Hepatite C e Gravidez: Uma Revisão da Literatura
ABSTRACT
Chronic hepatitis C is an important cause of morbidity and mortality worldwide.
perinatal transmission of hepatitis C virus (HCV) is the major mechanism of
infection in childhood. pregnancy does not appear to affect the clinical course
of acute or chronic hepatitis C. Active chronic hepatitis C is associated with
an increase in the incidence of adverse pregnancy outcomes; there isn't a
consistent association between carrier status (inactive chronic hepatitis C)
and adverse obstetrics outcomes. The diagnosis of perinatal transmission in the
newborn is established by a positive serum HCV RNA on two different occasions
2-3 months apart and after the infant is at least three months old and/or by
the detection of anti-HCV antibodies after the infant is 18 months old.
perinatal transmission is about 1-3% if no RNA is detected in the pregnant
woman and 4-6% if it is detected. HIV co-infection increases the risk, but
HAART (highly active anti-retroviral therapy) diminishes it. The use of scalp
electrodes also increases that risk; data are conflicting in what concerns
prolonged rupture of the membranes (for more than six hours). Cesarean section
and breastfeeding (if nipple integrity is present) don't alter the risk of
perinatal transmission. despite an increased understanding of the risk factors
involved in perinatal transmission of HCV, to date there are no specific
measures to reduce that risk.
Palavras-chave: hepatitis c; pregnancy; perinatal transmission
Introdução
O vírus da hepatite C (VHC), descoberto em 1989, é uma importante causa de
doença hepática crónica e é reconhecido como um importante problema de saúde
pública em todo o mundo. É a etiologia mais frequente subjacente ao transplante
hepático, sendo responsável por importantes custos no sistema nacional de
saúde.1
Estima-se que cerca de 3% da população mundial esteja infectada pelo VHC, e que
destes 3%, apenas 30% tenha conhecimentoda infecção.1A infecção por VHC é causa
de considerável morbilidade e mortalidade, com a maioria das infecções agudas a
evoluir para a cronicidade.2
O VHC e o vírus da hepatite B (VHB) são as principais causas de hepatite vírica
crónica quer em crianças, quer em adultos. Nos países industrializados, desde a
introdução do programa de vacinação para a hepatite B, o VHC tornou-se a causa
mais importante de doença hepática crónica de etiologia infecciosa na idade
pediátrica.3
Pretende-se com este trabalho fazer uma revisão da literatura acerca das
implicações da infecção por VHC na gravidez, nomeadamente no que diz respeito à
epidemiologia da infecção por VHC, aos factores de risco para a infecção por
VHC e para a transmissão perinatal do vírus, particularidades da vigilância de
gravidez e cuidados a ter com o recém-nascido e puérpera. Faz-se ainda uma
breve referência à prescrição de fármacos e de métodos contraceptivos na mulher
com hepatite C.
Epidemiologia
O VHC é um vírus RNA de cadeia única. É caracterizado por uma grande
heterogeneidade genética, incluindo 6 genótipos e numerosos subtipos. Ocorre
uma rápida acumulação de mutações no genoma vírico, dando lugar à noção de que
o VHC persiste como uma quasiespécie de vírus. pelo facto de haver mutação
constante, o VHC pode escapar à detecção e eliminação pelo sistema imunológico
do hospedeiro. O VHC é transmitido sobretudo através da exposição a sangue
infectado, mas também através do contacto sexual ou da transmissãovertical.2,4
A história natural da infecção por VHC é complexa (Figura_1).1O período de
incubação geralmente varia entre 30 a 60 dias e o RNA do VHC pode ser detectado
no sangue dentro de duas semanas após a exposição. A maioria das infecções
agudas por VHC passa despercebida por dois motivos: grande parte das infecções
agudas são assintomáticas (75%) e quando sintomáticas os sintomas de
apresentação são inespecíficos (mal-estar, anorexia, febre, naúseas, dor
abdominal ou icterícia). Para além disso, a maioria dos doentes com infecção
crónica permanece assintomática durante anos. Está demonstrado que a maioria
(cerca de85%) das infecções agudas por VHC evolui para a cronicidade. Dos
doentes com infecção crónica, cerca de 25-30% têm doença assintomática, com
amino-transferases normais e, geralmente, lesões histológicas benignas. Cerca
