrações luminais de
glicose (≥50 mM), que ocorrem apósingestão de uma refeição, quando o SGLT1 já
está saturado (o que acontece por volta dos 30-50 mM). In vivo,o que se verifica
é que a absorção intestinal de glicose aumenta linearmente, parecendo não ser
saturável, com o aumento da concentração de glicose luminal (14). Por isso, o
modelo clássico de absorção intestinal de glicose tem sido recentemente posto
em causa por muitos investigadores (1,4-6,17,18).
Ao nível da membrana apical, várias evidências demonstraram a existência de um
segundo mecanismo de transporte de glicose, para além daquele via SGLT1, que
poderá corresponder a: a) transportador de por difusão facilitada com baixa
afinidade e alta capacidade, não dependente do sódio e insensível à floridzina
(1,4-6); b) um transportador activo, com alta afinidade e baixa capacidade e
sensível à floridzina, ou seja, um segundo SGLT (SGLT2, SGLT3, SGLT4, SGLT5 ou
SGLT6, ou até um novo SGLT1, nSGLT1). Este mecanismo encontra-se ainda
vagamente descrito, e parece, de momento, não explicar o que se passa in vivo.
Por último, esse segundo mecanismo pode ainda corresponder a: c) um transporte
envolvendo vesículas intracelulares e endocitose, mas que actualmente ainda
está vagamente caracterizado (1).
A primeira hipótese (a) tem sido a mais descrita e a que reúne mais consenso, e
sugere a presença do transportador GLUT2 (clonado pela primeira vez por Thorens
e colaboradores em 1990 (19)) ao nívelapical, designandose de modelo do GLUT2
apical (4, 6, 18) (Figura 2). Esta hipótese foi recentemente reforçada com a
identificação do GLUT2 ao nível da membrana apical intestinal, por
imunocitoquímica (20) e por biotinilização da membrana, por imunofluorescência e
por imunogold(21). Para além disso, o facto da desoxiglicose, um análogo da D-
glico-se transportado eficientemente pelos GLUT (GLUT1 e GLUT2) mas com pouca
afinidade para o SGLT1 (6), ser transportada na membrana apicalde células Caco-
2 (linha celular que mimetiza o epitélio intestinal humano) (22) e na membrana
apical de enterócitos embrionários de galinha (23) também está de acordo com
esta hipótese. Adicionalmente, foi referido que a captação apical, em células
Caco-2, de alfa-metil-D-glicose (24), um análogo não metabolizável da D-glicose
substrato do SGLT1 e GLUT2 (6), envolve dois mecanismos: 1) um sistema
dependente do sódio, mais sensível à floridzina do que à floretina (Km=2 mM),
eventualmente o SGLT1; e 2) um sistema dependente do sódio, mais sensívelà
floretina do que à floridzina (Km=8 mM), que provavelmente reflecte a actividade
conjunta do SGLT1 e do GLUT2 (24).
Fig. 2 - Modelo do GLUT2 apical. (A) Antes da refeição, a concentração de
glicose no lúmen intestinal é baixa, sendo inferior à concentração plasmática.
A actividade intrínseca e a expressão do transportador facilitado de glicose
GLUT2 são baixas, e ocorre absorção de glicose contra o seu gradiente de
concentração através do transportador activo de glicose dependente do sódio
SGLT1. (B) Depois da refeição, concentrações elevadas de glicose estão em
contacto com as microvilosidades, decorrente da actividade hidrolítica das
dissacaridases (nomeadamente pela acção da isomaltase (IM) sobre a maltose). O
transporte de glicose via SGLT1 resulta na activação da cínase de proteínas C
isoformaβII (PKCβII) e, consequentemente, na activação e recrutamento do GLUT2
para a membrana apical do enterócito. O transporte de glicose via SGLT1 resulta
na contracção do anel peri-juncional de actimiosina (abaixo da junção
apertada), causando uma rotação subtil da superfície absortiva da célula. Ambos
os processos poderão ser mediados pelo aumento da concentração do Ca2+
intracelular (Retirado de (25)).
Após a refeição, os produtos decorrentes da digestão de glícidos, sobretudo
dissacarídeos, atingem a membrana apical do jejuno, 30 min após sua ingestão.
