As Implicações do Diagnóstico Tardio: A Experiência Portuguesa
As Implicações do Diagnóstico Tardio
A Experiência Portuguesa
Ana Cláudia Miranda
Hospital de Egas Moniz, Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental
Estima-se que nos países industrializados cerca de 25% dos indivíduos
infectados pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (VIH) desconheça o seu estado
serológico. Porém, o desconhecimento do diagnóstico nos países em vias de
desenvolvimento atinge a vasta maioria da população infectada.
Apesar dos benefícios da terapêutica anti-retrovírica, muitos dos doentes são
diagnosticados em fases tardias da infecção por VIH, apresentando maior risco
de desenvolvimento de doenças e infecções oportunistas e de morte. Alguns
estudos realizados em países desenvolvidos, constataram que 18 a 43% dos novos
casos de infecção por VIH diagnosticados se apresentam em fases tardias (1).
O diagnóstico tardio da infecção por VIH é um dos factores responsáveis pelo
aumento da incidência da Síndroma de Imunodeficiência Humana Adquirida (SIDA) e
de mortes associadas, sendo um importante obstáculo para a prevenção eficaz e
para o controlo da propagação da infecção.
O diagnóstico atempado da infecção por VIH depende de múltiplos factores,
individuais, comportamentais e sociais, que devem ser contemplados na definição
das estratégias de prevenção e de diagnóstico precoce.
Foi necessidade do Serviço de Infecciologia e Medicina Tropical do Centro
Hospitalar de Lisboa Ocidental (CHLO), do Hospital de Egas Moniz, caracterizar
a população de doentes a quem foi diagnosticada a infecção por VIH durante o
período decorrido entre 1 de Janeiro de 2000 e 31 de Dezembro de 2008.
Nesse sentido, foi realizado um estudo retrospectivo, observacional e não
controlado, que incluiu doentes referenciados ao internamento ou à consulta do
Serviço de Infecciologia e Medicina Tropical do CHLO, a quem foi diagnosticada
serologia positiva para VIH nos últimos 9 anos. A inclusão dos doentes foi
condicionada pela existência de registo clínico informatizado disponível, que
facilitasse a colheita dos dados pretendidos, possibilitando a análise final de
315 doentes.
Foram avaliados os dados demográficos, clínicos, imunológicos e virológicos
referentes à data do diagnóstico da infecção por VIH dos doentes referenciados
ao Serviço de Infecciologia e Medicina Tropical do CHLO durante o período em
questão.
Um dos objectivos principais foi o de caracterizar a população de doentes
"late presenters", definidos como aqueles que se apresentaram à data
do diagnóstico da infecção com critérios clínicos ou imunológicos de SIDA
(TCD4+<200/µl e/ou em estádio do CDC A3, B3, C1, C2, C3). Foram identificados os
factores de risco associados ao diagnóstico tardio da infecção por VIH, neste
grupo de doentes.
A análise estatística efectuada baseou-se na comparação de valores entre
variáveis do tipo categórico através do teste de Qui-quadrado e entre variáveis
do tipo contínuo através do Teste de Mann-Whitneyou do Teste de Kruskal-Wallis.
Foi realizada uma Regressão Logística com o objectivo de identificar os factores
de risco associados ao diagnóstico tardio da infecção por VIH.
O nível de significância estabelecido para todas as análises foi de 0,05.
Os dados foram analisados com recurso ao software estatístico SPSS, versão
15.0.
Na população estudada, registou-se um predomínio de novos casos em indivíduos
do sexo masculino (60 vs40%), que se revelou constante ao longo do tempo
avaliado.
A distribuição de acordo com a origem geográfica revelou, para a categoria
"origem não portuguesa", um valor estável, em torno dos 30%, de
2000 a 2008, predominando a origem africana de expressão oficial portuguesa.
Ao longo do tempo, a via de transmissão com maior expressão foi a que decorreu
através de contacto heterossexual. Apesar de esboçar alguma tendência para um
aumento da transmissão na população de homens que têm sexo com homens (7,8 em
2000/2002 - 23,1 em 2006/2008) e uma diminuição da mesma nos indivíduos
utilizadores de substâncias ilícitas por via parentérica (22,4 em 2000/2002
- 13,0 em 2006/2008), os resultados não apresentaram diferença com
significado estatístico ao longo dos intervalos temporais considerados
(p=0,079).
À data do diagnóstico, 41,9% (132/315) dos doentes foram diagnosticados em
estádio avançado de infecção, de acordo com os critérios previamente definidos.
Quinze a vinte por cento dos doentes apresentaram patologia oportunista à data
do diagnóstico da infecção, destacando-se a pneumonia por Pneumocystis
jirovecie a infecção por Mycobacterium tuberculosiscomo as patologias mais
frequentes.
Em 35,6% dos doentes o diagnóstico decorreu da realização de análises de rotina
e em 35,8% perante a existência de sinais ou sintomas constitucionais e
patologias associadas ou não à infecção por VIH.
Sessenta e seis por cento dos doentes (206/315) começaram terapêutica anti-
retrovírica combinada à data do diagnóstico e 83,7% (263/315) iniciaram durante
o decorrer do primeiro ano.
Na população considerada, o sexo masculino foi o único factor de risco
estatisticamente associado com o diagnóstico tardio da infecção por VIH
(p=0,02), sendo que as restantes variáveis analisadas - idade,
naturalidade e vias de transmissão - não revelaram diferenças com
significado estatístico.
A totalidade da população estudada demonstrou uma resposta imunológica
sustentada ao longo do tempo e 79,3% dos doentes apresenta controlo virológico.
Oitenta e nove por cento dos doentes caracterizados como "late
presenters" (118/132) mantêm seguimento regular em consulta de
Infecciologia deste Centro Hospitalar, dos quais a totalidade se encontra,
actualmente, sob terapêutica anti-retrovírica combinada.
A avaliação de uma população mais alargada permitirá aferir a robustez dos
resultados encontrados, fornecendo elementos necessários para uma melhor
definição de estratégias para o diagnóstico mais precoce desta infecção.