Efeitos Auditivos em Doentes com Tumores de Cabeça e Pescoço e Tumores
Cerebrais sujeitos a Radioterapia e Terapia Combinada
INTRODUÇÃO
A perda auditiva no adulto pode causar uma série de mudanças psicossociais, uma
vez que, a deficiência auditiva e as dificuldades associadas à compreensão da
fala prejudicam a convivência do indivíduo (1-3). A capacidade auditiva no
doente oncológico de cabeça e pescoço e de tumores cerebrais pode ser perdida
ou deteriorada devido aos inúmeros tratamentos a que estão sujeitos.
Os tumores que surgem na região da cabeça e pescoço são classificados de acordo
com as zonas anatómicas. Estas zonas incluem a cavidade oral, orofaringe,
cavidade nasal, nasofaringe, seios perinasais, hipofaringe, lábio, laringe,
glândulas salivares e glândula tiróide. O local mais atingido é a cavidade
oral, correspondendo a cerca de 30% dos cancros dessa região. Os pacientes que
têm estes tipos de tumores necessitam de tratamento, que pode passar por
cirurgia, quimioterapia e/ou radioterapia (3-5).
A radioterapia e a quimioterapia antineoplásica costumam ser associadas no
tratamento de tumores. Esta combinação, pode proporcionar uma vantagem em
termos do controlo do tumor, mas também pode produzir uma toxicidade local
aumentada. Quando o paciente é submetido ao tratamento combinado, há maior
probabilidade de ocorrer perda auditiva, ao contrário do que acontece com o uso
isolado de um tratamento. A ototoxicidade dos medicamentos juntamente com a
radiação, podem levar a perdas auditivas profundas, irreversíveis, precoces ou
tardias, comprometendo assim, a qualidade de vida do paciente (3,6-8).
São consideradas drogas ototóxicas os aminoglicosídeos, a carboplatina, a
vincristina, a cisplatina, entre outras (1,2). A cisplatina, descoberta por
Rosemberg (1965), é actualmente utilizada com grande eficácia no tratamento de
tumores de cabeça e pescoço. Um dos seus efeitos colaterais é a degeneração das
células ciliadas da região basal da cóclea, embora toda a cóclea possa ser
afectada, tal como a estria vascular, o gânglio espiral e o nervo auditivo (8-
12).
Em relação à radioterapia, é necessário ter em conta que devido à elevada
complexidade anatómica da região de cabeça e pescoço, é difícil evitar a
inclusão de determinadas estruturas no campo de tratamento. As doses recebidas
por algumas dessas estruturas, pode até ser maior que as debitadas ao próprio
tumor, o que pode implicar alguns danos, dependendo do seu grau de
sensibilidade. O labirinto, como se localiza na zona temporal da cabeça, pode
receber radiação mesmo não sendo o órgão alvo, podendo provocar consequências
agudas ou crónicas ao paciente (11,13,14).
O objectivo deste estudo foi explorar a relação entre as terapêuticas
utilizadas nos tratamentos de tumores de cabeça e pescoço e tumores cerebrais e
os possíveis efeitos adversos na audição, tendo em consideração a inclusão das
estruturas do ouvido no campo de tratamento e o agente químico cisplatina.
MÉTODOS
Foram acompanhados os tratamentos de 31 doentes com tumores de cabeça e pescoço
e tumores cerebrais seguidos no Instituto Português de Oncologia do Porto
(IPO), após aprovação e autorização da realização do estudo pela Comissão de
Ética da mesma instituição. Um grupo de 15 doentes fez terapia combinada com
cisplatina (grupo TC) e o segundo grupo, de 16 doentes, um tratamento que
consistiu unicamente em radioterapia (grupo RT). A todos foi efectuado um
protocolo de avaliação auditiva (anamnese audiológica, otoscopia e audiometria
tonal) antes de iniciar o tratamento (M1), no fim (M2) e um mês após (M3) os
tratamentos. Todos os doentes assinaram um consentimento informado prévio, para
eventual processamento dos dados para fins de diagnóstico e investigação.
Os equipamentos necessários para a execução dos exames audiológicos, que
possibilitaram a realização do estudo foram gentilmente cedidos pelo
Laboratório da Área Técnico-Científica de Audiologia da Escola Superior de
Tecnologia da Saúde do Instituto Politécnico do Porto (ESTSP-IPP), dos quais
constaram: um otoscópio (Heine 2000®), e um audiómetro clínico (Amplaid®).
A cada doente foi primeiramente realizada uma anamnese audiológica que visou
averiguar a existência prévia de sintomas otológicos e vestibulares.
Posteriormente realizou-se a otoscopia para despistar afecções do canal
auditivo externo e membrana timpânica e realizada a avaliação audiológica
constituída por um audiograma tonal simples (na qual foram testadas as
frequências 250, 500, 1000, 2000, 4000 e 8000Hz, utilizando o método
ascendente). Este protocolo foi realizado antes, no fim e 1 mês após o
tratamento, executados sempre nas mesmas condições e avaliador.
Excluíram-se 10 pacientes da análise estatística, devido à interrupção do
tratamento, bem como desistência do estudo, sendo a sua dimensão final de
apenas 21 pacientes.
Os resultados obtidos foram analisados através do programa Statistical Package
for Social Sciences' SPSS versão 17.0, utilizando o teste t para amostras
emparelhadas e independentes, o teste Wilcoxon e Mann-Whitney para as variáveis
que não seguiram a normalidade, bem como o teste Binomial (útil nas situações
que apenas se admite duas alternativas como resposta, tais como sim ou não),
considerando um a=0,05.