de 70% dos doentes com infecção crónica por VHC desenvolve hepatite crónica
activa (definida com RNA vírico detectável no plasma com elevação da
aminotransferase da alanina (ALT)). A infecção crónica por VHC geralmente tem
um cur-so insidioso, com uma evolução lenta e progressiva, muitas vezes sem
sintomas nos primeiros vinte anos ou mais depois da infecção aguda. As
complicações decorrentes da infecção crónica são várias e incluem cirrose (que
ocorre em cerca de 10-20% dos doentes com infecção crónica durante um período
de 20 a 30 anos) e carcinoma hepatocelular (que ocorre em 1% a 5% dos doentes
ao ano, com infecção crónica durante um período de 30 anos). Não é ainda
possível saber quais dos doentes com infecção crónica vão desenvolver cirrose,
e daqueles com cirrose quais irão desenvolver doença hepática descompensada ou
carcinoma hepatocelular. A infecção por VHC está também associada a doenças
extra-hepáticas, como crioglobulinemia, glomerulonefrite membranosa, porfiria
cutânea tarda e anemia aplásica.1,2
A história natural da infecção por VHC pode ser influenciada pela presença de
vários co-factores, víricos e do hospedeiro, tais como: carga vírica, tipo de
lesão histológica hepática, coinfecção com o vírus da imunodeficiência humana
adquirida (VIH), ingestão de álcool, sexo masculino e idade.2
Factores de risco para a transmissão do vírus da hepatite C
Há vários factores de risco associados à infecção por VHC (Tabela_1). O VHC é
transmitido sobretudo através da exposição a sangue infectado, mas também
existe a possibilidade de transmissão através do contacto sexual ou transmissão
vertical. As pessoas com maior risco são aquelas com história de uso de drogas
endovenosas e aquelas que receberam hemoderivados e transplantes antes do
rastreio universal de dadores.6
Gravidez e hepatite C
A prevalência da infecção por VHC em mulheres em idade fértil é de cerca de 1%
(dados dos EUA). Cerca de dois terços terão infecção crónica com RNA vírico
detectável. Entre mulheres com co-infecção por VIH, a seroprevalência de VHC
varia de 17,1% a 54%.2 A gravidez não altera a evolução da infecção por VHC,
embora vários estudos tenham demonstrado descida (ou até normalização) dos
marcadores bioquímicos de citólise hepática (AST e ALT) durante a gravidez,
sobretudo no segundo e no terceiro trimestre. Isto pode ser explicado pela
hemodiluição que se verifica durante a gravidez, dado que os valores das
transamínases voltam aos valores verificados previamente à gravidez pouco tempo
depois do parto. No entanto, também pode ser possível que alterações na
resposta imune durante a gravidez possam ter um papel importante na interacção
hospedeiro-VHC. em contraste com a melhoria dos marcadores de citólise
hepática, foi demonstrado um aumento significativo da carga vírica do VHC
durante a gravidez (sobretudo no segundo e no terceiro trimestre), o que poderá
ser compatível com a imunossupressão fisiológica associada à gravidez. Depois
do parto, a carga vírica diminui novamente.1,2 de acordo com alguns estudos, a
hepatite C crónica activa está associada a um aumento da incidência de parto
pré-termo, restrição de crescimento intrauterino e de colestase da
gravidez.1,7,8,9,10 Um estudo recente demonstrou que o estado de portador de
VHC/VHB é um factor de risco para parto pré-termo, complicações relacionadas
com o parto (ruptura prematura de membranas, descolamento de placenta
normalmente inserida, indução do trabalho de parto e parto por cesariana) e
maiores taxas de mortalidade perinatal, malformações congénitas, baixo peso ao
nascimento e baixo Índice de Apgar ao 1º minuto (<7).11 Outros estudos não
demonstraram associação entre a infecção por VHC e a incidência de desfechos
obstétricos adversos.1,12 Quando há cirrose, a taxa de mortalidade materna está
aumentada. A maioria das doentes com hepatite C crónica não irá, no entanto,
desenvolver doença hepática terminal no seu período fértil.2 Fazer o rastreio
universal ou o rastreio com base em factores de risco na gravidez, é uma
questão que permanece controversa. Usar os factores de risco como método de
rastreio para infecção por VHC não vai detectar cerca de metade dos casos de
grávidas com infecção.1,2,14,15 Relativamente à realização de amniocentese em
