Valores de resistina, adiponectina e leptina em doentes com asma e excesso de
peso
INTRODUÇÃO
A asma afecta em todo o mundo cerca de 300 milhões de pessoas e estima-se que
provoque 250 000 mortes por ano1. A sua prevalência tem vindo a aumentar2. É
uma doença multifactorial, estando relacionada com vários factores ambientais e
genéticos3.
O excesso de gordura/obesidade é uma consequência de sucessivos balanços
energéticos positivos, em que a quantidade de energia ingerida é superior à
quantidade de energia despendida. Este desequilíbrio resulta em excesso de
gordura corporal acumulado e em doença, conduzindo a uma diminuição da
esperança de vida e/ou aumento de problemas de saúde4, nomeadamente diabetes
mellitustipo 2, osteoartrite, doenças cardiovasculares e respiratórias
crónicas5,6. Os factores que determinam este desequilíbrio são complexos e
podem ter origem genética, metabólica, ambiental e comportamental.
A obesidade e a pré-obesidade são avaliadas pelo índice de massa corporal
(IMC). Este índice mede a corpulência, que se determina dividindo o peso
(quilogramas) pela altura (metros) elevado ao quadrado. O valor de IMC
encontrado permite, segundo a Organização Mundial de Saúde, distribuir as
pessoas por diferentes categorias: magreza (IMC < 18,49 kg/m2), peso normal
(IMC 18,5 -24,99 kg/m2), excesso de peso (IMC 25 -29,99 kg/m2) e obesidade (IMC
> 30 kg/m2)7.
O tecido adiposo é um órgão que desempenha várias funções, contrariamente ao
conceito de há uma década, em que se acreditava que o tecido adiposo era um
compartimento inerte do corpo. Desempenha funções endócrinas com secreção de
proteínas e péptidos designados genericamente por adipocinas, tem uma larga
actividade biológica, desde o isolamento térmico, barreira física ao trauma,
sendo considerada a sua função principal o armazenamento e a libertação de
energia4.
Embora a possibilidade da associação entre asma e obesidade seja controversa8,
uma revisão de mais de 40 estudos transversais e casos-controlo, desde os anos
90, confirmou que em quase todos se encontra uma relação entre estas duas
patologias9. A literatura suporta que não só os obesos, mas também as pessoas
com excesso de peso, apresentam maior propensão para o desenvolvimento de
asma9. Existem vários mecanismos que podem contribuir para a associação da asma
e da obesidade, nomeadamente factores mecânicos. Entre eles estão os baixos
volumes pulmonares dos doentes obesos que estão, por sua vez, relacionados com
um aumento da hiperreactividade brônquica, e o aumento da carga elástica que
provoca broncoconstrição, aumentando a dispneia nestes doentes.
No entanto, apesar dos factores mecânicos terem um papel importante na
patogenia e na apresentação clínica de asma em obesos10, outros mecanismos
estão na origem deste problema. Entre eles, a inflamação sistémica e os
factores derivados do adipócito, como as adipocinas, que incluem a resistina, a
adiponectina e a leptina8. A acção destas proteínas e o seu envolvimento na
asma e na obesidade são, ainda, pouco conhecidos.
A resistina é uma proteína que contém 108 aminoácidos e pertence à família das
moléculas resistin-like. Apesar de não se conhecer bem a função potencial da
resistina, tem sido sugerido que tem efeitos na regulação positiva da adesão
molecular, tendo uma acção pró-inflama tória8.
Esta proteína pode ser encontrada predominantemente em macrófagos e adipócitos.