Nessa altura, atingem-se concentrações fisiológicas à superfície da membrana
apical entre os 50-300 mM de glicose. De acordo com a hipótese do GLUT2 apical,
alguns minutos após a glicose ser transportada pelo SGLT1, ocorre um rápido
(t1/25 min) recrutamento e inserção de transportadores GLUT2, provenientes de
vesículas intracelulares localizadas nas imediações da membrana, na membrana
apical, e um aumento da actividade intrínseca (quantidade de substrato
transportado por unidade de proteínas transportadoras) dos GLUT2 já existentes
na membrana (1, 7) (Figura 2). Isto acontece devido à activação de vias de
transdução de sinal que envolvem proteínas reguladoras intracelulares
dependentes do SGLT1: cínase de proteínas C (PKC), mais especificamente a
isoforma βII (PKCβII) e cínase de proteínas activadas por mitogénios (cínase
MAP), entre outras (1). O cálcio é essencial para a activação deste mecanismo
de sinalização intracelular pois, para além de activar a PKC, promove no
enterócito um rearranjo no citoesqueleto que está associado à contracção
perijuncional do anel de actimiosina, levando à fosforilação da miosina II (21)
(Figura 2).
Este mecanismo de transporte cooperativo entre o SGLT1 e o GLUT2 opera somente
quando estão presentes altas concentrações de glicose no lúmen intestinal, ou
seja, durante a digestão de uma refeição rica em glícidos, promovendo desse
modo uma absorção facilitada de glicose várias vezes (3 a 5 vezes) superior
àquela proporcionada só pelo SGLT1 (5,6,14,17). Nesta situação, o GLUT2
constitui a principal via de absorção intestinal de glicose (75% do total)
(21). Pelo contrário, antes de uma refeição, quando os níveis de glicose
luminais são baixos, a presença de GLUT2 na membrana apical é reduzida (bem
como a sua actividade intrínseca) e o GLUT2 basolateral opera na direcção
oposta, fornecendo glicose da corrente sanguínea para o enterócito, o que
contribui para o equilíbrio energético do mesmo. In vivo,mesmo perante baixas
concentrações luminais de glicose, pode existir algum GLUT2 na membrana apical.
Nessa condição, a sua presença apical poderia ter consequências graves tais
como a secreção de glicose do enterócito para o lúmen intestinal. No entanto,
esta situação é minimizada por vários factores: 1) a presença de GLUT2 apical é
reduzida quando estão presentes baixas concentrações luminais de glicose, e
desaparece completamente após o período nocturno de jejum; 2) a actividade
intrínseca do GLUT2 residual é baixa; e 3) qualquer secreção intestinal de
glicose é rapidamente transportada pelo SGLT1 (actuando como um scavenger)
contra gradiente concentração novamente para o interior do enterócito,
impedindo que altas concentrações de glicose atinjam o cólon.
Em suma, podemos verificar que o SGLT1, além da função de transportador de
glicose,funciona igualmente como um sensor de glicose, controlando ainserção
membranar do GLUT2 apósingestão de uma refeição. Depois, à medida que a glicose
é absorvida e a sua concentração no lúmen intestinal diminui, todo o sistema de
sinalização é revertido, permitindo que o GLUT2 seja maioritariamente
inactivado e removido da membrana apical, regressandose à situação pré-prandial
inicial (14).
REGULAÇÃO DA ABSORÇÃO INTESTINAL DE GLICOSE
Como referido anteriormente, a absorção intestinal de glicose é dependente de
dois transportadores distintos, o SGLT1 e o GLUT2, que são também regulados de
um modo distinto. Sabe-se por exemplo que no período pós
prandial não existe uma relação linear entre os níveis proteicos de SGLT1
membranar e a concentração de glicose luminal, ao passo que a actividade do
GLUT2 e os seus níveis na membrana apical aumentam proporcionalmente a essa
concentração (14). Por isso, interessa referir a regulação de cada um destes
transportadores separadamente.