mulheres infectadas por VHC parece não haver um aumento significativo do risco
de transmissão vertical, mas as grávidas devem ser alertadas para o facto de
haverem poucos estudos que avaliaram esta possibilidade.13
Vigilância pré-natal e aconselhamento das grávidas com hepatite C
Idealmente, os cuidados pré-natais deveriam começar numa consulta de pré-
concepção, com um médico com experiência no seguimento de grávidas com hepatite
C e outras doenças infecciosas. Nessa consulta deve ser discutida a história
natural da doença, as implicações da mesma na gravidez, as consequências para o
feto, o risco de transmissão vertical e as possibilidades terapêuticas. É
importante o aconselhamento das doentes no que diz respeito à evicção da
progressão da doença e à prevenção da transmissão do vírus.1,19
Na consulta de pré-concepção devem ser realizados uma história clínica e um
exame físico completos. É importante conhecer o estádio e o curso da doença, se
há complicações ou sinais de insuficiência hepática, a história médica prévia
(outras doenças hepáticas) e a história obstétrica (transfusões, colestase da
gravidez, síndrome de HELLP). Álcool e VHC têm efeitos sinergísticos e
independentes no risco de cirrose. Portanto, todas as doentes com infecção
crónica por VHC devem evitar a ingestão de álcool. Devem também evitar a toma
de fármacos potencialmente hepatotóxicos, incluindo produtos naturais. O
aconselhamento deve também realçar a importância do controlo de peso: quer a
obesidade quer a esteatose hepática (associada à obesidade) estão associadas à
progressão da doença hepática associada ao VHC. Devem igualmente ser
aconselhados a não fazer doação de sangue ou órgãos, a não partilhar escovas de
dentes, lâminas ou outros produtos de higiene pessoal que possam ter sangue e a
discutir com o parceiro sexual o baixo risco (mas não nulo) de transmissão
sexual e a necessidade de aconselhamento e despiste da doença. As pessoas com
infecção por VHC devem ser imunizadas contra a hepatite B e a hepatite A,
devido ao risco aumentado da co-infecção, incluindo a hepatite fulminante. Os
utilizadores de drogas, independentemente de terem ou não infecção por VHC,
devem ser aconselhados a parar a sua utilização e a entrar em programas de
desabituação. Se continuarem o uso de drogas, devem usar agulhas e seringas
estéreis e nunca partilhar o material usado na preparação da droga. As
recomendações dizem que os doentes com infecção por VHC com relações
monogâmicas não precisam de mudar as suas práticas sexuais e métodos de
barreira, como preservativos, não são necessários. Estes doentes devem
rastreados para outras doenças de transmissão sexual, incluindo o VIH.1,2,6,19A
terapêutica combinada para a doença (interferão e ribavirina) deve ser
descontinuada pelo menos 6 meses antes de o casal tentar engravidar; a
teratogenicidade da ribavirina está bem documentada, e nas situações de
exposição inadvertida, a interrupção médica de gravidez pode ser
considerada.1As mulheres com hepatite C crónica geralmente têm uma gravidez sem
intercorrências, desde que a doença hepática esteja estável e não tenha
progredido para cirrose. Como regra geral, uma doença hepática estável equivale
a uma gravidez sem problemas.1
As mulheres com conhecimento prévio da infecção devem consultar o seu médico
precocemente na gravidez. A avaliação precoce da saúde física em geral e da
função hepática identificarão as doentes que mais provavelmente irão beneficiar
de uma abordagem multidisciplinar. Dado que apenas 30% das doentes com infecção
crónica têm conhecimento dessa mesma infecção, esta poderá também ser uma boa
oportunidade de identificar casos de novo.1
É importante continuar a pesquisar factores de risco para infecção, dado que os
anticorpos anti-VHC não são protectores e a aquisição de novas estirpes pode
ocorrer, fazendo com que a implementação de estratégias de redução de risco
sejam importantes. para além da avaliação analítica habitual da gravidez, devem
também ser pedidos no 1º trimestre alguns exames específicos: transamínases
(ALT e AST), albumina, bilirrubina, estudo da coagulação (com INR e tempo de
protrombina), anticorpo anti-HBs, anticorpo anti-Hepatite A total ou IgG e PCR
para RNA do VHC. Durante a gravidez, os testes de função hepática, incluindo as
