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EuPTCVHe0871-34132012000200003

EuPTCVHe0871-34132012000200003

variedadeEu
Country of publicationPT
colégioLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0871-3413
ano2012
Issue0002
Article number00003

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Síndroma de leriche num doente infectado pelo vih

INTRODUÇÃO Foi demonstrada uma elevada prevalência de doença coronária nos doentes infectados pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (VIH), que se torna um problema de importância crescente, com a maior sobrevida proporcionada pela terapêutica anti-retrovírica (1,2). A doença coronária nestes pacientes relaciona-se com factores de risco tradicionais, possíveis efeitos do vírus, e alterações metabólicas produzidas pela terapêutica anti-retrovírica, em especial os inibidores da protease (IP) (3). O panorama está menos bem estudado no que toca à doença arterial periférica (DAP), mas vários estudos têm mostrado que a prevalência de aterosclerose nos doentes infectados pelo VIH pode ser superior à dos doentes com características semelhantes não infectados (4).

A Síndroma de Leriche, devida à oclusão arterial aortoiliaca, caracteriza-se por claudicação dos glúteos, coxas e região gemelar, estando frequentemente associada a impotência sexual masculina (5).

DESCRIÇÃO DO CASO Um homem de 40 anos dependente de heroína por via intravenosa nos últimos seis anos foi referenciado em 2006 à Consulta de Medicina Interna do Hospital de Vila Real por infecção pelo VIH tipo 1. Apresentava também infecção crónica pelo Vírus da Hepatite C e tabagismo (40 unidades maço-ano). Negava hipertensão arterial, diabetes e dislipidemia. Referia dor na região lombo-sagrada, dor e diminuição de força nos membros inferiores e parestesias na região perineal, que se acentuavam com a marcha. Negava febre ou sudorese, mas tinha anorexia, astenia e perda de peso alguns meses (não quantificada). Ao exame físico, apresentava-se emagrecido, com peso 55 Kg, altura 1.70 m; os sinais vitais eram normais (TA membro superior: 135/80 mmHg; TA membro inferior: 130/80 mmHg; Fc: 80 bpm); na pele dos membros superiores e inferiores tinha sequelas de cauterização de trajectos venosos relacionadas com o uso de drogas por via injectável; não apresentava adenopatias; a auscultação cardíaca e pulmonar era normal; o abdómen era normal à palpação e sem sopros à auscultação; no exame neurológico observava-se hipoestesia nos membros inferiores e no períneo; não apresentava fasciculações nem atrofia muscular. Admitiu-se a possibilidade de síndrome da cauda equina e foram solicitadas electromiografia (EMG), radiografias da coluna e Ressonância magnética nuclear (RMN) da espinal medula.

As análises de sangue não revelaram alterações do hemograma, coagulação e bioquímica, salvo discreta elevação das transaminases (AST: 45U/L, [normal entre 12-28 U/L]; ALT: 55U/L, [normal entre 7-41 U/L] e da aldolase (9,0 U/L, [normal entre1,5-8,1 U/L]; a velocidade de sedimentação (VS) era 35 mm (normal <15 mm); a contagem de linfócitos T CD4+ era 443/mm3 e a carga vírica do VIH era igual a 105.000 cópias RNA/ml. A EMG mostrou alterações sugestivas de polineuropatia sensitivo-motora. O doente não realizou os outros exames solicitados e faltou subsequentemente a repetidas convocatórias. Foi reavaliado mais de dois anos depois (2008), altura em que foi admitido no hospital por infecção respiratória e emagrecimento.

Estava integrado num programa de substituição de opiáceos por metadona.

Analiticamente apresentava hemoglobina 10.2 g/dl, leucócitos 2.700/mm3 (neutrófilos 55%, linfócitos 33%, monócitos 9.6%), plaquetas 238.000/mm3 (150.000-450.000/mm3) e a VS de 80 mm (<15 mm). Nessa altura a contagem de CD4+ era 128/mm3 e a carga vírica do VIH 282.000 cópias/ml. O colesterol total era de 186 mg/dl ( < 200 mg/dl), as fracções HDL e LDL respectivamente 25.3 mg/dl (>40 mg/dl) e 89.1 mg/dl (<100 mg/dl), e os triglicerídeos 358 mg/dl (<150 mg/ dl). Do ponto de vista respiratório o doente melhorou rapidamente com amoxicilina / ácido clavulânico. Excluiu-se tuberculose. Iniciou-se terapêutica anti-retrovírica combinada com zidovudina, lamivudina e nevirapina. Em avaliação posterior o doente referiu a persistência de dor ao nível da região pélvica e glútea, associada a parestesias e disestesias na região perineal, com sensação como se fosse de borracha, sic e com cerca de dois anos de evolução.

