Saúde: Inovação e Desenvolvimento para a Melhoria da Qualidade
COMENTÁRIO
Saúde. Inovação e Desenvolvimento para a Melhoria da Qualidade
Manuel Cardoso de Oliveira*
*Escola de Estudos Pós-Graduados e de Investigação, Universidade Fernando
Pessoa
Correspondência
A Saúde vive um momento de extrema complexidade, reconhecendo-se que a sua
organização tem sido, antes de mais, uma confederação livre de grupos que, não
obstante, tinham objectivos comuns. Não é por mero acaso que a integração dos
cuidados de saúde é uma das prioridades para o século XXI. Preparar para a
Saúde um futuro melhor é uma obrigação social que a todos compromete. Para isso
torna-se indispensável que se processe uma verdadeira revolução a vários
níveis, sabendo-se que as mudanças organizacionais, em qualquer circunstância,
são difíceis. Efectivamente passámos de modelos organizacionais em que se
misturavam, em proporções várias, heroicidade, romantismo, autoritarismo e até
alguma ingenuidade, para uma organização de tipo completamente diferente e de
importância crucial para que possamos harmoniosa mas decididamente dar passos
no sentido certo; é mesmo uma revolução, no bom sentido do termo.
O aumento exponencial dos custos da Saúde e a multiplicação das ofertas por
razões dos avanços científicos e tecnológicos espectaculares a que temos
assistido (e que não vão parar) conduziram naturalmente ao reconhecimento de
que é indispensável conter custos, fazendo mais com menos dinheiro. Sabendo-se
que o desperdício em organizações de Saúde atingiu valores insuportáveis, foi
tentador aplicar ao sector regras de gestão já testadas noutros tipos de
instituições. Cabe-nos a nós, profissionais mais directamente ligados à Saúde,
reconhecer o mérito desta orientação, sem perder de vista as medidas
correctoras indispensáveis para que se atinja um equilíbrio sensato e não se
caia na obscenidade de equiparar as organizações de Saúde às organizações
industriais. Nós não somos vendedores, nem os doentes são compradores, é bom
que se entenda. Não se trata de um mercado, mas de um sector de serviços de
características muito especiais.
Como é habitual nas revoluções, há excessos que importa corrigir, por isso é
urgente criar espaço para as áreas emergentes em causa, assumindo compromissos
e estabelecendo prioridades para garantir a mudança e a sustentabilidade.
Obviamente que as modernas unidades de Saúde não dispensam o apoio de equipas
multidisciplinares. Mas a questão dos sistemas de Saúde não é apenas um
business case. Para que os sistemas de saúde sejam seguros (quanto possível),
efectivos, eficientes e acessíveis torna-se imperioso dispor de líderes
preparados para levar a bom termo uma verdadeira revolução, pois são estes os
maiores responsáveis e a melhor garantia para uma nova cultura organizacional.
Em íntima ligação com a gestão está a liderança. Ainda que alguns não
estabeleçam diferenças entre elas, é prudente reconhecer a sua importância. A
gestão é em grande parte um fenómeno do Sec. XX que emerge com a criação de
grandes organizações e está especialmente relacionado com a implementação de
decisões; percorre um caminho de cima para baixo, servindo-se de ferramentas
explicitamente analíticas e de tomada de decisão, e baseia-se em técnicas de
racionalidade. A gestão preocupa-se principalmente em mudar as estruturas e em
organizar processos de trabalho, sendo um atributo dirigido aos desempenhos. A
liderança está mais relacionada com ideias, oferecendo novas abordagens para
velhos problemas; os líderes nem sempre são sinónimos de posição hierárquica,
procuram relacionar e reforçar padrões de relações sociais já existentes e
influenciam o relacionamento interpessoal. Digamos, como Neil Goodwin, que
liderança e gestão, sendo diferentes, não se excluem mutuamente.
Para além da gestão e da liderança muitas outras áreas ganharam especial
atenção. Todos reconhecemos a importância dos Sistemas de Informação em Saúde,
da Bioestatística, da Epidemiologia, da Psicologia, da Sociologia e da
Antropologia Médicas, e da Economia em Saúde, entre outros. Também sabemos que
especialmente na última década do Século XX emergiram conceitos fundamentais
como o valor social da vida, o interesse dos doentes e da sociedade em geral, a
qualidade dos desempenhos, a gestão de conflitos, a negociação de interesses, a
gestão das reclamações, a contenção dos custos e os sistemas retributivos, as
normas éticas, a análise da causalidade dos erros, a gestão do risco clínico, a
segurança dos doentes, a gestão do stresse e da complexidade, a regulação e a
política de Saúde, a governação clínica, o marketing em Saúde, o planeamento
estratégico, o benchmarking, o desenvolvimento e aplicação do conhecimento, o
poder da comunicação e o direito da medicina.
Sendo evidente a urgência e a indispensabilidade dos avanços nestas áreas, e
reconhecido o peso enorme das diversas rotinas profissionais, torna-se
imperioso reconhecer a necessidade de acções de formação que, pela sua própria
natureza, estão naturalmente destinadas às Universidades que à área da Saúde
dedicam especial interesse. E, nestas, devem assumir principais
responsabilidades aqueles que pelo exemplo das suas trajectórias, tempo
disponível, e provas dadas, possam liderar processos de grande exigência
profissional, cultural e humana.
Com o furacão de mudanças que se abateram nas nossas instituições nas duas
últimas dezenas de anos, e perante o incómodo de estarmos pressionados entre
custos insustentáveis e cortes inaceitáveis nas despesas, necessitamos de novas
ideias, de respostas claras, confiança e o conhecimento da nossa cada vez maior
interdependência. Para que estes objectivos mais facilmente sejam conseguidos é
indispensável um trabalho de base em que o ensino e o treino de todos os
implicados nestas tarefas estejam assegurados.
Pela sua própria natureza a Universidade tem a missão de educar, criar e
aplicar conhecimentos e investigar. Para isso necessita de um suporte (recursos
humanos, equipamentos e planos de acção) que possa dar respostas adequadas a
estas exigências. A missão social da Universidade e a criação e difusão da
cultura numa interdisciplinaridade que defendemos são também componentes
fundamentais dos seus deveres e valores.
A área de trabalho que elegemos ' gestão de risco clínico, melhoria da
qualidade e segurança dos doentes ' só muito recentemente tem sido encarada (e
apenas nos centros mais diferenciados) com a profundidade que a sua importância
justifica. As suas potencialidades para a inovação e o desenvolvimento
conferem-lhe as características de uma área emergente, de grande sentido
social, em que, com custos aceitáveis e justificados e aplicação prática
evidente, se pode efectuar investigação.
Correspondencia:
Prof. Dr. Manuel Cardoso de Oliveira
Escola de Estudos Pós-graduados e de Investigação, Universidade Fernando
Pessoa, Praça 9 de Abril, 349, 4249-004 Porto. E-mail: maco0410@gmail.com