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EuPTCVHe0871-34132009000200022

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variedadeEu
Country of publicationPT
colégioLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0871-3413
ano2009
Issue0002
Article number00022

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Confidencialidade, Aconselhamento e Discriminação Confidencialidade, Aconselhamento e Discriminação

Maria do Céu Rueff Centro de Direito Biomédico da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra

Na exposição que se segue ter-se-ão em conta três mudanças de paradigma nesta matéria: 1 - Da "doença dos outros" à doença que "está entre nós" e é susceptível de atingir todos.

2 - Da notícia da mortalidade à notícia da vida em diferente realidade, ou a terapia anti-retroviral que permite viver com relativa qualidade.

3 - Da política de saúde pública de isolamento à defesa dos Direitos Humanos em saúde (1, 2) .

Um estudo da Pan American Health Organization (3) pôs em evidência como estigma, discriminação, HIV/AIDS se relacionam e potenciam, tornando claro que o ponto de partida para um cenário ideal reside na identificação do HIV através de testes, que permitirão os cuidados de saúde e apoio, evitando-se o estigma e atingindo-se a prevenção, num ciclo que deveria suceder-se.

Recordámos a política dos "três Cs": consent, counselling, confidentiality -, dos instrumentos internacionais (4) e a questão médica dos modos de transmissão do vírus (é o comportamento não protegido - e portanto não esclarecido acerca dessa possibilidade - que cria a susceptibilidade de transmissão, transformando-se no comportamento de risco).

Enfatizou-se o repúdio do "isolamento epidemiológico" dos chamados grupos de risco (5), sendo recordado que tal política significa não a negação da verdade de que qualquer pessoa, seja qual for o grupo a que pertence, pode ser responsável pela propagação de HIV, como leva à discriminação arbitrária.

Os perigos pressentidos na política de detecção precoce relacionam-se com as seguintes questões, entre as mais frequentes colocadas no âmbito da discussão ético-jurídica: a) A identificação do síndroma por meio de exame para detectar a infecção precoce deve ser obrigatória e determinando a falta de consentimento para a obtenção do teste? Qualquer intervenção médica é considerada interferência no direito ao respeito pela vida privada, constituindo privação da liberdade. Recolher sangue no âmbito de exame médico para detectar HIV constitui ofensa à integridade física e se for efectuada por médico sem consentimento do paciente é facto que consubstancia o crime de intervenções e tratamentos médico-cirúrgicos arbitrários - art 156º do C. Penal. A licitude dos testes de despistagem ocorre com o consentimento informado, então havendo compatibilidade com o artigo da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

Pareceimprovável, nas circunstâncias presentes, que algum esquema de rastreio obrigatório pudesse vir a satisfazer o teste de "ser necessário numa sociedade democrática", para protecção da saúde pública, tal como exige o 2 do art. da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (política do Conselho da Europa, desde Recomendação R (89) Comité de Ministros de 24 de Outubro de 1989). Alternativa: disponibilidade da realização de testes voluntários e campanha baseada na informação e educação, que encoraje o abandono de comportamentos de risco.

b) A Portaria 258/2005, de 16 de Março, que determinou a inclusão da infecção por HIV/Sida na tabela de doenças de declaração obrigatória, significará o fim da confidencialidade médica em matéria de HIV/Sida? O objectivo da Portaria expressa no verso da folha de notificação: Definição de Casos de Sida para Fins de Vigilância Epidemiológica. Estatuiu-se apenaso dever de declaração dos casos de HIV/Sida ao Centro de Vigilância Epidemiológica das Doenças Transmissíveis, a coberto de confidencialidade, para um correcto entendimento do número de casos. Isto não desencadeia a aplicação à situação de HIV/Sida de regimes associados às tradicionais doenças contagiosas, nomeadamente: a Lei 2 036, de 9 de Agosto de 1949 (luta contra as doenças contagiosas), ou diplomas que prevêem a evicção escolar por motivos de doenças transmissíveis.

A Portaria 258/2005 prevê o modo de protecção dos dados a fornecer, pelo que o dever de declaração é feito de modo "procedimentalmente" controlado, não se confundindo com comunicação de informação a terceiros.

c) A instituição de programas de detecção precoce implica a quebra do segredo médico e a não protecção do anonimato e dos dados médicos em Saúde? A resposta é liminarmente negativa.

A protecção do segredo médico ancora-se no art. 26º da CRP. As garantias legais da sua protecção encontram-se neste preceito e no Código Penal através da previsão dos crimes de violação de segredo e violação de segredo por funcionário público (artigos 195º e 383º).

A Lei (da Protecção de Dados Pessoais - LPDP) 67/98, de 26 de Outubro, proíbe em geral o tratamento de "dados sensíveis" (art , 1), onde se referem, entre outros, dados pessoais atinentes à vida privada, origem racial ou étnica, bem como dados relativos à saúde e à vida sexual, incluindo os dados genéticos.

Também os artigos 85º a 93º do Código Deontológico dos Médicos (Regulamento 14/2009, DR, Série, 8, 13 de Janeiro de 2009) vinculam os médicos ao segredo, sob pena de sanção disciplinar.

O estudo ONUSIDA (6) Estigma, discriminação e violação dos direitos humanos em relação ao HIV - Estudos de casos de programas bem sucedidosrevelou que, apesar de metade das pessoas com HIV entrevistadas terem dito guardar segredo, 45% afirmaram que as equipas de cuidados lhes tinham dado confiança bastante para partilhar as informações sobre a sua seropositividade com outros, aumentando o número de pessoas dispostas a "tornar público" o seu estado serológico, depois de revelarem em grupos de apoio. Aconteceu assim no Projecto do Cambodja e manteve-se a tendência nos projectos da Tailândia, Bielorrússia e Uganda.

Mas que ter em conta duas notas importantes: 1) Não confundir programas de detecção (voluntária) precoce com testagem obrigatória.

2) Não confundir revelação pública do estado serológico, por vontade própria, com cessação da confidencialidade. É que esta confidencialidade permite que as pessoas possam vir sem medo ao sistema para serem testadas, ao passo que aquela mostra apenas que tais pessoas podem viver sem esconder o estatuto serológico porque não serão então discriminadas. Nisto consiste o paradoxo do segredo: respeitando-se a confidencialidade é aumentada a confiança, sendo potenciadas as condições que permitem maior franqueza e abertura à verdade em saúde.


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