Optimizar Cuidados de Saúde e Tratamento do VIH
Actualmente, os objectivos do tratamento anti-retrovírico (TAR) são: diminuir a
morbilidade e mortalidade associadas ao VIH; melhorar a qualidade de vida;
suprimir de modo sustentado a replicação vírica; restaurar/ preservar o estado
imunológico e prevenir a transmissão mãe-filho. Para além destes, existe um
conjunto de outros objectivos desejáveis e que se entrevê serem possíveis
atingir: diminuir a morbilidade e mortalidade de doenças não-associadas ao VIH;
minimizar o risco de transmissibilidade do VIH ao longo da vida; permitir uma
esperança de vida semelhante à da população geral.
As recomendações actuais de TAR indicam que, no doente assintomático, o TAR
deve ser iniciado com contagens de linfócitos CD4< 350/mm3. As recomendações
europeias (e também as portuguesas), indicam ainda considerar o ínicio de TAR
em doentes com CD4>350/mm3, se com RNA VIH-1>100 000 cópias/mL, declíneo rápido
de CD4, idade < 55 anos, e co-infecção por VHC e/ou VHB.
Dados derivados do estudo randomizado SMART vieram confirmar os resultados de
diversos estudos de coorte, nomeadamente o CASCADE, evidenciando a existência
de um contínuo aumento do risco de morte e de progressão da doença associado a
contagens mais baixas de CD4. No estudo SMART foi ainda demonstrado que a
infecção VIH não tratada está ligada a maior morbilidade e mortalidade por
causas não classicamente associadas a SIDA, nomeadamente problemas
cardiovasculares ou neoplasias não definidoras de SIDA. Recentemente, dois
grandes estudos de colaboração de várias coortes (NA-ACCORD study e ART Cohort
Collaboration) vieram trazer novos dados. Embora os resultados do estudo NA-
ACCORD tenham revelado um excesso de mortalidade nos doentes que iniciam TAR
com CD4< 500/mm3, os resultados do ART Cohort Collaboration não confirmam um
significativo benefício, em termos de sobrevida, para a generalidade dos doentes
iniciando TAR com CD4>350/mm3. Neste contexto, os resultados do estudo
randomizado START, iniciado este ano, poderão vir a contribuir para substanciar
a vantagem, para o doente individual, da instituição do TAR com CD4>500/mm3.
Contudo, cerca de 40% dos novos doentes observados em primeira consulta
apresentam CD4<200/mm3e já perderam a oportunidade de beneficiar com a
instituição precoce de TAR. Uma das principais causas da apresentação tardia
destes doentes é o diagnóstico da infecção VIH efectuado já em fases avançadas
da doença. O diagnóstico precoce das pessoas infectadas constitui por isso,
actualmente, uma prioridade nas estratégias de controlo da doença e das suas
consequências.
O seguimento inconsistente do doente com repetidos abandonos das consultas é
outro importante factor de morbilidade e mortalidade. Dos doentes infectados
por VIH que necessitaram de internamento no SDI do HSJ entre 2006 e 2007, 70%
tinham abandonado as consultas há > 6 meses. É urgente o estudo e
caracterização desta população, para melhor definir uma estratégia de
minimização consequente.
A efectiva aplicação das recomendações terapêuticas na clínica diária implica
não só uma informação sistemática ao doente, que legitime a sua
responsabilização pelo uso racional dos cuidados de saúde que lhe são
oferecidos, mas também a responsabilização dos serviços de saúde, que devem
proporcionar o acesso fácil ao diagnóstico, garantir o acesso e
sustentabilidade do seguimento e da medicação e desenvolver e implementar
indicadores de funcionamento auditados.
São considerados factores importantes para o sucesso do TAR aspectos
relacionados com o esquema terapêutico (potência, tolerabilidade, posologia
simples e toxicidade a longo prazo), com o doente (idade, situação psico-
social, estadio da doença) e com o vírus (carga vírica, mutações de
resistência). Para além destes, também factores como o acesso aos cuidados de
saúde e a experiência do centro onde o doente é observado têm especial
relevância para uma evolução favorável.
A disponibilidade de uso em Portugal dos fármacos anti-retrovíricos mais
recentes é sem dúvida de sublinhar como um aspecto positivo. Dado que são
muitas vezes indispensáveis para o tratamento de doentes com múltiplos
insucessos terapêuticos prévios e déficite imunitário grave, o seu acesso em
tempo útil para o doente impõe processos de aprovação desburocratizados e
expeditos.
Em resumo, a vantagem do início precoce do TAR é apoiada por múltiplos estudos
de coorte. Actualmente uma proporção substancial de doentes apresenta-se já com
doença avançada. O sucesso de uma estratégia de diagnóstico e cuidados precoce
exige o envolvimento da comunidade, recursos assistenciais adequados e de
qualidade, e sustentabilidade de acesso aos fármacos.
Existe já evidência de que doentes infectados por VIH, em supressão virológica
e contagens normais de CD4, poderão ter uma esperança de vida equivalente à da
população em geral. Este será certamente o aspecto definidor da optimização dos
cuidados de saúde a esta população.