Estudo da variação intradiária das concentrações de pólen de gramíneas na
atmosfera de Portugal Continental
INTRODUÇÃO
O pólen atmosférico de gramíneas constitui a principal causa de rinite, asma,
conjuntivite e eczema nos indivíduos alérgicos ao pólen na área
Mediterrânica1,2, nomeadamente em Portugal3,4.
Dado que o pólen, particularmente o pólen de gramíneas, é um factor de risco
para as doenças alérgicas respiratórias exercendo um impacto negativo sobre a
qualidade de vida dos indivíduos sensibilizados, é de particular interesse,
quer dos profissionais de saúde, quer do doente conhecer a sua distribuição
intradiária, ou seja a variação horária das concentrações de pólen de gramíneas
ao longo do dia, de modo a adequar de forma mais eficaz medidas de evicção e de
intervenção terapêutica.
O pólen de gramíneas encontra-se presente na atmosfera ao longo de todo o ano,
mas as concentrações mais elevadas verificam-se em Maio e Junho por todo o
País, e também em Julho nas regiões mais a norte5.
A variação diurna tem sido estudada por muitos investigadores6e, geralmente, os
respectivos estudos efectuaram-se em áreas urbanas, cujas fontes de pólen ficam
distantes dos equipamentos de colecta polínica, pelo que os padrões observados
reflectem não só o momento de libertação do pólen das anteras como também os
respectivos mecanismos de dispersão e transporte de pólen até ao local de
amostragem7.
O ritmo intradiário do pólen na atmosfera varia de espécie para espécie, e
inclusive dentro da mesma espécie.
A distribuição das concentrações de pólen no ar ao longo do dia depende de
muitos factores, nomeadamente, de factores endógenos, da composição específica
de cada taxon, do clima, da altitude em que se encontra a fonte polínica, das
distâncias entre tais fontes e os locais de amostragem8,9,10e das condições
meteorológicas, sendo de salientar a acção de factores como a temperatura11,12e
de processos atmosféricos, como a velocidade do vento, a turbulência e a
convecção8,12.
A dispersão do pólen para a atmosfera ocorre após deiscência das anteras,
estando este processo geralmente associado às alterações da temperatura e da
humidade relativa no ambiente8,13. De acordo com Reddi et al.14entre os géneros
da família Poaceaeos períodos da ântese podem decorrer durante vários meses e
numa escala diária a duração da libertação de pólen pode ser muito longa15,
variando entre 2 a 13 horas ou pode fazer-se ao longo do dia em tempos
diferentes; por exemplo, durante o dia certas espécies de gramíneas, tal como
Cynodon dactylon,apresentam vários momentos de ântese14. Cada espécie de
gramínea tem uma fenologia própria, possuindo o seu próprio horário de
libertação de pólen11.
Dado que, em Portugal, tanto quanto é do nosso conhecimento, não existe
qualquer estudo publicado acerca deste assunto e, dada a sua importância em
patologia alérgica, desenvolveu-se o presente estudo que teve como objectivo
analisar a variação intradiária das concentrações de pólen de gramíneas na
atmosfera de cada estação de monitorização continental da Rede Portuguesa de
Aerobiologia (RPA), estações que abrangem praticamente todo o território
nacional.
MATERIAL E MÉTODOS
Neste estudo utilizaram-se os dados disponíveis das concentrações horárias e
diárias do pólen atmosférico de Poaceaemonitorizado nas 5 estações de
monitorização continentais da RPA: Porto (2003-2008), Coimbra (2003-2008),
Lisboa (2002-2008), Évora (2001-2008) e Portimão (2002-2008). De cada ano de
amostragem utilizaram-se apenas os dados do período correspondente à estação de
pólen atmosférico principal (EPAP) das gramíneas (Quadro_1), o qual foi
determinado através do método de Nilsson & Persson16.
Quadro_1
Também se utilizaram os dados diários da precipitação desse mesmo período que
foram fornecidos pelo Instituto Nacional de Meteorologia.