Apresentava nesta altura claudicação intermitente para distâncias inferiores a 50 m. Quando questionado o doente admitiu que tinha impotência sexual cerca de três anos. Na avaliação clínica dos pulsos arteriais periféricos constatou- se que as artérias femorais eram como tubos rígidos sem pulsatilidade, e os pulsos distais eram dificilmente palpáveis, embora não apresentasse sinais de isquemia.

A tomografia axial computorizada (TAC) abdominopélvica contrastada mostrou extensas calcificações ateromatosas da aorta infra-renal e da porção proximal das ilíacas, invulgares no grupo etário, sugestivas de estenose aórtica significativa (Fig._1 e 2).

Estes achados foram confirmados por Ecodoppler, que mostrou alterações sugestivas de oclusão da aorta abdominal e a presença de circulação colateral.

Na sua porção distal as artérias ilíacas apresentavam permeabilidade, tal como as artérias femorais comuns, superficiais e profundas e poplíteas, embora com fluxo de tipo parvus tardus com acentuada diminuição da amplitude da velocidade do pico sistólico.

O doente foi medicado com clopidogrel e pentoxifilina, além de manter a terapêutica combinada de zidovudina, lamivudina e nevirapina e a profilaxia de infecções oportunistas com cotrimoxazol. Foi prontamente referenciado à consulta de Cirurgia Vascular do hospital central de referência ( qual?), onde foi submetido a revascularização aorto-bifemoral com prótese de Dacron após realização de aortografia que mostrou doença aórtica oclusiva justa-renal com reabilitação femoral bilateral, e ainda oclusão da artéria mesentérica inferior. O pós-operatório decorreu sem complicações e o paciente teve notável recuperação da sua sintomatologia, apenas persistindo certo grau de disfunção eréctil. Teve altamedicado com a mesma terapêutica de ambulatório.

Infelizmente, revelou sempre adesão à consulta e à terapêutica anti- retrovírica e abandonou seguimento. Nota: na preparação deste manuscrito, esteve internado no nosso hospital por pneumonia por Pneumocystis jiroveci, que evoluiu favoravelmente. Apresentava candidíase oral e a contagem de CD4+ era de apenas 33 /mm3. Do ponto de vista vascular encontrava-se assintomático. Foi medicado com tenofovir, emtricitabina, efavirenz e cotrimoxazol. Compareceu a consulta programada.

DISCUSSÃO Com a introdução da terapêutica anti-retrovírica de alta eficácia (HAART) diminuíram de forma drástica a mortalidade e a morbilidade associadas às infecções oportunistas, permitindo a muitos doentes uma sobrevida longa e melhor qualidade de vida (2). Como contraponto, tem-se assistido a uma prevalência crescente de doenças cardiovasculares nesta população (1;3). Embora se admita haver alguma participação do vírus em si na patogénese da aterosclerose, esta tem sido relacionada sobretudo com factores de risco tradicionais e uma complexa rede de alterações metabólicas produzidas pela própria terapêutica anti-retrovírica, em especial por regimes baseados em inibidores da protease (6 - 11).

A doença arterial periférica (DAP) parece ter prevalência aumentada nos doentes infectados pelo VIH relativamente a doentes de grupos de controlo, o que tem sido posto em evidência com estudos de aterosclerose subclínica avaliada pela medição ultrassonográfica da espessura das camadas íntima e média (IM) da carótida (7,12,13,14,15,16). Embora alguns estudos tenham mostrado uma maior progressão da doença arterial em doentes infectados pelo VIH relativamente a um grupo de controlo (14,17), outros não o confirmaram (18,19). Um trabalho desenhado para minimizar vieses relacionados com factores de risco tradicionais não encontrou diferenças em ambos os grupos ao fim de quase três anos (18).

