Readmissões na Urgência Pediátrica do Porto
A massificação da utilização dos Serviços de Urgência (SU) é já um fenómeno do
século passado. Contudo, nas duas últimas décadas a manutenção de uma
desmesurada utilização dos SU foi constante, conduzindo ao progressivo desgaste
de recursos. O atendimento nos SU constitui uma das principais formas de
entrada da população nos Serviços de Saúde. Normalmente, a primeira escolha,
quer em caso de doença aguda (em elevado número de carácter não urgente, mas
que implica esclarecimento e encaminhamento adequado), quer ainda, para tentar
satisfazer outras necessidades.
O número de internamentos hospitalares após readmissão nas 72 horas seguintes à
primeira observação, dá indicações sobre a gravidade e especificidade da
patologia assistida, a qualidade do atendimento no próprio SU, bem como a
eficácia de referenciação pré-hospitalar. As taxas de internamento dos SU após
readmissão nas 72 horas seguintes à primeira triagem, variam de cidade para
cidade e mesmo de hospital para hospital dentro da mesma área de influência.
Sabendo que a maior parte das situações observadas nos Serviços de Urgência são
do âmbito dos Cuidados Primários de Saúde (1-3), no ano de 2002, houve
necessidade de regular o acesso à Urgência Pediátrica do Porto (UPP), com vista
à melhoria do atendimento da criança. Nesse sentido, instituiu-se um método de
triagem, realizado pelo sénior, para as crianças que recorriam ao SU sem
referenciação. As crianças com menos de 6 meses e as que vinham referenciadas,
eram directamente orientados para a consulta médica. Este sistema de triagem
utilizado revelou diversos constrangimentos, pelo que necessitou de ser
recentemente reformulado.
MATERIAL E MÉTODOS
O presente estudo retrospectivo decorreu entre 1 de Janeiro de 2005 e 31 de
Dezembro de 2007. Os dados foram recolhidos com base na folha de registo de
triagem efectuados pelos clínicos que observaram a criança.
Foram recolhidas e analisadas as seguintes variáveis: sexo, idade,
proveniência, distribuição anual e horária, motivo de admissão e de readmissão,
intervalo entre as observações na UPP e duração do internamento.
RESULTADOS
Durante o período do estudo, foram observados na UPP 205.809 doentes, dos quais
95.259 foram admitidos directamente na triagem. O número de crianças internadas
pelo SU durante este período foi 8.814 (4,3%). Após observação, tiveram alta
directamente da triagem 37.265 doentes (18,1%) e destes, 2.082 doentes (5,6%)
foram readmitidos nas 72 horas seguintes (Figura 1). Dos doentes readmitidos,
foram hospitalizados 149 (7,2% dos readmitidos e 1,7% do total de internamentos
do SU). No Hospital de São João (HSJ) foram hospitalizados 82 doentes e os
restantes 67 foram distribuídos por outros hospitais (Figura 2).
Fig. 1 - Doentes readmitidos após alta da triagem
HSJ - Hospital de São João; HMP - Hospital Maria Pia; HGSA - Hospital Geral de
Santo António; HPH - Hospital Pedro Hispano; HPA-VS - Hospital Padre Américo -
Vale do Sousa.
Fig. 2 - Distribuição dos doentes internados pelos Hospitais.
Verificou-se um ligeiro predomínio do sexo masculino (52%). Tal como toda a
população Pediátrica que recorre à UPP, a maioria das crianças foram
provenientes da área de influência do HSJ. É interessante observar que a
distribuição dos doentes que necessitaram de internamento, pelos meses do ano
não evidenciou sazonalidade mas, é clara a variação do total de doentes ao
longo do ano, com ligeiro predomínio nos meses de Outono/Inverno (59,7%)
(Figura 3). Verificou-se que a sua distribuição ao longo do dia é concordante
com a do movimento geral, privilegiando o período diurno (Figura 4).
Fig. 3 - Distribuição anual.