Foi demonstrado que a resistina pode induzir inflamação vascular através do
aumento da expressão de moléculas de adesão celular vascular (vascular cell
adhesion molecule 1 ' VCAM-1), de moléculas de adesão intercelular (inter-
cellular adhesion molecule1 ' ICAM -1), bem como da pentraxina longa 3 (ptx3)
no endotélio vascular. A exposição de macrófagos à resistina mostrou induzir a
expressão do factor de necrose tumoral alfa (TNF- α), da interleucina (IL) -6 e
da IL -12, o que sugere que a resistina é mais do que um simples marcador de
inflamação. A relação da concentração desta adipocina nos doentes asmáticos é
controversa, uma vez que alguns estudos apontam para um aumento da concentração
de resistina no plasma destes doentes11, mas outros indicam uma relação
negativa dos dois factores8.
A adiponectina é uma proteína envolvida na homeostase da glicose e lípidos,
sendo também uma adipocina anti-inflamatória8 que, actuando nas paredes dos
vasos sanguíneos e no tecido adiposo, pode inibir a proliferação do músculo
liso vascular. Parece, também, proteger o endotélio da adesão de macrófagos e
dos danos por eles causados. Ao mesmo tempo, parece aumentar a oxidação de
ácidos gordos nos tecidos periféricos, prevenindo, assim, a acumulação ectópica
de gorduras12. Níveis baixos de adiponectina têm sido associados a asma em
estudos populacionais.
No entanto, a sua relevância não é clara. Os níveis de adiponectina em
circulação estão diminuídos em doentes obesos, não estando ainda esclarecidos
os factores que contribuem para esta diminuição.
A leptina é uma proteína que tem um papel-chave na regulação do peso, do
apetite e do balanço energético corporal, tendo também uma acção nos linfócitos
T e na sua relação com a inflamação na asma8, sendo -lhe reconhecidos efeitos
sistémicos pró-inflamatórios nesta patologia.
Para além do adipócito, a leptina é também produzida noutros tecidos humanos,
como estômago, coração e epitélio brônquico4. A leptina exerce também efeitos
proliferativos e antiapoptóticos nos linfócitos T13,14. Esta proteína está
aumentada na obesidade. A associação entre asma e a concentração de leptina no
soro é também controversa, havendo estudos com resultados contraditórios e que
não explicam totalmente esta associação15.
O objectivo deste estudo foi analisar a relação entre asma e obesidade através
da comparação dos níveis de três adipocinas ' resistina, adiponectina e leptina
' em doentes asmáticos com e sem excesso de peso e em indivíduos com excesso de
peso sem asma.
MÉTODOS
O estudo foi realizado em 2010 a partir de uma amostra disponível de base
populacional e incluiu 2200 indivíduos com idades compreendidas entre os 18 e
os 74 anos seleccionados de forma aleatória, conforme preconizado pelo
protocolo do Global Allergy and Asthma European Network(GA2LEN). Os potenciais
participantes receberam um questionário a ser preenchido e enviado pelo
correio, sendo realizadas até três tentativas para obter uma resposta.
O questionário recolheu informações sobre idade, género e presença de sintomas
de asma. Uma subamostra de doentes asmáticos seleccionados de forma aleatória
realizaram testes cutâneos de alergia por picada a uma bateria de 12
aeroalergénios (bétula, mistura de gramíneas, erva timótea, gato, cão, barata,
oliveira, artemísia, parietária, alternária e ácaros ' Dermatophagoides
pteronyssinus e Dermatophagoides farinae). A selecção dos extractos foi
efectuada de acordo com as recomendações do GA2LEN16. Como controlo positivo
foi incluído cloridrato de histamina (10 mg/mL) e como controlo negativo uma
solução glicero-salina. Os extractos alergénicos foram colocados na face
anterior dos antebraços e a picada foi realizada com lancetas metálicas do tipo
Morrow -Brown. Após 20 minutos foram efectuadas as leituras dos diâmetros
médios das pápulas em milímetros, sendo considerados positivos os testes com
diâmetro da pápula superior a 3 mm.
Conforme recomendado pelo GA2LEN foram considerados com asma os indivíduos que
referiram ter asma com sintomas característicos conforme preconizado pelo
Global Initiative for Asthma(GINA).