RESULTADOS
A amostra final do estudo foi constituída por 21 pacientes, 82% do género
masculino e 18% do género feminino, com um mínimo e um máximo de 26 e 82 anos
de idade respectivamente e uma média de 56,45 ± 11,75 anos.
O número de tratamentos de radioterapia interpolou de 28 a 35 dias e a dose de
radiação variou de 53 a 70Gy, média de 63,95Gy, estando as doses de radiação
média de cada ouvido, com respectivo mínimo e máximo, descritas na Tabela_1. Em
relação à quimioterapia, o número de ciclos alternou de 1 a 7 e a dose média de
cisplatina por cada paciente (grupo TC) foi de 419,83mg/m2, variando de 184 a
910,25mg/m2.
Os gráficos_1 e 2 apresentam os resultados das médias dos limiares auditivos
por frequência testada nas três avaliações efectuadas, em ambos os ouvidos uma
vez que não se verificaram diferenças significativas interaurais, para o grupo
TC e para o grupo RT respectivamente, não se tendo verificado diferenças
estatisticamente significativas por frequência em cada grupo (valor p>0,05).
Foram comparados os limiares auditivos entre grupos, no fim dos tratamentos,
obtendo-se resultados estatisticamente significativos para as frequências 4000
e 8000 Hz (Teste t amostras independentes, valor p<0,05). A sintomatologia
recolhida via questionário evidenciou o surgimento de sintomas como mucosites,
radiodermite, otite média, perfuração timpânica, otalgia e acufenos e o
agravamento dos mesmos entre o início e o fim dos tratamentos em 45% dos
pacientes do grupo TC e 41% dos pacientes do grupo RT (gráfico_3),
estatisticamente significativo para ambos os grupos (Teste Binomial, valor
p<0,05). Foi ainda calculada a relação entre a dose de radiação nas estruturas
do ouvido e a perda auditiva nos grupos de tratamento (gráfico_4).
DISCUSSÃO
No grupo TC, em 94,4% dos casos verificou-se uma relação directamente
proporcional entre a dose de radiação na cóclea e a perda auditiva (gráfico_4),
sobretudo nas frequências agudas (gráfico_1). No entanto, esta relação positiva
só se verifica em 31% dos casos do grupo RT (gráfico_4), tendo-se verificado
diferenças significativas entre grupos (p<0,001). Verificaram-se diferenças
estatisticamente significativas nas frequências de 4000 e 8000Hz para ambos os
ouvidos (valor p<0,05), representando no audiograma uma diferença de
aproximadamente 8dB no fim do tratamento e de 10dB um mês depois. Alguns
pacientes que participaram no estudo tinham idade superior a 65 anos e por isso
apresentaram limiares auditivos compatíveis com perda auditiva derivada da
idade (presbiacusia), no entanto, consideramos que tal foi contornado uma vez
que foram analisadas variações desses limiares durante os tratamentos e não o
seu valor absoluto. Outro dado que consideramos importante ressalvar diz
respeito à monitorização da sintomatologia, em ambos os grupos verificaram-se
evidências estatísticas (Teste Binomial, valor p<0,05) que confirmam o
surgimento e progressão do número de sintomas durante os tratamentos,
nomeadamente em 41% dos pacientes sujeitos a RT e em 45% dos pacientes sujeitos
a TC (gráfico_3).
Os resultados sugerem que a perda de audição média do grupo TC é superior à
perda de audição média no grupo de RT. A elevada incidência da perda auditiva
nas frequências agudas deve condicionar o planeamento do tratamento de RT,
reduzindo a dose à cóclea com o objectivo de minimizar a perda auditiva
neurossensorial irreversível, sobretudo quando são utilizadas as duas
modalidades de tratamento. Apesar das cócleas e das trompas de Eustáquio não
serem incluídas no volume alvo, recebem doses mensuráveis de entrada e saída do
feixe primário e da radiação dispersa. Na literatura, a incidência da perda
auditiva e a destruição das células ciliadas, em pacientes sujeitos à
quimioterapia com cisplatina, pode variar de 3 a 100%. A grande variação dos
efeitos ototóxicos entre os estudos, está relacionada com os diferentes métodos
utilizados para a avaliação auditiva. Todavia, existem outros factores como, a
localização do tumor, a idade do paciente, a perda auditiva pré-existente, a
exposição ao ruído e a susceptibilidade individual (6,7,15-17).
É importante a implementação da monitorização auditiva de rotina em todos os
doentes oncológicos de cabeça e pescoço, para identificar, diagnosticar e
intervir precocemente, de forma a proporcionar-lhes melhores condições de vida.
Sugere-se paralelamente que se estabeleça uma dose limite às estruturas
auditivas pois foi possível observar efeitos agudos na combinação da
radioterapia e quimioterapia com cisplatina (18,19).
Este estudo esteve limitado pelo número reduzido de indivíduos incluídos na
amostra e pelo curto período de follow-up, pelo que surge a necessidade de
continuar a avaliação de um maior número de pacientes e por um período de tempo
mais longo para determinar os efeitos tardios. O tratamento não se deve basear
somente na recuperação biológica, mas também no bem-estar e na qualidade de
vida do paciente. Neste sentido, desde o início dos tratamentos, a preocupação
com a audição e sintomas derivados dos mesmos devem ser valorizados.