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EuPTCVHe0871-34132012000200001

EuPTCVHe0871-34132012000200001

variedadeEu
Country of publicationPT
colégioLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0871-3413
ano2012
Issue0002
Article number00001

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Intoxicação Alcoólica Aguda num Serviço de Urgência Pediátrico: revisão de 3 anos

INTRODUÇÃO O consumo excessivo de álcool é um problema importante na nossa sociedade, em especial entre os adolescentes. A adolescência é um período caracterizado pela adopção de comportamentos de experimentação e de grande susceptibilidade aos grupos de pares, potenciando o consumo de substâncias tóxicas, nomeadamente o álcool. O consumo excessivo de álcool associa-se a comportamentos de risco e anti-sociais pelo que deve ser considerado um problema grave de saúde pública1- 4.

O etanol é responsável por 5% do total de intoxicações em Pediatria, principalmente a partir dos 13 anos5. Nos adolescentes, a intoxicação alcoólica aguda (IAA) é geralmente voluntária, com fins recreativos, associada a consumos esporádicos e intensos, fora de casa e com os pares, durante o fim-de-semana6.

O consumo de álcool pode associar-se ao de outros tóxicos legais ou ilegais6. A apresentação clínica de uma IAA é muito variável, podendo manifestar-se como sintomatologia ligeira (disartria e labilidade emocional) ou grave (coma, hipotensão) 1,3,6. As manifestações clínicas nos casos de IAA são dose dependente, podendo as taxas de alcoolemia superiores a 5g/L estar associadas a morte4.

Apesar das observações urgentes por IAA em idade pediátrica serem cada vez mais frequentes, não foi possível identificar nenhum estudo de admissões por IAA em SUP em Portugal. É fundamental o conhecimento das características dos adolescentes observados por IAA por parte dos Pediatras para uma actuação mais uniforme e eficiente ao nível do serviço de urgência. O objectivo deste trabalho é caracterizar o perfil e as circunstâncias dos adolescentes observados por IAA num serviço de urgência pediátrico.

MATERIAL E MÉTODOS Estudo observacional (retrospectivo) dos adolescentes observados por IAA no período de 1 de Janeiro de 2007 a 31 de Dezembro de 2009 (3 anos) num serviço de urgência pediátrico num Hospital de um centro urbano. Definiu-se IAA como a presença de um ou mais dos seguintes sintomas ou sinais: hálito etílico, disartria, verborreia, ataxia, coma, em contexto de consumo alcoólico agudo.

Foram excluídos os casos de intoxicação acidental. As variáveis analisadas foram: idade, sexo, mês, dia laborais/dia festivo, horário de admissão, tipo de bebidas, internamento, complicações (hipoglicemia- glicemia capilar <60mg/dL, hipotermia ' temperatura corporal <35ºC, hipotensão ' tensão arterial sistólica <90mmHg e diastólica<60mmHg), exames complementares de diagnóstico (nível de alcoolemia, pesquisa de drogas de abuso na urina), tratamento e destino após alta.

Os dados foram analisados com o programa estatístico SPSS 17.0. A normalidade da distribuição das variáveis foi testada com o teste de Kolmogorov-Smirnov.

Foram utilizados, quando apropriado, testes não paramétricos: teste de correlação de Spearman e Qui-quadrado. Os valores de p<0,05 foram considerados significativos.

RESULTADOS Foram observados 60 casos de IAA durante os 3 anos do estudo (2007 -12 casos, 2008 ' 20 casos e 2009 ' 28 casos), sem variação das idades de admissão ao longo do tempo. Dois adolescentes foram observados duas vezes por IAA durante o período do estudo. A distribuição do número de casos ao longo dos meses e dos anos está representada na figura_1, evidenciando picos em Março, Dezembro e nos meses de Verão.

A mediana da idade foi de 15,0 anos (P25-75: 14,0-16,0), com um ligeiro predomínio do sexo masculino (53,4%). Nas idades mais precoces (? - 15,0; P25- 75: 14,0-15,0 vs ? - 15,5; P25-75: 15,0-16,0; p=0,003), a IAA foi significativamente mais prevalente nas raparigas. A figura_2 mostra a distribuição dos casos de IAA segundo o sexo e a idade.

Trinta e cinco casos (58,3%) ocorreram em dias festivos e 25 casos em dias laborais. Trinta e nove (65%) das admissões ocorreram no período nocturno (entre as 21h e as 8h). A figura_3 mostra a distribuição dos casos de acordo com o dia e a hora de admissão.

O tipo de bebidas ingeridas foi identificado em 41 casos (68,3%), sendo as bebidas de alta graduação (whisky, vodka, shots) as mais frequentemente consumidas (73,2%).

À admissão no SU, a mediana da pontuação da Escala de Coma de Glasgow foi de 14 (mínimo 7; P25-75: 11-15anos). O internamento na Unidade de Internamento de Curta Duração foi efectuado em 42 casos (70%), com uma duração sempre inferior a 24 horas. A mediana da pontuação da Escala de Coma de Glasgow nos adolescentes internados (15,0; P25-75: 15,0-15,0) foi significativamente inferior aos não internados (13,0; P25-75: 10,25-15,0; p=0.005).