A metodologia de amostragem e de análise das amostras foi a que se encontra
normalizada para a RPA17. O pólen colectou-se usando um captador volumétrico
Burkard Seven Day Volumetric Spore-trape®. Todas as amostras foram processadas
e analisadas no laboratório de Palinologia do Departamento de Biologia da
Universidade de Évora, sendo a respectiva identificação e quantificação
efectuada ao microscópio óptico, com uma ampliação de 400x, leitura por lâmina
ao longo de 4 linhas longitudinais e os resultados expressos em número de grãos
de pólen por metro cúbico de ar. Para se estimar a variação horária deste tipo
polínico utilizou-se o método proposto por Galán et al.18 em que se seleccionam
os dias em que não se registou precipitação e que apresentaram valores médios
iguais ou superiores ao valor da média alcançada durante a EPAP18-20.
Procedeu-se também ao cálculo do IDI (Índice de Distribuição Intradiurna) pelo
método utilizado por Trigo et al.13, que usa os valores máximo e mínimo das
contagens horárias dos dias considerados e a seguinte fórmula:IDI = (M ' m)/ T,
onde M é o valor máximo obtido num determinado intervalo de tempo, m o valor
mínimo e T é o valor total. O valor deste índice encontra-se compreendido entre
0 e 1 e depende da distribuição das concentrações de pólen ao longo do dia.
Análise estatística
Através da utilização de testes não-paramétricos:ANOVA de Kruskall Wallis,
ANOVA de Friedman e teste de Wilcoxon do programa de estatística SPSS 18.0,
compararam-se os dados das várias estações de monitorização no sentido de
averiguar se os dados diferiam entre as estações de monitorização, e se dentro
de cada estação diferiam de ano para ano.
RESULTADOS
Na Figura_1 encontram-se representadas graficamente as curvas da variação
intradiurna das concentrações de pólen de gramíneas atmosféricas para cada uma
das localidades em estudo. Pela análise da Figura_1 pode afirmar-se o seguinte:
Figura_1
1) No Porto, as concentrações mais elevadas registaram-se entre as 4 e as 19
horas, com 2 picos de concentração máxima; o primeiro às 9 horas e o segundo
pelas 19 horas;
2) Na cidade de Coimbra, as concentrações mais elevadas registaram-se entre as
6 e as 20 horas, com 2 picos polínicos coincidentes com os observados no Porto;
3) Em Lisboa, as concentrações mais elevadas observaram-se entre as 8 e as 22
horas, com 2 picos de concentração máxima, o primeiro dos quais às 12 horas e o
segundo, mais acentuado, às 20 horas;
4) Na localidade de Évora, as concentrações mais elevadas verificaram-se entre
as 6 e as 22 horas, com 2 picos de concentração máxima, um próximo das 13 horas
e outro às 16 horas;
5) Na cidade de Portimão, as suas concentrações mais elevadas registaram-se
entre as 9 e as 21 horas, com 2 picos de concentração máxima, um às 10 horas e
o outro às 18 horas.
Quando se compararam as curvas das concentrações horárias do pólen de gramíneas
das diferentes estações verificou-se que existiam diferenças bastante
significativas entre todas as estações de monitorização (p < 0,01).
As Figuras 2 a 6 mostram a variação da distribuição intradiária das
concentrações de pólen de gramíneas atmosférico para os vários anos de estudo
disponíveis em cada uma das estações de monitorização aqui analisadas.
Figura_2
Figura_3
Figura_4
Figura_5
Figura_6
Na análise da distribuição intradiária das concentrações de pólen entre os
vários anos de amostragem, quer em termos de valores percentuais, quer em
valores absolutos, verificou-se o seguinte nas várias estações de
monitorização:
' Na estação do Porto, em valores percentuais não se encontraram diferenças
significativas entre os anos (p > 0,05), mas estas foram significativas para
valores absolutos (p < 0,01). O ano de 2007 foi o ano que mais diferiu
relativamente aos outros anos, diferiu significativamente de 2003 (p < 0,05),
2004, 2006 e 2008 (p < 0,01), seguido pelo ano de 2006 que diferiu
significativamente de 2003 (p < 0,05) e 2005 (p < 0,01). Os restantes anos não
apresentaram diferenças significativas entre si (p > 0,05).