transamínases, devem ser pedidos em cada trimestre. Os valores de base podem
ser úteis para distinguir entre a disfunção hepática associada ao VHC e
patologias próprias da gravidez, como a pré-eclâmpsia, o síndrome de HELLP e a
colestase da gravidez. Será também importante pedir a carga vírica no 3º
trimestre, já que cargas víricas positivas estão associadas a maior risco de
transmissão vertical. As indicações para a avaliação ecográfica são semelhantes
à da população em geral. Não há recomendações específicas no que diz respeito à
vigilância do bemestar fetal. Geralmente não é necessária nenhuma restrição no
quotidiano da grávida com infecção por VHC. A referenciação a uma consulta de
gastrenterologia é recomendada, de modo a esclarecer o estádio da infecção,
para que a grávida possa receber orientações clínicas adequadas.1,16
Transmissão vertical
A altura exacta em que ocorre a transmissão do VHC é desconhecida. Os estudos
apontam para que a transmissão perinatal seja responsável pela infecção em 2/
3 dos recém-nascidos, mas em até 1/3 dos casos poderá haverinfecçãointra-
uterinaprecoce.2A transmissão perinatal do VHC em gémeos é discordante, sendo
mais frequente a infecção do 2º gémeo.16
Tal como no adulto, o diagnóstico de transmissão perinatal baseia-se na
determinação de anticorpos an-ti-VHC e na presença de RNA do VHC no sangue
periférico. Muitos dos recém-nascidos têm anticorpos anti-VHC, do tipo
imunoglobulina G, que são adquiridos passivamente por via transplacentar e que
são detectados até aos 18 meses de vida, fazendo com que a determinação de
anticorpos no recém-nascido tenha pouco valor. O RNA do VHC no sangue do cordão
umbilical como meio de confirmação de transmissão vertical está associado quer
a falsos positivos, quer a falsos negativos. Cerca de 70% das crianças
infectadas por via vertical terão uma PCR de VHC positiva ao mês de idade, e em
90%, aos 3 meses de idade.2
O diagnóstico de infecção da criança nascida de mãe VHC positiva é feito quando
é detectado RNA do VHC em duas amostras de sangue periférico compelo menos 3
meses de intervalo, depois de a criança ter pelo menos 3 meses de vida e/ou
pela detecção de anticorpos anti-VHC na criança depois dos 18 meses de
vida.1,2,18Há consenso em atrasar a realização da PCR até aos 3 meses de vida,
e se positiva, repetira os 6 meses de vida.2
A doença adquirida por via vertical é geralmente ligeira durante pelo menos os
primeiros 5 anos de vida e a infecção em crianças está associada a doença mais
ligeira do que a infecção em adultos.1,2Dado que a proporção de crianças
infectadas por VHC que tem resolução da infecção é superior àquela que se
verifica quando a0 infecção se dá na idade adulta, é aconselhado o seguimento a
longo prazo destas crianças, para determinar se a infecção resolveu ou, por
outro lado, progrediu.2
Factores de risco para transmissão vertical
Estima-se que a taxa de transmissão vertical seja de cerca de 5% na sua
globalidade, havendo vários factores associados a um aumento de risco de
transmissão da infecção por via vertical.1
Carga vírica materna
A carga vírica materna parece ser um determinante importante na transmissão
vertical do VHC. Em geral, quanto maior a concentração de RNA do VHC no sangue,
maior a probabilidade de transmissão vertical, embora nem todos os estudos
tenham demonstrado essa relação. Não foi estabelecido um título crítico a
partir do qual seja previsível a transmissão vertical, embora pareça que
concentrações de RNA superiores a 1x106cópias/ml estejam associadas a um
aumento de risco.2,7,19Se a grávida tem anticorpo anti-VHC positivo, mas RNA
vírico indetectável, o risco de transmissão é de cerca de 1 a 3%; se tem RNA
vírico detectável, o risco de transmissão é de cerca de 5 a 10%.2
Co-infecção VIH/VHC
A presença de co-infecção VIH/VHC está associada a um pior prognóstico de ambas
as doenças. A infecção VIH exacerba a história natural da infecção por VHC: há
maior taxa de evolução para cronicidade depois da infecção aguda, maiores
cargas víricas de VHC e mais rápida progressão da doença hepática relacionada
com o VHC. A doença hepática relacionada com o VHC vai continuar a ser uma
causa importante de admissão hospitalar e morte entre doentes com infecção VIH.