Verificaram-se 5 casos (8,3%) de hipotermia. Em 2 casos, verificou-se hipotensão. Não se identificaram casos de hipoglicemia.

A pesquisa de níveis de etanol no sangue foi realizada em 3 adolescentes, todos com valores superiores a 1,5g/L.

A pesquisa de drogas de abuso na urina foi realizada em 37 casos (61,7%), sendo positiva em três para cannabis.

Nos 42 casos internados foi efectuada fluidoterapia endovenosa. Em 2 casos de hipotensão grave foi necessária terapêutica de suporte com aminas. Nas situações de hipotermia foi efectuado aquecimento físico com cobertores aquecidos.

Após a alta, a orientação mais frequente foi para o Médico Assistente (60,3%), seguida da Consulta de Medicina do Adolescente (25,8%) e Consulta de Pedopsiquiatria (5,2%). Em 5 casos, desconhece-se a orientação após a alta.

DISCUSSÃO O estudo documentou o consumo excessivo de álcool entre os adolescentes como um problema emergente da sociedade actual, traduzido pelo aumento da prevalência da IAA e em idades cada vez mais precoces.

Quando analisado o número de casos por sexo, não foi verificada diferença estatisticamente significativa. No entanto, quando estratificados os casos pela idade, constatou-se um franco predomínio do sexo feminino nas idades mais precoces, ao contrário da maioria dos estudos1-3. Este facto pode ser justificado pelo desenvolvimento mais precoce das raparigas e, consequentemente, saídas mais precoces com os pares, associado à imaturidade do metabolismo hepático.

Observou-se, também, um predomínio de admissões nos dias festivos e no período nocturno, coincidindo com o maior números de saídas dos adolescentes para bares e discotecas, onde é mais fácil o acesso às bebidas alcoólicas1,2,7. Como é demonstrado na figura_3, verificou-se uma relação evidente entre as admissões diurnas e os dias laborais, provavelmente relacionado com o consumo de álcool em meio escolar / à saída da escola.

Nos casos em que foi possível a sua identificação, as bebidas mais frequentemente consumidas foram as de alta graduação, tal como previamente demonstrado1,8. Atendendo à legislação actualmente em vigor no nosso país que proíbe a venda de bebidas alcoólicas a menores de 18 anos, é preocupante a facilidade com que os adolescentes têm acesso a estas bebidas.

No nosso hospital, a maioria dos adolescentes foi internada na Unidade de Internamento de Curta Duração para vigilância de possíveis complicações e recuperação completa do estado de consciência. De notar, apesar do número reduzido de adolescentes que não foram internados, uma relação estatisticamente significativa entre a gravidade (definida pela pontuação na Escala de Coma de Glasgow) e o internamento.

As complicações agudas da IAA foram relativamente raras, não sendo descrito nenhum caso de hipoglicemia e apenas 5 casos de hipotermia. A inexistência de qualquer caso de hipoglicemia pode ser explicada pelo facto de estes serem consumos esporádicos e esta ser uma complicação mais frequente no alcoolismo crónico. De salientar 2 casos de hipotensão grave com necessidade de fluidoterapia e suporte aminérgico.

Neste estudo, a pesquisa de níveis de etanol no sangue foi realizada numa amostra reduzida devido às limitações técnicas do serviço, não sendo possível retirar conclusões com significado estatístico. O consumo concomitante de outras drogas de abuso é uma situação frequente e descrita em vários outros estudos6,9. Foram apenas identificados três casos de consumo concomitante de cannabis na amostra estudada.

A orientação dos adolescentes admitidos no SU por IAA após a alta é um aspecto fundamental da actuação com o objectivo de evitar a reincidência do consumo, as readmissões e contextualizar o consumo na avaliação global do adolescente.

Apesar de, no nosso estudo, os adolescentes terem sido maioritariamente orientados para o Médico Assistente, desde a criação da Consulta de Medicina do Adolescente em 2009, a maioria dos adolescentes passou a ser orientada para esta consulta, o que permitiu uma reavaliação posterior, em meio hospitalar, com o despiste de problemas médicos e sociais associados assim como de outros factores/comportamentos de risco.

A principal limitação deste estudo é devida ao desenho retrospectivo do mesmo.

O carácter retrospectivo do estudo limita a qualidade da informação, nomeadamente a inexistência de critérios uniformes entre os elementos da equipa médica que atendem os adolescentes, bem como a falta de algumas informações / imprecisões relativamente aos dados analisados. Outra limitação deste trabalho está relacionada com a população alvo (adolescentes alcoolizados), o que dificulta a anamnese.

CONCLUSÕES As observações urgentes por IAA em idade pediátrica estão a tornar-se cada vez mais frequentes na sociedade actual, pelo que é fundamental os Pediatras conhecerem as características dos adolescentes com IAA para uma actuação mais uniforme e eficiente ao nível do serviço de urgência. O perfil do indivíduo que recorre ao SU por IAA é um adolescente admitido maioritariamente no período nocturno e em dias festivos, com consumo de bebida de elevada graduação e cujas complicações são relativamente raras.


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