' Na estação de Coimbra, não se observaram diferenças estatisticamente
significativas entre os anos, em termos de percentagens (p > 0,05). No entanto,
observaram-se diferenças significativas relativamente ao número de grãos de
pólen (p < 0,01). Os anos 2007 e 2003 diferiram de forma significativa com os
anos 2004, 2005 e 2006 (p < 0,05), 2007 ainda diferiu de 2008 (p < 0,01). Não
se observaram diferenças significativas entre os restantes anos (p > 0,05).
' Na estação de Lisboa, tal como nas estações anteriores, não se verificaram
diferenças entre os anos em termos de valores percentuais (p > 0,05), mas
registaram -se em termos de valores absolutos (p < 0,01). Em termos de número
de grãos de pólen, 2007 diferiu significativamente de 2002, 2004 e 2008(p <
0,05). Os restantes anos não apresentaram diferenças significativas entre si (p
> 0,05).
' Na estação de Évora, em termos percentuais não se detectaram diferenças
significativas interanuais (p > 0,05), mas apenas em valores absolutos (p
<0,01), com 2001 a diferir de todos os anos (p < 0,05) com excepção com 2005,
2005 a diferir de todos os anos (p < 0,01) com excepção com 2002 e 2008, 2008 a
diferir ainda com 2003, 2004 e 2007 (p < 0,01) e 2003 com 2004 e 2007 (p <
0,01), e os restantes a não diferirem entre si (p > 0,05).
' Na estação de Portimão, como na maioria das estações, não se registaram
diferenças significativas entre os anos, em termos percentuais (p > 0,05) mas
apenas em termos de concentrações polínicas (p < 0,01). Os anos 2003, 2006 e
2007 diferiram significativamente dos anos 2002, 2004, 2005 e 2008 (p < 0,05) e
2005 diferiu de 2004 (p < 0,01). Os outros anos não diferiram uns relativamente
aos outros (p > 0,05).
Para todas as regiões obtiveram-se valores de IDI baixos, inferiores a 0,10,
com excepção dos anos de 2002, 2007 e 2008 em Lisboa, e do ano de 2002 em
Évora, onde se obtiveram valores compreendidos entre 0,10 e 0,20 (Figuras 2 a
6).
DISCUSSÃO
As variações nas concentrações horárias do pólen atmosférico de gramíneas ao
longo do dia e os distintos picos observados nas curvas de concentrações
horárias de pólen, em todas as localidades estudadas, reflectem a floração de
distintas espécies de gramíneas e a respectiva fenologia floral.
Os baixos valores médios dos índices de distribuição intradiária, inferiores a
0,10, para todas as regiões analisadas, segundo Trigo et al.13 reflectem curvas
de distribuição achatadas e os valores elevados não estão ligados a um pico
pronunciado. De acordo com os mesmos autores, os taxaque ocorrem próximo do
colector apresentam picos pronunciados comparativamente com os que ocorrem
longe, portanto, o IDI baixo, como o obtido para as gramíneas em todas as
localidades neste estudo, pode indicar que este tipo polínico foi transportado
de longas distâncias, refletindo, por isso, a realidade de cada região em
análise.
São possíveis várias interpretações para os picos de concentrações observados,
nomeadamente: 1) tratarem'se de momentos da deiscência das anteras e de
libertação de pólen para a atmosfera; ou 2) decorrerem de fenómenos de
transporte a longa distância; ou, então, 3) decorrerem de fenómenos mais
complexos de dispersão e transporte polínico associados a processos de
convecção das camadas inferiores da atmosfera e posterior deposição, seja pela
acção mecânica da precipitação ou via gravitacional, e que acabam por sobrepor-
se a outros fenómenos de transporte anteriormente referidos. Esta deposição
justifica assim a ocorrência de picos no final do dia.
Quando se compararam as curvas das concentrações horárias do pólen de gramíneas
das várias localidades verificou -se que diferiam muito umas das outras, indo
de encontro com os investigadores como Kasprzyk et al.15, que referem no seu
estudo que a periodicidade diurna difere muito entre locais.