Todos os doentes foram pesados (com roupa leve e descalços), medida a altura,
calculando -se o IMC. Foi também medido o perímetro abdominal em toda a
população estudada.
Foram incluídos neste estudo indivíduos com e sem asma com excesso de peso '
IMC acima de 25 kg/m2 e ainda indivíduos com asma com peso normal. Excluíram-se
todos os indivíduos nascidos antes de 1945 por se considerarem idosos e poderem
por esta condição apresentar alterações a nível das adipocinas (não
relacionadas com asma, nem excesso de peso).
Foi obtido consentimento informado de todos os participantes antes da sua
inclusão no estudo, após aprovação pela comissão de ética da instituição onde
foi efectuado este estudo.
Medição das concentrações das adipocinas no soro
A medição das concentrações de resistina, adiponectina e leptina no soro foram
realizadas com kitsde ELISA (Phoenix Pharmaceuticals®, Burlingame, Estados
Unidos). O protocolo não especificava a necessidade de diluir as amostras,
deixando isso ao critério de cada laboratório. Assim, para a resistina não foi
feita qualquer diluição, para a adiponectina foi feita uma diluição de 1:2 e
para a leptina uma diluição de 1:20. Os limites mínimos de detecção da
resistina, adiponectina e leptina eram 0,016 ng/mL, 0,15 ng/mL e 0,313 ng/mL,
respectivamente.
Análise estatística
Foram feitas comparações entre grupos divididos por IMC e diagnóstico de asma
utilizando o teste de Kruskal-Wallis, dado que a distribuição das variáveis não
era normal.
O nível de significância estatística considerado foi de p<0,05. Foi utilizado o
softwarePASW Statistics 18 e o Numbers'09.
RESULTADOS
Dos 80 participantes seleccionados da amostra inicial, foram criados três
grupos de acordo com o IMC e o diagnóstico de asma: ' Grupo 1: 28 indivíduos
asmáticos com IMC > 25 kg/m2 (30,4 ± 4,3); ' Grupo 2: 26 indivíduos não
asmáticos com IMC > 25 kg/m2 (28,9 ± 4,2); ' Grupo3: 26 indivíduos asmáticos
com IMC < 25 kg/m2(21,6 ± 1,9).
Os valores de concentração das adipocinas obtidos nos grupos 1 e 3 estão
descritos no Quadro 1.
Quadro 1.Valores de adipocinas em asmáticos: população total e população
feminina
Os valores de resistina, adiponectina e leptina nos indivíduos com testes
cutâneos de alergia por picada positivos e negativos foram respectivamente
0,71±0,06 vs
0,70±0,06, 23,1±0,5 vs22,9±1,1 e 72,5±50,3 vs58±41,4, não se tendo encontrado
diferenças estatisticamente signficativas entre os grupos analisados.
Verificou-se que dentro do grupo de indivíduos com IMC > 25 a diferença nos
valores das concentrações das três adipocinas entre asmáticos (Grupo 1) e não
asmáticos (Grupo 2) não era significativa (p > 0,05), conforme descrito no
Quadro 2.
Quadro 2. Valores de adipocinas em indivíduos com excesso de peso: asma e
grupo'controlo
Foram igualmente comparados os valores das concentrações das adipocinas dos
indivíduos com IMC > 25 (n=53) com os de IMC < 25 (n=26). Verificou-se que os
doentes com IMC > 25 tinham níveis de concentração de leptina no soro
significativamente mais elevados (Quadro 3).
Quadro 3.Valores de adipocinas em indivíduos com e sem excesso de peso:
população total e população feminina
Os valores de resistina, adiponectina e leptina na população total com e sem
excesso de perímetro abdominal foram respectivamente de 0,7±0,05 vs
0,7±0,06 (p não significativo), 23±0,95 vs23,2±0,36 (p não significativo),
80,6±49,8 vs51,4±39,6 (p=0,007) e nas mulheres com e sem excesso de perímetro
abdominal foram na mesma ordem 0,69±0,06 vs0,73±0,04 (p=0,032), 23,3±0,2
vs23,3±0,2 (p não significativo), 108,1±45,3 vs62,7±38,2 (p<0,001).
