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EuPTCVHe0871-34132010000400003

EuPTCVHe0871-34132010000400003

variedadeEu
Country of publicationPT
colégioLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0871-3413
ano2010
Issue0004
Article number00003

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Tuberculose Cutânea num Doente Imunocomprometido

Introdução Com a emergência de situações associadas com o comprometimento do sistema imunológico, como a epidemia pelo vírus da imunodeficiência humana (VIH) e o uso crescente de fármacos imunossupressores, tem-se verificado um aumento de todas as formas de tuberculose (TB), nomeadamente das extrapulmonares, incluindo a cutânea (1), e da doença disseminada resultante da disseminação hematogénica do bacilo (2).

A TB cutânea compreende 1,5% de todas as formas da doença (3), sendo responsável por 0,04 a 2% de todas as patologias dermatológicas (4-6).

Frequentemente, a TB de pele resulta da disseminação hematogénea ou por continuidade da infecção, embora a inoculação primária também esteja documentada. Encontram-se descritas diferentes formas de TB cutânea de acordo como mecanismo de infecção, o estado imunológico do doente e a importância de inoculum bacteriano (7, 8). Não obstante, o diagnóstico de TB cutânea requer um índice elevado de suspeição, não dada a sua raridade, mas também porque as manifestações clínicas da doença são diversificadas e a micobactéria nem sempre é identificada nos exames microbiológicos (1).

O caso descrito ilustra o envolvimento cutâneo na TB disseminada, nas formas de escrofuloderma e abcesso metastático, num doente idoso e imunocomprometido por corticoterapia sistémica.

Caso Clínico Um doente do sexo masculino, de 77 anos, de raça branca, apresentou-se com um quadro de febre persistente, com seis semanas de evolução, apesar de um curso de antibioterapia empírica, acompanhado de emagrecimento de 6 Kg nos últimos três meses.

A história pregressa incluía patologia discal lombar encontrando-se medicado cronicamente com coesteróides sistémicos (metilprednisolona, 8 mg/dia), desde dez anos, embora sem seguimento clínico regular. O doente negava antecedentes de doença infecciosa, nomeadamente TB, incluindo nos contactos.

Na admissão, apresentava um bom estado geral, evidenciando-se adenomegalias móveis e indolores nas cadeias supraclavicular e do esternocleidomastoideo à direita e na axila à esquerda.

O estudo analítico mostrou uma anemia de doença crónica (12.4 g/dl), uma hiponatremia (133 mEq/L) e uma elevação tanto da proteína C-reactiva (62.7 mg/ L), como da velocidade de sedimentação (71 mm/h). A radiografia torácica era normal. A pesquisa de bacilos álcool ácido resistentes (BAAR) no aspirado gástrico, urina e sangue foi negativa, bem como as culturas para outras bactérias e fungos. O estudo imunológico era normal e as serologias sanguíneas, incluindo o rastreio da infecção VIH foram negativos. A tomografia computadorizada mostrou nódulos com padrão em árvore botão e discretas consolidações com broncograma aéreo nos lobos pulmonares superiores (Figura_1 A,_B). A biopsia aspirativa das adenomegalias cervicais revelou BAAR e a pesquisa de ADN do Mycobacterium tuberculosis (Mt) no lavado broncoalveolar (LBA) foi positiva.

Atendendo ao diagnóstico de TB disseminada, foi nas região metacarpofalângica dos segundo e terceiro dedos, na palma da mão esquerda. Em ambas as lesões constatou-se uma evolução semelhante, gradualmente para a flutuação e supuração formando úlceras com drenagem de material caseoso (Figura_2_A,_B). Em ambos os exsudados identificaram-se BAAR. No pescoço, iniciada terapêutica antituberculosa com quatro fármacos (Isoniazida (H), Rifampicina (R), Pirazinamida (Z) e Etambutol (E)), bem como redução da corticoterapia, dada a ausência de critérios clínicos, imunológicos e radiológicos de outra patologia, que não a degenerativa osteoarticular.

Duas semanas após o início do tratamento antibacilar, o doente apresentou nódulos subcutâneos eritematosos, firmes e indolores no pescoço à direita. Uma semana depois, surgiram outros nódulos subcutâneos os achados coadunaram-se com os da escrofuloderma, resultantes da propagação por continuidade de focos tuberculosos ganglionares. Quanto às lesões na mão, o estudo radiológico excluiu envolvimento subjacente do osso e articulação, pelo que, clinicamente, foram consideradas abcessos metastáticos tuberculosos, resultantes da disseminação hematogénea/linfática de um foco sistémico da doença, achado corroborado pela presença das adenopatias axilares à esquerda.