Doentes com VIH que adquirem infecção por VHC têm um maior risco de desenvolver
doença hepática progressiva e de progressão mais rápida para SIDA.1
A co-infecção comVIH está consistentemente associada a um aumento do risco de
transmissão perinatal do VHC. Pensa-se que isto seja resultado de um nível mais
alto de viremia materna nas grávidas co-infectadas com o VIH, como resultado da
imunossupressão mediada por este último. Por outro lado, o VIH facilita a
entrada e replicação do VHC nas células, um factor de risco para a transmissão
perinatal. O risco de transmissão vertical na co-infecção pode atingir os 30%.
A introdução da HAART como terapêutica para a infecção VIH, está associada a
uma redução do risco de transmissão vertical. Por que a HAART reduz a carga
vírica do VIH e melhora a imunossupressão associada, também pode afectar a
carga vírica do VHC. Os vários estudos existentes sugerem que a infecção VIH
nas grávidas com co-infecção VIH/ VHC deve ser tratada agressivamente com
terapêutica anti-retrovírica, de modo a reduzir o risco de transmissão vertical
não só do VIH, mas também do VHC.1,2,3,19,21,22,23
Via de parto
Actualmente, não há evidência que favoreça o parto por cesariana para prevenção
da transmissão vertical do VHC. Nas situações de co-infecção VIH/ VHC, a
cesariana, como medida de prevenção da transmissão perinatal, deve ser proposta
com base nas recomendações existentes para a infecção VIH e não deve ser
modificada pela presença de infecção por VHC.2,3,24,25
Factores obstétricos
Alguns estudos sugerem que a ruptura prolongada de membranas (superior a 6
horas) está associada a uma taxa mais elevada de transmissão vertical (há
apenas um que não o demonstra). A monitorização fetal interna com eléctrodos no
escalpe fetal ou a exposição do feto a sangue materno devido à ocorrência de
laceração vaginal ou perineal durante o parto, aumentam o risco de transmissão
perinatal. Não há associação entre a idade gestacional na altura do parto, a
presença de corioamnionite ou o genótipo do VHC e o risco de transmissão
vertical.2,3,19
Sexo fetal
Num estudo europeu recente, os fetos do sexo feminino apresentavam um risco de
infecção 2 vezes superior (OR 2.07, IC 95% 1,23-3.48) ao dos fetos do sexo
masculino.2,18
Amamentação
A amamentação não é considerada um factor de risco para a transmissão vertical
do VHC. Embora o VHC possa ser detectado no colostro e no leite materno, a
quantidade de RNA do VHC é demasiado pequena para infectar o recém-nascido, e a
pequena quantidade de vírus é facilmente inactivada pelas secreções gástricas.