DISCUSSÃO
Adipocinas são mediadores proteicos secretados pelo tecido adiposo.
Recentemente, as adipocinas também foram envolvidas na regulação da inflamação
e reações alérgicas, aumentando o risco de asma, especialmente em doentes
obesos e do sexo feminino.
Neste trabalho, das adipocinas avaliadas ' resistina, adiponectina e leptina '
observaram-se valores elevados de leptina nos doentes asmáticos com excesso de
peso comparativamente aos doentes com peso considerado dentro dos valores
normais, sendo essa diferença ainda mais marcada no sexo feminino. Ao
compararmos os valores dos indivíduos asmáticos e não asmáticos com excesso de
peso, as diferenças observadas foram reduzidas e sem significado estatístico.
No entanto, níveis elevados de leptina têm sido associados a doença mais grave,
sugerindo alguns autores que a ligação entre leptina e asma não seja restrita à
obesidade17. A atopia também parece estar relacionada com a obesidade, tal como
tem sido referido para a asma. Existem correlações positivas entre os níveis de
leptina e IgE em doentes com atopia, e a obesidade pode ser um factor de risco
para alergia. A presença de alergia associou-se a valores mais elevados desta
adipocina, mas a diferença observada não teve significado estatístico,
parecendo, por isso, ter um contributo modesto nestes doentes, ao contrário do
que tem sido referido noutros trabalhos18.
A leptina está aumentada na maioria dos indivíduos obesos, tal como tem sido
referido noutros estudos. Os níveis circulantes de leptina em doentes com
patologia respiratória inflamatória crónica e com alterações dietéticas
correlacionam-se com níveis de leptina na expectoração induzida19,20.
Os niveis elevados de leptina podem constituir deste modo um factor potencial
de agravamento da asma em doentes com excesso de peso, particularmente nos
alérgicos.
A resistina é igualmente uma adipocina com funcionalidades pró-inflamatórias
que tem aparecido aumentada na obesidade e em diversas doenças crónicas. O
grupo de indivíduos com excesso de peso estudado tinha valores de resistina
semelhantes ao observado no grupo com peso normal. No grupo de mulheres com
maior perímetro abdominal foram observados valores de resistina
significativamente mais elevados.
A adiponectina tem propriedades anti-inflamatórias, supondo-se que possa ter
uma influência positiva na regulação de patologia crónica. Os asmáticos com
excesso de peso apresentaram os valores mais reduzidos desta proteína, seguidos
pelos indivíduos com excesso de peso sem patologia e, finalmente, pelos
asmáticos sem excesso de peso. Apesar desta tendência, que sugere uma acção
protectora mais limitada quando existe peso excessivo, a proximidade de valores
encontrada nos diferentes grupos não permite uma discussão mais elaborada deste
resultado.
CONCLUSÕES
O conjunto de resultados deste trabalho aponta para uma modificação a nível
sistémico de proteínas produzidas principalmente por adipócitos em indivíduos
asmáticos com excesso de peso. As alterações observadas são predominantemente
na leptina e determinadas pela condição de excesso de peso e aumento do
perímetro abdominal, particularmente no sexo feminino, com potencial
repercussão na condição respiratória.
Procurámos neste trabalho analisar indivíduos considerados com excesso de peso,
ou seja, definimos como critério de selecção o IMC>25, que corresponderá
provavelmente melhor à realidade portuguesa. Este facto pode minimizar as
diferenças entre grupos. Não obstante as diferenças observadas, particularmente
a nível da leptina e, em menor grau, da resistina, podem suscitar a
persistência da resposta inflamatória e consequentemente da asma.