De uma maneira geral, o pólen encontrou-se presente na atmosfera durante 24
horas. As concentrações horárias apresentaram variações ao longo do dia e,
geralmente, observaram-se 2 picos de concentração máxima ao longo do dia, facto
geralmente, referido para localidades fora da Península Ibérica, no Reino
Unido21, Finlândia22, Polónia23e, embora a maioria dos investigadores mencionem
para as localidades espanholas a existência de apenas um pico19,24-29,para
Mérida e Badajoz, Moreno-Corchero30refere a existência de 2 picos polínicos.
Nas várias localidades portuguesas, as concentrações mais baixas registaram-se
entre as 22 e as 6 horas e as mais elevadas observaram-se entre as 7 e as 21
horas, sendo esses períodos semelhantes em localidades espanholas.
Por exemplo, em Mérida e Badajoz as concentrações de pólen são elevadas entre
as 8 e as 21 horas30, em Cáceres entre as 7 e as 18 horas29, em Córdoba entre
as 8 e as 20 horas19,24-26,32, e em Málaga entre as 8 e as 18 horas27.
Na localidade de Évora, durante o período de elevadas concentrações (6 às 22
horas), as concentrações horárias ultrapassaram os 30 grãos de pólen/m3/hora.
Por conseguinte, na localidade de Évora, a qualquer hora do dia foi
ultrapassado o valor limiar diário, 25 grãos de pólen/m3/dia, valor proposto
pela Spanish Aerobiology Network(REA)33, a partir do qual os doentes alérgicos
às gramíneas apresentam sintomas clínicos mais graves.
A estação localizada na cidade de Évora apresentou características de uma área
rural; os picos registaram-se durante a tarde, tal como, em estudo efectuado
por Norris-Hill6 numa área rural, no Reino Unido, em que as concentrações
máximas se registaram tipicamente entre as 14 e as 16 horas. Nas áreas urbanas,
as concentrações máximas ocorrem durante a manhã e posteriormente no final da
tarde / início da noite6,9,34; os picos tardios devem-se à localização das
fontes de pólen, que habitualmente ficam distantes, localizadas nas áreas da
periferia ou sub-urbanas, e às correntes de convecção sobre as cidades12.
CONCLUSÕES
O ritmo diurno diferiu muito entre as várias estações.
Cada localidade tem o seu próprio padrão de variação das concentrações horárias
do pólen atmosférico de gramíneas que se deverá às diferentes espécies de
gramíneas e às diferentes condições ambientais dessas localidades.
A região do Porto é a que apresenta menor risco de exposição a este pólen. A
proximidade do Oceano Atlântico e do rio Douro relativamente à cidade do Porto
fazem com que a humidade relativa do ar desta localidade aumente e, estas
condições juntamente com os ventos desprovidos de pólen provenientes desses
quadrantes exercem um efeito negativo sobre as concentrações atmosféricas do
pólen de gramíneas. Também Lisboa e Portimão em parte sofrem esse tipo de
impacto, Lisboa por se encontrar junto ao rio Tejo e sofrer influência do
Oceano Atlântico e Portimão por sofrer influência do Mar Mediterrâneo e do
Oceano Atlântico.
A região de Évora, comparativamente com as outras localidades, é onde existe o
maior risco de exposição ao pólen de gramíneas, o que se deve ao seu carácter
de cidade do interior e de ambiente próximo do rural.
Com base nos resultados aqui apresentados, torna'se vidente que durante a
Primavera, período da principal estação de pólen atmosférico das gramíneas, os
doentes alérgicos ao pólen de gramíneas, estão expostos durante todo o dia a
esse pólen, particularmente entre as 7 e as 21 horas. O grau de exposição é
variável de localidade para localidade e ao longo do dia.
Este trabalho vem reforçar a importância das constantes onitorizações polínicas
numa dada localidade / região e consequentemente da necessidade do seu
alargamento para outras regiões.
Este estudo ao dar a conhecer o período do dia em que se registam as
concentrações mais elevadas de pólen de gramíneas na atmosfera, de várias
localidades ao longo de todo o País, poderá ser extremamente útil na prática
clínica, na área da prevenção e tratamento da doença alérgica respiratória em
doentes com sensibilização ao pólen de gramíneas.