A segurança da amamentação depende da integridade dos mamilos (ausência de
mamilos traumatizados, com fissuras ou com hemorragia), não havendo nesta
situação aumento do risco de transmissão perinatal do VHC. Assim, em mulheres
com infecção por VHC (e sem infecção VIH), não parece haver risco aumentado de
transmissão. Para as mulheres com co-infecção VIH/VHC, as recomendações acerca
da amamentação devem ser baseadas nas recomendações actuais para a infecção
VIH, independentemente da infecção por VHC, que recomendam a evicção da
amamentação.1,2,3,19
Tratamento durante a gravidez
Actualmente não há nenhum tratamento seguro para a infecção por VHC durante a
gravidez. O tratamento com os fármacos de primeira linha, o interferão a
peguilado e a ribavirina, não pode ser feito durante, ou nos 6 meses prévios à
gravidez. O interferão a peguilado está contraindicado na gravidez e em
crianças com menos de 2 anos de idade, como resultado de potencial
neurotoxicidade. A ribavirina pelo risco de teratogenicidade, é uma droga da
categoria X.2,3É importante excluir gravidez, quer quando é a própria que vai
iniciar tratamento, quer quando é a parceira de um homem que vai iniciar
tratamento. Assumindo que é excluída gravidez, o objectivo é evitar a mesma
durante todo o tratamento e pelo menos até 6 meses após a sua conclusão. As
recomendações indicam a utilização de dois meios contraceptivos eficazes. A
contracepção deve ser utilizada mesmo em situações em que a gravidez é apenas
remotamente possível, como é o caso da laqueação tubar e da vasectomia.26
Cuidados ao recém-nascido e à puérpera
Após o nascimento, e se o recém-nascido estiver estável, deve ser realizado o
banho imediato. A administração da vitamina K por via intramuscular deve ser
realizada posteriormente, após remoção do sangue materno pelo banho do recém-
nascido. Nos cuidados ao recém-nascido devem ter-se em conta regras universais:
a manipulação com luvas durante os banhos, nas colheitas de sangue e na
administração de vacinas. A puérpera deve manter as rotinas na prestação de
cuidados ao recém-nascido e o uso de luvas, máscaras ou cuidados extra de
esterilização não são necessários. O VHC é um patogénio presente no sangue, não
sendo transmitido pelas fezes ou pela urina. Não há contra-indicação para o
aleitamento materno, excepto nas situações de co-infecção VIH. Deve promover-se
a integridade dos mamilos.1,2,3,27
O recém-nascido deve ser orientado para uma consulta de pediatra antes da alta,
para seguimento e diagnóstico da infecção. Embora seja pouco provável que o
diagnóstico precoce da transmissão vertical altere a abordagem ou o curso da
doença, este pode reduzir a ansiedade familiar sobre a possibilidade de
infecção, sendo particularmente útil quando o seguimento da criança não pode
ser assegurado.27,28
Devem ser discutidas com a puérpera as medidas básicas de higiene e os cuidados
a ter com produtos biológicos potencialmente infectados, nomeadamente o sangue.
No puerpério imediato, altura em que os lóquios são mais abundantes, poderá ser
útil a puérpera ter um WC de uso individual.1
Contracepção na mulher com hepatite C
Não há contra-indicação para a utilização de métodos de barreira ou de
dispositivos intra-uterinos. Os casais com relações monogâmicas estáveis devem
ser informados que a transmissão por via sexual é rara. Na mulher que tenha
múltiplos parceiros sexuais, o uso do preservativo deve ser encorajado. Os
contraceptivos apenas com progestativo são adequados. Os contraceptivos
combinados com estrogénios e progestativos também podem ser prescritos à
maioria das mulheres com hepatite C crónica, com excepção daquelas com cirrose
e/ ou insuficiência hepática, situações em que pode haver alteração do
metabolismo hepático. Os contraceptivos com estrogénios e progestativos não
são, no entanto, escolhas de primeira linha.1,29,30
Prescrição de fármacos na grávida com hepatite C
O metabolismo de muitos fármacos depende de uma função hepática adequada. A
avaliação da função hepática é necessária, de modo a que ajustes terapêuticos
da dose do fármaco possam ser realizados. No entanto, isto não é sempre linear,
na medida em que não há nenhum teste que meça de forma exacta a função
hepática. A cirrrose e a hepatite crónica podem ser causa de diminuição do
metabolismo dos fármacos e de alterações na disponibilidade sistémica, com
alterações da concentração plasmática dos mesmos. Fármacos com uma janela
terapêutica pequena podem acumularse e causar toxicidade em doentes com doença
hepática.31,32
Drogas com uma janela terapêutica pequena que são extensamente metabolizadas a
nível hepático devem ser evitadas (p. ex: petidina, usada frequentemente no
trabalho de parto) ou usadas com cautela (p. ex: morfina e teofilina) em
doentes com doença hepática crónica.31,32Noutras situações, pode ser necessário
aumentar o intervalo entre as doses ou diminuir a dose total do fármaco (p. ex:
limitar acetaminofeno a 2 g/ dia).31,32
Assim, é necessário o conhecimento do metabolismo dos fármacos excretados pelo
fígado, juntamente com uma monitorização apertada do aparecimento de efeitos
adversos relacionados com toxicidade do fármaco.31,32
Conclusões
O VHC é transmitido através da exposição a sangue infectado, contacto sexual ou
transmissão vertical.