Em relação ao GLUT2 apical, sabe-se que é regulado por uma grande variedade de
estímulos fisiológicos, a curto e a longo prazo: 1) pela ingestão de glícidos,
sendo activado por dietas ricas em glícidos simples e dietas com elevado índice
glicémico, contrariamente ao que se passa com as dietas de baixo índice
glicémico, que diminuem a absorção proporcionada por esse transportador (1,2,
26,27); 2) por hormonas endócrinas (sendo aumentado pela insulina) e parácrinas
(sendo aumentado pela incretina peptídeo semelhante à glicagina tipo-2 (GLP-2)
(28) e diminuído pela incretina polipetídeo insulinotrópico semelhante à
insulina (GIP) (14,21,28); 3) pelo jejum, diminuindo nesta situação (2,18); 4)
pela absorção intestinal de cálcio, sendo aumentado por esta; 5) por receptores
intestinais sensíveis ao doce, activados por monossacarídeos e edulcorantes,
sendo aumentado por estes compostos (21); 6) pelo stresse, diminuindo em
resposta ao stresse ambiental (30) e aumentando em resposta ao stresse
psicológico, traumatismo crânioencefálico (31,32), stresse metabólico (20) e
stresse induzido pela ausência de ingestão de água (21); 7) pela depleção
energética, aumentando nesta situação (20,33); 8) por compostos polifenólicos,
sendo inibido por alguns destes componentes presentes na dieta (34-37); e 9) em
patologias como a diabetes, aumentando nesta situação (18,21). Por isso, o
GLUT2 deve ser encarado como um transportador com umaimportantíssima função
fisiológica (18). Um dos motivos pelo qual o papel do GLUT2 só agora começou a
ser revelado reside no facto de nas preparações in vitroo GLUT2, ou o
transporte mediado pelo GLUT2, e as vias intracelulares que conduzem à sua
activação (nomeadamente a via da PKC βII), serem difíceis de detectar. Isto
acontece, sobretudo, porque o SGLT1 é o transportador dominante em experiências
de captação in vitro, onde frequentemente se usam concentrações baixas de
substrato (25).
Aregulação a curto e a longo prazo do SGLT1 também tem sido documentada. O
SGLT1 parece ser modulado: 1) pela ingestão de glícidos, sendo activado por
dietas ricas em glícidos simples e dietas com elevado índice glicémico,
contrariamente ao que se passa com as dietas de baixo índice glicémico, que
diminuem a absorção proporcionada por este transportador; 2) pelo jejum, sendo
o SGLT1 activado nessa situação (2,18); 3) pelos sinais de saciedade leptina e
colecistocinina-8 (CCK-8), que inactivam o SGLT1 (38,39); 4) pelo stresse,
diminuindo em resposta ao stresse psicológico e traumatismo crânioencefálico
(30,31); 5) por compostos polifenólicos, sendo inibido por alguns destes
componentes presentes na dieta (34,40-42), e 6) pelo sódio, que activa este
transportador (2,25,43-48).
O transporte mediado pelo GLUT2 é essencialmente dependente do SGLT1 na medida
em que: 1) a activação do SGLT1 activa a via da PKC βII; 2) a activação da PKC
βII mostrou ser saturável sendo o seu valor de Ka para a glicose semelhante ao
Kmdo SGLT1; 3) a inibição do SGLT1 inactiva a PKC βII, conduzindo à redução do
GLUT2 apical e a uma inibição do transporte facilitado (14,25); e 4) pacientes
com síndrome de Fanconi-Bickel (caracterizado pela inactivação dos 2 alelos do
gene do GLUT2) não apresentam ingestão deficitária de glícidos (49). Em suma, o
GLUT2 e o SGLT1 actuam em conjunto no processo de absorção intestinal de
glicose, regulando os níveis de glicose no enterócito e possivelmente no plasma
(14).
MECANISMOS DE REGULAÇÃO A CURTO E LONGO PRAZO DA ABSORÇÃO INTESTINAL DE GLICOSE
A regulação da absorção intestinal de glicose, em resposta a alterações na
dieta, envolve vários mecanismos (8,9). Agudamente ou a curto prazo, existem
mecanismos que podem alterar: 1) os níveis de transportadores na membrana, 1a)
promovendo a inserção de transportadores provenientes de
vesículasintracelulares, os endossomas (envolve transportadores que não se
encontram en routepara a membrana plasmática após biossíntese, pois são
insensíveis aos inibidores do citoesqueleto), ou 1b) promovendo o
desaparecimento dos já existentes na membrana (reciclagem ou turnover) (1).
