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EuPTCVHe0871-97212012000300006

EuPTCVHe0871-97212012000300006

variedadeEu
Country of publicationPT
colégioLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0871-9721
ano2012
Issue0003
Article number00006

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Alergia ao dióspiro

INTRODUÇÃO O dióspiro é o fruto da árvore Diospyros kaki.

Originário da China e popular no Japão, o cultivo deste fruto foi introduzido na Europa no final do século XIX. É consumido sobretudo cru, no seu estado maduro, habitualmente nos meses de Outono.

O primeiro caso de alergia ao dióspiro mediada por IgE foi publicado em 19991.

Desde então, estão documentados na literatura oito casos clínicos (Quadro 1)2- 5, sendo considerada uma alergia rara. Em cinco destes casos foi documentada sensibilização a pólenes (Quadro 1), tendo sido demonstrada em todos a existência de reactividade cruzada entre o pólen de bétula e o dióspiro3,4.

Quadro_1.Características dos doentes com alergia a dióspiro publicados na literatura

Apesar dos alergénios envolvidos não terem ainda sido isolados e identificados, estão descritas várias proteínas, com pesos moleculares que variam entre 12 e 72 kDa, como potenciais alergénios no dióspiro2 -5.

Pretende-se apresentar o caso de uma doente com alergia ao dióspiro e caracterizar os alergénios envolvidos.

CASO CLÍNICO Apresenta-se o caso de uma doente de 24 anos, natural do Brasil e residente em Lisboa desde os oito anos de idade. Refira-se, desde os 19 anos, história de rinite alérgica persistente moderada-grave, com exacerbação dos sintomas nasais durante os meses de Abril a Junho.

O dióspiro era consumido regularmente pela doente, desde a infância, durante os meses de Outono, negando quaisquer sintomas com a ingestão deste fruto. Aos 22 anos de idade, a doente relata episódio súbito de prurido e edema labial, seguido de tonturas, dor abdominal e vómitos persistentes, minutos após a ingestão de dióspiro.

Os sintomas motivaram a ida ao serviço de urgência, onde foi medicada com anti- histamínico oral e corticosteróide endovenoso, com resolução do quadro, em menos de uma hora.

A doente não voltou a ingerir dióspiro até cerca de um mês mais tarde, altura em que refere episódio semelhante, imediatamente após ingestão deste fruto.

Desde então fez dieta com evicção absoluta de dióspiro, não se tendo registado outros episódios. A doente negava queixas com a ingestão de outros alimentos, nomeadamente frutos ou outros derivados de plantas.

No âmbito da avaliação por Imunoalergologia foram efectuados testes cutâneos por picada para aeroalergénios comuns com extractos comerciais (Merck - Allergopharma®, Reinbek, Alemanha), que foram positivos para Dermatophagoides farinaee mistura de pólen de gramíneas. O teste cutâneo com extracto comercial de bétula foi negativo. Os testes cutâneos por picada com dióspiro em natureza, utilizando a pele e a polpa deste fruto, foram positivos, com diâmetros médios da pápula de 12 e 9 mm, respectivamente.

O doseamento de IgE específicas no soro (Enzyme AllergoSorbent Test 'EAST) foi positivo para extractos de Dermatophagoides farinae(3 kU/L), pólen de Lolium perenne(6,7 kU/L) e dióspiro (0,7 kU/L). Efectuou-se ainda estudo por Immuno Solid-phase Allergen Chip (ISAC®, Phadia ' Thermo Fisher Scientific, Uppsala, Suécia) que identificou a presença de IgE específicas para Der f 1 e Phl p 1, tendo sido negativo para os alergénios Bet v 1 e Bet v 2, bem como para outras profilinas, proteínas transportadoras de lípidos (LTP) e alergénios de outros alimentos derivados de plantas.

Para caracterizar os alergénios envolvidos na alergia ao dióspiro foi também efectuado immunoblottingcom extracto deste fruto, tendo sido identificada uma banda correspondente ao peso molecular de 40 kDa (Figura 1). No immunoblottingcom extracto de pólen de Lolium perenneforam identificadas bandas de 30, 32 e 68 kDa. Não foi possível a realização de estudos de inibição, pela inexistência de soro disponível, tendo sido recusada nova colheita de sangue.

Figura 1.ImmunoblottingIgE com extracto de dióspiro e com extracto de Lolium perenne

DISCUSSÃO A ocorrência de dois episódios de sintomas imediatos e reprodutíveis após a ingestão de dióspiro permitiu colocar a hipótese diagnóstica de alergia a este fruto. A existência de anticorpos IgE específicos foi confirmada pela positividade dos testes cutâneos com dióspiro em natureza, bem como pelo doseamento de IgE específica sérica e pelo resultado do immunoblottingcom o extracto deste fruto.

A alergia ao dióspiro pode ser grave. De facto, dos oito casos de alergia ao dióspiro mediada por IgE, previamente documentados na literatura, apenas três não preenchiam critérios de anafilaxia (Quadro_1)1-5. Contudo, não se pode excluir um viés de publicação, no sentido de terem sido preferencialmente publicados os casos mais graves.

A maioria dos casos de alergia ao dióspiro reportados na literatura ocorreu em doentes com rinoconjuntivite alérgica com sensibilização a pólen de bétula e de gramíneas e alergia a outros alimentos derivados de plantas (Quadro_1)1-5.