A taxa de transmissão vertical nas grávidas com VHC e RNA vírico indetectável é
de cerca de 1-3%. A taxa de transmissão vertical nas grávidas com VHC e RNA
positivo é de cerca de 5-10%. Do ponto de vista da transmissão vertical não há
nenhum titulo crítico de RNA do VHC que tenha sido estabelecido, embora esteja
descrito na literatura um maior risco com carga vírica superior a 1x106cópias/
ml. Não há nenhum tratamento específico aprovado para o tratamento da infecção
durante a gravidez.
A gravidez não altera a evolução da infecção por VHC. De acordo com alguns
estudos, a hepatite C crónica activa está associada a um aumento de desfechos
obstétricos adversos, como parto pré-termo, restrição de crescimento intra-
uterino e colestase da gravidez. Outros estudos não demonstraram associação
entre a infecção por VHC e a incidência de desfechos obstétricos adversos.
Os cuidados pré-natais devem começar numa consulta de pré-concepção, com
aconselhamento e recomendações acerca da adopção de comportamentos para evitar
a transmissão da doença, para minimizar a progressão da doença e evitar
complicações decorrentes da mesma. Na gravidez devem também ser pedidos no 1º
trimestre alguns exames específicos: transamínases (ALT e AST), albumina,
bilirrubina, estudo da coagulação (com INR e tempo de protrombina), anticorpo
ati-HBs, anticorpo anti-Hepatite A total ou IgG e PCR para RNA do VHC. Será
também importante pedir a carga vírica no 3º trimestre, já que cargas víricas
positivas estão associadas a maior risco de transmissão vertical. As indicações
para a avaliação ecográfica serão semelhantes à da população em geral. Até à
data, não são conhecidas medidas eficazes para a diminuição da transmissão
vertical, sendo, contudo, de evitar monitorização fetal interna e a ruptura
artificial de membranas durante o trabalho de parto. A co-infecção com o VIH
aumenta o risco de transmissão vertical do VHC, mas a HAART pode reduzir
significativamente esse risco. Nas grávidas sem infecção VIH, a via de parto
não influencia a transmissão vertical. Nas grávidas com co-infecção VIH/ VHC, a
via de parto é decidida de acordo com as recomendações para o VIH. Não há
associação entre a transmissão vertical do VHC e a idade gestacional no parto
ou a presença de corioamnionite. O uso de elétrodos do escalpe fetal está
associado a um aumento de risco, e, por isso, o seu uso é desencorajado.
Relativamente à ruptura de membranas, os dados não são consensuais. Parece que
na ruptura de membranas com duração superior a 6 horas o risco de transmissão
vertical aumenta. Não há evidência de aumento de risco de transmissão vertical
em mulheres que amamentam. Nas grávidas com co-infecção VIH/VHC é
desaconselhada a amamentação nas mulheres com acesso a fórmulas lácteas.
Relativamente ao risco de transmissão vertical e realização de amniocentese, os
dados existentes até à data são escassos.
O diagnóstico da transmissão vertical na criança é feito através da detecção no
sangue da criança de RNA do VHC em 2 determinações, com intervalo de 2-3 meses
e depois do recém-nascido ter pelo menos 3 meses de idade, e/ou pela detecção
de anticorpos anti-VHC na criança depois dos 18 meses de idade.