Esta modulação a curto prazo do transporte intestinal de glicose (via SGLT1 e
GLUT2 apical) foi descrita para hormonas endócrinas e parácrinas (14,28,50),
segundos mensageiros (51), activadores e/ou inibidores de cínases de proteínas
(52,53), jejum, receptores intestinais sensíveis ao doce (18, 21) e
principalmente para níveis extracelulares de glicose (1,2,22,25-27,54). Quando
o transporte de glicose via SGLT1 ou GLUT2 é inibido, os transportadores, após
certo tempo, são endocitados, mas quando o SGLT1 ou GLUT2 endossomais são
activados, retornam à membrana apical (8, 9). Esta população intracelular de
transportadores de glicose está presente em células de jejuno humano absortivas
e nas células Caco-2, evidenciando a validade desta linha celular no estudo da
regulação da absorção intestinal de glicose em enterócitos humanos (55).
Cronicamente ou a longo prazo, os níveis de transportadores de glicose
membranares podem ser modulados por: 2) alteração da expressão do seu RNAm
(transcrição) ou da sua taxa de síntese (8,9). Esta modulação a longo prazo foi
descrita para o transporte apical via GLUT2 por monossacarídeos da dieta
(1,2,25-27), por hormonas (14,28), pelo jejum (18,21), pelo stresse (31), e em
algumas patologias (18,21).
Por fim, o outro factor envolvido, a curto e/ou longo prazo, na regulação do
transporte intestinal de glicose relaciona-se com: 3) a actividade intrínseca
dos transportadores. Esta pode estar alterada sem que haja modificação dos
níveis de transportadores na membrana (8,9). Este mecanismo pode envolver a
presença de proteínas reguladoras do SGLT1 intracelulares (como a sub-unidade
reguladora do SGLT1 (RS1), a cínase A de proteínas (PKA), a PKC e a cínase
MAP), que conduzem a processos de fosforilação ou desfosforilação, e
consequentemente à activação ouinibição dos transportadores. A RS1 altera a
actividade do SGLT1, reduzindo a sua Vmax.A deficiência de RS1 em ratinhos
knockout(RS1-/-) está associada a um aumento da ingestão alimentar, do
transporte de glicose, dos níveis de ARNn do SGLT1 e consequentemente ao
desenvolvimento de obesidade (56). Estes investigadores sugerem que estratégias
terapêuticas que reduzam o transporte de glicose através do aumento dos níveis
de RS1 podem eventualmente ser usadas no tratamento da obesidade (1).
Relativamente a outras proteínas reguladoras como a PKA e PKC, responsáveis
pela fosforilação do SGLT1, os efeitos decorrentes da sua activação no
transporte intestinal de glicose podem ser diferentes, e até mesmo antagónicos,
dependendo da espécie considerada (o aumento dos níveis de PKC parece aumentar
o transporte via SGLT1 no Homem, mas diminuir o transporte via SGLT1 no Rato e
Coelho) (57).
ABSORÇÃO INTESTINAL DE GLICOSE E PATOLOGIA DIABÉTICA
A diabetes mellitus é um grupo de doenças caracterizadas por hiperglicemia
crónica e outras alterações metabólicas, que ocorrem devido a deficiência da
acção da insulina (58). Na maioria dos países desenvolvidos, a diabetes é uma
das principais causas de morte e existe uma evidência substancial de que está a
alcançar proporções epidémicas em muitos países em desenvolvimento e países
recém-industrializados. Estima-se que 246 milhões de pessoas no mundo inteiro
sejam diabéticas. Segundo estimativas da Organização Mundial de Saúde, prevê-se
que em 2025 haja 300 milhões de doentes diabéticos em todo o Mundo (59). Embora
não existam estudos epidemiológicos dirigidos, a prevalência da diabetes em
Portugal, estimada pela International Diabetes Federationno seu Atlas de 2006,
é de cerca de 9,8%, na população acima dos 20 anos de idade (59, 60). Esta
epidemia de diabetes implicará inevitavelmente uma epidemia paralela de doença
cardiovascular (DCV), já que a principal causa de morbilidade e mortalidade
nesta população são as complicações macrovasculares (61). A hiperglicemia pós-
prandial, associada ao aparecimento de hiperinsulinismo e insulino-resistência,
tem sido recentemente reconhecida como um factor de risco importante para a DCV
também na população em geral, e não apenas nos diabéticos (11,62,63). A
obesidade visceral, insulino-resistência, dislipidemia e hipertensão formam uma
constelação de patologias (interligadas entre si) que constituem a síndrome
metabólica (64). Além da DCV, a intolerância à glicose está também associada a
um risco aumentado de desenvolvimento de síndrome metabólica.