Anliker e colaboradores documentaram a inibição da ligação de IgE a proteínas de dióspiro com extracto de bétula, por EAST e/ou por immunoblotting, em dois doentes3. Estes autores demonstraram que a reactividade cruzada in vitroenvolvia a profilina Bet v 2 e determinantes dos carbohidratos. Noutro doente (Quadro_1 ' doente 5), verificou -se apenas uma inibição parcial, sugerindo a existência de alergénios de dióspiro não envolvidos na reactividade cruzada com pólen de bétula3.

Bolhaar e colaboradores confirmaram também a existência de reactividade cruzada entre o pólen de bétula e o dióspiro in vitro,em dois casos clínicos, envolvendo os alergénios Bet v 1, Bet v 2 e Bet v 6. O somatório das percentagens de inibição obtidas com cada um dos alergénios individuais foi de 100%4. Outro estudo verificou também a existência de alergénio homólogo a Bet v 6 em extracto de dióspiro6.

Tendo em conta estes resultados, o dióspiro foi considerado um fruto incluído na síndrome de reactividade cruzada entre pólen de bétula e alimentos derivados de plantas3,4.

Nesta síndrome, os sintomas respiratórios de polinose precedem habitualmente a alergia alimentar a frutos e vegetais.

Os panalergénios mais frequentemente envolvidos são as proteínas Bet v 1 e Bet v 2, estando também demonstrada reactividade cruzada entre Bet v 6 e alergénios de maçã, pêssego e cenoura, entre outros frutos e vegetais7.

Contudo, a existência de sensibilização e reactividade cruzada imunológica não significa necessariamente a ocorrência de manifestações clínicas de alergia.

Pelo contrário, a presença de IgE específica para proteínas homólogas de Bet v 1 e Bet v 2 são comuns em doentes sensibilizados a bétula, sem sintomas clínicos de alergia alimentar7,8. No sentido de avaliar a relevância clínica da reactividade cruzada entre o pólen de bétula e o dióspiro, Bolhaar e colaboradores efectuaram adicionalmente testes de libertação de histamina, utilizando individualmente Bet v 1, Bet v 2 e Bet v 6, tendo os autores verificado actividade biológica apenas para Bet v 14.

As manifestações de alergia alimentar a frutos relacionada com sensibilização a proteínas homólogas de Bet v 1 são classicamente locais, sendo a síndrome de alergia oral a mais comum, o que está de acordo com o facto de serem proteínas habitualmente sensíveis à proteólise gastrintestinal7. Contudo, na maioria dos doentes com alergia ao dióspiro, ocorreram manifestações clínicas sistémicas, o que pode sugerir a existência de outros alergénios importantes neste fruto.

Todavia, é de salientar que está descrita alergia alimentar grave onde os alergénios identificados foram proteínas homólogas de Bet v 1, particularmente na alergia a soja, cenoura e aipo, que contêm alergénios com menor grau de homologia a Bet v 1 do que os encontrados nos frutos7,9,10. Foi ainda sugerido por alguns autores que quantidades mais elevadas de alergénios lábeis, possivelmente excedendo a capacidade digestiva enzimática, ou a presença de outros factores de risco, possam induzir reacções alérgicas mais graves8.

No caso clínico que apresentamos, não se documentou sensibilização a alergénios de bétula (em testes cutâneo e serológicos). A doente estava contudo sensibilizada a pólen de gramíneas, sugerindo esta sensibilização ser clinicamente relevante, tendo em conta o agravamento dos sintomas nasais coincidente com a época do ano em que as concentrações polínicas são mais elevadas.

A existência de reactividade cruzada entre o pólen de gramíneas e o dióspiro foi demonstrada por Anliker e colaboradores, em três doentes avaliados, não tendo contudo sido caracterizados os alergénios envolvidos3.

No presente caso clínico, ao contrário da maioria dos casos publicados, a doente tolerava outros frutos e vegetais, nomeadamente os descritos no Quadro 1, pelo que não foi proposta qualquer evicção alimentar para além do dióspiro.

O estudo por ISAC® confirmou a sensibilização a alergénio característico de sensibilização primária a pólen de gramíneas (Phl p 1) e a alergénio de ácaro do . Acresce que não foi documentada sensibilização a alergénios envolvidos em fenómenos de reactividade cruzada pólen-frutos, nomeadamente a profilina de gramínea (Phl p 12).

Não se documentou também sensibilização a proteínas do grupo das LTP (tais como Pru p 3), bem como a outros alergénios de frutos.

O immunoblottingcom extracto de dióspiro identificou uma banda com peso molecular de 40 kDa. No immunoblottingcom extracto de Lolium perennenão foi identificada banda neste peso molecular. Contudo, a avaliação da reactividade cruzada entre o pólen de gramíneas e o dióspiro teria sido possível por estudos de inibição.

Por fim, salienta-se que a proteína de 40 kDa detectada como um alergénio relevante no caso clínico descrito pode constituir um alergénio major do dióspiro, dado que bandas correspondentes a pesos moleculares similares foram identificadas em cinco casos de alergia a dióspiro estudados por immunoblotting,previamente reportados na literatura2-4.

O isolamento e a caracterização das proteínas envolvidas na alergia ao dióspiro pode contribuir, no futuro, para o conhecimento mais detalhado desta alergia, com o objectivo último da orientação no plano terapêutico individualizado, que inclua uma adequada dieta de evicção, com riscos mínimos e sem restrições desnecessárias, e possivelmente em tratamentos específicos na alergia alimentar.


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