Fig. 4 - Distribuição horária.
O período decorrido entre as admissões na UPP foi quase sempre superior a doze
horas e não se verificou nenhum caso com duração inferior a uma hora (Figura 5).
Fig. 5 - Intervalos entre as admissões na UPP.
Os doentes que foram internados no HSJ representaram 55% do total (149). Neste
grupo, foram caracterizados outros parâmetros como a idade, motivo de admissão
e de readmissão e duração do internamento dos doentes.
Dos doentes internados no HSJ, 53,7% tinham entre seis meses e dois anos de
idade. Cinco (6,1%) eram doentes com patologia crónica.
Os principais motivos de recurso à UPP foram problemas gastrointestinais
(42,7%), respiratórios (20,7%), febre (17,1%), genito-urinários (11,0%),
cutâneos (7,3%) e neurológicos (1,2%).
Todas as readmissões foram pelo mesmo motivo da primeira observação. Em 60% dos
casos, por persistência dos sintomas e os restantes 40% por agravamento. Apenas
5% dos doentes foi referenciado pelo Médico Assistente. Verificou-se que 13% dos
doentes vieram à UPP mais do que duas vezes num período de tempo menor de 72
horas.
Dos 149 doentes hospitalizados, 140 doentes (93,9%) foram internados em
Serviços de Pediatria Médica e apenas nove (6,0%) necessitaram de intervenção
cirúrgica com posterior hospitalização em Serviços de Cirurgia Pediátrica.
A duração do internamento foi em 57 doentes (69,5%) superior a 48 horas
einferior a oito dias, com uma mediana de seis dias; superior a 8 dias em 15
doentes (18,3%) e igual ou inferior a 48 horas em 10 doentes (12,2%).
DISCUSSÃO
O elevado número de doentes admitidos nos SU continua a ser um problema com que
os Hospitais se deparam, sendo necessário uma adequada articulação entre os
diversos níveis do Sistema de Saúde para organizar o atendimento nas suas
diversas vertentes.
Na literatura internacional estudada, os autores não encontraram referência à
taxa de readmissões após um atendimento no SU Pediátrico.
Neste estudo, a maioria das crianças readmitidas não foi referenciada pelos
Cuidados de Saúde Primários. Apenas 7,2% dos doentes readmitidos necessitaram
de ser hospitalizados.
A distribuição anual foi uniforme, não havendo diferenças significativas entre
os meses de Inverno e de Verão. O período do dia em que predominaram as
readmissões está claramente relacionado com os picos de maior afluxo à UPP,
tendo 89% ocorrido entre as 8.00 horas e as 24.00 horas.
O intervalo de tempo entre idas à UPP foi na sua esmagadora maioria (95%)
superior a doze horas, demonstrando ter havido tempo para que se verificasse a
evolução normal da doença e não se tratassem de verdadeiras situações urgentes,
que necessitariam de internamento.
Ainda que a excessiva utilização dos SU se possa explicar, entre outros, pela
maior acessibilidade a especialistas, meios auxiliares de diagnóstico e
funcionamento permanente, é imperativo criar novas metodologias de orientação e
de atendimento para reservar estes Serviços para as crianças que realmente
deles mais necessitem. Tal como se verificou, o afluxo ao SU manteve-se ao longo
destes 3 anos, demonstrando-se que o actual sistema não foi eficaz na selecção
de doentes urgentes. No entanto, demonstrou ser útil numa primeira fase da
organização do atendimento dos doentes, sem estar associado a situações de
risco importante para a saúde dos utentes.
Este estudo está limitado pela falta de informação acerca dos internamentos nos
outros hospitais referentes aos doentes readmitidos na UPP, pelo que será de
extrema utilidade de futuro a articulação entre os diversos hospitais para
avaliação da eficácia deste sistema e para posterior comparação com o actual
sistema de triagem (Canadian Pediatric Emergency Triage and Acuity Scale).