Assim, o conhecimento dos mecanismos que controlam os níveis de glicose
plasmática, e mais especificamente a glicemia pós-prandial, é fundamental do
ponto de vista clínico para o controlo e tratamento de patologias como a
obesidade e a diabetes, reduzindo as suas complicações (1). De entre esses
mecanismos destacam-se a absorçãointestinalde glicose, a acção das glicosidades
intestinais e a captação de glicose pelos tecidos (esta última dependente da
síntese de insulina e da sensibilidade tecidular periférica à sua acção) (15).
Até 30 min após a ingestão alimentar, o aumento da concentração de glicose
plasmática é atribuído somente à passagem de glicose, proveniente da absorção
intestinal, para a corrente sanguínea. Uma vez atingido este momento, o
metabolismo periférico da glicose (essencialmente a captação pelo músculo e
adipócitos e o metabolismo hepático) tem um impacto significativo na glicemia,
não podendo as diferenças ser unicamente explicadas pelos efeitos da absorção
intestinal (65).
Na população em geral, e particularmente nos diabéticos e nos obesos, o bom
controlo glicémico e insulinémico através da ingestão de uma dieta adequada e
de terapia farmacológica que tenha como alvo a redução do transporte intestinal
de glicose via SGLT1 e GLUT2 apical, permitem reduzir de forma significativa o
risco de complicações macro- e microvasculares decorrentes da hiperglicemia
(14,60).Aredução da absorçãointestinalde glicose nos diabéticos assume uma
grande importância, pois estudos experimentais concluíram que nos diabéticos
existe um aumento da capacidade de absorção intestinal de monossacarídeos
(glicose e frutose) e que tal facto é, em parte, devido à sobre-expressão (ARNn
e proteína) do GLUT2, do SGLT1 e do GLUT5 apicais (5, 14) e à sobre-regulação
da ATPase-Na+/K+(1, 66). A sobre-expressão destes transportadores,
particularmente do SGLT1 apical, também poderá estar associada ao fenótipo de
obesidade em humanos (5, 14).
A indústria farmacêutica tem vindo a desenvolver inibidores do SGLT1
semelhantes à floridzina (três patentes já foram registadas, ver em
www.lamerie.com Janeiro 2006) e inibidores do GLUT2, com vista a atenuar o
aumento da glicemia pós-prandial (5). Alguns trabalhos apontam para que alguns
polifénois (catequinas, quercetina, miricetina, ácido clorogénico, ácido
cafeico, neospiridina entre outros), devido ao potente efeito inibitório na
captaçãointestinalde glicose possam, eventualmente, constituir algumas dessas
alternativas (36,65,67,68).Adicionalmente, novas terapias que actuem de outra
forma, quer modulando os factores de transcrição intestinais do SGLT1 e GLUT2,
para em última instância aumentar ou diminuir a sua expressão, quer modulando
as vias de sinalização intracelular responsáveis pelo recrutamento do GLUT2,
poderão futuramente ser importantes.
CONCLUSÃO
Apesar de não ser um nutriente essencial, a glicose proveniente da dieta
desempenha um papel importante na regulação dos níveis de glicose plasmática,
após a sua absorçãointestinal. Sabe-se actualmente que a absorção intestinalde
glicose é dependente de dois transportadores distintos, o SGLT1 e o GLUT2. O
SGLT1, além da função de transportador de glicose,funciona também como um
sensor de glicose, controlando a inserção apical do GLUT2 após a ingestão de
uma refeição.
Aregulação da absorçãointestinalde glicose, com vista a manter a homeostasia da
glicose plasmática, constitui um importante factor de protecção em patologias
como a diabetes tipo 2, obesidade e síndrome metabólica. Por esse motivo, a
elucidação dos mecanismos que modulam, aguda e cronicamente, o transporte
intestinal de glicose, possibilitará desenvolver o campo da prevenção e das
estratégias terapêuticas no combate a essas patologias. Neste contexto, o
conhecimento de que a actividade e expressão quer do SGLT1 quer do GLUT2 apical
ao nível intestinal são reguladas por uma série de factores abre uma nova
possibilidade no tratamento dessas patologias, nomeadamente com o
desenvolvimento de inibidores do SGLT1 ou do GLUT2, de moduladores dos factores
de transcrição intestinais do SGLT1 e GLUT2 ou de moduladores das vias de
sinalização intracelular responsáveis pelo recrutamento apical do GLUT2.