Contudo, noutro estudo recente em doentes infectados pelo VIH que utilizou como método de detecção de DAP o índice de pressão arterial tornozelo-braço (Ankle- Brachial blood pressure Index, ABI), previamente validado, constatou-se uma prevalência de DAP de 20.7%, elevada comparativamente com a prevalência na população geral que ronda os 3% aos 60 anos (17). Nesta coorte de 92 doentes, com mediana de 49.5 anos de idade, os autores consideraram haver doença arterial se o ABI em repouso fosse <0.90 ou se após o exercício mostrasse uma redução de pelo menos 25%. Todos os doentes que cumpriam um destes critérios foram posteriormente submetidos a estudo por Duplex scan (ultrassonografia que permite obtenção de imagem artificial colorida do fluxo sanguíneo) da aorta abdominal e artérias dos membros inferiores, para confirmar e localizar as lesões. Constatou-se que todos os doentes com ABI em repouso <0,90 o Duplex scan mostrou doença aterosclerótica das artérias ilíacas e femorais (17). Alta prevalência de aterosclerose subclínica foi também demonstrada noutro ensaio, que estudou, através da medição ultrassonográfica da espessura das camadas IM da carótida, o papel da HAART em infectados pelo VIH estratificados segundo os critérios de Framingham por grupos de risco cardiovascular muito baixo, baixo, e moderado a alto (20). Observou-se aterosclerose carotídea subclínica em 26.6%, 35.3% e 76.5%, respectivamente. A exposição à HAART foi um factor predictivo independente de aterosclerose carotídea em todos os grupos (20).

Admite-se que a infecção pelo VIH per se possa ter alguns efeitos na patogénese da aterosclerose, resultando em disfunção endotelial. Um estudo muito recente comparando a espessura IM da carótida de um grupo de indivíduos infectados pelo VIH não-progressores de tipo elite (imunidade preservada e cargas víricas espontaneamente baixas, mesmo indetectáveis) com a de um grupo de pessoas não infectadas e de resto sem outras diferenças, nomeadamente quanto a factores de risco vascular, mostrou um aumento significativo no primeiro grupo. Este achado leva a concluir que existe responsabilidade da própria infecção no processo aterosclerótico (22). antes foi demonstrado que doentes não tratados apresentam aumento dos marcadores de activação endotelial, como moléculas de adesão intercelular (ICAM-1) ou vascular (VCAM-1) e o factor de Von Willebrand, e que os níveis destes marcadores diminuem com a instituição da terapêutica anti-retrovírica (23). Por outro lado, existe evidência de que a proteína Tatdo VIH pode promover a secreção pelos monócitos de uma proteína quimioatractiva (MCP-1), que desempenha um papel importante no desenvolvimento da aterosclerose (24,25).

Para destes aspectos específicos, tal como na população em geral, também nos pacientes infectados pelo VIH a prevalência de DAP, evidenciada através da medição da espessura das camadas íntima e média da carótida, é maior em presença dos factores de risco tradicionais, como a idade, a relação aumentada do perímetro cintura-anca, o tabagismo, a hipertensão, a hipercolesterolemia e o consumo do álcool (21).

CONCLUSÃO Casos de Síndrome de Leriche têm sido descritos em doentes infectados pelo VIH, em geral em tratamento anti-retrovírico (5,26). O nosso caso constitui um exemplo de doença arterial grave e prematura num doente jovem com infecção pelo VIH e sem experiência prévia quanto a terapêutica anti-retrovírica. Poderão ter contribuído para a sua ateromatose oclusiva, a elevada carga tabágica e a dislipidemia, além da própria infecção pelo VIH.

A Síndroma de Leriche, devida à oclusão arterial aortoilíaca, caracteriza-se por claudicação dos glúteos, coxas e região gemelar, estando frequentemente associada a impotência sexual masculina (5).

O caso que descrevemos ilustra a importância de uma história clínica detalhada e de um exame físico adequado (no qual se destaca a avaliação dos pulsos periféricos) para o reconhecimento pronto de uma grave doença arterial.

Enfatizamos ainda a utilidade de métodos complementares não invasivos, como o ecodoppler, para o diagnóstico precoce de doença aterosclerótica, nomeadamente em indivíduos com infecção pelo VIH.


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