Após quatro semanas de tratamento antibacilar verificou-se melhoria clínica.

Mycobacterium tuberculosis complex,sensível aos fármacos de primeira linha, foi isolado na cultura do LBA e nos exsudados da pele. A terapêutica antituberculosa foi descontinuada para dois fármacos (H, R) e a corticoterapia suspensa, ao fim de dois meses. Após os seis meses de tratamento constatou-se resolução clínica e radiológica, incluindo das lesões cutâneas, o que ocorreu sem a formação de cicatrizes. O seguimento do doente nos dois anos seguintes não mostrou sinais de recidiva.

Discussão A TB cutânea pode ser causada pelo Mt, Mycobacterium bovis, micobacterias atípicas e, raramente, pelo bacilo Calmette Guerin (8).

Após a descrição de Laennec, em 1826, do seu prosector wart (9), foram propostas várias classificações da TB cutânea.

ATB da pele é classificada em TB cutânea verdadeira e tuberculides (7, 8), a primeira ocorrendo na sequência da proliferação dos bacilos na pele, e a última na sequência de uma reacção de hipersensibilidade a lesões tuberculosas noutros órgãos.

A classificação mais consensual da TB cutânea verdadeira baseia-se no modo de infecção e no estado imunológico do hospedeiro (7, 8). As lesões causadas por inoculação exógena podem manifestar-se como cancro tuberculoso venéreo, cutis verrucosa e, ocasionalmente, lupus vulgaris. A infecção endógena pode surgir como escrofuloderma e TB orificial, quando ocorre extensão por contiguidade; lupus vulgaris, TB miliar aguda e abcessos metastáticos quando ocorre disseminação hematogénea/ linfática. As últimas duas formas encontram-se usual- mente associadas a situações de comprometimento imunitário do hospedeiro. Um conceito adicional inclui a distinção baseada no inoculum bacteriano: multibacilar no cancro tuberculoso venéreo, escrofuloderma, orificial, miliar aguda e abcesso tuberculoso; paucibacilar na cutis verrucosa e lupus vulgaris.

O envolvimento de pele pode ocorrer de forma isolada ou acompanhando a doença noutros órgãos, na TB disseminada (1). Contudo, a acrescentar à baixa incidência da TB cutânea em geral, também a incidência desta forma de doença associada à TB noutros órgãos é baixa. Uma revisão incluindo 370 doentes demonstrou uma incidência de 3,5%, com os gânglios e o pulmão a serem os órgãos mais frequentemente envolvidos e a escrofuloderma, a forma mais frequente de TB cutânea associada (10).

Os autores descrevem um caso clínico de um doente sob corticoterapia sistémica crónica, um factor predisponente conhecido para a imunossupressão e para a reactivação da tuberculose latente, neste caso, de uma forma invulgar num doente idoso (11).

O aparecimento de nódulos subcutâneos tanto no pescoço, como na mão, secundariamente evoluindo para a fistulização e ulceração durante o tratamento da TB disseminada, levantou a suspeita do envolvimento da pele pela doença.

Para além da necessidade de considerar outros diagnósticos diferenciais, como as micobacterioses atípicas, sífilis, esporotricosis, actinomicosis e acne conglobata, o diagnóstico definitivo da TB cutânea requer a correlação dos achados clínicos com os resultados de testes diagnósticos como a PCR, microbiologia e histologia (8). No entanto, como a rentabilidade da cultura e da PCR é frequentemente baixa, o diagnóstico da TB cutânea pode depender da correlação com a histologia (6). No caso apresentado, o diagnóstico definitivo foi obtido após o isolamento do Mt na cultura dos exsudados de pele.

A identificação de um foco tuberculoso subjacente, como o osso, o epidídimo ou, mais frequentemente, os nódulos linfáticos, como aconteceu na região cervical no nosso doente, permitiu a diagnóstico da escrofuloderma. Por outro lado, a lesão na mão esquerda assemelhou-se a um abcesso tuberculoso metastático, uma forma mais rara que surge na ausência de envolvimento subjacente, resultando portanto da disseminação hematogénea/linfática da micobactéria, usualmente para o tronco, cabeça e extremidades em doentes imunocomprometidos.

Dado que a maioria dos casos de TB cutânea surgem na sequência do envolvimento sistémico pela doença e o inoculumbacilar ser geralmente inferior ao da TB pulmonar, os esquemas terapêuticos são semelhantes aos da TB em geral (8), o que no caso em questão resultou numa evolução favorável e num excelente prognóstico.


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